
POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
POLO PASSIVO:MARIA ELVANITA DA SILVA JUSTO
REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: FABIANE MARISA SALVAJOLI GUILHERME - MT10774-A
RELATOR(A):RUI COSTA GONCALVES
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI COSTA GONCALVES (RELATOR):
Trata-se de recursos interpostos pelo INSS e pela parte autora, a Sra. CLARI ALVES CAPPELLARO, em face de sentença que julgou procedente o pedido autoral de auxílio por incapacidade temporária, a partir da data da realização da perícia médica judicial.
A autora aduz estarem presentes os requisitos para conversão do auxílio por incapacidade temporária em aposentadoria por incapacidade permanente, a partir da análise das condições pessoais e sociais próprias. Afirma ainda que a incapacidade já existia quando do requerimento administrativo e que, portanto, a DIB deve retroagir à DER. Alega ainda que a "alta programada judicial" é incompatível com o sistema previsto na Lei n. 8213/91 e que a suspensão do benefício por incapacidade temporária somente poderia ocorrer após nova perícia médica. Requereu a reforma da sentença, com as modificações devidas nos pontos questionados. Não houve contrarrazões do INSS.
A Autarquia Previdenciária, por sua vez, se insurge contra o meio de realização da perícia médica judicial, qual seja: o virtual/remoto (teleperícia). Aduz que, a situação temporária de pandemia é fato inidôneo a sustentar o indeferimento de providência requerida (que poderia ser realizada assim que amenizadas as medidas de isolamento social) e que a ausência de manifestação judicial quanto a tal argumento importa em cerceamento de defesa, eivando a decisão judicial de nulidade por falta de fundamentação. Afirma que não há como o Poder Judiciário reputar desnecessária, inútil ou meramente protelatória diligência considerada indispensável pelas instituições representativas da área técnica objeto da perícia. Requereu a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido da autora, por ausência de prova quanto à incapacidade, bem como a devolução dos valores recebidos à título precário (Tema 692 do STJ). Na eventualidade, requereu a anulação da sentença para que haja posterior devolução dos autos à origem e reabertura da fase instrutória, com a determinação de nova realização de perícia médica judicial, desta feita presencialmente.
Contrarrazões apresentadas pela autora. Rebate as razões recursais da Autarquia aduzindo que quando da ocorrência da intimação para realização da perícia médica judicial estava vigente a Resolução Nº 317 de 30/04/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dava respaldo à realização de perícias médicas por meio eletrônico durante a Pandemia do Coronavírus. Aduz que a Autarquia foi intimada para se manifestar acerca da realização remota da perícia e que quedou-se inerte quanto à tal forma de produção probatória, vindo a se manifestar somente após o decurso do prazo.
É o relatório.
Processo Judicial Eletrônico
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES (RELATOR):
Pressupostos, remessa necessária e recebimento da apelação
Incabível a remessa necessária, nos termos do art. 496, §3º, do CPC, ainda que ilíquida a sentença. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. ATIVIDADE CAMPESINA COMPROVADA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. Apesar de ilíquida a sentença, ante a natureza do benefício em questão, fica evidenciada a impossibilidade de a condenação de 1º grau ultrapassar o valor de 1.000 (mil) salários mínimos, devendo assim, ser aplicado na espécie o disposto no art. 496, §3º, I do CPC, razão pela qual não se conhece da remessa necessária. 2.O salário-maternidade é devido à segurada especial, no valor de 01 (um) salário mínimo mensal durante 120 dias, a contar da data do parto ou dos 28 (vinte e oito) dias que o antecederam, desde que comprovado o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos dez meses imediatamente anteriores ao do início do benefício (arts. 39, Parágrafo único, e 71 c/c 25, da Lei n. 8.213/91). 3.Na hipótese, a parte autora comprovou sua condição de segurada especial durante o período de carência (10 meses anteriores ao parto, ocorrido em 14.08.2014), mediante o início razoável de prova material (carteira de pescadora profissional, com data de registro em 15.10.2012; CNIS da autora, com informação de atividade de segurada especial iniciada e 15.10.2012), em conformidade com a orientação jurisprudencial já sedimentada nesta Corte, corroborada com inequívoca prova testemunhal, o que impõe a manutenção da sentença que deferiu o pedido de concessão do benefício de salário-maternidade. 4.Comprovada a qualidade de trabalhadora rural mediante início de prova material devidamente corroborado pela prova testemunhal e a ocorrência do parto em data não alcançada pela prescrição, deve ser reconhecido o direito da parte ao benefício de salário-maternidade. 5.Os honorários advocatícios devem ser majorados em 2%, a teor do disposto no art. 85, §§ 2º e 3º e 11 do CPC, totalizando o quantum de 12% (doze por cento) calculado sobre as parcelas vencidas até a data da sentença. 6.Apelação do INSS desprovida. Remessa não conhecida.
(AC 0012838-28.2018.4.01.9199, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 07/10/2022 PAG.)
Presente os pressupostos de admissibilidade, recebo os recursos interpostos em seu duplo efeito, nos termos dos arts. 1.011 e 1.012, ambos do CPC.
O efeito devolutivo da apelação consagra o princípio tantum devolutum quantum appellatum e transfere ao Tribunal apenas o exame da matéria impugnada no recurso, nos termos dos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Concessão ou restabelecimento de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez
Conforme disposto nos arts. 59 e 60, § 1º, da Lei 8.213/91, o auxílio-doença será devido ao segurado que ficar incapacitado temporariamente para o trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos. Será devido ao segurado empregado desde o início da incapacidade e, ao segurado que estiver afastado da atividade por mais de trinta dias, a partir da entrada do requerimento.
A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que estiver ou não em gozo de auxílio-doença e comprovar, por exame médico-pericial, a incapacidade total e definitiva para o trabalho e for considerado insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. Será devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença, nos termos do art. 42 e 43 da Lei de Regência.
Requisitos
A concessão de benefício previdenciário por invalidez requer o preenchimento dos requisitos: qualidade de segurado, cumprimento de carência (segurado urbano) e incapacidade para o trabalho ou para a atividade habitual por mais de quinze dias.
A qualidade de segurado é a condição atribuída aos filiados do INSS que contribuem para a Previdência Social na forma de empregado, trabalhador avulso, contribuinte individual ou facultativo, empregado doméstico e segurado especial.
A jurisprudência se consolidou no sentido de que a concessão de benefício por incapacidade anterior comprova a qualidade de segurado do requerente, salvo se ilidida por prova contrária.
A ausência de um dos requisitos legais para a concessão de benefício por incapacidade, qualidade de segurado ou incapacidade, prejudica a análise do outro.
Caso dos autos
De acordo com o laudo pericial (rolagem única PJe/TRF-1, p. 73/75), a parte autora "[...] A autora, contando com 66 anos, brasileiro, casada, auxiliar administrativa em empresa de transporte desde 2012, afastada desde 06.07.2022, ensino fundamental incompleto [...] Após uma anamnese pormenorizada realizada pelo o médico que lhe assiste e também por análise de exames concluiu-se que a Requerente é portadora Transtorno do disco cervical com radiculopatia (CID M50.1), Gonartrose-artorse do joelho (CID M17), Transtorno Interno dos Joelhos (CID M23), Síndrome do túnel do carpo (CID G56.0), e Osteopenia moderada, estando esta, inapta para o desempenho das atividades laborais por tempo indeterminado, encontrando tais enfermidades concentradas na mãos, punhos, braços, joelho esquerdo e nos discos da coluna, culminando em fortes dores nos punhos e mãos, e dores insuportáveis nas costas e joelho (atestados e laudos de exames médicos em anexo). [...] " .
O perito concluiu então que (rolagem única PJe/TRF-1, p. 73/75):
"[...] 4. CONCLUSÃO Com base nos elementos e fatos expostos, conclui-se a presença de incapacidade laboral parcial e permanente para a prática da atividade habitual da autora. Diagnósticos de: Transtorno do disco cervical com radiculopatia (CID M50.1), Gonartrose-artorse do joelho (CID M17), Transtorno Interno dos Joelhos (CID M23), Síndrome do túnel do carpo (CID G56.0), e Osteopenia moderada. Conclui-se a necessidade de realizar tratamento com indicação de procedimento cirúrgico para síndrome do túnel do carpo bilateral. Tal procedimento tem alta probabilidade de cura ou ao menos bom para o tratamento da STC, conforme amplamente divulgado na literatura médica. A depressão, que também é causa de incapacidade momentânea, pode ser controlada por ajuste de medicação e psicoterapia cognitiva comportamental. Não é possível estipular o período de incapacidade, pois o mesmo depende da realização do procedimento de tratamento cirúrgico para síndrome do túnel do carpo. [...]" .
O juízo de origem julgou procedente o pedido. Eis alguns trechos da sentença (rolagem única PJe/TRF-1, p. 118/125):
"[...] Quanto à incapacidade para o exercício das atividades laborais, o laudo pericial atestou que a parte requerente está parcial e permanentemente incapacitada para a prática de atividade laboral, “Conclui-se a necessidade de realizar tratamento com indicação de procedimento cirúrgico para síndrome do túnel do carpo bilateral. Tal procedimento tem alta probabilidade de cura ou ao menos bom para o tratamento da STC, conforme amplamente divulgado na literatura médica. A depressão, que também é causa de incapacidade momentânea, pode ser controlada por ajuste de medicação e psicoterapia cognitiva comportamental. Não é possível estipular o período de incapacidade, pois o mesmo depende da realização do procedimento de tratamento cirúrgico para síndrome do túnel do carpo.” (id n. 121298200). [...] A data de início do benefício (DIB) deve ser fixada na data da realização da perícia médica judicial, haja vista que, de acordo com o laudo pericial, não foi possível especificar a data de início da incapacidade (DII). [...] Desse modo, entendo que a parte requerente faz jus ao benefício de auxílio por incapacidade temporária, nos termos do artigo 71 do Decreto nº 3.048/99, haja vista que estão preenchidos os requisitos legais. [...] Ante o exposto e por tudo o mais que nos autos consta, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para CONDENAR a parte requerida a conceder à parte requerente o benefício previdenciário de AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA, com renda mensal inicial a ser calculada pelo INSS, efetuando o pagamento das quantias correspondentes às parcelas em atraso devidas a partir da data da perícia médica judicial (07/03/2023 – id n. 121298200), descontados valores pagos a título de benefícios inacumuláveis, bem como observada a eventual prescrição quinquenal. [...]”
Inconformada, a autora, em suas razões recursais aduziu que (rolagem única PJe/TRF-1, p. 126/141):
"[...] Vislumbra-se que o MM Juiz a quo entendeu que a Autora, ora Recorrente, faria jus ao benefício de incapacidade temporária, baseando-se tão somente no critério de “incapacidade parcial e permanente”, contudo, não analisou o conjunto probatório, as circunstâncias externas e sociais, dando a entender que nem mesmo se dignou a analisar as respostas aos quesitos do laudo médico pericial. [...] Ademais, Excelências é imprescindível avaliar as condições pessoais da Sra. MARIA ELVANITA DA SILVA JUSTO, ora Recorrente, uma vez que, a situação incapacitante transcende a mera patologia, devendo ser considerado todo o entorno ao qual está inserida.[...] Além da idade avançada, da afirmação de impossibilidade de reabilitação devido ao processo degenerativo da doença, da baixa escolaridade, da gravidade do quadro clínico e das patologias apresentadas pela Demandante, fatos que por si só já demonstram a imensa dificuldade que enfrentará se forçadamente for reinserida no mercado de trabalho, a Autora sempre exerceu serviços braçais e posturais, o que dificulta ainda mais a sua reinserção. [...] Assim, a sentença de primeiro grau deveria ter concedido o benefício de aposentadoria por invalidez [...] Ante exposto, postula seja reformada a sentença, determinando que o INSS conceda o benefício de APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE à parte Autora, desde a data do INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO DO BENEFÍCIO em 06/07/2022 [...] DA DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – RETROAÇÃO DA DIB [...] É de se estranhar tal decisão, exímios Julgadores, uma vez que no laudo pericial (121298200), em resposta aos quesitos formulados pela Recorrida, mais especificamente em item “h”, o examinador afirma que não haver como precisar o início da enfermidade, contudo, esclarece que a doença do joelho já existia em 08.06.2022, comprovada por exame de RNM juntado aos autos, ou seja, os documentos anexos aos autos, que serviram de base de análise para elaboração do laudo médico pericial demonstram claramente que a incapacidade constatada na Apelante já existia quando do requerimento administrativo em 06/07/2022 (Id.96944566), ou seja, a Apelante encontrava-se, bem como ainda se encontra inapta temporariamente ao desenvolvimento das atividades laborativas, PUGNANDO-SE DESDE JÁ, lhe seja concedido o pagamento, A PARTIR DA DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO (DER) – 06/07/2022. É imperiosa a necessidade de se corrigir a DIB para que retroaja à DER, bem como a manutenção do benefício enquanto perdurar a incapacidade laborativa, pois conforme mencionado, a incapacidade já existia no momento da DER, sendo devidamente comprovado pelos documentos médicos contemporâneos ao requerimento administrativo (06/07/2022) e anteriores à DIB fixada na sentença, bem como pelo relatório exarado pelo perito judicial. [...] DO PRAZO PARA PAGAMENTO - “ALTA PROGRAMADA” Ainda causa irresignação o fato da r. sentença fixar o prazo de 120 (cento e vinte) dias para a percepção do benefício de auxílio por incapacidade temporária. [...] Observa-se que o MM Juiz de primeiro grau ao proferir sua decisão, realizou uma “ALTA PROGRAMADA”, contrariando os laudos médicos anexados aos autos, bem como a própria perícia judicial, uma vez que já é entendimento pacífico em nossos Tribunais Superiores que o benefício previdenciário de auxílio-doença não poderá ser cessado sem que o assegurado seja submetido à perícia médica em que se averigue a reaquisição da sua condição de retornar às atividades laborais, devendo, pois, ser reconhecido, por parte de Tribunal, o direito à manutenção do benefício de auxílio-doença até que seja realizada perícia médica conclusiva no sentido da cessação do benefício. [...] Insurge ainda mencionar que a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), reunida no dia 11 de dezembro de 2016, em Brasília, reafirmou a tese de que a alta programada judicial é incompatível com o modelo imposto pela Lei n.º 8.213/91, que dispõe sobre os benefícios previdenciários. Dessa forma, o benefício de auxílio-doença só poderá ser suspenso depois de o segurado ser submetido a uma nova perícia médica pelo INSS. [...] "
A seguir, passa-se a analisar as razões recursais trazidas pela autora em tópicos.
Da conversão do auxílio por incapacidade temporária em aposentadoria por incapacidade permanente
Quanto ao pleito de conversão do auxílio por incapacidade temporária em aposentadoria por incapacidade permanente, verifica-se que deve ser relevado a análise das condições pessoais, sociais e culturais da autora, temos que, nos termos da Súmula 47 da TNU, as condições pessoais do autor devem ser, de fato, relevadas para análise acerca da possibilidade ou não de retorno laboral. Nesse sentido:
Súmula 47 da TNU: As condições pessoais podem e devem ser relevadas para fins de convencimento do magistrado sobre a impossibilidade de o segurado reintegrar-se no mercado de trabalho, na mesma atividade ou de reabilitar-se para o exercício de outra profissão quando a conclusão do laudo é pela incapacidade parcial.
Na situação, assiste razão à apelante, pois na hipótese é o caso de aplicação da Súmula 47 da TNU, ante a constatação de sua incapacidade parcial e permanente, bem como sua idade avançada, seu baixo grau de instrução profissional (ensino fundamental incompleto), circunstâncias que inviabilizam a reabilitação profissional e o retorno ao mercado de trabalho. Eis um precedente desta Segunda Turma:
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR URBANO. QUALIDADE DE SEGURADO E CARÊNCIA. REQUISITOS ATENDIDOS. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORAL PARCIAL E PERMANENTE, RECONHECIDA EM LAUDO PERICIAL. ANÁLISE DAS CONDIÇÕES PESSOAIS. SÚMULA 47 TNU. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. MULTA COMINATÓRIA. EXCLUSÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais; c) a incapacidade parcial ou total e temporária (auxílio-doença) ou total e permanente (aposentadoria por invalidez) para atividade laboral. 2. Verificam-se cumpridos os requisitos da qualidade de segurado da Previdência Social e da carência exigida para a concessão do benefício postulado. 3. Segundo consta do laudo pericial, a apelada é portadora de doença de Chagas e insuficiência cardíaca de provável origem chagásica, tendo sido identificada incapacidade parcial e permanente. 4. Analisadas as particularidades do caso concreto, há de se considerar, além do histórico de benefícios previdenciários e das condições clínicas da requerente, que ela está com idade avançada, tem restrita qualificação e baixo nível de escolaridade, circunstâncias que inviabilizam a reabilitação para o exercício de outras atividades e, consequentemente, a reinserção no mercado de trabalho. Aplicação do entendimento expresso na Súmula 47 da TNU. 5. Quanto aos consectários legais, o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, considerou inconstitucional a atualização monetária segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (TR), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, bem como que, quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09. 6. Correção monetária e juros moratórios conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, atendendo aos parâmetros estabelecidos no julgamento do RE-RG n. 870.947/SE (Tema 810) e REsp n. 1.495.146/MG (Tema 905). 7. Embora não exista óbice à imposição de multa cominatória contra a Fazenda Pública, a jurisprudência do TRF/1ª Região firmou-se no sentido de que descabe a fixação prévia da penalidade, somente sendo possível a aplicação posterior quando, consideradas as peculiaridades do caso concreto, restar configurada a recalcitrância no cumprimento da obrigação estabelecida judicialmente. Não é o caso dos autos. Prolatada em 13/09/2019, a sentença impôs a implantação do benefício no prazo de 60 dias, fixando multa diária no valor de R$100,00 (cem reais). Em 25/09/2017, a autarquia cuidou de providenciar a medida, não havendo nos autos qualquer notícia de que a determinação não tenha sido atendida. 8. Mantidos os honorários advocatícios arbitrados pelo Juízo a quo. 9. Apelação do INSS provida em parte (item 7).
(AC 1025557-11.2022.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL PEDRO BRAGA FILHO, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 13/03/2023 PAG.)
Assim, merece reforma à Sentença para que seja convertido o auxílio por incapacidade temporária em aposentadoria por incapacidade por permanente. Por conseguinte, resta prejudicado o pedido autoral de modificação da "alta programada judicial" determinada na origem.
Termo inicial (DIB)
A fixação do termo inicial do benefício na data fixada no laudo não tem amparo na jurisprudência, que já se posicionou no sentido de que a DIB é a data da cessação do pagamento anteriormente concedido ou a data do requerimento administrativo. Precedentes do STJ aplicáveis à hipótese dos autos:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. O entendimento do Tribunal de origem não está em consonância com a orientação do STJ de que o termo inicial do pagamento do auxílio-doença é a data da cessação do pagamento do benefício anteriormente concedido ou a data do requerimento administrativo. Quando inexistentes ambas as situações anteriormente referidas, o termo inicial do pagamento do auxílio-doença será a data da citação da autarquia.
2. Ao contrário do que faz crer a parte agravante, não incide o óbice da Súmula 7/STJ em relação ao Recurso Especial interposto pela agravada. Isso porque o decisum ora atacado não adentrou matéria fática.
3. Agravo Interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 1.961.174/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 29/6/2022).
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. O LAUDO PERICIAL NÃO PODE SER UTILIZADO PARA FIXAR O MARCO INICIAL DA AQUISIÇÃO DE DIREITO A BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS DECORRENTES DE MOLÉSTIA INCAPACITANTE. TERMO INICIAL: DATA DA CITAÇÃO NA AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL DO SEGURADO PROVIDO.
1. O benefício de auxílio-doença, concedido judicialmente, deve ser concedido a partir da data do requerimento administrativo e, na sua ausência, na data da citação válida da Autarquia.
2. É firme a orientação desta Corte de que o laudo pericial não pode ser utilizado como parâmetro para fixar o termo inicial de aquisição de direitos, servindo, tão somente, para nortear o convencimento do Juízo quando à existência do pressuposto da incapacidade para a concessão do benefício.
3. Recurso Especial do Segurado provido para fixar o termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo.
(REsp 1.475.373/SP, Rel. Min. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 8/5/2018).
Assim, por se tratar de pedido de concessão de benefício, a DIB deve ser a data do requerimento administrativo.
Passa-se à analise da apelação interposta pelo INSS.
Em suas razões recursais a Autarquia alega que (rolagem única PJe/TRF-1, p. 143/152):
"[...] Insurge-se a autarquia ré contra a realização de perícia judicial realizadas por meio eletrônico (teleperícia), sem que tenha havido o exame físico presencial da parte autora. De fato, na via administrativa, o perito médico federal concluiu pela inexistência de incapacidade, atestando, através de EXAME FÍSICO PRESENCIAL, consignando que "APESAR DAS QUEIXAS E DO ATESTADO, NÃO HÁ EVIDÊNCIA DE ELEMENTOS CLÍNICOS QUE VENHAM FUNDAMENTAR COM SEGURANÇA CONCLUSÃO FAVORÁVEL AO PLEITO PREVIDENCIÁRIO SOLICITADO NESTA OCASIÃO. [...] Em que pese a idoneidade e cautela do expert nomeado, nota-se que, no caso, as dores físicas da parte recorrida deveriam ser avaliadas de forma presencial, por meio de exames físicos, com a conjugação de métodos como inspeção (visão) e palpação (tato), não sendo viável, no caso, emitir relatórios por apenas com base em exames passados. [...] DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ESPECÍFICA QUANTO À DESIGNAÇÃO DA TELEPERÍCIA [...] Diante do contexto fático atual, distinto daquele verificado nos dois anos anteriores, torna-se indispensável que a decisão judicial que designe a teleperícia em substituição à presencial, venha acompanhada de fundamentação específica que denote a existência de medidas restritivas locais que imponham o isolamento social, pois foi isso que ensejou a edição da Resolução do CNJ nº 317 de 30/04/2020. [...] a, ao designar perícia médica não presencial viola-se a exigência do art. 473, III, do CPC, que impõe, justamente, que o laudo pericial indique o método utilizado, devendo demonstrar que ele é predominantemente aceito pelos especialistas da área de conhecimento em questão [...] PERÍCIA ADMINISTRATIVA PRESENCIAL x PERÍCIA JUDICIAL A DISTÂNCIA: DA VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO [...] Além de todos os argumentos já apresentados, o entendimento da autarquia ré acerca da indispensabilidade de exame presencial para julgamento definitivo do feito justifica-se pelo fato de que, de um lado, foi realizada perícia PRESENCIAL por perito médico federal, imparcial, a qual concluiu pela CAPACIDADE da parte autora. De outro, foi produzida perícia a distância, sem avaliação direta do segurado, sem realização de exame físico presencial, sem possibilidade de observar eventual simulação ou ausência de sinais que contradigam as alegações autorais. [...] A situação temporária de pandemia é justificativa inidônea para sustentar o indeferimento de providência que poderá ser realizada assim que amenizadas as medidas de isolamento social. [...] DO PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE [...] No caso concreto, portanto, não se justifica o indeferimento da complementação da prova por exame presencial, eis que não há como reputar desnecessária, inútil ou meramente protelatória diligência considerada indispensável pelas instituições representativas da área técnica objeto da perícia. É temerário dispensar uma diligência cuja ausência é considerada até mesmo como infração ética pelo Conselho que tem atribuição legal de fiscalizar o correto exercício da profissão. [...]".
Da teleperícia
Não obstante os argumentos trazidos pela Autarquia, verifica-se que a designação da perícia no formato remoto atendeu a determinação legal (latu sensu) então vigente. O formato remoto atendeu à Resolução n. 317/2020 do CNJ, bem como à Lei n. 13.989/2020. Quanto ao parecer contrário à perícia remota, emitido posteriormente pelo Conselho de Federal de Medicina, verifica-se que a antinomia jurídica aparente é solucionada por meio do critério da hierarquia das normas. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ/AUXÍLIO-ACIDENTE. TELEPERÍCIA. PANDEMIA. CORONAVÍRUS. LEI N. 13.989/20. RESOLUÇÃO/CNJ N. 317/2020. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. O INSS, em sede de recurso, aduz que a designação de perícia indireta e todas as outras formas que prescindam do exame físico do segurado, já que a decisão contraria as orientações técnicas e éticas do Conselho Federal de Medicina e do Instituto Brasileiro de Perícias Médicas, em violação, ainda, ao Código de Ética Médica. In casu, a perícia médica foi marcada em meio a pandemia da COVID-19. Assim, foi designada a perícia por meio de tele perícia, a fim de que não fosse prejudicado o direito do autor na busca pelo recebimento do benefício. A lei no 13.989/2020 autoriza o uso da telemedicina durante a crise causada pela pandemia: Art. 1º Esta Lei autoriza o uso da telemedicina enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus (SARS-CoV-2).Art. 2º Durante a crise ocasionada pelo coronavírus (SARS-CoV- 2), fica autorizado, em caráter emergencial, o uso da telemedicina. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu a resolução no 317 de 30 de abril de 2020, dispondo que perícias que versem sobre benefícios de incapacidade e assistência social serão realizados por tele perícia, a fim de que o requerente não tenha seu direito violado: Art. 1º As perícias em processos judiciais que versem sobre benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais serão realizadas por meio eletrônico, sem contato físico entre perito e periciando, enquanto perdurarem os efeitos da crise ocasionada pela pandemia do novo Coronavírus. Não obstante o Conselho Federal de Medicina (CFM) ter emitido parecer pela indispensabilidade de avaliação presencial, tal ato normativo é superado pela Lei no 13.989/2020 e Resolução do CNJ no 317/2020, por força do princípio da hierarquia das leis. Assim, se revela insubsistente a alegação da autarquia previdenciária no que se refere à impossibilidade de realização de perícia médica por meios eletrônicos ou virtuais. Sendo assim, resta claro que a perícia foi realizada respeitando os meios legais, devendo a sentença ser mantida em todos os seus termos. Apelação da parte ré desprovida.
(AC 1008240-34.2021.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL RAFAEL PAULO, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 08/03/2023 PAG.)
Assim, ante ausência de impeditivos legais quanto à designação da perícia no formato remoto, verifica-se que não merecem ser acolhidos nem o pleito principal e nem o subsidiário da Autarquia Previdenciária.
Consectários
Juros e correção monetária, conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento dos Temas 905/STJ e 810/STF. Incidência da SELIC após a entrada em vigor da EC 113/2021.
Honorários recursais
Nos termos do julgamento do REsp n. 1865663/PR, que tramitou sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.059 do STJ), a majoração dos honorários de sucumbência pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido, como no caso dos autos (em relação à apelação interposta pelo INSS), desse modo, conforme disposição o art. 85, § 11, do CPC/2015.
Conclusão
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS e dou provimento à apelação da autora, para que lhe seja concedido, pela Autarquia Previdenciária, o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, desde a Data do requerimento administrativo, nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
GAB. 05 - DESEMBARGADOR FEDERAL RUI GONÇALVES
Processo Judicial Eletrônico
PROCESSO: 1023609-97.2023.4.01.9999
PROCESSO REFERÊNCIA: 1007819-08.2022.8.11.0037
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA ELVANITA DA SILVA JUSTO
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. SEGURADO URBANO. INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE. CONDIÇÕES PESSOAIS. BENEFÍCIO DEVIDO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. DIB NA DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TELEPERÍCIA. APLICAÇÃO DA LEI N. 13.989/2020 E RESOLUÇÃO CNJ N. 317/2020. SENTENÇA REFORMADA.
1. A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que estiver ou não em gozo de auxílio-doença e comprovar, por exame médico-pericial, a incapacidade total e definitiva para o trabalho e for considerado insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença, nos termos do art. 42 e 43 da Lei 8.213/91.
2. De acordo com o laudo pericial (rolagem única PJe/TRF-1, p. 73/75), a parte autora "[...] A autora, contando com 66 anos, brasileiro, casada, auxiliar administrativa em empresa de transporte desde 2012, afastada desde 06.07.2022, ensino fundamental incompleto [...] Após uma anamnese pormenorizada realizada pelo o médico que lhe assiste e também por análise de exames concluiu-se que a Requerente é portadora Transtorno do disco cervical com radiculopatia (CID M50.1), Gonartrose-artorse do joelho (CID M17), Transtorno Interno dos Joelhos (CID M23), Síndrome do túnel do carpo (CID G56.0), e Osteopenia moderada, estando esta, inapta para o desempenho das atividades laborais por tempo indeterminado, encontrando tais enfermidades concentradas na mãos, punhos, braços, joelho esquerdo e nos discos da coluna, culminando em fortes dores nos punhos e mãos, e dores insuportáveis nas costas e joelho (atestados e laudos de exames médicos em anexo). [...] " .
3. Na situação, é o caso de aplicação da Súmula 47 da TNU, ante a constatação da incapacidade parcial e permanente da autora, bem como de sua idade avançada e de seu baixo grau de instrução profissional, circunstâncias que inviabilizam a reabilitação profissional e o retorno ao mercado de trabalho.
4. A fixação do termo inicial do benefício na data fixada no laudo não tem amparo na jurisprudência, que já se posicionou no sentido de que a DIB é a data da cessação do pagamento anteriormente concedido ou a data do requerimento administrativo. Assim, por se tratar de pedido de concessão de benefício, a DIB deve ser a data do requerimento administrativo.
5. A lei no 13.989/2020 autoriza o uso da telemedicina durante a crise causada pela pandemia: Art. 1º Esta Lei autoriza o uso da telemedicina enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus (SARS-CoV-2). o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu a resolução no 317 de 30 de abril de 2020, dispondo que perícias que versem sobre benefícios de incapacidade e assistência social serão realizados por tele perícia, a fim de que o requerente não tenha seu direito violado.
6. Honorários de advogado majorados em dois pontos percentuais, nos termos do art. 85, §11, do CPC/2015 e da tese fixada no Tema 1.059/STJ.
6. Negado provimento à apelação do INSS e dado provimento à apelação da autora, para que lhe seja concedido, pela Autarquia Previdenciária, o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, desde a Data do requerimento administrativo.
A C Ó R D Ã O
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e dar provimento à apelação da autora, nos termos do voto do Relator.
Brasília/DF, data da sessão de julgamento.
Desembargador Federal RUI GONÇALVES
Relator