D.E. Publicado em 07/11/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS e à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0038930-92.2010.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária em que se objetiva a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço, mediante o reconhecimento de atividade rural sem registro em carteira.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer como laborado em atividades rurais os períodos de 01/04/1961 a 31/03/1973, de 13/02/1984 a 01/06/1985 e de 01/05/2005 a 13/12/2009, determinando ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a concessão da aposentadoria por tempo de serviço integral a partir da distribuição da ação, condenando-o, em consequência, ao pagamento das parcelas em atraso, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação. Condenou o réu, também, ao pagamento de honorários de advogado, fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença.
Sentença não submetida à remessa necessária.
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS sustentando, em síntese, que não restou comprovado o labor rural e o cumprimento dos requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado. Subsidiariamente, requer a reforma da sentença quanto ao termo inicial do benefício, quanto aos juros de mora, para que seja observada o art. 1º - F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/2009, bem como a redução do montante arbitrado a título de honorários advocatícios.
A parte autora, por sua vez, afirma o exercício de atividades rurais também nos períodos de 01/11/1982 a 31/05/1985, de 01/07/1992 a 31/05/1994, de 28/02/2000 a 30/04/2001, de 01/05/2005 a 13/12/2009, pleiteando o seu reconhecimento. Requer, também a majoração dos honorários advocatícios.
Com contrarrazões da parte autora, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Remessa necessária
Considerando que a sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, passo ao exame da admissibilidade da remessa necessária prevista no seu artigo 475.
Embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (21/12/2009), seu valor aproximado e a data da sentença (10/08/2010), que o valor total da condenação não alcança importância de 60 (sessenta) salários mínimos estabelecida no § 2º.
Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária.
Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição - requisitos
A aposentadoria por tempo de serviço, atualmente denominada aposentadoria por tempo de contribuição, admitia a forma proporcional e a integral antes do advento da Emenda Constitucional 20/98, fazendo jus à sua percepção aqueles que comprovem tempo de serviço (25 anos para a mulher e 30 anos para o homem na forma proporcional, 30 anos para a mulher e 35 anos para o homem na forma integral) desenvolvido totalmente sob a égide do ordenamento anterior, respeitando-se, assim, o direito adquirido.
Aqueles segurados que já estavam no sistema e não preencheram o requisito temporal à época da Emenda Constitucional 20 de 15 de dezembro de 1998, fazem jus à aposentadoria por tempo de serviço proporcional desde que atendam às regras de transição expressas em seu art. 9º, caso em que se conjugam o requisito etário (48 anos de idade para a mulher e 53 anos de idade para o homem) e o requisito contributivo (pedágio de 40% de contribuições faltantes para completar 25 anos, no caso da mulher e para completar 30 anos, no caso do homem).
Atualmente, são requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições (30 anos para a mulher e 35 anos para o homem), ressaltando-se que o tempo de serviço prestado anteriormente à referida Emenda equivale a tempo de contribuição, a teor do art. 4º da Emenda Constitucional 20/98.
Tempo de serviço rural anterior e posterior à Lei de Benefícios
A aposentadoria do trabalhador rural apresenta algumas especificidades, em razão sobretudo da deficiência dos programas de seguridade voltados a essa categoria de trabalhadores no período anterior à Constituição Federal de 1988 e do descumprimento da legislação trabalhista no campo. Assim é que, no seu art. 55, §2º, a Lei 8.213/91 estabeleceu ser desnecessário o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência. Neste sentido, já decidiu esta E. Corte: SÉTIMA TURMA, APELREEX 0005026-42.2014.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 21/07/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/07/2014 e TERCEIRA SEÇÃO, AR 0037095-93.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON BERNARDES, julgado em 28/11/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2013.)
Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991 (art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.
CTPS como meio de prova
A anotação em CTPS constitui prova do período nela anotado, e indício dos períodos intercalados entre registros, a ser complementado, nesta última hipótese, pela prova testemunhal, merecendo presunção relativa de veracidade. Pode, assim, ser afastada com apresentação de prova em contrário, ou demandar complementação em caso de suspeita de adulteração, a critério do Juízo (TRF 3ª Região, AC nº 00030226620134039999 - 1827821, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Mônica Nobre, j 09.09.2013, pub. 13.09.2013; STJ, AGRESP nº 1360080, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJE, 10/05/2013).
A prova do exercício de atividade rural
Muito se discutiu acerca da previsão contida no art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, segundo a qual a comprovação do tempo de serviço exige início de prova material. O que a Lei nº 8.213/91 exige é apenas o início de prova material e é esse igualmente o teor da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça.
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Exigir documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se quer reconhecer equivaleria a erigir a prova documental como a única válida na espécie, com desconsideração da prova testemunhal produzida, ultrapassando-se, em desfavor do segurado, a exigência legal. Neste sentido, o C. STJ: AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014.
Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Idade mínima para o trabalho rural
Não se olvida que há jurisprudência no sentido de admitir-se o labor rural a partir dos 12 (doze) anos de idade, por ser realidade comum no campo, segundo as regras ordinárias de experiência, mormente se a prova testemunhal é robusta e reforçada por documentos que indicam a condição de lavradores dos pais do segurado.
O raciocínio invocado em tais decisões é o de que a norma constitucional que veda o trabalho ao menor de 16 anos visa à sua proteção, não podendo ser invocada para, ao contrário, negar-lhe direitos. (RESP 200200855336, Min. Jorge Scartezzini, STJ - Quinta Turma, DJ 02/08/2004, p. 484.).
Tal ponderação não é isenta de questionamentos. De fato, emprestar efeitos jurídicos para situação que envolve desrespeito a uma norma constitucional, ainda que para salvaguardar direitos imediatos, não nos parece a solução mais adequada à proposta do constituinte - que visava dar ampla e geral proteção às crianças e adolescentes, adotando a doutrina da proteção integral, negando a possibilidade do trabalho infantil.
Não se trata, assim, de restringir direitos ao menor que trabalha, mas sim, de evitar que se empreste efeitos jurídicos, para fins previdenciários, de trabalho realizado em desacordo com a Constituição. Considero, desta forma, o ordenamento jurídico vigente à época em que o(a) autor(a) alega ter iniciado o labor rural para admiti-lo ou não na contagem geral do tempo de serviço, para o que faço as seguintes observações:
As Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 não se referiram expressamente à criança e adolescente tampouco ao trabalho infantil.
A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar expressamente da proteção à infância e à juventude e em seu artigo 121 consagrou, além de outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, a proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos; e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
Por sua vez, a Constituição de 1937, repetiu a fórmula da proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
A Constituição de 1946 elevou a idade mínima para a execução de trabalho noturno de 16 para 18 anos, mantendo as demais proibições de qualquer trabalho para menores de 14 anos e em indústrias insalubres para menores de 18 anos, além de proibir a diferença de salário para o mesmo trabalho por motivo de idade.
A Constituição de 1967, embora tivesse mantido a proibição para o trabalho noturno e insalubre para menores de 18 anos, reduziu de 14 para 12 anos a idade mínima para qualquer trabalho.
Por fim, a Constituição da República de 1988, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre para os menores de 18 anos; e, inicialmente, de qualquer trabalho para menores de 14 anos, como constava nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Todavia, com a Emenda Constitucional 20, de 1998, a idade mínima foi elevada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.
Caso concreto - elementos probatórios
A parte autora, nascida em 19/03/1951, trouxe aos autos para comprovar o exercício de atividade rural:
- certidão de casamento, contraído em 13/02/1984, constando sua qualificação de lavrador (fls. 19);
- título de eleitor, expedido em 11/05/1972, e certidão da Justiça Eleitoral, constando sua qualificação de lavrador (fls. 20);
- cópia da CTPS contendo somente vínculos rurais (fls. 22/29).
Conforme já decidido pela E. 7ª Turma, e tendo em vista a atual Súmula 577 do C. STF, que consagrou o entendimento adotado pelo C. STJ no julgamento do Recurso Especial n.º 1.348.633/SP, representativo de controvérsia, pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, é possível a admissão de tempo de serviço rural anterior à prova documental, desde que corroborado por prova testemunhal idônea, o que de fato ocorreu.
As testemunhas atestaram o labor rural do autor como bóia-fria nas fazendas Maruque, Figueira, Seleção e para os proprietários Lauro, João Gilberto Cido e Mário, carpindo, roçando, limpando cerca e nas lavouras de milho, trigo, café e feijão. No entanto, seus depoimentos retroagem somente até 1970, ano em que afirmaram conhecer o autor "(...) conhece o autor há 40 anos." (fls. 51/52). Ademais, não mencionaram que o autor começou a trabalhar desde a infância ou acompanhando seus pais.
Esclareço que não é possível o reconhecimento do exercício de atividade rural no período posterior a novembro de 1991, em que pese a existência de testemunho que comprova o exercício até os dias atuais, pois com relação ao período posterior à vigência da Lei 8.213/91, cabe ao segurado especial o recolhimento de contribuições previdenciárias como facultativo, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural para fins de outros benefícios que não os arrolados no inciso I do artigo 39, da Lei de Benefícios.
Desta forma, reconheço o trabalho rural desenvolvido pelo autor informalmente nos períodos de 01/01/1970 a 08/11/1973 e de 01/11/1982 a 31/05/1985.
Assim, o período anotado na CTPS acrescido do tempo declarado não perfaz o tempo suficiente, nem a carência necessária à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço proporcional e tampouco a integral, motivo pelo qual deve ser julgado parcialmente procedente o pedido, para apenas reconhecer o período trabalhado como rurícola de 01/01/1970 a 08/11/1973 e de 01/11/1982 a 31/05/1985.
Nesse passo, no que tange aos honorários de advogado, verifico que ambas as partes foram vencedoras e vencidas na causa em proporção semelhante.
Contudo, às sentenças prolatadas sob a égide do CPC/73 não se aplicam as normas previstas no artigo 85, §§ 1º a 11º do CPC/2015, inclusive no que pertine à sucumbência recursal, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Enunciado Administrativo nº 7/STJ). A razão desse entendimento é a de que tal condenação implicaria surpresa à parte que teve sua situação agravada em segundo grau, sem que houvesse previsão legal à época da interposição do recurso.
O mesmo entendimento é aplicável à vedação à compensação em caso de sucumbência recíproca, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do Novo CPC. Sua aplicação traria novo ônus a uma das partes ou mesmo a ambas, sem que houvesse previsão a respeito quando da interposição do recurso.
Assim, cada parte arcará com os honorários de seus respectivos patronos, nos termos do caput do artigo 21 do CPC/73.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS para não reconhecer os períodos de 01/04/1961 a 31/12/1969 e de 01/05/2005 a 13/12/2009 como trabalhador rural e, em consequência, julgar improcedente a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço, mantendo a sentença, todavia, quanto ao reconhecimento no período de 01/01/1970 a 08/11/1973 e de 13/02/1984 a 01/06/1985; dou parcial provimento à apelação da parte autora para reconhecer a atividade rural o período de 01/11/1982 a 12/02/1984.
É como voto.
Desembargador Federal
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