Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5225157-56.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
16/11/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 27/11/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. VERBA HONORÁRIA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA
DESPROVIDA.SENTENÇA MANTIDA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais não preenchidos.
3 - Depreende-se do estudo social que as despesas elencadas são inferiores a renda auferida
pelo grupo familiar e as necessidades básicas estão sendo atendidas, não ficando evidenciada a
situação de extrema vulnerabilidade exigida pela lei, de modo que não faz jus ao benefício
requerido.
4 - Parte autora condenada ao pagamento de honorários recursais.
5 - Apelação da parte autora desprovida. Sentença mantida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5225157-56.2020.4.03.9999
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: ORDALEI DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO JOSE PANCOTTI - SP60957-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5225157-56.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: ORDALEI DE OLIVEIRA
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R E L A T Ó R I O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se deapelação
interposta pela parte autora ORDALEI DE OLIVEIRA contra a r. sentença (Id.:129786378) que
julgou improcedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada,condenando-
a ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez
por cento) do valor da causa, suspensa a execução, por serbeneficiáriada assistência judiciária
gratuita.
Em suas razões de apelação (Id.:129786382), sustenta a parte autorao preenchimento dos
requisitos necessários à concessão do benefício requerido, vez que restou comprovada sua
incapacidade laborativa, bem comoa miserabilidade de seu núcleo familiar.
Prequestiona, para efeito de recurso especial ou extraordinário, ofensa a dispositivos de lei
federal e de preceitos constitucionais.
Pugna pela reforma da sentença.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento da apelação (Id.:138621178).
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5225157-56.2020.4.03.9999
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V O T O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Recebo a apelação
interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal,
possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal,
e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei
8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal
ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo
mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais
pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial,
não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou
desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da
hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com
deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou
em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de
tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a
cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político
pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu
conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para
a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a
redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao
amparo de pessoas em situação de miséria.
No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da
percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) contribui para o cumprimento da Meta 9
do CNJ,que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando
especial consonância os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de número 1 e 2 (ODS 1 e 2)
desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as
metas1.3“Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados,
para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis
(...)”; e 2.1“Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular
os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos
e suficientes durante todo o ano.”
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve ser
compreendido.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a
ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei
13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as
barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença
de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual
ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente,
para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de circunstâncias
capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de
proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do
benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas
funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e
pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do
benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
"A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de
prestação continuada".
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com
redação dada pela recente Lei 13.981/2020, considera como hipossuficiente para consecução
deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar famíliacuja renda
mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo.
O §11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a comprovação da
miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser
aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício,
consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade
que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp 319.888/PR, 1ª Turma,
Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª
Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp 1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel.
Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).
Assim sendo, o inconformismo da parte autora não procede, devendo ser mantida a r. sentença
monocrática (Id.:129786378).
No que tange à incapacidade da parte autora, foi comprovada pelo laudo pericial ser esta de
longo prazo, cujos principais trechos destaco a seguir:
“Atendi no dia 09 de setembro de 2019, o Sr. Ordalei de Oliveira, paciente com 54 anos de idade,
portador da Doença Mal de Parkinson, com tremores das extremidades devido aos fatores
escolaridade, nível intelectual é difícil ser reaproveitado no mercado de trabalho no momento.
Apresenta incapacidade Total e Temporária.
(...)
h) Data provável do início da(s) doença/lesão/moléstias(s) que acomete(m) o(a) periciado(a).
R: 3 anos.
i) Data provável de início da incapacidade identificada. Justifique.
R: 2 anos.
(...)”
Contudo, no que pertine à miserabilidade,o conjunto probatório dos autos é insuficiente à
demonstração da hipossuficiência exigida pela lei, consoante depreende-se do estudo social
(Id.:129786344):
"O requerente reside com sua companheira em moradia própria, composta por 03 (três) cômodos,
sendo um dormitório, uma sala/cozinha e um banheiro.(...)
A família sobrevive do salário da companheira, a senhora Maria que trabalha como serviços
gerais no Lar São Vicente de Paulo do município, recebendo um salário de R$ 1.388,00 (um mil
trezentos e oitenta e oito reais).
Tal remuneração, porém, é insuficiente para satisfazer as necessidades básicas, tendo em vista
que é empregada da seguinte forma:
Alimentação: (R$ 500,00)
Energia elétrica: (R$ 218,00)
Saneamento Básico: (R$ 105,00)
Gás: (R$ 70,00) um botijão a cada dois meses
Medicação: (R$ 95,00)
Combustível: (R$ 100,00)
Valor total dos gastos mensais: (R$- 1.088,00)
(...)"
Em que pese a difícil situação vivenciada pela parte autora, colho dos autos que as despesas
elencadas no estudo social são inferiores a renda auferida pelo grupo familiar e as necessidades
básicas estão sendo atendidas, não ficando evidenciada a situação de extrema vulnerabilidade
exigida pela lei.
Ademais, em consulta ao CNIS da companheira do requerente (Id.:129786374), observa-se que a
renda percebida por ela à época do estudo social (maio de 2019) erade R$ 1.509,70,de modo que
o valor da renda per capita (R$754,85)supera em muito o teto adotado para análise do benefício
atualmente, qual seja,½ salário mínimo.
O benefício assistencial não se presta à complementação da renda familiar, mas, sim,
proporcionar condições mínimas necessárias para a existência digna do indivíduo.
Considerando o contexto fático da situação na qual vive a parte autora, ela não faz jus ao
benefício pleiteado.
Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como
um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
Assim, desprovido o apelo da parte autora interposto na vigência da nova lei, os honorários
fixados na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, parágrafo 11,
do CPC/2015, observada a suspensão prevista no artigo 98, parágrafo 3º, da mesma lei.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à Apelação da parte AUTORA, condenando-aao
pagamento dos honorários recursais, na forma antes delineada,mantendo íntegra a sentença
recorrida.
É COMO VOTO.
/gabiv/gvillela
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. VERBA HONORÁRIA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA
DESPROVIDA.SENTENÇA MANTIDA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais não preenchidos.
3 - Depreende-se do estudo social que as despesas elencadas são inferiores a renda auferida
pelo grupo familiar e as necessidades básicas estão sendo atendidas, não ficando evidenciada a
situação de extrema vulnerabilidade exigida pela lei, de modo que não faz jus ao benefício
requerido.
4 - Parte autora condenada ao pagamento de honorários recursais.
5 - Apelação da parte autora desprovida. Sentença mantida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, condenando-a ao pagamento
dos honorários recursais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA