D.E. Publicado em 08/03/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal Relatora
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 0005006-78.2009.4.03.6102/SP
RELATÓRIO
Regina Imaculada de Oliveira da Silva ajuizou ação, em 17/04/2009, objetivando o reconhecimento de períodos laborados em atividades especiais, a saber, 06/04/1977 a 12/02/1979, 12/03/1979 a 28/02/1980, 01/03/1980 a 31/05/1994 e 01/06/1994 a 24/01/2008, para fins de concessão do benefício de aposentadoria especial, a partir do requerimento administrativo (24/01/2008). Sucessivamente, pugna pela concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo (24/01/2008) ou do ajuizamento da ação. Pugnou, ainda, pela indenização por danos morais.
O Juízo a quo proferiu sentença, submetida ao reexame necessário, a julgar procedente o pedido, para conceder à autora a aposentadoria especial, a partir da data do requerimento administrativo (24/01/2008), bem como condenar o INSS ao pagamento, a título de reparação por danos morais, do montante de dez vezes o valor da renda mensal do benefício de aposentadoria, na data da sentença. Concedida a tutela antecipada. Condenado o INSS ao pagamento de honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação, bem como ao ressarcimento ao erário dos honorários do perito judicial (fls. 202/207 verso).
Sem apelação das partes, passo ao reexame necessário.
É o relatório.
VOTO
Discute-se, no presente feito, o direito da parte autora ao reconhecimento de exercício de atividades em condições especiais e, consequentemente, a benefício de aposentadoria especial.
A aposentadoria especial - modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição com tempo mínimo reduzido - é devida ao segurado que tiver trabalhado, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, conforme disposição legal, a teor do preceituado no artigo 57 da Lei nº 8.213/91 e no artigo 201, § 1º, da Constituição Federal.
O período de carência exigido, por sua vez, está disciplinado pelo artigo 25, inciso II, da Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social, o qual prevê 180 (cento e oitenta) contribuições mensais, bem como pela norma transitória contida em seu artigo 142.
Registre-se, por oportuno, que o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em recurso submetido à sistemática do artigo 543-C do CPC/1973, decidiu que a "lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço", de modo que a conversão do tempo de atividade comum em especial, para fins de aposentadoria especial, é possível apenas no caso de o benefício haver sido requerido antes da entrada em vigor da Lei n.º 9.032/95, que deu nova redação ao artigo 57, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, exigindo que todo o tempo de serviço seja especial (REsp 1310034/PR, Primeira Seção, Rel.Min. Herman Benjamin, DJe 19/12/2012).
A caracterização e comprovação da atividade especial, de acordo com o atual Regulamento da Previdência Social (Decreto n.º 3.048/1999), "obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço" (art. 70,§ 1º), como já preconizava a jurisprudência existente acerca da matéria e restou sedimentado em sede de recurso repetitivo (REsp 1151363/MG, Terceira Seção, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 05/04/2011; REsp 1310034/PR, citado acima).
Dessa forma, até o advento da Lei n.º 9.032, de 28 de abril de 1995, para a configuração da atividade especial, bastava o seu enquadramento nos Anexos dos Decretos n.ºs. 53.831/64 e 83.080/79, os quais foram validados pelos Decretos n.ºs. 357/91 e 611/92, possuindo, assim, vigência concomitante.
Consoante entendimento consolidado de nossos tribunais, a relação de atividades consideradas insalubres, perigosas ou penosas constantes em regulamento é meramente exemplificativa, não exaustiva, sendo possível o reconhecimento da especialidade do trabalho executado mediante comprovação nos autos. Nesse sentido, a Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos: "Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento".
A partir da referida Lei n.º 9.032/95, que alterou o artigo 57, §§ 3º e 4º, da Lei n.º 8.213/91, não mais se permite a presunção de insalubridade, tornando-se necessária a comprovação da efetiva exposição a agentes prejudiciais à saúde ou integridade física do segurado e, ainda, que o tempo trabalhado em condições especiais seja permanente, não ocasional nem intermitente.
A propósito:
A comprovação podia ser realizada por meio de formulário específico emitido pela empresa ou seu preposto (SB-40, DISES BE 5235, DSS 8030 ou DIRBEN 8030, atualmente, Perfil Profissiográfico Previdenciário-PPP), ou outros elementos de prova, independentemente da existência de laudo técnico, com exceção dos agentes agressivos ruído e calor, os quais sempre exigiram medição técnica.
Posteriormente, a Medida Provisória n.º 1.523/96, com início de vigência na data de sua publicação, em 14/10/1996, convertida na Lei n.º 9.528/97 e regulamentada pelo Decreto n.º 2.172, de 05/03/97, acrescentou o § 1º ao artigo 58 da Lei n.º 8.213/91, determinando a apresentação do aludido formulário "com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho". Portanto, a partir da edição do Decreto n.º 2.172/97, que trouxe o rol dos agentes nocivos, passou-se a exigir, além das informações constantes dos formulários, a apresentação do laudo técnico para fins de demonstração da efetiva exposição aos referidos agentes.
Incluiu-se, ademais, o § 4º do mencionado dispositivo legal, in verbis:
O Decreto n.º 3.048/99, em seu artigo 68, § 9º, com a redação dada pelo Decreto n.º 8.123/2013, ao tratar dessa questão, assim definiu o PPP:
Por seu turno, o INSS editou a Instrução Normativa INSS/PRES n.º 77, de 21/01/2015, estabelecendo, em seu artigo 260, que: "Consideram-se formulários legalmente previstos para reconhecimento de períodos alegados como especiais para fins de aposentadoria, os antigos formulários em suas diversas denominações, sendo que, a partir de 1º de janeiro de 2004, o formulário a que se refere o § 1º do art. 58 da Lei nº 8.213, de 1991, passou a ser o PPP".
Quanto à conceituação do PPP, dispõe o artigo 264 da referida Instrução Normativa:
Assim, o PPP, à luz da legislação de regência e nos termos da citada Instrução Normativa, deve apresentar, primordialmente, dois requisitos: assinatura do representante legal da empresa e identificação dos responsáveis técnicos habilitados para as medições ambientais e/ou biológicas.
Na atualidade, a jurisprudência tem admitido o PPP como substitutivo tanto do formulário como do laudo técnico, desde que devidamente preenchido.
A corroborar o entendimento esposado acima, colhem-se os seguintes precedentes:
Quanto ao uso de Equipamento de Proteção Individual - EPI, no julgamento do ARE n.º 664.335/SC, em que restou reconhecida a existência de repercussão geral do tema ventilado, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o mérito, decidiu que, se o aparelho "for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial". Destacou-se, ainda, que, havendo divergência ou dúvida sobre a sua real eficácia, "a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial".
Especificamente em relação ao agente agressivo ruído, estabeleceu-se que, na hipótese de a exposição ter se dado acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do EPI, "não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria". Isso porque não há como garantir, mesmo com o uso adequado do equipamento, a efetiva eliminação dos efeitos nocivos causados por esse agente ao organismo do trabalhador, os quais não se restringem apenas à perda auditiva.
DO CASO CONCRETO
Passo à análise dos períodos reconhecidos na sentença como de trabalho urbano em condições especiais:
- 12/03/1979 a 28/02/1980 - laborado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, na função de telefonista - laudo técnico pericial de fls. 161/171 informa a exposição ao agente nocivo ruído, registrado em nível de 82dB(A), vale dizer, acima dos limites estabelecidos em lei, impondo-se o enquadramento no código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64.
De fato, no tocante ao agente nocivo ruído, tendo em vista o princípio tempus regit actum, restou pacificado na jurisprudência que os níveis de pressão sonora a serem considerados insalubres são os seguintes: acima de 80 dB, até 05/03/1997, na vigência do Decreto n.º 53.831/64, superior a 90 dB, de 06/03/1997 a 18/11/2003, conforme Decreto n.º 2.172/97 e acima de 85 dB, a contar de 19/11/2003, quando foi publicado o Decreto n.º 4.882/2003, o qual não se aplica retroativamente, consoante assentado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, em recurso submetido ao regime do art. 543-C do CPC/1973 (REsp 1398260/PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 05/12/2014).
- 06/04/1977 a 12/02/1979 - laborado na Sociedade Beneficente Hospital Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto, na função de servente (fl. 40), exercendo as seguintes atividades: "realizava a limpeza de áreas restritas e não restritas, limpando piso, paredes de banheiros e enfermarias, também realizava limpeza de camas, cadeiras de roda, macas, coletava, embalava e transportava lixo hospitalar das enfermarias, isolamentos, salas de consulta e de laboratórios" (fl. 163) - laudo técnico pericial de fls. 161/171 informa a exposição aos agentes biológicos, vírus, bactérias, fungos, protozoários e microrganismos vivos patogênicos (fl. 164).
- 01/03/1980 a 31/05/1994 e 01/06/1994 a 24/04/2008 - laborados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, nas funções de escriturária e oficial administrativa, respectivamente (fl. 163) - laudo pericial de fls. 161/171 informa o exercício das seguintes atividades: "Recepcionava pacientes, cadastrando-os e emitindo guias de recebimento, verificava tipos de consultas, anotava comparecimento no cartão, identificava os pacientes com atendimento priorizado. Atendia e informava os pacientes, encaminhando-os para os serviços de saúde respectivos, prestando informações diversas. Operava computador, digitava formulários e entregava os mesmos nos diversos setores do hospital. Recebia e entregava documentos inerentes à internação, alta, óbito e transferências, em diversos setores dos estabelecimentos, xerocava documentos diversos, digitava documentos diversos.. Mantinha atualizado os registros do estado dos pacientes e estatísticas das ocupações dos leitos dos mesmos" (fls. 163/164). Consta, ainda, do referido laudo, que nos períodos apontados "não foi observado por este Perito, exposição habitual e permanente da Autora, a qualquer Agente Nocivo e sua saúde" (negritamos), (fl. 165).
Em que pese o fato de as atividades exercidas pela autora, de índole eminentemente administrativa, possam ensejar dúvidas quanto ao enquadramento, é plenamente plausível e justificável o entendimento do juiz sentenciante, calcado na descrição das atividades da autora, no sentido de que esta "tinha contato com os pacientes, seja encaminhando-os à internação, ou até mesmo com cadáveres, ou ainda, a áreas em que eram realizados consultas ou atendimentos, apesar de também realizar serviços burocráticos (registro e documentação, por exemplo), estando, portanto, exposta aos riscos biológicos". Ainda, é de se ressaltar que o INSS não se insurgiu em ralação ao reconhecimento da especialidade nos períodos em tela, acentuando, inclusive, "inexistir controvérsia quanto ao fato e ao direito aplicado" (fl. 213).
Nesse ponto, impende destacar que, notadamente no concernente aos agentes biológicos, a jurisprudência tem se direcionado no sentido de ser dada maior flexibilidade ao conceito de permanência, de sorte a considerar a especialidade do trabalho em razão da potencialidade do risco de contato com esses agentes e não do contato propriamente dito, como se vê do julgado a seguir transcrito:
Cite-se, outrossim, por similitude temática:
Destarte, entendo que devem ser consideradas, como especiais, as atividades exercidas no período de 12/03/1979 a 28/02/1980, pela exposição ao agente nocivo ruído acima dos limites estabelecidos em lei, com enquadramento no código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64, bem como nos interregnos de 06/04/1977 a 12/02/1979, 01/03/1980 a 31/05/1994 e 01/06/1994 a 24/04/2008, pois devidamente comprovado nos autos que, nesses interstícios, a segurada esteve sujeita a agentes nocivos biológicos, a impor o seu enquadramento nos códigos 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, 3.0.1 do Decreto n.º 2.172/97 (Anexo IV) e do Decreto n.º 3.048/99 (Anexo IV).
Desse modo, verifica-se que, da soma dos interregnos de atividade especial, por ocasião do requerimento administrativo, datado de 24/01/2008, contava a autora com o total de 30 anos, 08 meses e 18 dias de tempo de serviço especial.
Portanto, presentes os requisitos, é devido o benefício da aposentadoria especial, razão pela qual, nesse ponto, merece ser mantida a r. sentença.
Quanto à condenação do INSS ao pagamento de indenização pelo suposto dano moral, o que se extrai da análise do feito é que a autarquia securitária agiu dentro dos limites de suas atribuições legais, sem violação a quaisquer normas de conduta aplicáveis à espécie.
Outrossim, "não constitui ato ilícito, por si só, o indeferimento, cancelamento, suspensão ou desconto de benefício previdenciário pelo INSS, a ponto de ensejar reparação moral, uma vez que a autarquia atua no seu legítimo exercício de direito, possuindo o poder e o dever de deliberar sobre os assuntos de sua competência, sem que a negativa de pedido ou a opção por entendimento diverso do segurado acarrete indenização por dano moral." (TRF 3ª Região, AC 00007175120144036127, Relator Desembargador Federal Newton De Lucca, Oitava Turma, e-DJF3 23/11/2016).
Ressalte-se que não há a necessidade da demonstração da existência de culpa do agente, mas apenas do prejuízo sofrido em decorrência de ato por ele praticado no exercício de suas funções, sem o que deverá ser excluída a responsabilidade estatal, além das hipóteses de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
No caso dos autos, não se constata a existência de qualquer conduta do INSS capaz de ensejar a sua alegada responsabilidade civil, uma vez que o ato que culminou no indeferimento do benefício em tela, à época, foi praticado no âmbito de sua competência e com estrita observância aos princípios que regem a Administração Pública, cabendo destacar que, embora tenha se dado aos textos normativos pertinentes interpretação diversa da adotada pelo órgão jurisdicional, não se evidencia qualquer ilegalidade cometida.
A propósito:
Solucionado o mérito, passo à análise dos consectários.
Sobre os valores em atraso, incidirão juros e correção monetária em conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Os honorários advocatícios devem ser reduzidos para 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da decisão concessiva do benefício, consoante § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973 (vigente no momento da publicação do decisum), Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e jurisprudência desta 9ª Turma. Cumpre destacar, nesse ponto, que não se aplica ao caso em análise disposto no artigo 85 do NCPC, tendo em vista que a sentença impugnada foi publicada antes do início de sua vigência.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL para excluir da condenação do INSS a determinação do pagamento de indenização por danos morais, bem como para fixar os honorários advocatícios na forma estabelecida. Mantida, no mais, a r. sentença, explicitados os critérios de incidência dos juros e correção monetária.
É como voto.
ANA PEZARINI
Desembargadora Federal Relatora
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Data e Hora: | 23/02/2018 18:03:02 |