
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5055383-23.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
APELANTE: NAIR FERNANDES DE CASTILHO
Advogado do(a) APELANTE: JULIANA CHILIGA - SP288300-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5055383-23.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
APELANTE: NAIR FERNANDES DE CASTILHO
Advogado do(a) APELANTE: JULIANA CHILIGA - SP288300-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAECLER BALDRESCA (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interposta pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de auxílio por incapacidade temporária com conversão em permanente, tendo em vista as conclusões do laudo pericial, que não identificou incapacidade laborativa.
Condenou a autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, observada a concessão de justiça gratuita.
A parte recorrente sustenta, em síntese, a nulidade da sentença recorrida por cerceamento de defesa, uma vez que não houve deferimento da oitiva do médico que acompanha o seu tratamento para a comprovação da incapacidade laboral suscitada e, no mérito, sustenta ser portadora de moléstia incapacitante.
Apresentou prequestionamento da matéria para fins recursais.
Requer, preliminarmente, anulação da sentença. Caso não seja esse o entendimento da C. Corte, que haja concessão do auxílio por incapacidade temporária e conversão para aposentadoria por incapacidade permanente com concessão de tutela de urgência.
Alternativamente, pleiteia concessão de auxílio-doença desde a data do requerimento administrativo, feito em 24/06/2021.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte Regional.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5055383-23.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
APELANTE: NAIR FERNANDES DE CASTILHO
Advogado do(a) APELANTE: JULIANA CHILIGA - SP288300-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAECLER BALDRESCA (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interposta pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de auxílio por incapacidade temporária com conversão em permanente, tendo em vista as conclusões do laudo pericial, que não identificou incapacidade laborativa.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Da preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa
No que tange à produção da prova, o Código de Processo Civil estabelece em seus artigos 370 e 371 que cabe ao julgador avaliar os elementos necessários ao julgamento do mérito, indeferir fundamentadamente as diligências inúteis ou protelatórias, ou determinar de ofício aquelas que entender importantes para a formação de seu livre convencimento.
Com base nos dispositivos elencados, afasta-se o pedido de nulidade da sentença por cerceamento de defesa eis que desnecessária a produção de prova complementar (oitiva de testemunhas), diante da apresentação de documentos suficientes nos autos bem como da realização de perícia médica judicial, que é indicada para comprovar a incapacidade, nos termos do artigo 42, § 1º, da Lei nº 8.213/91 e arts. 443, II, 464 e 479 do Código de Processo Civil.
Preliminar rejeitada.
Dos benefícios por incapacidade
Os benefícios por incapacidade têm fundamento no artigo 201 da Constituição Federal, que assim dispõe:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada (...).
Por sua vez, a Lei nº 8.213/91 estabelece os requisitos necessários para a concessão de benefício por incapacidade permanente (artigo 42) e temporária (artigos 59 a 63), exigindo qualidade de segurado, em alguns casos carência, além de moléstia incapacitante para atividade que lhe garanta a subsistência.
Nesse sentido, a incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que garanta a subsistência enseja a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez; a incapacidade total e temporária para o exercício de atividade que garanta a subsistência justifica a concessão do benefício de auxílio-doença e a incapacidade parcial e temporária somente legitima a concessão do benefício de auxílio-doença se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo segurado.
A comprovação da incapacidade é realizada mediante perícia médica a cargo do INSS ou perito nomeado pelo Juízo, nos termos do artigo 42, §1º, da Lei nº 8.213/91 e arts. 443, II, 464 e 479 do Código de Processo Civil.
Contudo, registre-se que a avaliação das provas deve ser ampla, levando-se em consideração também as condições pessoais do requerente, conforme magistério da eminente Desembargadora Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS ("Direito previdenciário esquematizado", São Paulo: Saraiva, 2023, p. 122):
Na análise do caso concreto, deve-se considerar as condições pessoais do segurado e conjugá-las com as conclusões do laudo pericial para avaliar a incapacidade.
Não raro o laudo pericial atesta que o segurado está incapacitado para a atividade habitualmente exercida, mas com a possibilidade de adaptar-se para outra atividade. Nesse caso, não estaria comprovada a incapacidade total e permanente, de modo que não teria direito à cobertura previdenciária de aposentaria por invalidez. Porém, as condições pessoais do segurado podem revelar que não está em condições de adaptar-se a uma nova atividade que lhe garanta subsistência: pode ser idoso, ou analfabeto; se for trabalhador braçal, dificilmente encontrará colocação no mercado de trabalho em idade avançada.
No mesmo sentido é a jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE PARCIAL ALIADA ÀS CONDIÇÕES PESSOAIS. ANÁLISE. POSSIBILIDADE.
1. "Ainda que o laudo pericial tenha concluído pela incapacidade parcial para o trabalho, pode o magistrado considerar outros aspectos relevantes, tais como, a condição socioeconômica, profissional e cultural do segurado, para a concessão da aposentadoria por invalidez" (AgRg no AREsp 308.378/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 21/05/2013).
2. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida". Súmula 83 do STJ.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 2.036.962/GO, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 5/9/2022, DJe de 9/9/2022.)
Constatada a incapacidade, ainda é preciso observar se a carência e a qualidade de segurado foram comprovadas pela parte requerente.
Da qualidade de segurado
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes, ou ainda, independentemente do recolhimento de contribuições, no chamado período de graça, previsto no art. 15, da Lei nº 8.213/91, segundo o qual:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I- sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III- até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV- até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V- até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI- até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§2º Os prazos do inciso II ou do §1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
No que tange ao trabalhador rural não há necessidade de recolhimento das contribuições, bastando a comprovação do efetivo exercício da atividade rural pelo número de meses correspondentes à carência do benefício requerido, conforme o disposto no artigo 39, I e artigo 25, I da Lei 8.213/91.
Ademais, na hipótese da perda da qualidade de segurado, dispõe o art. 27-A, da Lei 8.213/91 que, para a obtenção do benefício, o trabalhador "deverá contar, a partir da data da nova filiação à Previdência Social, com metade dos períodos previstos nos incisos I, III e IV do caput do art. 25 desta Lei."
Da carência
Quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei nº 8.213/91, em seu artigo 25, inciso I.
Entretanto, o artigo 26, inciso II, do mesmo texto legal prescreve que independem de carência, o "auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho".
Também está dispensado de comprovar a carência o segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado.
A Lei n. 8.213/91, no artigo 151, previu, até a elaboração da referida lista, algumas doenças que, quando constatadas, dispensam o requisito da carência. São elas: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada.
A Portaria Interministerial MPAS/MS n. 2.998, de 23.8.2001, no art. 1º, além das doenças descritas, acrescentou para fins de exclusão da exigência da carência "o estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante)" e hepatopatia grave, para fins de concessão dos benefícios aqui tratados.
Por fim, não será devido o auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão (art. 42, §2º, §1º da Lei 8213/91).
Do caso em análise
Após análise apurada dos autos, verifica-se que a parte autora, atualmente com 66 anos, alega que é portadora de diabetes mellitus, fibromialgia e está em tratamento na área de cardiologia, submetida a procedimento cirúrgico de intervenção coronária percutânea com implante de stent farmacológico (id. 270604082 - fl. 3).
Em consulta CNIS, verifica-se que a recorrente recolheu contribuições no período entre 2013 a 2023. Assim, impõe-se reconhecer a comprovação dos requisitos da carência e da qualidade de segurado.
Diante de sua condição, a autora realizou requerimento administrativo em 30/04/2021 visando recebimento de auxílio por incapacidade temporária, deferido até 15/06/2021 (id. 270604090).
Em 24.6.2021, ela protocolizou novo requerimento do mesmo benefício (id. 270604091 - fl. 1).
Para comprovar sua condição, juntou aos autos os seguintes documentos:
- relatório médico particular, de 25/03/2021, comprovando realização de procedimento de intervenção coronária percutânea com implante de stent farmacológico, acrescentando que a angiografia de controle final revelou excelente resultado, sem lesão residual ou dissecções e fluxo distal normal (id. 270604089 - fl. 5);
- relatório médico, feito pelo SUS, em 28/07/2021, descrevendo seu diagnóstico de fibromialgia e a realização de cirurgia cardiológica (id. 270604089 - fl. 1).
De modo a melhor compreender a situação da recorrente, o juízo determinou a realização de perícia médica judicial, feita em 28/06/2022.
A perícia médica judicial fundamentou-se em entrevista, exame físico, análise de laudos, de exames e documentos médicos por ela apresentados.
O perito relatou que, no exame ortopédico, identificou dor à palpação nos pontos dolorosos da fibromialgia, não encontrando outras alterações relevantes.
Ao final, diagnosticou a periciada como portadora de hipertensão arterial, diabetes mellitus, doença arterial coronariana, fibromialgia e osteoporose. Contudo, acrescentou que essas doenças não causam incapacidade para as atividades laborais por ela anteriormente desenvolvidas como do lar e que não possui sequelas definitivas que comprovam a incapacidade funcional (id. 270604173).
Vale ressaltar que o acometimento de doença, por si só, não gera direito à obtenção do benefício previdenciário pleiteado, fazendo-se necessário o pressuposto da incapacidade laborativa.
No presente caso, o laudo médico pericial foi elucidativo no que tange à ausência de incapacidade laborativa, razão pela qual a recorrente não tem direito ao benefício almejado, devendo ser mantida a sentença recorrida.
Ademais, os documentos médicos juntados aos autos pela apelante não foram suficientes para contrariar as conclusões da perícia médica judicial, uma vez que em nenhum consta menção à incapacidade funcional em virtude de suas patologias.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por afastar a preliminar e negar provimento ao recurso de apelação da parte autora.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. CERCEAMENTO DE DEFESA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. DIABETES. FIBROMIALGIA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. PREQUESTIONAMENTO.
1. A parte autora, de 66 anos, alega que é portadora de diabetes mellitus, fibromialgia e que foi submetida a procedimento cirúrgico de intervenção coronária percutânea com implante de stent farmacológico.
2. A perícia médica judicial não reconheceu a presença de incapacidade laborativa para as atividades anteriormente desenvolvidas como do lar.
3. O acometimento de doença, por si só, não gera direito à obtenção do benefício previdenciário pleiteado, fazendo-se necessário o pressuposto da incapacidade laborativa.
4. O laudo médico pericial foi elucidativo no que tange à ausência de incapacidade laborativa, razão pela qual a recorrente não tem direito ao benefício almejado, devendo ser mantida a sentença recorrida.
5. Os documentos médicos juntados aos autos não foram suficientes para contrariar as conclusões da perícia médica judicial, uma vez que em nenhum consta menção à incapacidade funcional em virtude de suas patologias.
6. Preliminares afastadas. Recurso não provido.