
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:ROZINEIDE DOS SANTOS MARTINS
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: FRANCISCO COELHO DA SILVA - AM5718 e PAULO ROBERTO PEREIRA SIMOES - DF13219
RELATOR(A):EDUARDO MORAIS DA ROCHA
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1006477-90.2024.4.01.9999
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL FAUSTO MENDANHA GONZAGA (RELATOR CONVOCADO):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido inicial, condenando-o a conceder aposentadoria por idade rural a ROZINEIDE DOS SANTOS MARTINS, desde a data do requerimento administrativo.
Sustenta o apelante, em síntese, que a sentença deve ser reformada, uma vez que o núcleo familiar não dependeu prioritariamente da agricultura familiar para sobrevivência, pois o esposo da Recorrida possui patrimônio totalmente incompatível com a economia familiar de subsistência. (frota de veículos em seu nome, que demonstra patrimônio totalmente incompatível com atividades rurais não lucrativas). Além da ausência de prova material que comprove que se trata de núcleo familiar que sobreviveu da agricultura ou pesca familiar. Foram apenas dois documentos citados em sentença, o que definitivamente não se revela suficiente para comprovação dos 15 anos de carência (especialmente diante dos indícios em sentido contrário - residência urbana e grande patrimônio familiar - acima demonstrados).
Não houve apresentação de contrarrazões.
É o relatório.
Juiz Federal FAUSTO MENDANHA GONZAGA
Relator convocado
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1006477-90.2024.4.01.9999
V O T O
O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL FAUSTO MENDANHA GONZAGA (RELATOR CONVOCADO):
A sentença proferida na vigência do CPC/2015 não está sujeita à remessa necessária, pois a condenação nela imposta não tem o potencial de ultrapassar o limite previsto no art. 496, § 3º, do novo CPC.
Segundo os termos do Enunciado Administrativo n. 3/STJ, aprovado pelo Plenário da Corte na sessão de 9/3/2016: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.”
A concessão da aposentadoria por idade pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 142 da Lei n. 8213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade superior a 60 anos para homem e 55 anos para mulher (artigo 48, §1º, da Lei de Benefícios).
Diante das dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores rurais para comprovar o exercício de atividade rurícola, em razão das peculiaridades inerentes ao meio campestre, a jurisprudência do e. STJ tem adotado a solução pro misero, em que se admite a prova testemunhal para demonstrar a qualidade de agricultor, desde que acompanhada de início de prova material. (AR 4041/SP, relator Ministro Jorge Mussi, revisor Ministro Sebastião Reis Junior, Terceira Seção, DJe 05/10/2018).
Conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª. Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34). Ressalte-se o teor da Súmula 577 do STJ: “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob contraditório.”
No caso dos autos, em atenção à solução pro misero adotada no âmbito do Colendo STJ e pelos Tribunais Regionais Federais, foram juntados aos autos os seguintes documentos que configuram o início razoável de prova material da atividade campesina: declaração da Associação de Desenvolvimento Rural dos Produtores da Comunidade da Assembleia de Deus, constando que a autora é agricultora, datada de 2021; contratos particular de comodato de imóvel rural na localidade de Santa Maria, constando que a autora é agricultora, datado de 2000 e de 2018; declaração da Associação de Desenvolvimento Rural dos Produtores da Comunidade da Assembleia de Deus, constando que a autora vive e trabalha em regime de agricultura familiar desde 1998, datada de 2018; certidão eleitoral, datada de 2021, que consta sua profissão como agricultor.
Observa-se que a autora possuiu vínculo com o Município de maio a outubro/2010 e em fevereiro/2012, segundo seu CNIS. O INSS apresentou a certidão de casamento da autora, realizado em 1984, constando a profissão do marido como motorista. Em sua autodeclaração, a autora afirma exercer a atividade de segurado especial individualmente.
Não descaracteriza o exercício da atividade rural, a atividade urbana exercida de forma descontinuada, em períodos curtos. No caso, foram colacionados elementos de prova material indicativos de atividade rural, ainda que de forma não contínua, em regime de economia familiar pelo período de carência exigido. O fato de possuir endereço urbano também não descaracteriza, por si só, seu labor rural, uma vez que a própria redação do inciso VII do art. 11 da Lei n. 8.213/91 prevê expressamente que o trabalhador rural pode residir “no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele...” (TRF1, AC n. 0051395-26.2014.4.01.9199/BA, Relator Juíza Federal Renata Mesquita Ribeiro Quadros, 1ª Câmara Regional Previdenciária da Bahia, e-DJF1 28/04/2022).
Ocorre que a comprovação do exercício de atividade rural em regime de economia familiar exige início razoável de prova material complementada com prova testemunhal, isto quando os documentos se apresentam apenas como início de prova material destinada à comprovação da alegada condição de rurícola, em regime de economia familiar, hipótese dos autos.
Assim, a sentença deva ser anulada, uma vez que não houve realização de audiência para corroborar as provas documentais.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO MATERNIDADE. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. O salário maternidade é devido à segurada especial, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 10 (dez) meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua (art. 93, §2º, do Decreto 3.048/99). 2. Não obstante tenha sido juntado aos autos início razoável de prova material do exercício de atividade rural, verifica-se, contudo, que tais documentos não fazem prova direta sobre a sua atividade profissional, de forma a autorizar o deferimento do benefício pleiteado. Na hipótese, é forçoso anular a sentença, para que seja colhida a prova testemunhal e examinada a pretensão como de direito. Precedentes desta Corte. (AC 0034521-63.2014.4.01.9199, JUÍZA FEDERAL GILDA SIGMARINGA SEIXAS (CONV.), TRF1 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 10/12/2014 PAG 379.). 3. Apesar de o início de prova material apresentado ser de força duvidosa, o julgamento em colegiado, em segunda instância, permite a apresentação de variados pontos de vista e, nesse sentido, a prova testemunhal deve estar presente nos autos, caso seja necessária a sua análise. 4. Sentença anulada de ofício e determinado o retorno dos autos à Vara de origem, a fim de que seja colhida a prova testemunhal. Apelação da parte autora prejudicada. (AC 1013939-69.2022.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL GUSTAVO SOARES AMORIM, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 18/08/2022 PAG.)
Ante o exposto, anulo a sentença de ofício e determino o retorno dos autos à vara de origem para que seja colhida a prova testemunhal, ficando prejudicada a apelação do INSS.
É como voto.
Juiz Federal FAUSTO MENDANHA GONZAGA
Relator convocado
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 01 - DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA
Processo Judicial Eletrônico
APELAÇÃO CÍVEL (198) 1006477-90.2024.4.01.9999
RELATOR: Des. MORAIS DA ROCHA
RELATOR CONVOCADO: JUIZ FEDERAL FAUSTO MENDANHA GONZAGA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROZINEIDE DOS SANTOS MARTINS
Advogados do(a) APELADO: FRANCISCO COELHO DA SILVA - AM5718, PAULO ROBERTO PEREIRA SIMOES - DF13219
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. DOCUMENTOS QUE PODEM CARACTERIZAR INÍCIO DE PROVA MATERIAL DA ATIVIDADE RURAL. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO.
1. A concessão da aposentadoria por idade pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 142 da Lei n. 8213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade superior a 60 anos para homem e 55 anos para mulher (artigo 48, §1º, da Lei de Benefícios).
2. Diante das dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores rurais para comprovar o exercício de atividade rurícola, em razão das peculiaridades inerentes ao meio campestre, a jurisprudência do e. STJ tem adotado a solução pro misero, em que se admite a prova testemunhal para demonstrar a qualidade de agricultor, desde que acompanhada de início de prova material. (AR 4041/SP, relator Ministro Jorge Mussi, revisor Ministro Sebastião Reis Junior, Terceira Seção, DJe 05/10/2018).
3. Conquanto inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª. Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34). Ressalte-se o teor da Súmula 577 do STJ: “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob contraditório.”
4. No caso dos autos, em atenção à solução pro misero adotada no âmbito do Colendo STJ e pelos Tribunais Regionais Federais, foram juntados aos autos os seguintes documentos que configuram o início razoável de prova material da atividade campesina: declaração da Associação de Desenvolvimento Rural dos Produtores da Comunidade da Assembleia de Deus, constando que a autora é agricultora, datada de 2021; contratos particular de comodato de imóvel rural na localidade de Santa Maria, constando que a autora é agricultora, datado de 2000 e de 2018; declaração da Associação de Desenvolvimento Rural dos Produtores da Comunidade da Assembleia de Deus, constando que a autora vive e trabalha em regime de agricultura familiar desde 1998, datada de 2018; certidão eleitoral, datada de 2021, que consta sua profissão como agricultor. Observa-se que a autora possuiu vínculo com o Município de maio a outubro/2010 e em fevereiro/2012, segundo seu CNIS. O INSS apresentou a certidão de casamento da autora, realizado em 1984, constando a profissão do marido como motorista. Em sua autodeclaração, a autora afirma exercer a atividade de segurado especial individualmente.
5. Não descaracteriza o exercício da atividade rural, a atividade urbana exercida de forma descontinuada, em períodos curtos. No caso, foram colacionados elementos de prova material indicativos de atividade rural, ainda que de forma não contínua, em regime de economia familiar pelo período de carência exigido. O fato de possuir endereço urbano também não descaracteriza, por si só, seu labor rural, uma vez que a própria redação do inciso VII do art. 11 da Lei n. 8.213/91 prevê expressamente que o trabalhador rural pode residir “no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele...” (TRF1, AC n. 0051395-26.2014.4.01.9199/BA, Relator Juíza Federal Renata Mesquita Ribeiro Quadros, 1ª Câmara Regional Previdenciária da Bahia, e-DJF1 28/04/2022).
6. Ocorre que a comprovação do exercício de atividade rural em regime de economia familiar exige início razoável de prova material complementada com prova testemunhal, isto quando os documentos se apresentam apenas como início de prova material destinada à comprovação da alegada condição de rurícola, em regime de economia familiar, hipótese dos autos.
7. Sentença anulada, com o retorno dos autos à origem para realização da prova testemunhal. Apelação prejudicada.
A C Ó R D Ã O
Decide a Primeira Turma, por unanimidade, anular de ofício a sentença e julgar prejudicada a apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Juiz Federal FAUSTO MENDANHA GONZAGA