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AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, DO CPC/1973. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8. 742/93. INTERPRETAÇÃO ...

Data da publicação: 14/07/2020, 06:37:02

AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, DO CPC/1973. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. OCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO ESTADO DE MISERABILIDADE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO ORIGINÁRIO. 1. Rejeição da matéria preliminar, por se confundir com o mérito, âmbito em que deve ser analisada. 2. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. 3. O E. Supremo Tribunal Federal, ao analisar a matéria, sob o regime da repercussão geral (RE 567985/MT e RE 580963/PR), pacificou o entendimento no sentido de que o § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99 deve ser interpretado de forma extensiva, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. 4. A interpretação restritiva atribuída pelo julgado ao mencionado dispositivo configura violação a literal disposição de lei, nos termos do Art. 485, V, do CPC/1973. 5. Não demonstrada a situação de miserabilidade necessária à concessão do benefício. 6. Matéria preliminar rejeitada, pedido de rescisão do julgado procedente e pedido originário improcedente. (TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 7993 - 0008844-31.2011.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em 14/06/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/06/2018 )


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0008844-31.2011.4.03.0000/SP
2011.03.00.008844-0/SP
RELATOR:Desembargador Federal CARLOS DELGADO
AUTOR(A):MARIA APARECIDA ANTUNES - prioridade
ADVOGADO:SP116621 EDEMIR DE JESUS SANTOS
RÉU/RÉ:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG.:06.00.03913-8 2 Vr ITAPETININGA/SP

VOTO-VISTA

Trata-se de ação rescisória proposta com fundamento no Art. 485, V, do Código de Processo/1973, com o objetivo de desconstituir a decisão monocrática proferida nos autos da apelação cível nº 2007.03.99.018866-1, pela eminente Desembargadora Federal Vera Jucovsky, por meio da qual negou seguimento à apelação interposta pela parte autora contra a sentença exarada pelo MM. Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Itapetinga/SP, que julgara improcedente o pedido de concessão do benefício de amparo social ao deficiente.

O ilustre Relator, Desembargador Carlos Delgado, proferiu seu voto no sentido de rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, julgar improcedente o pedido de rescisão do julgado. No ensejo, pedi vista dos autos para melhor analisar a questão.

Comungo do entendimento do Senhor Relator quanto à rejeição das preliminares arguidas pelo réu. Não obstante, peço vênia para divergir quanto à hipótese de ocorrência de violação a literal disposição de lei, pelos motivos que exponho a seguir.

O Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, dispõe que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, com o objetivo de garantir um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A regulamentação adveio com Lei 8.742/93 (LOAS), que, no Art. 20, § 3º, estabeleceu que faz jus ao benefício a pessoa deficiente ou idoso maior de 65 anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo.

No julgamento da ADI 1.232-1/DF (27.08.98), o Tribunal Pleno do E. Supremo Tribunal Federal, por maioria (três votos a dois), entendeu que o § 3º do Art. 20 da Lei 8.742/93 estabelecia critério objetivo para a concessão do benefício assistencial, vencidos, parcialmente, os ministros Ilmar Galvão e Néri da Silveira, que, embora reconhecessem sua constitucionalidade, conferiam-lhe interpretação extensiva, por considerar que o dispositivo apenas instituiu hipótese em que a condição de miserabilidade da família é presumida, sem, no entanto, afastar a possibilidade de utilização de outros meios para sua comprovação.

Ao apreciar o REsp 1.112.557/MG (28.10.09), no regime do Art. 543-C do CPC, a 3ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça firmou posição na linha do voto minoritário do E. STF, de que "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo".

Em 08.02.08, o E. STF já submetera o tema ao rito da repercussão geral, no RE 567985/MT, interposto pelo INSS em face de decisão da Turma Recursal de Mato Grosso, sob a alegação de ofensa aos Arts. 203, V e 205, § 5º, da CF, e contrariedade ao decidido na ADI 1.232-1/DF, por ter aquele órgão alargado o âmbito de incidência da Lei nº 8.742/93, ao argumento de que a miserabilidade pode ser comprovada por outros critérios, que não apenas os do Art. 20, § 3º. Mais recentemente, no dia 18.04.2013, em sessão plenária, aquele Tribunal, por maioria, negou-lhe provimento e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 3º do Art. 20 da Lei nº 8.742/93. Nestes termos:

"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013)".

Por conseguinte, é de se concluir que, não obstante vários julgados tenham se baseado no entendimento firmado na ADI 1.232/DF, aquele precedente cedeu espaço à interpretação inaugurada pelo Ministro Ilmar Galvão, no sentido de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência por outros meios que não aquela limitada à comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo, que, inclusive, acaba de ser declarada inconstitucional.

Convém atentar que mesmo antes, em liminares proferidas em reclamações dirigidas àquela Colenda Corte, várias decisões garantiram a manutenção de benefício assistencial a pessoa cuja renda familiar excedia o mencionado coeficiente, em face das peculiaridades de cada caso (RCL 3805/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, 09.10.06; RCL 4729/MS, Rel. Min. Ricardo Lewandowsky, 25.10.06; entre outras).

Destaque-se que a interpretação extensiva do § 3º, do Art. 20, da Lei 8.742/93, tem sido adotada em sucessivos julgados desta E. Terceira Seção (EI 97.03.020190-3, 3ª Seção, Rel. Juiz Conv. Silvio Gemaque, e-DJF3 Judicial 1 01/08/12; EI 0007335-46.2008.4.03.9999, 3ª Seção, Rel. Des. Fed. Marianina Galante, e-DJF3 Judicial 1 26/06/12; EI 0000274-87.2001.4.03.6117, 3ª Seção, Rel. Des. Fed. Sergio Nascimento, e-DJF3 Judicial 1 04/06/12; EI 0004038-36.2005.4.03.9999, 3ª Seção, Rel. Des. Fed. Walter do Amaral e-DJF3 Judicial 1 01/06/12; AR 0085617-30.2005.4.03.0000, 3ª Seção, Rel. Des. Fed. Daldice Santana e-DJF3 Judicial 1 02/03/12; AR 0080801-05.2005.4.03.0000, 3ª Seção, Rel. Des. Fed. Leide Polo, e-DJF3 Judicial 1 11/11/11; EI 0002761-24.2001.4.03.6119, 3ª Seção, Rel. Juíza Conv. Márcia Hoffmann, e-DJF3 Judicial 1 28/09/11), e que, à época da decisão rescindenda (31.03.2009, cfe. fls. 51/53), esse entendimento já era uniforme nas cortes pátrias.

É o que deflui dos acórdãos proferidos nos seguintes feitos, julgados no mesmo ano de 2008: AGRESP 200700805340, Jorge Mussi, STJ - 5ª T., DJE 04/08/08 DTPB; AC 200238030041052, Des. Fed. Neuza Maria Alves da Silva, TRF1 - 2ª T., e-DJF1 09/11/12 p. 388; AC 200150030000750, Des. Fed. Andrea Cunha Esmeraldo, TRF2 - 2ª T. Especializada, DJU 12/01/09 - p. 89; AC 00035103120074039999, Juíza Conv. Louise Filgueiras, TRF3 - T. Suplementar da 3ª Seção, DJF3 18/09/08; AG 200405000365915, Des. Fed. Rogério Fialho Moreira, TRF5 - 1ª T., DJ 13/02/09 p. 311 nº 31).

E, ainda: AC 200501990368695, Des. Fed. Antônio Sávio de Oliveira Chaves, TRF1 - 1ª T., e-DJF1 22/04/09. p. 23; AC 200601990097840, Des. Fed. Francisco de Assis Betti, TRF1 - 2ª T., e-DJF1 02/04/09 p.88; AC 200437010003687, Juíza Fed. Rogeria Maria Castro Debelli, TRF1 - 2ª T., e-DJF1 02/04/09 p. 559; AC 200401990046390, Juíza Fed. Rogeria Maria Castro Debelli, TRF1 - 2ª T., e-DJF1 02/04/09 p. 546; APELRE 200050030010090, Des. Fed. Andrea Cunha Esmeraldo, TRF2 - 2ª T. Especializada, DJU 12/01/09 - p. 89; AC 200351050004607, Des. Fed. Messod Azulay Neto, TRF2 - 2ª T. Especializada, DJU - 09/01/09 - p. 9; AC 200702010157829, Des. Fed. Andrea Cunha Esmeraldo, TRF2 - 2ª T. Especializada, DJU 18/12/08 - p. 373; AC 200802010097527, Des. Fed. Marcia Helena Nunes/no afast. Rel., TRF2 - 1ª T. Especializada, DJU - 17/10/08 p. 119; AC 00458222220074039999, Des. Fed. Antonio Cedenho, TRF3 - 7ª T., e-DJF3 Judicial 1 30/03/10 p. 902; AI 00365278220074030000, Des. Fed. Therezinha Cazerta, TRF3 - 8ª T., e-DJF3 Judicial 2 10/03/09 p. 326; AC 00105425020034036112, Des. Fed. Marianina Galante, TRF3 - 8ª T., e-DJF3 Judicial 2 27/01/09 p. 806; AC 00071623420034036107, Des. Fed. Marianina Galante, TRF3 - 8ª T., e-DJF3 Judicial 2 27/01/09 p. 805; AC 00454991720074039999, Des. Fed. Sergio Nascimento, TRF3 - 10ª T., e-DJF3 Judicial 2 28/01/09 p. 1701; AC 00005416720074036111, Des. Fed. Newton de Lucca, TRF3 - 8ª T., e-DJF3 Judicial 2 13/01/2009 p. 1636; AC 00005597820044036116, Des. Fed. Leide Polo, TRF3 - 7ª T., DJF3 10/09/08; AC 00512334620074039999, Des. Fed. Marisa Santos, TRF3 - 9ª T., DJF3 07/05/08; AC 00325806420054039999, Des. Fed. Diva Malerbi, TRF3 - 9ª T., DJF3 16/07/08; REO 200181000177994, Des. Fed. Geraldo Apoliano, TRF5 - 3ª T., DJ 23/03/09 - p. 178 - nº 55; AC 200183080009893, Des. Fed. Frederico Pinto de Azevedo, TRF5 - 3ª T., DJ 13/11/08 - p. 189 - nº 221; AC 200281000001070, Des. Fed. Frederico Pinto de Azevedo, TRF5 - 3ª T., DJ 23/10/08 p. 306 nº 206.

A decisão rescindenda consignou que "o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela", e que "deflui dessa exegese o estabelecimento de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha de renda familiar resulte para si montante inferior a R$ 116,25". Assim, tendo constatado que a renda familiar per capita, no caso concreto, era de R$ 155,00, inferiu que a parte autora não preencheu o requisito da hipossuficiência, necessário ao benefício (fls. 51/53).

Destarte, resta evidente que a aplicação restritiva do critério do Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93, perfilhada pelo julgado, não se coaduna com o espírito da lei, conforme o entendimento consagrado pela jurisprudência já ao tempo da decisão rescindenda, agora reiterado com a declaração de inconstitucionalidade da regra pelo próprio Supremo Tribunal Federal, o que implica no reconhecimento de houve afronta direta ao referido dispositivo, motivo por que de rigor a sua desconstituição.

Em sede de juízo rescisório, observo que, conforme a perícia médica judicial, a autora tem 45 anos e apresenta cegueira em ambos os olhos, estando incapacitada total e permanentemente para o trabalho (fls. 48/50), de sorte que a condição de deficiência da requerente ficou demonstrada.

Por sua vez, o estudo social, produzido em 11.10.2007 (fls. 45/47), revelou que a autora vive juntamente com seu esposo e uma filha de 07 anos de idades, em imóvel de dois ou três cômodos em precário estado de conservação, guarnecido com móveis e eletrodomésticos de igual condição, e que a renda familiar, no valor de um salário mínimo, provém do trabalho do marido, que é caseiro.

Complementarmente, a prova testemunhal produzida em audiência de instrução e julgamento atesta que a autora convive com seu companheiro e uma filha em um sítio de propriedade do empregador daquele; que dispõem de renda mensal de cerca de um salário mínimo; e que a família é beneficiada por uma horta que cultivam.

Não houve discriminação dos gastos domésticos.

À vista disso, entendo que, malgrado o estudo social tenha concluído pela demonstração da situação de miserabilidade da requerente, o conjunto probatório não oferece indícios suficientes para a interpretação nesse sentido, haja vista que, ao que se assemelha, a família não arca com o custo da moradia e reside em um sítio onde usufruem de uma horta, o que impossibilita afirmar que não possuem meios de prover sua manutenção.

Ante o exposto, acompanho o voto do Senhor Relator no tocante à rejeição da matéria preliminar e, no mérito, com a devida vênia, JULGO PROCEDENTE o pedido de desconstituição do julgado, com fundamento no Art. 485, V, do CPC/1973, e, em novo julgamento, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido nos autos da ação originária, arcando a autoria com honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado dado à causa, que ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade, a teor do Art. 98, § 3º, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita.

É o voto.

BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal


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D.E.

Publicado em 27/06/2018
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0008844-31.2011.4.03.0000/SP
2011.03.00.008844-0/SP
RELATOR:Desembargador Federal CARLOS DELGADO
AUTOR(A):MARIA APARECIDA ANTUNES - prioridade
ADVOGADO:SP116621 EDEMIR DE JESUS SANTOS
RÉU/RÉ:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG.:06.00.03913-8 2 Vr ITAPETININGA/SP

EMENTA

AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, DO CPC/1973. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. OCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO ESTADO DE MISERABILIDADE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO ORIGINÁRIO.
1. Rejeição da matéria preliminar, por se confundir com o mérito, âmbito em que deve ser analisada.
2. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
3. O E. Supremo Tribunal Federal, ao analisar a matéria, sob o regime da repercussão geral (RE 567985/MT e RE 580963/PR), pacificou o entendimento no sentido de que o § 3º, do Art. 20, da Lei nº 8.742/99 deve ser interpretado de forma extensiva, a fim de abranger outras situações em que comprovada a condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial.
4. A interpretação restritiva atribuída pelo julgado ao mencionado dispositivo configura violação a literal disposição de lei, nos termos do Art. 485, V, do CPC/1973.
5. Não demonstrada a situação de miserabilidade necessária à concessão do benefício.
6. Matéria preliminar rejeitada, pedido de rescisão do julgado procedente e pedido originário improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, por maioria, julgar procedente o pedido de desconstituição do julgado, com fundamento no art. 485, V, do CPC/1973 e, em novo julgamento, julgar improcedente o pedido deduzido nos autos da ação originária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 14 de junho de 2018.
BAPTISTA PEREIRA
Desembargador Federal


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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0008844-31.2011.4.03.0000/SP
2011.03.00.008844-0/SP
RELATOR:Desembargador Federal CARLOS DELGADO
AUTOR(A):MARIA APARECIDA ANTUNES - prioridade
ADVOGADO:SP116621 EDEMIR DE JESUS SANTOS
RÉU/RÉ:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG.:06.00.03913-8 2 Vr ITAPETININGA/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

Trata-se de ação rescisória, com aditamento à fl. 60, proposta por MARIA APARECIDA ANTUNES em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com fundamento nos artigos 485, V, do CPC/1973, objetivando rescindir decisão monocrática terminativa de mérito, a fim de que lhe seja concedido o benefício de amparo assistencial ao deficiente.

Aduziu que o julgado rescindendo violou disposição literal do artigo 203, V, da Constituição, eis que, no seu entender, não poderia ser adotado unicamente o critério da renda per capita do grupo familiar.

Em atenção à determinação de fl. 58, a autora aditou a inicial para correção de erro material contido no pedido (fl. 60).

À fl. 62, consta decisão que reconheceu a observância do prazo bienal para ajuizamento da ação rescisória; deferiu à autora os benefícios de tramitação prioritária do feito e da assistência judiciária gratuita, dispensando-a do depósito prévio; e, indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela.

Citado (fls. 66-67), o réu apresentou contestação e documentos, às fls. 69-81, alegando, em preliminar, a ausência de interesse de agir e a incidência da Súmula STF n.º 343 e, no mérito, a inexistência de violação à lei.

A autora ofereceu réplica (fls. 85-86).

Instadas à especificação de provas (fl. 87), a autora se quedou silente (fl. 89) e o réu informou não ter provas a produzir (fl. 90).

O Ministério Público Federal opinou pela improcedência da ação rescisória (fls. 92-94).

É o relatório.

VOTO


O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


Rejeito as preliminares de carência da ação, decorrente da incidência da Súmula STF n.º 343, e de ausência de interesse de agir, relativa à inadequação da via eleita para rediscussão do quadro fático da lide subjacente, por se confundirem com o mérito da demanda rescisória.


A autora fundamenta a ação rescisória no artigo 485, V, do CPC/1973, sob a alegação de violação à disposição literal do artigo 203, V, da Constituição, eis que, no seu entender, não poderia ser adotado unicamente o critério da renda per capita do grupo familiar para o fim de negar-lhe direito ao benefício.


Na ação subjacente, ajuizada em 29.05.2006, a autora postulou a concessão do benefício de amparo assistencial ao deficiente. Informou que seu grupo familiar era composto por seu companheiro e por sua filha menor (nascida em 09.08.2000 - fl. 21).


Após a oitiva de testemunhas, em 1ª Instância, o pedido da ação subjacente foi julgado improcedente (fls. 34-35), verbis:


"[...] Segundo atestaram as testemunhas ouvidas, o companheiro da requerente trabalha como caseiro, ganhando cerca de R$ 400,00 (quatrocentos reais) por mês, beneficiando-se ainda da ausência de custo com a moradia, bem como de produtos de subsistência que consegue cultivar no local. Como a família é composta por três pessoas, vê-se que não há enquadramento da situação fática à previsão legal de assistência social voltada par aqueles que não possuem meios de prover a própria manutenção, nem tê-la provida pela própria família. [...]"

Interposta apelação, o julgamento foi convertido em diligência para realização de perícia médica e estudo social (fl. 43).


O estudo social, datado de 11.10.2007, a assistente social verificou que (fls.45-47):


"[...] O (sic) requerente nos informou que vive juntamente com seu esposo e sua filha [...] de 07 anos, em dois três cômodos (sala, quadrto, cozinha).
Segundo informações da requerente a mesmo (sic) é portadora de deficiência visual de nascença, apresenta atrofia do nervo ótico em ambos os lhos (sic) congênita, dificultando possibilidades de trabalho.
O imóvel é de tijolo, apresentado precárias condições quanto a (sic) conservação.
Internamente a casa está guarnecida modestamente. Os mobiliários e eletrodomésticos de maneira geral encontram-se alguns em regulares e outros em precárias condições quanto a (sic) conservação.
No momento no seu interior a casa estava limpa e organizada.
Quanto a (sic) manutenção do lar provém do salário do seu esposo que é caseiro e recebe um salário mínimo mensal, senda esta a única renda da família.
Pudemos observar que a requerente tem dificuldades para enxergar, necessitando sempre do auxílio de outros quando sai de casa. [...]"

No laudo pericial de fls. 48-50, o perito afirmou que:


"A autora tem 45 anos apresenta cegueira em ambos os olhos, segundo atestado médico do oftalmologista apresentado no dia da perícia. Seu exame físico no dia da perícia evidenciou evidente e grande redução de acuidade visual tanto para perto como para longe, com dificuldade de se movimentar na sala, caracterizando incapacidade total e permanente para o trabalho."

À apelação interposta foi negado seguimento, nos termos da decisão monocrática proferida, em 31.03.2009, pela Desembargadora Federal Vera Lucia Jucovsky (fls. 51-53), da qual destaco:


"[...] - A inconstitucionalidade do parágrafo 3° do artigo 20 da mencionada Lei n.° 8.742/93 foi argüida na ADIN n° 1.232-1/DF que, pela maioria de voto do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada improcedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.° 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5- 6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
"RECLAMAÇAO. SALARIO MINIMO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA E IDOSO. ART. 203. CF.
- A sentença impugnada ao adotar a fundamentação defendida no voto vencido afronta o voto vencedor e assim a própria decisão final da ADI 1232.
- Reclamação procedente."
- Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3° do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável a concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensável elementos probatórios outros.
- Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: [...]
- Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a RSS 116,25 (cento e dezesseis reais e vinte e cinco centavos) mensais.
- O estudo social, realizado em 11.10.07, revela que o núcleo familiar da parte autora é formado por 03 (três) pessoas: Maria Aparecida (parte autora); Antonio (esposo), caseiro, recebe 1 (um) salario mínimo e; [...] (filha), menor (fls. 67-69).
- Desse modo, perfaz-se, uma renda familiar de RSS 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco reais) e renda per capita de RSS 155,00 (cento e cinqüenta e cinco reais).
- Logo, e de se concluir que a parte autora não tem direito ao amparo assistencial, uma vez que não preenche o requisito da hipossuficiência. - - Anote-se que o preenchimento dos requisitos necessários à obtenção do beneficio assistencial devem ser cumulativamente preenchidos, de tal sorte que a não observância de um deles prejudica a analise do pedido relativamente à exigência subseqüente. [...]"

Sem interposição de recurso pelas partes, foi certificado o trânsito em julgado ocorrido em 04.05.2009 (fl. 55).


A viabilidade da ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta da literalidade da norma jurídica, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta (confira-se: STJ, S1, AR 4264, relator Ministro Humberto Martins, DJe 02.05.2016).


A parte autora sustenta a violação à garantia assistencial prevista no artigo 203, V, da Constituição decorrente da adoção, no julgado rescindendo, do critério objetivo, relativo à renda familiar per capita, previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/93 ["Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo"].


Embora hodiernamente superada, a questão relativa à verificação de situação de miserabilidade, autorizadora da concessão de benefício assistencial de prestação continuada, foi objeto de larga controvérsia jurisprudencial.


O Plenário do e. Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado de constitucionalidade do § 3º, do artigo 20, da Lei n.º 8.742/93, por maioria, julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.232/DF:


"CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE." (STF, Pleno, ADI 1232, relator Ministro Ilmar Galvão, relator para o acórdão Ministro Nelson Jobim, j. 27.08.1998, DJ 01.06.2001)

Mesmo reconhecida a constitucionalidade do dispositivo legal relativo ao critério de renda mínima pela Corte Suprema, a questão jamais restou pacificada na jurisprudência nacional.


A 3ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça, em 28.10.2009, no julgamento do Recurso Especial autuado sob n.º 1.112.557/MG, sob a sistemática dos recursos repetitivos representativos de controvérsia, firmou tese no sentido de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada como a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família:


"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. 3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001). 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável. 5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar. 7. Recurso Especial provido." (STJ, 3ª Seção, REsp 1112557, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28.10.2009, DJe 20.11.2009) [grifo nosso]

Diante da não observância do critério objetivo de renda familiar prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/93, seguiram-se diversas reclamações à Corte Suprema, que, em princípio, manteve a orientação firmada no julgamento da ADI n.º 1.232. Confira-se:


"PREVIDÊNCIA SOCIAL. Benefício assistencial. Lei nº 8.742/93. Necessitado. Deficiente físico. Renda familiar mensal per capita. Valor superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Concessão da verba. Inadmissibilidade. Ofensa à autoridade da decisão proferida na ADI nº 1.232. Liminar deferida em reclamação. Agravo improvido. Ofende a autoridade do acórdão do Supremo na ADI nº 1.232, a decisão que concede benefício assistencial a necessitado, cuja renda mensal familiar per capita supere o limite estabelecido pelo § 3º do art. 20 da Lei federal nº 8.742/93." (STF, Pleno, MC-AgR/Rcl 4427, relator Ministro Cezar Peluso, DJe 28.06.2007)

Apenas em 18.04.2013, no julgamento da Reclamação n.º 4.374/PE, o Plenário do e. Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento prévio e declarou, sem pronúncia de nulidade, a parcial inconstitucionalidade do artigo 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/93. Ressalto que o dissenso jurisprudencial sobre o tema foi admitido naquele julgamento, conforme destaco do voto condutor do relator Ministro Gilmar Mendes:


"[...] A decisão do Tribunal, porém, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. O voto do Ministro Sepúlveda Pertence, que já avaliava a presença de uma possível inconstitucionalidade por omissão parcial, parecia anunciar que o problema relativo à aplicação da LOAS tenderia a permanecer até que o legislador se pronunciasse sobre o tema. Como a lei permaneceu inalterada, apesar do latente apelo realizado pelo Tribunal, por juízes e tribunais - principalmente os então recém-criados Juizados Especiais - continuaram a elaborar maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. E isso passava a significar, cada vez mais, que a interpretação da LOAS pleiteada pelo Ministério Público na ADI 1.232 não era apenas uma opção hermenêutica, mas uma imposição que se fazia presente nas situações reais multifacetárias apresentadas aos juízes de primeira instância. Entre aplicar friamente o critério objetivo da lei e adotar a solução condizente com a realidade social da família brasileira, os juízes permaneceram abraçando a segunda opção, mesmo que isso significasse a criação judicial de outros critérios não estabelecidos em lei e, dessa forma, uma possível afronta à decisão do STF.
A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais chegou a consolidar, em súmula (Súmula 11, hoje cancelada), o entendimento segundo o qual "a renda mensal per capita familiar, superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, não impede a concessão do benefício assistencial previsto no art. 20, § 3º da Lei nº. 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante".
A situação foi extremamente propícia para que começasse a aportar no Supremo Tribunal Federal uma verdadeira enxurrada de reclamações movidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O Tribunal então passou a julgar procedentes tais reclamações para cassar decisões, proferidas pelas instâncias jurisdicionais inferiores, que concediam o benefício assistencial entendendo que o requisito definido pelo § 3 o do art. 20 da Lei 8.742/93 não é exaustivo e que, portanto, o estado de miserabilidade poderia ser comprovado por outros meios de prova.
A questão foi amplamente debatida no julgamento da Rcl - AgR 2.303/RS, Rel. Min. Ellen Gracie (DJ 1.4.2005). Na ocasião, o Ministro Ayres Britto, em voto-vista, chegou a defender a higidez constitucional e a compatibilidade com a decisão na ADI 1.232 dos comportamentos judiciais que, levando em conta as circunstâncias específicas do caso concreto, encontram outros critérios para aferir o estado de miserabilidade social do indivíduo. A maioria, no entanto, firmou-se no sentido de que, na decisão proferida na ADI 1.232, o Tribunal definiu que o critério de ¼ do salário mínimo é objetivo e não pode ser conjugado com outros fatores indicativos da miserabilidade do indivíduo e de seu grupo familiar, cabendo ao legislador, e não ao juiz na solução do caso concreto, a criação de outros requisitos para a aferição do estado de pobreza daquele que pleiteia o benefício assistencial.
Nesse meio tempo, observou-se certa proliferação de leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas; e o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03). Isso foi visto pelos aplicadores da LOAS como um fato revelador de que o próprio legislador estaria reinterpretando o art. 203 da Constituição da República. Abria-se, com isso, mais uma porta para a concessão do benefício assistencial fora dos parâmetros objetivos fixados pelo art. 20 da LOAS. Juízes e tribunais passaram a estabelecer o valor de ½ salário mínimo como referência para a aferição da renda familiar per capita, o que culminou, no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na aprovação da Súmula 6, de 16 de novembro de 2004, cujo teor é o seguinte:
"O critério de verificação objetiva da miserabilidade correspondente a ¼ (um quarto) do salário mínimo, previsto no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, restou modificado para ½ (meio) salário mínimo, a teor do disposto no art. 5º, I, da Lei nº 9.533/97, que autorizava o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituíssem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas, e art. 2º, § 2º, da Lei nº 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA".
Não obstante, o STF manteve seu entendimento, mesmo nas reclamações ajuizadas contra decisões que, procedendo a uma interpretação sistemática das leis sobre a matéria, concediam o benefício assistencial com base em outros critérios estabelecidos por alterações legislativas posteriores (Lei 10.836/2004 - Bolsa Família; Lei 10.689/2003 - Programa Nacional de Acesso à Alimentação; Lei 9.533/97 - autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas). Assim decidiu o Tribunal na Rcl 2.323/PR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 20.5.2005.
Mas as reiteradas decisões do STF não foram suficientes para coibir as decisões das instâncias inferiores na solução dos casos concretos. A inventividade hermenêutica passou a ficar cada vez mais apurada, tendo em vista a necessidade de se escapar dos comandos impostos pela jurisprudência do STF. A diversidade e a complexidade dos casos levaram a uma variedade de critérios para concessão do benefício assistencial, tais como os descritos a seguir:
a) O benefício previdenciário de valor mínimo, ou outro benefício assistencial percebido por idoso, é excluído da composição da renda familiar (Súmula 20 das Turmas Recursais de Santa Catarina e Precedentes da Turma Regional de Uniformização);
b) Indivíduos maiores de 21 (vinte e um) anos são excluídos do grupo familiar para o cálculo da renda per capita;
c) O benefício assistencial percebido por qualquer outro membro da família não é considerado para fins da apuração da renda familiar;
d) Consideram-se componentes do grupo familiar, para fins de cálculo da renda per capita, apenas os que estão arrolados expressamente no art. 16 da Lei 8.213/91;
e) Os gastos inerentes à condição do beneficiário (remédios etc.) sãoexcluídos do cálculo da renda familiar.
E as reclamações ajuizadas pelo INSS, além dos milhares de recursos extraordinários também interpostos pela autarquia previdenciária, continuaram aportando na Corte.
A partir do ano de 2006, decisões monocráticas de eminentes Ministros deste Tribunal passaram a rever anteriores posicionamentos. Ante a impossibilidade imediata de modificação do entendimento fixado na ADI 1.232 e nas RCL 2.303 e 2.323, acima comentadas, a solução muitas vezes encontrada fundava-se em subterfúgios processuais para o não conhecimento das reclamações.
Os Ministros Celso de Mello, Ayres Britto e Ricardo Lewandowski passaram a negar seguimento às reclamações ajuizadas pelo INSS, com o fundamento de que esta via processual, como já assentado pela jurisprudência do Tribunal, não é adequada para se reexaminar o conjunto fático-probatório em que se baseou a decisão reclamada para atestar o estado de miserabilidade do indivíduo e conceder-lhe o benefício assistencial sem seguir os parâmetros do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 (Rcl 4.422/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 30.6.2006; Rcl 4.133/RS, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 30.6.2006; Rcl 4.366/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 1.6.2006).
O Ministro Sepúlveda Pertence enfatizava, em análise de decisões que concederam o benefício com base em legislação superveniente à Lei 8.742/93, que as decisões reclamadas não declararam a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 dessa lei, mas apenas interpretaram tal dispositivo em conjunto com a legislação posterior, a qual não foi objeto da ADI 1.232 (Rcl 4.280/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30.6.2006).
Somem-se a essas as decisões do Ministro Marco Aurélio, que sempre deixou claro seu posicionamento no sentido da insuficiência dos critérios definidos pelo § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 para fiel cumprimento do art. 203, inciso V, da Constituição (Rcl 4.164/RS, Rel. Min. Marco Aurélio).
A Ministra Cármen Lúcia também se posicionou sobre o assunto, em decisão permeada por trechos dignos de nota (Rcl 3.805/SP, DJ 18.10.2006), como transcrito a seguir: [...]
O exame atento de todo esse contexto me levou a muito refletir sobre o tema, o que culminou em decisão proferida nesta Reclamação, em 1º de fevereiro de 2007, na qual revi muitos posicionamentos antes adotados e passei a indeferir as pretensões cautelares do INSS, mantendo as decisões de primeira instância que concediam o benefício assistencial em situações de patente miserabilidade social. Eis alguns trechos elucidativos da referida decisão:
"A análise dessas decisões me leva a crer que, paulatinamente, a interpretação da Lei n° 8.742/93 em face da Constituição vem sofrendo câmbios substanciais neste Tribunal.
De fato, não se pode negar que a superveniência de legislação que estabeleceu novos critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais - como a Lei n.° 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei n.° 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei n.° 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei n.° 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas; assim como o Estatuto do Idoso (Lei n.° 10.741/03) - está a revelar que o próprio legislador tem reinterpretado o art. 203 da Constituição da República.
Os inúmeros casos concretos que são objeto do conhecimento dos juízes e tribunais por todo o país, e chegam a este Tribunal pela via da reclamação ou do recurso extraordinário, têm demonstrado que os critérios objetivos estabelecidos pela Lei n° 8.742/93 são insuficientes para atestar que o idoso ou o deficiente não possuem meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Constatada tal insuficiência, os juízes e tribunais nada mais têm feito do que comprovar a condição de miserabilidade do indivíduo que pleiteia o benefício por outros meios de prova. Não se declara a inconstitucionalidade do art. 20, § 3o, da Lei n° 8.742/93, mas apenas se reconhece a possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores indicativos do estado de penúria do cidadão. Em alguns casos, procede-se à interpretação sistemática da legislação superveniente que estabelece critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais.
Tudo indica que - como parecem ter anunciado as recentes decisões proferidas neste Tribunal (acima citadas) - tais julgados poderiam perfeitamente se compatibilizar com o conteúdo decisório da ADI n.° 1.232.
Em verdade, como ressaltou a Ministra Cármen Lúcia, "a constitucionalidade da norma legal, assim, não significa a inconstitucionalidade dos comportamentos judiciais que, para atender, nos casos concretos, à Constituição, garantidora do princípio da dignidade humana e do direito à saúde, e à obrigação estatal de prestar a assistência social 'a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social', tenham de definir aquele pagamento diante da constatação da necessidade da pessoa portadora de deficiência ou do idoso que não possa prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família." (Rcl n.° 3.805/SP, DJ 18.10.2006). Portanto, mantendo-se firme o posicionamento do Tribunal em relação à constitucionalidade do § 3o do art. 20 da Lei n° 8.742/93, tal como esposado no julgamento da ADI 1.232, o mesmo não se poderia afirmar em relação ao que decidido na Rcl - AgR 2.303/RS, Rel. Min. Ellen Gracie (DJ 1.4.2005).
O Tribunal parece caminhar no sentido de se admitir que o critério de 1/4 do salário mínimo pode ser conjugado com outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família para concessão do benefício assistencial de que trata o art. 203, inciso V, da Constituição.
Entendimento contrário, ou seja, no sentido da manutenção da decisão proferida na Rcl 2.303/RS, ressaltaria ao menos a inconstitucionalidade por omissão do § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, diante da insuficiência de critérios para se aferir se o deficiente ou o idoso não possuem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, como exige o art. 203, inciso V, da Constituição.
A meu ver, toda essa reinterpretação do art. 203 da Constituição, que vem sendo realizada tanto pelo legislador como por esta Corte, pode ser reveladora de um processo de inconstitucionalização do § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93.
Diante de todas essas perplexidades sobre o tema, é certo que o Plenário do Tribunal terá que enfrentá-lo novamente.
Ademais, o próprio caráter alimentar do benefício em referência torna injustificada a alegada urgência da pretensão cautelar em casos como este.
Ante o exposto, indefiro o pedido de medida liminar".
Após essa decisão, o número de reclamações ajuizadas pelo INSS no STF caiu abruptamente, chegando a observar-se, tempos depois, a quase inexistência de novos pedidos no protocolo do Tribunal. Mas o trânsito dos recursos extraordinários permaneceu inalterado.
Em 9 de fevereiro de 2008, o Tribunal reconheceu, no âmbito do RE 567.985 (Rel. Min. Marco Aurélio), a existência de repercussão geral da questão constitucional relativa à concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição, [...]"(grifos nossos)

Segue a ementa do respectivo acórdão:


"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente." (STF, Pleno, Rcl 4374, relator Ministro Gilmar Mendes, j. 18.04.2013, DJe 03.09.2013)

Aquela Corte Suprema reafirmou tal entendimento, com repercussão geral reconhecida, no julgamento, também realizado em 18.04.2013, do Recurso Extraordinário, autuado sob n.º 567.985/MT:


"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento." (STF, Pleno, RE 567985, relator Ministro Gilmar Mendes, j. 18.04.2013, DJe 02.10.2013)

Ressalto que, em 13.12.1963, o e. Supremo Tribunal Federal fixou entendimento, objeto do enunciado de Súmula n.º 343, no sentido de que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".


O enunciado de Súmula n.º 343 se aplica, inclusive, às questões constitucionais, conforme balizas fixadas pelo próprio Plenário do e. Supremo Tribunal Federal no julgamento, com repercussão geral, do Recurso Extraordinário autuado sob n.º 590.809/RS:


"AÇÃO RESCISÓRIA VERSUS UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. O Direito possui princípios, institutos, expressões e vocábulos com sentido próprio, não cabendo colar a sinonímia às expressões "ação rescisória" e "uniformização da jurisprudência". AÇÃO RESCISÓRIA - VERBETE Nº 343 DA SÚMULA DO SUPREMO. O Verbete nº 343 da Súmula do Supremo deve de ser observado em situação jurídica na qual, inexistente controle concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma, mormente quando o Supremo tenha sinalizado, num primeiro passo, óptica coincidente com a revelada na decisão rescindenda." (STF, Pleno, RE 590809, relator Ministro Marco Aurélio, j. 22.10.2014, DJe 21.11.2014) [grifo nosso]

Desse modo, em que pese os contornos constitucionais da questão e do atual posicionamento da Corte Suprema sobre o tema, diante da existência de ampla controvérsia jurisprudencial à época do julgado rescindendo, o qual, inclusive, perfilhou-se ao entendimento então prevalente no Supremo Tribunal Federal, incabível a sua desconstituição por violação à disposição literal de lei, atraindo-se o óbice previsto no enunciado de Súmula STF n.º 343.


Ressalto que o benefício assistencial é concedido ou indeferido rebus sic stantibus, ou seja, conforme a situação fática e jurídica no momento da decisão. Assim, a decisão judicial exarada se mantém íntegra enquanto perdurarem as condições aferidas ao tempo da sua prolação, revelando-se a excepcionalidade de rescisão de julgados revestidos da característica rebus sic stantibus.


Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar suscitada e, em iudicium rescindens, julgo improcedente a presente ação rescisória, nos termos dos artigos 269, I, do CPC/1973 e 487, I, do CPC/2015.


Custas na forma da lei.


Condeno o autor no pagamento de honorários advocatícios que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), devidamente atualizado e acrescido de juros de mora, conforme estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal para as dívidas civis, conforme prescrevem os §§ 2º, 4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC. A exigibilidade ficará suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no artigo 98, § 3º, do CPC.


É como voto.



CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


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