
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:ELIANA FERREIRA DE OLIVEIRA
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: MARCO AURELIO SIQUEIRA SAMPAIO - GO58646 e GUILHERME AUGUSTO SIQUEIRA SAMPAIO - GO51957
RELATOR(A):ANTONIO OSWALDO SCARPA
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1011326-42.2023.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELIANA FERREIRA DE OLIVEIRA
RELATÓRIO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido de pensão por morte formulado pela parte autora, com DIB na data do óbito, condenando o recorrido em honorários advocatícios, com antecipação da tutela.
Em suas razões recursais, requer o apelante a reforma da sentença, aduzindo a inexistência de dependência econômica e que o falecido não ostentava a qualidade de segurado especial (rurícola)
Com contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1011326-42.2023.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELIANA FERREIRA DE OLIVEIRA
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA (RELATOR):
Impõe-se o conhecimento da apelação, ante a presença dos pressupostos e requisitos para sua admissibilidade.
O objeto da presente demanda é o instituto da pensão por morte, previsto no artigo 201 da Constituição Federal, que em seu inciso V aduz que é devida “pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes”, com a finalidade de preservar a qualidade de vida da família, no caso de morte daquele que é responsável pela sua subsistência.Posteriormente, o artigo 74 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, regulamentou a questão, prevendo que “a pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não”.
Preliminarmente, importa destacar que a concessão da pensão por morte rege-se pela lei vigente à época do óbito (Súmula 340 do STJ) mediante o preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a demonstração da qualidade do segurado do instituidor na data do óbito e; c) a condição de dependente (art. 74, Lei nº 8.213/91).
A Lei nº 8.213/91, em seu artigo 16, indica os beneficiários que ostentam a qualidade de dependentes do segurado, e, em seu §4º, dispõe que é presumida a dependência econômica do cônjuge, da companheira, do companheiro e do filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou portador de deficiência.
Aos dependentes de segurado especial de que trata o art. 11, inciso VII, da referida lei, fica garantida a concessão de pensão por morte no valor de um salário-mínimo, exigindo-se a comprovação da qualidade de segurado do instituidor mediante início razoável de prova material, corroborada por prova testemunhal coerente e robusta, ou prova documental plena, não sendo admissível a prova exclusivamente testemunhal.
O art. 26, I da Lei 8.213/91, por sua vez, prevê que o deferimento de pensão por morte independe do cumprimento de carência, mas é necessário que o óbito tenha ocorrido enquanto o trabalhador tinha a qualidade de segurado.
A par disso, o artigo 106 da Lei 8.213/91 elenca o rol de documentos aptos à comprovação do exercício da atividade rural, frise-se, de caráter meramente exemplificativo, conforme entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça e deste Colegiado (REsp 1081919/PB, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2009, DJe 03/08/2009, e AC 0047556-22.2016.4.01.9199, DESEMBARGADOR FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, TRF1 e-DJF1 02/09/2022 PAG), a saber:
“Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, complementarmente à autodeclaração de que trata o § 2º e ao cadastro de que trata o § 1º, ambos do art. 38-B desta Lei, por meio de, entre outros:
I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - (revogado);
IV - Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, de que trata o inciso II do caput do art. 2º da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, ou por documento que a substitua;
V – bloco de notas do produtor rural;
VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7º do art. 30 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;
VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;
VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização daprodução;
IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou
X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.”
Nessa linha, é o entendimento deste Colegiado:
APELAÇAO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. SENTENÇA MANTIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. . Recorre o INSS contra sentença que julgou procedente o pedido autoral de aposentadoria por idade rural. Argui que, não obstante a regulamentação legal dada a matéria, verifica-se que a parte autora não se desincumbiu do ônus de comprovar sua alegada condição de segurado especial, e que a documentação trazida aos presentes autos apresenta-se inservível por si só. Subsidiariamente, que seja aplicado o art.1º F para fins de correção monetária. 2. A concessão do benefício de aposentadoria rural por idade exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 142 da Lei n. 8213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade superior a 60 anos para homem e 55 anos para mulher (artigo 48, § 1º da Lei de Benefícios). 3.No tocante à prova do labor rural, é pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos, nos quais esteja especificada a profissão da parte autora ou de seu cônjuge/companheiro como trabalhador rural. 4. A parte autora atingiu a idade mínima necessária para aposentar, conforme documento de fl. 12. 5. Na hipótese, quanto a qualidade de segurada especial, a parte autora juntou como início de prova material: indeferimento administrativo; conta de energia; documentos pessoais; certidão de casamento em 1979, constando a profissão de lavrador do nubente, extensível à esposa; certidão de nascimento de filho constando a profissão de lavrador do genitor em 1981; INFBEN do marido da apelada demonstrando que este é aposentado por invalidez RURAL; declaração de residência. 6. Deste modo, está comprovada a qualidade de segurada especial da apelada, em especial pela certidão de casamento em que a profissão do marido como lavrador fica evidenciada, bem como os vínculos rurais da autora no CNIS. Restou comprovado ainda que autora continuou morando com o marido mesmo após divorciarem, separando-se novamente há cerca de um ano da data sentença de 1ºgrau. A prova testemunhal, fl. 56 confirmou o início de prova material, conforme conclusões do juiz sentenciante, devendo ser dado primazia, pois teve contato imediato com a parte e testemunhas. 7. Diante da análise do conjunto probatório, a apelada demonstrou o cumprimento dos requisitos. Há de se observar que não há necessidade de que em tais documentos seja imprescindível a informação se referir unicamente ao segurado, nem que corresponda a todo o período de carência. Ademais, o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213-91, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo. 8. Sobre as parcelas pretéritas incide correção monetária pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 STJ. Ressalva do entendimento desta Relatora pela aplicação do IPCA-E (TEMA 810 STF). Incidência da SELIC após a entrada em vigor da EC 113\2021. 9. Recurso do INSS desprovido. (AC 0047556-22.2016.4.01.9199, DESEMBARGADOR FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, TRF1 e-DJF1 02/09/2022 PAG)(grifos nossos)
A Requerente afirma que sua união estável com João Carlos Neto do Prado iniciou-se em 01/2007; em 30/04/2019 se casaram; afirma ainda que o relacionamento persistiu até o óbito de João Prado, em 03/01/2020.
Da análise dos autos, a parte autora juntou os seguintes documentos: a) certidão de óbito de João Carlos Neto do Prado, falecido em 03/01/2020, qualificado com casado e lavrador; b) certidão de casamento entre a Requerente e o falecido, realizado em 30/04/2019, sendo neste documento ele qualificado como lavrador e ela como “do lar”; c) certidão emitida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária atestando que o falecido era assentado no PA Curral da Pedra, desenvolvendo atividades rurais em regime de economia familiar em área que lhe foi destinada desde 04/11/2014; d) fotos.
Por sua vez, o INSS apresentou o extrato CNIS da Requerente, com a presença de vínculos urbanos nos seguintes períodos: 10/1998 a 01/1999, 01/04/1999 a 30/04/1999, 07/1999 a 02/2000, 01/2008 a 10/2016 e 02/2019 a 07/2021. Apresentou também o contrato de concessão firmado entre o Incra e o falecido em 2015, não sendo a Requerente indicada como integrante da unidade familiar.
Constata-se que o citado contrato afirma que o PA Curral da Serra fica no município de Montivideu do Norte – GO, onde o falecido exerceu suas atividades desde 2014. No entanto, o CNIS da Requerente informa que no período de 01/2008 a 10/2016 ela exerceu suas atividades em empresa localizada na cidade de Itaucu - GO.
Dessa forma, apesar de a parte autora ter comprovado matrimônio com o falecido em 30/04/2019, os documentos apresentados não atestam o início da união estável do casal, como a existência de mesmo domicílio, nem uma conta de água ou luz; ou conta bancária conjunta; ou ficha médica na qual conste a segurada como responsável pelo falecido. Em resumo, não foi comprovado quando ocorreu o início da convivência e a intenção de constituir família, características que são inerentes ao instituto da união estável.
Uma vez que o óbito ocorreu em 03/01/2020, à luz do princípio tempus regit actum, é aplicável a nova redação do art. 16, § 5º, da Lei 8.213/1991, incluído pela Lei nº 13.846, de 2019. Dessa forma, com a nova redação, a união estável e a dependência econômica exigem início de prova material contemporânea ao óbito, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do falecimento, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito.
Diante da fragilidade das provas carreadas aos autos, não foram atendidos os requisitos indispensáveis à concessão do benefício previdenciário requerido de forma vitalícia.
O art. 77, § 2º, V, dispõe que o benefício de pensão por morte terá duração de 4 (quatro) meses se não for comprovada que a união foi iniciada há mais de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado.
Destarte, a sentença recorrida deve ser reformada para conceder o benefício de pensão por morte pelo prazo de 04 (quatro) meses.
Correção monetária e juros moratórios conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros harmonizam-se com a orientação que se extrai do julgamento do RE 870.947/SE (Tema 810 da repercussão geral) e do REsp. 1.495.146-MG (Tema 905).
Ante o exposto, dou provimento em parte à apelação do INSS.
É como voto.
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA
Relator
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
Gab. 26 - DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO SCARPA
PJE/TRF1-Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1011326-42.2023.4.01.9999
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELIANA FERREIRA DE OLIVEIRA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE RURAL. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA POR PERÍODO SUPERIOR A DOIS ANOS. BENEFÍCIO DEVIDO PELO PERÍODO DE QUATRO MESES. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA EM PARTE.
1. A pensão por morte é benefício previdenciário regido pela lei vigente à época do óbito do segurado instituidor, sendo ele aposentado ou não, devida aos seus dependentes, nos termos do art. 74 da Lei 8.213/91.
2. São requisitos indispensáveis à concessão do benefício: o óbito, a dependência econômica em relação ao falecido, e a qualidade de segurado especial do instituidor da pensão.
3. Apesar de a parte autora ter contraído matrimônio com o falecido (30/04/2019), os documentos apresentados não se mostraram aptos a comprovar a existência de união estável no período anterior. Não obstante o de cujus tenha exercido suas atividades em Projeto de Assentamento Curral da Serra, no município de Montividiu do Norte/GO desde 2014, consta do CNIS da Requerente que, no período de 01/2008 a 10/2016, ela trabalhou em empresa localizada na cidade de Itauçu/GO.
4. O art. 77, § 2º, V, da Lei n. 8.213/91 dispõe que o benefício de pensão por morte terá duração de 4 (quatro) meses se não for comprovada que a união foi iniciada há mais de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado.
5. Sentença reformada para deferir o benefício de pensão por morte pelo prazo de 04 (quatro) meses.
6. Correção monetária e juros moratórios conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros harmonizam-se com a orientação que se extrai do julgamento do RE 870.947/SE (Tema 810 da repercussão geral) e do REsp. 1.495.146-MG (Tema 905).
7. Revogada a decisão que antecipou os efeitos da tutela.
7. Apelação do INSS parcialmente provida.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, dar provimento parcial à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília (DF), (data da Sessão).
Desembargador Federal ANTÔNIO SCARPA