
POLO ATIVO: CAROLAINE LIMA DE SOUZA
REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: FABIANA APARECIDA CAVARIANI - SP220101
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A):URBANO LEAL BERQUO NETO

PROCESSO: 1003223-46.2023.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0600480-22.2021.8.04.7400
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: CAROLAINE LIMA DE SOUZA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: FABIANA APARECIDA CAVARIANI - SP220101
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
R E L A T Ó R I O
O EXMO DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente a ação para concessão de benefício de salário-maternidade de trabalhadora rural indígena, segurada especial, em razão do nascimento da criança A.S.S.O., ocorrido em 03/06/2018.
Em suas razões, requer a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido, ao argumento de que faz jus ao benefício pleiteado, posto que a prova dos autos confirma, de forma segura, a sua condição de segurada especial no período de carência pretendido.
Oportunizado, o lado recorrido apresentou contrarrazões.
Com vistas dos autos, o Ministério Público Federal informou não vislumbrar a presença de interesse institucional a justificar a sua intervenção quanto ao mérito.
É o relatório.

PROCESSO: 1003223-46.2023.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0600480-22.2021.8.04.7400
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: CAROLAINE LIMA DE SOUZA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: FABIANA APARECIDA CAVARIANI - SP220101
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR: URBANO LEAL BERQUO NETO
V O T O
O EXMO DESEMBARGADOR FEDERAL URBANO LEAL BERQUÓ NETO (Relator):
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Mister a depuração, de pronto, do cerne da pretensão, ora vertida em base recursal, lembrando que se trata de conflito de interesses condizente ao benefício de salário-maternidade de trabalhadora rural indígena, segurada especial, em que a recorrente sustenta o desacerto do julgado por considerar satisfatoriamente comprovada a sua condição de segurada especial no período de carência pretendido.
O benefício de salário-maternidade é devido à segurada especial que atender aos requisitos estabelecidos na Lei 8.213/91 (art. 25, III) e no § 2º do art. 93 do Regulamento aprovado pelo Decreto 3.048/99: exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua.
A concessão do benefício pleiteado pela parte autora, portanto, exige a demonstração do trabalho rural, em regime de subsistência, no prazo mínimo de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena, inadmissível a prova exclusivamente testemunhal.
O INSS reconhece os direitos previdenciários a indígenas, na qualidade de segurados especiais, em razão das atividades rurícolas e de caça e pesca, conforme se extrai da Instrução Normativa n.º 77, de 21 de janeiro de 2015, in verbis:
Art. 39. São considerados segurados especiais o produtor rural e o pescador artesanal ou a este assemelhado, desde que exerçam a atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros.
(...)
§ 4º Enquadra-se como segurado especial o indígena reconhecido pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI, inclusive o artesão que utilize matéria-prima proveniente de extrativismo vegetal, desde que atendidos os demais requisitos constantes no inciso V do art. 42, independentemente do local onde resida ou exerça suas atividades, sendo irrelevante a definição de indígena aldeado, não-aldeado, em vias de integração, isolado ou integrado, desde que exerça a atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar e faça dessas atividades o principal meio de vida e de sustento. (Sem grifos no original)
Assim, o salário-maternidade é devido às mulheres indígenas de forma congênere ao da segurada especial que exerce atividade rural em regime de economia familiar.
No caso dos autos, a autora postula o benefício de salário-maternidade, na condição de segurada especial indígena, em decorrência do nascimento de sua filha A.S.S.O., ocorrido em 03/06/2018, devendo fazer prova do labor rural, extrativista ou de artesanato indígena, desde que faça dessas atividades o principal meio de vida e de sustento, pelo período de dez meses anteriores ao parto.
Com o propósito de comprovar sua condição de segurada especial juntou aos autos, dentre outros documentos de menor relevo, o Registro Administrativo de Nascimento Indígena seu e de sua filha, expedidos pela FUNAI, bem como Certidão de Exercício de Atividade Rural expedida pela FUNAI atestando que a autora exerceu atividade rural de subsistência junto à aldeia Comunidade Foz do Tapauá, pelo período de 07/2017 a 05/2018, comprovando a qualidade de segurada especial da autora pelo período de dez meses imediatamente anteriores ao fato gerador.
A prova oral produzida foi firme e segura no sentido de que a autora de fato exerceu atividade de subsistência junto à Comunidade Foz do Tapauá, juntamente com seus genitores, durante todo o período de carência indispensável à concessão do benefício, restando satisfatoriamente comprovado o preenchimento de todos os requisitos legais para a concessão do benefício.
Em reforço, verifica-se que o despacho decisório de indeferimento administrativo do benefício requerido pela autora se fundou, unicamente, no fato de que a autora somente completou dezesseis anos em 03/09/2017, de modo que não seria possível considerar os meses trabalhados anteriores a referida data para o cômputo da carência de dez meses anteriores ao parto.
Ocorre, no entanto, que nos termos da jurisprudência deste TRF da 1ª Região e do STJ, é possível reconhecer o direito ao benefício previdenciário à mãe indígena menor de 16 anos, uma vez que a vedação constitucional ao trabalho ao menor de 16 anos, constante do art. 7º, XXXIII da CF/88, é norma de garantia do trabalhador, que visa à proteção da criança, não podendo ser interpretada em seu desfavor quando efetivamente comprovada a atividade rural.
Neste sentido, oportuno a transcrição do julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. (...). SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL MENOR DE 16 ANOS. ATIVIDADE CAMPESINA COMPROVADA. ART. 11, VII, c, § 6º. DA LEI 8.213/91. CARÁTER PROTETIVO DO DISPOSITIVO LEGAL. NORMA DE GARANTIA DO MENOR NÃO PODE SER INTERPRETADA EM SEU DETRIMENTO. IMPERIOSA PROTEÇÃO DA MATERNIDADE, DO NASCITURO E DA FAMÍLIA. DEVIDA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO. 1. O sistema de Seguridade Social, em seu conjunto, tem por objetivo constitucional proteger o indivíduo, assegurando seus direitos à saúde, assistência social e previdência social; traduzindo-se como elemento indispensável para garantia da dignidade humana. 2. A intenção do legislador infraconstitucional ao impor o limite mínimo de 16 anos de idade para a inscrição no RGPS era a de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente, ancorado no art. 7º., XXXIII da Constituição Federal. 3. Esta Corte já assentou a orientação de que a legislação, ao vedar o trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo, aplicando-se o princípio da universalidade da cobertura da Seguridade Social. 4. Desta feita, não é admissível que o não preenchimento do requisito etário para filiação ao RGPS, por uma jovem impelida a trabalhar antes mesmo dos seus dezesseis anos, prejudique o acesso ao benefício previdenciário, sob pena de desamparar não só a adolescente, mas também o nascituro, que seria privado não apenas da proteção social, como do convívio familiar, já que sua mãe teria de voltar às lavouras após seu nascimento. 5. Nessas condições, conclui-se que, comprovado o exercício de trabalho rural pela menor de 16 anos durante o período de carência do salário-maternidade (10 meses), é devida a concessão do benefício. (...)” (1ª Turma do STJ, REsp nº 1.440.024/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 28/08/2015.) Sem grifos no original
Não se admite, portanto, que o benefício seja indeferido pelo não preenchimento do requisito etário para filiação ao RGPS, prejudicando o acesso ao benefício previdenciário e desamparando não só a adolescente, ora autora, como também o nascituro, que seria privado, a um só tempo, da proteção social e do convívio familiar, posto que sua genitora seria compelida a voltar às lavouras após o nascimento da criança, o que prejudicaria o fortalecimento de vínculos, os cuidados na primeira infância e colocaria o nascituro em situação de risco.
Cumpre ressaltar, ainda, que eventual mudança de endereço da autora para cidade situada fora da aldeia/comunidade indígena, diferentemente do que consignou o julgador monocrático, não infirma a qualidade de segurada especial da autora, tendo em vista que nada impede que, após o implemento da carência, haja a mudança de domicílio.
Ademais, a própria autarquia previdenciária não exige que a segurada resida ou exerça suas atividades na aldeia, tratando como irrelevante a definição de indígena como aldeado ou não-aldeado, conforme visto do teor da IN 77/2015.
Posto isto, DOU PROVIMENTO ao recurso interposto pela autora para, reformando a sentença, reconhecer o direito ao benefício de salário-maternidade, na qualidade de segurada especial, equivalente a quatro prestações do salário mínimo vigente à época do parto, ocorrido em 03/06/2018.
A atualização dos juros e da correção monetária deve incidir nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, em sua versão já atualizada, conforme parâmetros fixados no julgado do REsp 1.492.221 STJ (Tema 905) e da EC 113/2021.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários de sucumbência, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação.
É como voto.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator

PROCESSO: 1003223-46.2023.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 0600480-22.2021.8.04.7400
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
POLO ATIVO: CAROLAINE LIMA DE SOUZA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: FABIANA APARECIDA CAVARIANI - SP220101
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL INDÍGENA. SEGURADA ESPECIAL. SEGURADA MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. NORMA DE GARANTIA DO MENOR. VEDADA INTERPRETAÇÃO DESFAVORÁVEL. PROTEÇÃO DA MATERNIDADE DO NASCITURO E DA FAMÍLIA. RECURSO PROVIDO.
1. O benefício de salário-maternidade é devido à segurada especial que atender aos requisitos estabelecidos na Lei 8.213/91 (art. 25, III) e no § 2º do art. 93 do Decreto 3.048/99. A demonstração do trabalho rural no prazo mínimo de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, deve ser comprovado mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena, inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF/1ª Região, Súmula 27).
2. O INSS reconhece os direitos previdenciários a indígenas, na qualidade de segurados especiais, em razão das atividades rurícolas e de caça e pesca (IN 77/2015 - Art. 39, §4º). Assim, o salário-maternidade é devido às mulheres indígenas de forma congênere ao da segurada especial que exerce atividade rural em regime de economia familiar. No caso dos autos, a autora postula o benefício em decorrência do nascimento de sua filha A.S.S.O., ocorrido em 03/06/2018. Com o propósito de comprovar sua condição de segurada especial juntou aos autos, dentre outros documentos de menor relevo, o Registro Administrativo de Nascimento Indígena seu e de sua filha, expedidos pela FUNAI, bem como Certidão de Exercício de Atividade Rural expedida pela FUNAI atestando que a autora exerceu atividade rural de subsistência junto à aldeia Comunidade Foz do Tapauá pelo período de 07/2017 a 05/2018, comprovando a qualidade de segurada especial da autora pelo período de dez meses imediatamente anteriores ao fato gerador.
3. Conquanto o despacho decisório de indeferimento do benefício requerido pela autora tenha se fundado no fato de que a autora somente completou dezesseis anos em 03/09/2017, de modo que não seria possível considerar os meses trabalhados anteriores a referida data, nos termos da jurisprudência deste TRF da 1ª Região e do STJ é possível reconhecer o direito ao benefício previdenciário à mãe indígena menor de 16 anos, uma vez que a vedação constitucional ao trabalho ao menor de 16 anos, constante do art. 7º, XXXIII da CF/88, é norma de garantia do trabalhador, que visa à proteção da criança, não podendo ser interpretada em seu desfavor, quando efetivamente comprovada a atividade rural.
4. Não se admite, portanto, que o benefício seja indeferido pelo não preenchimento do requisito etário para filiação ao RGPS, prejudicando o acesso ao benefício previdenciário e desamparando não só a adolescente como também o nascituro, que seria privado, a um só tempo, da proteção social e do convívio familiar, posto que sua genitora seria compelida a voltar às lavouras após o nascimento, o que prejudicaria o fortalecimento de vínculos, os cuidados na primeira infância e colocaria a criança em situação de risco. Cumpre ressaltar, ainda, que eventual mudança de endereço da autora para cidade situada fora da aldeia não infirma a sua qualidade de segurada especial, tendo em vista que nada impede que, após o implemento da carência, haja a mudança de domicílio.
5. Apelação que se dá provimento.
A C Ó R D Ã O
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO à apelação interposta, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator