
POLO ATIVO: VALERIA PINHEIRO GOMES
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: BARBARA NATHANNA SANTOS CARVALHO - TO10356-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por Valeria Pinheiro Gomes em face de sentença pela qual se julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de salário-maternidade na condição de segurada especial.
Em suas razões recursais alegou que os documentos colacionados aos autos são suficientes para comprovar o início de prova material, os quais foram corroborados com a prova testemunhal produzida em juízo.
Não houve apresentação de contrarrazões pelo INSS.
É o relatório.
Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Pressupostos e recebimento da apelação
Presente os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação em seu duplo efeito, nos termos dos arts. 1.011 e 1.012, ambos do CPC.
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Requisitos jurídicos
O benefício de salário-maternidade é devido à segurada especial que atender aos requisitos estabelecidos na Lei 8.213/91 (art. 25, III) e no § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/99: exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua.
A concessão do benefício pleiteado pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural no prazo mínimo de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena, inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF/1ª Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
Logicamente, a documentação apresentada, para os fins da súmula 149, do E. STJ, e na linha dos precedentes consolidados na súmula 34, da TNU, não é chancelável se residir em elementos de informação meramente declaratórios e/ou extemporâneos aos fatos a provar. Certo é que o início de prova material deve guardar correspondência temporal com o período de prova e de carência legalmente exigido.
Nessa linha de raciocínio, colaciono os seguintes precedentes deste E. TRF1:
"Não são considerados como início de prova material da atividade campesina, conforme jurisprudência pacífica desta Corte: a) documentos confeccionados em momento próximo do ajuizamento da ação ou do implemento do requisito etário; b) documentos em nome dos genitores quando não comprovado o regime de economia familiar e caso a parte postulante tenha constituído núcleo familiar próprio; c) certidões de nascimento da parte requerente e de nascimento de filhos, sem constar a condição de rurícola dos nubentes e dos genitores respectivamente; d) declaração de exercício de atividade, desprovida de homologação pelo órgão competente, a qual se equipara a prova testemunhal; e) a certidão eleitoral, carteira de sindicato e demais provas que não trazem a segurança jurídica necessária à concessão do benefício. (AC 1003068-48.2020.4.01.9999, JUIZ FEDERAL CÉSAR JATAHY FONSECA (CONV.), TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 28/05/2020 PAG.)
"PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. RURÍCOLA. INEXISTÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL DA ATIVIDADE CAMPESINA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. O salário-maternidade é devido à segurada especial, no valor de 01 (um) salário-mínimo mensal, durante 120 dias, a contar da data do parto ou dos 28 (vinte e oito) dias que o antecederam, desde que comprovado o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos dez meses imediatamente anteriores ao início do benefício (arts. 39, parágrafo único, e 71 c/c 25, da Lei nº 8.213/91). 2. Não se prestam como razoável início de prova material do labor rural documentos confeccionados em momento próximo ao ajuizamento da ação ou ao implemento do requisito etário, em especial quando não encontram sintonia com o conjunto probatório dos autos. 3. Na hipótese, a parte-autora não se desincumbiu de comprovar a sua qualidade de segurada especial, haja vista não ter colacionado aos autos documentos hábeis e robustos a confirmar a atividade campesina, mormente no período de carência exigido em lei. De igual modo, a mera juntada de documentos particulares, desprovidos de fé pública, não se mostra suficiente para o fim pretendido. Na ausência de início razoável de prova material, a jurisprudência é pacífica no sentido de que é inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27). Saliente-se, por oportuno, que uma vez verificada a imprestabilidade da prova material, não se pode conceder o benefício com base apenas nas provas testemunhais, como já sedimentou este Tribunal em reiterados julgados. 4. Ante o caráter social que permeia o Direito Previdenciário, a coisa julgada opera secundum eventum litis ou secundum eventum probationais, permitindo a renovação do pedido, ante novas circunstâncias ou novas provas. Precedentes. 5. Os honorários advocatícios arbitrados em 15% sobre o valor atribuído à causa devem ser majorados em 2% (dois por cento), a teor do disposto no art. 85, §§ 2º, 3º e 11 do NCPC, totalizando o quantum de 17% (dezessete por cento) sobre a mesma base de cálculo, ficando suspensa a execução deste comando por força da assistência judiciária gratuita, nos termos do art. 98, §3º do Codex adrede mencionado. 6. Apelação desprovida.A Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação."(AC 00052792020184019199, Desembargador Federal João Luiz de Sousa, TRF1 – Segunda Turma, e-DJF1 Data: 08/06/2018 Página:.)
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. AUSENTE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. RECURSO REPETITIVO. RESP N. 1.352.721-SP. AÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade, conforme estabelecido pelo art. 71 da Lei 8.213/91. 2. O reconhecimento da qualidade de segurada especial apta a receber o específico benefício tratado nos autos desafia o preenchimento dos seguintes requisitos fundamentais: a existência de início de prova material da atividade rural exercida, a corroboração dessa prova indiciária por robusta prova testemunhal e, finalmente, para obtenção do salário-maternidade ora questionado, a comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 10 (dez) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício, como define o § 2º do art. 93 do Decreto 3.048/99. 3. Para que sirvam como início de prova material do labor rural, a autora deverá apresentar documentos dotados de integridade probante autorizadora de sua utilização, não se enquadrando em tal situação aqueles documentos não contemporâneos ou posteriores ao nascimento do filho em razão do qual o benefício é requerido. 4. No caso dos autos, a parte autora não apresentou início de prova material capaz de comprovar o exercício de atividade rural, sob o regime de economia familiar, por tempo suficiente à carência e, ausente o início de prova material, a prova testemunhal produzida não pode ser exclusivamente admitida para reconhecer o tempo de exercício de atividade urbana e rural (STJ, Súmula 149 e TRF1, Súmula 27). 5. Segundo a nova orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, em recente julgamento submetido à sistemática dos recursos repetitivos para aplicação restrita às ações previdenciárias, 'a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC), e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários a tal iniciativa' (REsp n. 1.352.721-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 16/12/2015, DJe 28/4/2016). 6. A sentença previdenciária, de um modo geral, é proferida secundum eventus litis ou secundum eventum probationis; porém, a orientação fixada no referido repetitivo agrega a vantagem processual de afastar eventual discussão relativa à ocorrência ou não de coisa julgada material em caso de nova ação. 7. Processo extinto, de ofício, sem resolução do mérito, em razão da ausência de início de prova material suficiente para o reconhecimento da qualidade de segurado; apelação prejudicada. A Turma, por unanimidade, de ofício, extinguiu o processo, sem resolução de mérito, e julgou prejudicada a apelação." (AC 00017872020184019199, Desembargador Federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, TRF1 - Primeira Turma, e-DJF1 Data: 06/06/2018 Página:.)
É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
Outros documentos não elencados no referido rol são idôneos para se atestar o exercício de atividade rural em regime de economia familiar e ainda o enquadramento do trabalhador na condição de segurado especial do RGPS, desde que haja coerência entre eles e consonância concreta com qualquer dado concreto ou elemento fático do processo que que os corroborem e indiquem que, ao longo do período de carência legalmente exigida, esteja a parte demandante exercendo a profissão declarada, ainda que de forma descontínua.
Assim, à guisa de exemplo, se atendidos os pressupostos supracitados, podem eventualmente ser acolhidos como início de prova material numa análise circunstanciada: a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições; certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR 1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR 3202/CE); certidões do INCRA; guias de recolhimento de ITR; documentos fiscais de venda de produtos rurais; recibos de pagamento a sindicato rural; certidão de registro de imóveis relativos a propriedade rural; contratos de parceria agrícola e todos outros que indiciem a ligação da parte autora com o trabalho e a vida no meio rural, bem como, a CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma, e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar, e-DJF1 p.191 de 02/03/2011).
Situação tratada
Houve requerimento administrativo formulado em 09/01/2017 (id 361647641 - p. 110).
A autora postula o benefício de salário-maternidade em decorrência do nascimento de sua filha, ocorrido em 09 de maio de 2016, conforme certidão de nascimento id nº 336630128 - p. 39 (consta no referido documento o registro da qualificação profissional dos pais da criança) e, com o propósito de comprovar a sua condição de trabalhadora rural, juntou os seguintes documentos, dentre outros:
a) carteira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Riachinho (2003);
b) boletim médico de internação (2016);
c) certidão de assentamento em nome do pai da menor (2018), portanto, em evento ocorrido posteriormente ao período de carência objeto destes autos;
d) ficha de identificação do aluno (2008, 2009, 2010, 2012, 2013, 2016, 2017).
O INSS, em sua contestação, acrescentou que a autora possui patrimônio flagrantemente incompatível com a pretensa qualificação de segurado especial praticante de economia de subsistência (Lanchonete Mãe & Filhos), valor consideravelmente elevado para a taxa de contribuição de energia elétrica e CNIS com recolhimentos ao RGPS na qualidade de contribuinte individual.
Em sentença, destacou-se ponto relevante: o fato de a autora residir em zona urbana, na zona urbana de Riachinho/TO, sendo que a documentação rural apresentada faz alusão apenas ao genitor da menor (como o comprovante de endereço datado de 2020), e não atesta, ainda que minimamente, a residência da autora no referido assentamento, ou mesmo o exercício de atividade rural nos 10 meses que antecederam o parto, no ano de 2016.
Com efeito, numa primeira análise, já causa estranheza a divergência de endereços entre o local de residência e aquele onde seria supostamente exercida atividade laboral em regime de economia familiar pelo genitor da criança, situação não suficientemente esclarecida pela parte recorrente, sendo que em não sendo comprovada filiação do cônjuge ao RGPS, sequer há que se falar em extensão da presunção havida da súmula 6, da TNU, à demandante.
Não houve comprovação de forma indene de dúvidas da (o): área efetivamente plantada no imóvel supostamente laborado pela recorrente; quantidade produzida; quantidade voltada à subsistência e consumo próprio e aquela voltada à comercialização; horários de trabalho e tempo de duração; comprovação de aquisição de insumos para produção ou de petrechos para realização do cultivo e da colheita, dente outros elementos que permitiriam maior entendimento sobre a suposta dinâmica produtiva, que deve conter, ainda que de forma participativa e mínima, a efetiva atuação da parte demandante na logística de produção.
Há, no mais, um conjunto de documentos juntados, mas meramente declaratórios, em que simplesmente consignada a profissão de lavradora sem aptidão para se atestar o efetivo exercício da atividade rural alegada no período anterior ao nascimento ocorrido em 2016. Tais documentos não guardam consonância concreta com qualquer dado que indique que, ao longo do período de carência legalmente exigida, estivesse a parte autora faticamente exercendo a profissão declarada, ainda que de forma descontínua.
Veja-se que a prova documental juntada, ainda que coletivamente considerada, é inservível para os fins propostos na ação originária, como bem delineado na sentença ora objurgada. Ilustrativamente, tem-se: a) autodeclaração apresentada fora confeccionada em 2020, após o nascimento da criança, no afã de se produzir prova pretérita, embora sem correspondência fática concreta em elementos de informação extraídos de todo o conjunto documental. Assim, tem-se na espécie a aplicação da súmula 34, da TNU, sendo que não se pode extrair da prova da autora, minimamente, a comercialização da produção ou mesmo a quantificação daquilo que fora supostamente produzido no período de carência do benefício ora requerido; b) na mesma linha de raciocínio, a declaração editada em agosto de 2020, subscrita pelo Sr. Guilherme da Cruz, é igualmente extemporânea aos fatos a provar, no afã de fazer prova pretérita ao período anterior ao nascimento da menor em evento ocorrido 4 anos antes, não ostentando também correspondência fática e concreta acerca do real exercício de atividade laboral ao longo do período de carência, ao arrepio da súmula 34, da TNU. Corporifica-se como mera prova testemunhal reduzida a escrito, meramente informativa, não submetida ao crivo do contraditório (PEDILEF nº 2006.70.95.014573-0/PR, Rel. Juíza Fed. Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 28.07.2009 ), inapta para se comprovar o vínculo laborativo sob regime de meação, arrendamento e/ou parceria com a pessoa do declarante e o efetivo exercício de atividade rural na localidade informada; c) o simples fato de se fixar residência em imóvel situado em zona rural ou em assentamento havido de processo de colonização e reforma agrária, quando desacompanhado de elementos informativos que corroborem e atestem que na localidade é efetivamente exercida atividade laboral rural em regime de economia familiar, não permite uma ilação lógica e necessária, pura e simplesmente, a título de presunção, de que o residente ou assentado se enquadre na condição de segurado especial rural, mesmo porque há um conjunto de especificidades legais a serem observadas para tal proceder. Na espécie, como anteriormente frisado, é o genitor da menor a pessoa assentada, mas não a ora recorrente.
Em arremate, no que toca à prova oral colhida em audiência, é ela genérica e não traz aos autos elementos que corroborem a frágil prova documental, não guardando correspondência fática com elementos de informação que detalhem especificidades da atividade rural atribuída à parte demandante. Não foi a prova oral também suficiente para se debelar a dúvida criada sobre a real fonte de renda dos genitores da menor. Em que pese tenha se alegado que a sociedade empresarial "Mães e Filhos" tivesse sido registrada após o nascimento da menor, não se pode desconsiderar o patrimônio indicado pelo INSS em contestação, indicativo de obtenção de renda a partir de atividade paralela e certamente desvinculada do suposto labor rural que sustenta a causa de pedir deste processo. Os marcos temporais quanto ao real início da atividade empresarial são tênues, e não resta absolutamente afastada a possibilidade de que o histórico laboral como contribuinte individual abarcasse, no plano fático, período maior e mesmo anterior àquele em que a sociedade empresaria tivesse sido registrada formalmente.
Assim, o conjunto das provas, e dos próprios fatos, afastam o enquadramento da recorrente como segurada especial do RGPS, como bem assentado na sentença.
Conclusão
Resta mantida a sentença proferida em primeiro grau de jurisdição, condenada a recorrente ao pagamento das custas judiciais e de honorários advocatícios sucumbenciais, observado o art. 85, §11, do CPC, ora majorados para 12% sobre o valor atribuído à causa, cuja exigibilidade resta suspensa pelo lustro prescricional de 05 (cinco) anos, diante da concessão dos benefícios decorrentes da gratuidade da justiça, na forma do art. 98, incisos I e VI c/c §3º, do CPC.
É o voto.
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1032869-28.2023.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003529-44.2020.8.27.2703
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: VALERIA PINHEIRO GOMES
REPRESENTANTES POLO ATIVO: BARBARA NATHANNA SANTOS CARVALHO - TO10356-A
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. CONDIÇÃO DE SEGURADA ESPECIAL NÃO CARACTERIZADA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EMPRESARIA. RENDA INCOMPATÍVEL. DOCUMENTAÇÃO EXTEMPORÂNEA. SÚMULA 34 DA TNU. SENTENÇA MANTIDA.
1. O benefício de salário-maternidade é devido à segurada especial que atender aos requisitos estabelecidos na Lei 8.213/91 (art. 25, III) e no § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/99: exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua.
2. A concessão do benefício pleiteado pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural no prazo mínimo de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena, inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF/1ª Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, podendo ser “projetada” para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
3. É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previstos.
4. Outros documentos não elencados no referido rol são idôneos para se atestar o exercício de atividade rural em regime de economia familiar e ainda o enquadramento do trabalhador na condição de segurado especial do RGPS, desde que haja coerência entre eles e consonância concreta com qualquer dado concreto ou elemento fático do processo que que os corroborem e indiquem que, ao longo do período de carência legalmente exigida, esteja a parte demandante exercendo a profissão declarada, ainda que de forma descontínua.
5. Assim, à guisa de exemplo, se atendidos os pressupostos supracitados, podem eventualmente ser acolhidos como início de prova material numa análise circunstanciada: a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições; certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR 1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR 3202/CE); certidões do INCRA; guias de recolhimento de ITR; documentos fiscais de venda de produtos rurais; recibos de pagamento a sindicato rural; certidão de registro de imóveis relativos a propriedade rural; contratos de parceria agrícola e todos outros que indiciem a ligação da parte autora com o trabalho e a vida no meio rural, bem como, a CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma, e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar, e-DJF1 p.191 de 02/03/2011).
6. Na espécie, houve requerimento administrativo formulado em 09/01/2017 (id 361647641 - p. 110), tendo a autora postulado o benefício de salário-maternidade em decorrência do nascimento de sua filha, ocorrido em 09 de maio de 2016,
7. Em sentença, destacou-se ponto relevante: o fato de a autora residir em zona urbana, na zona urbana de Riachinho/TO, sendo que a documentação rural apresentada faz alusão apenas ao genitor da menor (como o comprovante de endereço datado de 2020), e não atesta, ainda que minimamente, a residência da autora no referido assentamento, ou mesmo o exercício de atividade rural nos 10 meses que antecederam o parto, no ano de 2016.
8. Com efeito, numa primeira análise, já causaria estranheza a divergência de endereços entre o local de residência e aquele onde seria supostamente exercida atividade laboral em regime de economia familiar pelo genitor da criança, situação não suficientemente esclarecida pela parte recorrente, sendo que em não sendo comprovada filiação do cônjuge ao RGPS, sequer há que se falar em extensão da presunção havida da súmula 6, da TNU, à demandante. É que não houve comprovação de forma indene de dúvidas da (o): área efetivamente plantada no imóvel supostamente laborado pela recorrente; quantidade produzida; quantidade voltada à subsistência e consumo próprio e aquela voltada à comercialização; horários de trabalho e tempo de duração; comprovação de aquisição de insumos para produção ou de petrechos para realização do cultivo e da colheita, dente outros elementos que permitiriam maior entendimento sobre a suposta dinâmica produtiva, que deve conter, ainda que de forma participativa e mínima, a efetiva atuação da parte demandante na logística de produção.
9. Há um conjunto de documentos juntados, mas meramente declaratórios, em que simplesmente consignada a profissão de lavradora sem aptidão para se atestar o efetivo exercício da atividade rural alegada no período anterior ao nascimento ocorrido em 2016. Tais documentos não guardam consonância concreta com qualquer dado que indique que, ao longo do período de carência legalmente exigida, estivesse a parte autora faticamente exercendo a profissão declarada, ainda que de forma descontínua.
10. A prova documental juntada, ainda que coletivamente considerada, é inservível para os fins propostos na ação originária, como bem delineado na sentença ora objurgada. Ilustrativamente, tem-se: a) autodeclaração apresentada fora confeccionada em 2020, após o nascimento da criança, no afã de se produzir prova pretérita, embora sem correspondência fática concreta em elementos de informação extraídos de todo o conjunto documental. Assim, tem-se na espécie a aplicação da súmula 34, da TNU, sendo que não se pode extrair da prova da autora, minimamente, a comercialização da produção ou mesmo a quantificação daquilo que fora supostamente produzido no período de carência do benefício ora requerido; b) na mesma linha de raciocínio, a declaração editada em agosto de 2020, subscrita pelo Sr. Guilherme da Cruz, é igualmente extemporânea aos fatos a provar, no afã de fazer prova pretérita ao período anterior ao nascimento da menor em evento ocorrido 4 anos antes, não ostentando também correspondência fática e concreta acerca do real exercício de atividade laboral ao longo do período de carência, ao arrepio da súmula 34, da TNU. Corporifica-se como mera prova testemunhal reduzida a escrito, meramente informativa, não submetida ao crivo do contraditório (PEDILEF nº 2006.70.95.014573-0/PR, Rel. Juíza Fed. Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 28.07.2009 ), inapta para se comprovar o vínculo laborativo sob regime de meação, arrendamento e/ou parceria com a pessoa do declarante e o efetivo exercício de atividade rural na localidade informada; c) o simples fato de se fixar residência em imóvel situado em zona rural ou em assentamento havido de processo de colonização e reforma agrária, quando desacompanhado de elementos informativos que corroborem e atestem que na localidade é efetivamente exercida atividade laboral rural em regime de economia familiar, não permite uma ilação lógica e necessária, pura e simplesmente, a título de presunção, de que o residente ou assentado se enquadre na condição de segurado especial rural, mesmo porque há um conjunto de especificidades legais a serem observadas para tal proceder. Na espécie, como anteriormente frisado, é o genitor da menor a pessoa assentada, mas não a ora recorrente.
11. Em arremate, no que toca à prova oral colhida em audiência, é ela genérica e não traz aos autos elementos que corroborem a frágil prova documental, não guardando correspondência fática com elementos de informação que detalhem especificidades da atividade rural atribuída à parte demandante, ora recorrente. Não foi a prova oral também suficiente para se debelar a dúvida criada sobre a real fonte de renda dos genitores da menor. Em que pese tenha se alegado que a sociedade empresarial "Mães e Filhos" tivesse sido registrada após o nascimento da menor, não se pode desconsiderar o patrimônio indicado pelo INSS em contestação, indicativo de obtenção de renda a partir de atividade paralela e certamente desvinculada do suposto labor rural que sustenta a causa de pedir deste processo. Os marcos temporais quanto ao real início da atividade empresarial são tênues, e não resta absolutamente afastada a possibilidade de que o histórico laboral como contribuinte individual abarcasse, no plano fático, período maior e mesmo anterior àquele em que a sociedade empresaria tivesse sido registrada formalmente.
12. Sentença mantida, com condenação da recorrente ao pagamento das custas judiciais e de honorários advocatícios sucumbenciais, observado o art. 85, §11, do CPC, ora majorados para 12% sobre o valor atribuído à causa, cuja exigibilidade resta suspensa pelo lustro prescricional de 05 (cinco) anos, diante da concessão dos benefícios decorrentes da gratuidade da justiça, na forma do art. 98, incisos I e VI c/c §3º, do CPC.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator