Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5027051-22.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
11/08/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 14/08/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXILIO DOENÇA. CONCESSÃO MANTIDA.
INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADO
DEMONSTRADA. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
RESPONSABILIDADE PELA RETENÇÃO E REPASSE. EMPRESA TOMADORA DE
SERVIÇOS. LEI DE CUSTEIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS
NA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Trata-se de pedido de concessão de auxílio doença ou aposentadoria por invalidez.
2. O laudo pericial médico indica a existência de incapacidade laboral total e temporária.
3. Apesar de o requerente ser filiado ao RGPS na condição de contribuinte individual e, assim, o
responsável pelo recolhimento das contribuições correspondentes, o art. 30, inciso I da Lei nº
8.212/91, prevê a possibilidade de a empresa tomadora do serviço reter a contribuição a cargo do
segurado e repassá-la, juntamente com sua parte, aos cofres da previdência.
4. O contribuinte individual em hipótese de equiparação a empregado, não pode ser prejudicado
por eventual ausência ou insuficiência dos repasses devidos a título de contribuição
previdenciária, cujo ônus não lhe incumbia.
5. Qualidade de segurado e carência demonstrada.
6. Concessão do auxílio doença mantido.
7. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a
elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-
se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR - Taxa
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947,
tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux, observado quanto a
este o termo inicial a ser fixado pela Suprema Corte no julgamento dos embargos de declaração.
Correção de ofício.
8. Sucumbência recursal. Majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%.
9. Apelação do INSS não provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5027051-22.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRACEMA FIM SANTULO
Advogado do(a) APELADO: RICHARD ISIQUE - SP230251-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5027051-22.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRACEMA FIM SANTULO
Advogado do(a) APELADO: RICHARD ISIQUE - SP230251-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de auxílio doenças ou aposentadoria por invalidez.
A sentença prolatada em 30/01/2018 (ID 4342530) julgou procedente o pedido condenando o
INSS a implantar em favor do autor o benefício de auxilio doença, a partir de 24/02/2017 (data do
indeferimento administrativo). As parcelas em atraso serão acrescidas de juros de mora, nos
termos da Lei nº 11.960/2009 e correção monetária, aplicando-se a TR até 25/03/2015 e após o
IPCA-E. Honorários advocatícios fixados em 10% do valor das parcelas vencidas até a data da
sentença.
Apela o INSS sustenta, em síntese, que não foram preenchidos os requisitos quanto à carência.
Alega que o autor recolheu apenas cinco contribuições, além de ter recolhido valores abaixo do
mínimo, não cumprindo carência suficiente. Subsidiariamente, requer a alteração dos critérios de
correção monetária.
Com contrarrazões das partes, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5027051-22.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRACEMA FIM SANTULO
Advogado do(a) APELADO: RICHARD ISIQUE - SP230251-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
A Lei nº 8.213/91, no artigo 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do
benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da
carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade
que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos
nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
É dizer: a incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que garanta a
subsistência enseja a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez; a incapacidade
total e temporária para o exercício de atividade que garanta a subsistência justifica a concessão
do benefício de auxílio-doença e a incapacidade parcial e temporária somente legitima a
concessão do benefício de auxílio-doença se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade
habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo segurado.
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência
pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes.
O artigo 15 da Lei nº 8.213/91 dispõe sobre as hipóteses de manutenção da qualidade de
segurado, independentemente de contribuições; trata-se do denominado período de graça,
durante o qual remanesce o direito a toda a cobertura previdenciária. Também é considerado
segurado aquele que trabalhava, mas ficou impossibilitado de recolher contribuições
previdenciárias em razão de doença incapacitante.
Nesse passo, acresça-se que no que toca à prorrogação do período de graça ao trabalhador
desempregado, não obstante a redação do §2º do artigo 15 da Lei nº. 8.213/1991 mencionar a
necessidade de registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social para tanto, o
Superior Tribunal de Justiça, em sede de Incidente de Uniformização de Interpretação de Lei
Federal (Pet. 7.115), firmou entendimento no sentido de que a ausência desse registro poderá ser
suprida quando outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal, se revelarem aptas
a comprovar a situação de desemprego.
A perda da qualidade de segurado está disciplinada no §4º desse dispositivo legal, ocorrendo no
dia seguinte ao do término do prazo para recolhimento da contribuição referente ao mês de
competência imediatamente posterior ao final dos prazos para manutenção da qualidade de
segurado.
Depreende-se, assim, que o segurado mantém essa qualidade por mais um mês e meio após o
término do período de graça, independente de contribuição, mantendo para si e para os seus
dependentes o direito aos benefícios previdenciários.
Anote-se que a eventual inadimplência das obrigações trabalhistas e previdenciárias acerca do
tempo trabalhado como empregado deve ser imputada ao empregador, responsável tributário,
conforme preconizado na alínea a do inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.213/91, não sendo cabível a
punição do empregado urbano pela ausência de recolhimentos, computando-se, assim, o período
laborado para fins de verificação da qualidade de segurado.
Quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a
concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei n.º
8.213/91, em seu artigo 25, inciso I, in verbis: "Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias
do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado
o disposto no art. 26:I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições
mensais;".
Por fim, não será devido o auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez ao segurado que se
filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como
causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou
agravamento da doença ou da lesão (art. 42, § 2º e 59, § 1º da Lei 8213/91).
No caso concreto.
A autora, faxineira, com 59 anos de idade no momento da perícia médica, afirma que é portadora
de neoplasia de mama, estando incapacitada para o trabalho.
A perícia médica realizada em 30/10/2017 (ID4342513) atesta que a parte autora apresenta
neoplasia de mama esquerda. Conclui pela incapacidade total e temporária pelo período de 8
meses para complementação do tratamento. A autora foi submetida a cirurgia em 26/01/2017 e
radioterapia, e provável quimioterapia a realizar. A sequela da cirurgia lhe causa dor e restrição
para os movimentos com o membro superior esquerdo. Estabelece o início da doença em
12/2016 e incapacidade em 30/10/2017, data da perícia.
O restante do conjunto probatório trazidos aos autos exames e relatórios médicos (ID 4342490),
corrobora a conclusão da perícia médica judicial no sentido da existência de incapacidade da
parte autora.
O extrato do sistema CNIS (ID4342537) indica que a parte autora filiou-se ao RGPS em 2002,
vertendo contribuições como empregado doméstico, de 01/01/2002 a 31/10/2003, manteve
vínculo empregatício de 01/02/2006 a 09/2008 (Roseli de Fatima Ribeiro Aveiro) e de 01/06/2011
a 02/12/2013 (AA Domiciano Pinto); recebeu auxílio doença de 27/12/2011 a 19/01/2012,
reingressou ao sistema, vertendo contribuições, como contribuinte individual, de 01/10/2016 a
28/02/2017 (Eletrozema S/A).
Quanto aos recolhimentos previdenciários na condição de contribuinte individual, cumpre salientar
que apesar de o requerente ser filiado ao RGPS na condição de contribuinte individual e, assim, o
responsável pelo recolhimento das contribuições correspondentes, o art. 30, inciso I, “b” da Lei nº
8.212/91, prevê a possibilidade de a empresa tomadora do serviço reter a contribuição a cargo do
segurado e repassá-la, juntamente com sua parte, aos cofres da previdência.
“Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à
Seguridade Social obedecem às seguintes normas: (Redação dada pela Lei n° 8.620, de 5.1.93)
I - a empresa é obrigada a:arrecadar as contribuições dos segurados empregados e
trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração;b) recolher os
valores arrecadados na forma da alínea a deste inciso, a contribuição a que se refere o inciso IV
do art. 22 desta Lei, assim como as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações
pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, trabalhadores
avulsos e contribuintes individuais a seu serviço até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da
competência; (Redação dada pela Lei nº 11.933, de 2009). (Produção de efeitos). (...)”
Confira-se, ainda, o disposto na Lei nº 10.666/03, in verbis:
"Art. 4º. Fica a empresa obrigada a arrecadar a contribuição do segurado contribuinte individual a
seu serviço, descontando-a da respectiva remuneração, e a recolher o valor arrecadado
juntamente com a contribuição a seu cargo até o dia 20 (vinte) do mês seguinte ao da
competência, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele
dia."
In casu, o extrato do sistema Dataprev demonstra que a parte autora, desde 2006 sempre
trabalhou como empregada, e apesar de ter reingressado ao sistema, na condição de contribuinte
individual, o conjunto probatório indica que ela prestava serviços à pessoa jurídica (Eletrozema
S/A), empresa que efetuou os recolhimentos previdenciários aos cofres da União (ID4342519).
Trata-se, portanto, de contribuinte individual em hipótese de equiparação a empregado, não
podendo ser prejudicado por eventual ausência ou insuficiência dos repasses devidos a título de
contribuição previdenciária, cujo ônus não lhe incumbia.
Considerando os recolhimentos previdenciários efetivados entre 01/10/2016 a 28/02/2017, o
requerimento administrativo formulado em 24/02/2017 e início da incapacidade em 10/2017, resta
demonstrada a qualidade de segurado.
Em que pese a alegação da autarquia de que a não houve o cumprimento do período de
carência, necessário observar que a autora é portadora de neoplasia maligna de mama, patologia
que dispensa o cumprimento de carência, nos termos do artigo 26 c/c 151 da Lei nº 8.213/91.
Assim, constada a existência de incapacidade total e temporária e, preenchidos os requisitos de
qualidade de segurado e carência, de rigor a manutenção do auxílio doença, conforme
determinado na sentença.
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do
entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de
repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp
1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas
monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de
Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da
conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à
TR – Taxa Referencial.
Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos
efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no
julgamento realizado em 03.10.2019.
Considerando o não provimento do recurso do INSS, de rigor a aplicação da regra do §11 do
artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos
honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%.
Diante do exposto, nego provimento ao apelo do INSS e, de ofício, corrijo a sentença para fixar os
critérios de atualização do débito, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXILIO DOENÇA. CONCESSÃO MANTIDA.
INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADO
DEMONSTRADA. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
RESPONSABILIDADE PELA RETENÇÃO E REPASSE. EMPRESA TOMADORA DE
SERVIÇOS. LEI DE CUSTEIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS
NA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Trata-se de pedido de concessão de auxílio doença ou aposentadoria por invalidez.
2. O laudo pericial médico indica a existência de incapacidade laboral total e temporária.
3. Apesar de o requerente ser filiado ao RGPS na condição de contribuinte individual e, assim, o
responsável pelo recolhimento das contribuições correspondentes, o art. 30, inciso I da Lei nº
8.212/91, prevê a possibilidade de a empresa tomadora do serviço reter a contribuição a cargo do
segurado e repassá-la, juntamente com sua parte, aos cofres da previdência.
4. O contribuinte individual em hipótese de equiparação a empregado, não pode ser prejudicado
por eventual ausência ou insuficiência dos repasses devidos a título de contribuição
previdenciária, cujo ônus não lhe incumbia.
5. Qualidade de segurado e carência demonstrada.
6. Concessão do auxílio doença mantido.
7. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a
elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-
se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR - Taxa
Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947,
tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux, observado quanto a
este o termo inicial a ser fixado pela Suprema Corte no julgamento dos embargos de declaração.
Correção de ofício.
8. Sucumbência recursal. Majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%.
9. Apelação do INSS não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao apelo do INSS e, de ofício, corrigir a sentença para
fixar os critérios de atualização do débito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA