
D.E. Publicado em 07/11/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, corrigir, de ofício, a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, e, no mérito, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006717-43.2013.4.03.6114/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando o restabelecimento do benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência ou incapacitada para o trabalho.
Narra a inicial que o benefício de prestação continuada concedido ao autor em 01.07.1997 foi cessado em 01.07.2013, sob alegação de que em 19.04.2010 foi concedido ao pai do requerente aposentadoria no valor de um salário mínimo, razão pela qual não caberia a manutenção do benefício assistencial, tendo a autarquia requerido a devolução dos valores pagos indevidamente de 19.04.2010 a 01.07.2013.
A sentença julgou procedente o pedido da parte autora para condenar o INSS ao pagamento do benefício pleiteado desde a sua cessação, declarando serem indevidos os valores cobrados pela autarquia. Determinou que as parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/97. Sem condenação em honorários advocatícios, considerando que a parte autora é representada processualmente pela Defensoria Pública da União.
Dispensada a remessa oficial em razão do valor da condenação.
Apela o INSS requerendo a reforma do julgado, alegando para tanto que não há razão para exclusão do valor da aposentadoria recebida pelo pai do autor do cálculo da renda per capita familiar e, portanto, correta a apuração e a cobrança da repetição indébito feito na esfera administrativa.
Com a apresentação de contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da autarquia.
É o relatório.
VOTO
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Verifico que conforme cópia do documento de identidade de fls. 22, tendo a parte autora nascido em 02 de abril de 1982, conta atualmente com 34 anos, e dessa forma o pleito baseia-se em suposta deficiência ou incapacidade do postulante, que nos presentes autos resta incontroversa uma vez que não foi impugnada na apelação.
Assim, restando atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social realizado em 14.12.2013 (fls. 88/92) revela que a parte autora reside com sua mãe, em casa própria, de alvenaria, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro, área de serviço e quintal coletivo.
A renda da casa advém da pensão por morte recebida pela mãe do autor no valor de um salário mínimo (R$ 724,00). No momento da perícia a família contava também com o benefício assistencial concedido nestes autos em sede de tutela antecipada.
Relataram despesas no valor de R$ 1.197,00.
Notória a condição de vulnerabilidade socioeconômica da família composta tão somente pelo autor inválido e sua mãe já idosa e adoentada.
O laudo social aponta a necessidade de manutenção do benefício assistencial para a subsistência do autor.
A presença de dependente portador de doença incapacitante como a que o autor possui (retardo mental moderado), faz com que a família suporte o pesado encargo do zelo pelo incapaz, que necessita de cuidados extras, dificultando o incremento da renda familiar, uma vez que cabe a seus familiares auxiliá-lo sempre.
Desta forma, considerando o conjunto probatório que se apresenta nos presentes autos, verifico estarem preenchidos os requisitos necessários à manutenção do benefício restabelecido pela MM. Juíza a quo.
Rejeita-se o pedido autárquico de devolução dos valores recebidos administrativamente.
Nos tribunais superiores, há farta jurisprudência no sentido de que, por terem natureza alimentar, os benefícios previdenciários recebidos de boa-fé não estão sujeitos a repetição de indébito:
Não se ignora a orientação firmada pelo STJ no Recurso Especial n. 1401560/MT, processado sob o rito dos recursos repetitivos, no sentido de que os valores recebidos em razão de decisão antecipatória de tutela jurisdicional devem ser devolvidos, se tal decisão for revogada:
No entanto, aquela solução não se amolda a este caso.
O caráter precário e a reversibilidade são características da antecipação de tutela. Nesta ação, o benefício foi concedido administrativamente, mediante decisão em processo administrativo.
Assim, neste caso, tendo a parte autora recebido de boa-fé benefício de natureza alimentar, por erro da Administração, o pedido de devolução dos valores deve ser rejeitado.
Por fim, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de correção monetária e juros de mora, estes a partir da citação, de acordo com o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Insta esclarecer que não desconhece este Relator o alcance e abrangência da decisão proferida nas ADIs nºs 4.357 e 4.425, nem tampouco a modulação dos seus efeitos pelo STF ou a repercussão geral reconhecida no RE 870.947 pelo E. Ministro Luiz Fux, no tocante à constitucionalidade da TR como fator de correção monetária do débito fazendário no período anterior à sua inscrição em precatório.
Contudo, a adoção dos índices estabelecidos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal para a elaboração da conta de liquidação é medida de rigor, porquanto suas diretrizes são estabelecidas pelo Conselho da Justiça Federal observando estritamente os ditames legais e a jurisprudência dominante, objetivando a unificação dos critérios de cálculo a serem adotados na fase de execução de todos os processos sob a sua jurisdição.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, e nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 26/10/2016 18:49:50 |