Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1958028 / SP
0009964-80.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/07/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/08/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. PRELIMINAR. NULIDADE. NÃO
CONFIGURADA. DOCUMENTO NOVO. DESCONSIDERAÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL.
AGROPECUÁRIA. CANA-DE-AÇÚCAR. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL. SERVENTE
DE LIMPEZA. RECONHECIMENTO PARCIAL. TEMPO INSUFICIENTE PARA A CONCESSÃO
DA APOSENTADORIA ESPECIAL. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE
PROVIDA.
1 - Com efeito, incumbe à parte autora a prova do fato constitutivo de seu direito (art. 333, I, do
CPC/73 e art. 373, I, do CPC/15), devendo o autor instruir a causa com as provas com que
pretende demonstrar o direito pleiteado. No caso, o autor juntou aos autos os PPP's relativos às
atividades que pretende ver reconhecidas como especial, revelando-se, o caderno probatório
ofertado, suficiente à formação do convencimento do julgador, acerca da especialidade (ou não)
do labor da parte demandante.
2 - Para além, a prova testemunhal requerida redundaria em inocuidade, porquanto a discussão
nos autos gravita sobre a (hipotética) especialidade de vínculos empregatícios, cuja
demonstração dar-se-á por meio de elementos exclusivamente documentais. Rechaçada a
preliminar arguida em apelação, portanto.
3 - Consigna-se que não será considerado a prova apresentada à fls. 208 - depoimento de
engenheiro -, uma vez que, em fase recursal, a demonstração de fatos já existentes à época do
aforamento judicial não se inclui na regra excepcional que admite a juntada de documentos em
momento diverso ao do ingresso com a demanda. Com efeito, de todo imprópria a juntada do
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
documento nesta avançada fase processual, na medida em que o mesmo não se destina a
fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou mesmo para contrapô-lo aos que
foram produzidos, a contento do disposto nos artigos 396 e 397 e do CPC/73 (arts. 434 e 435
CPC).
4 - O pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de
Benefícios. Assim, devidamente inserido no Sistema Previdenciário, não há que se falar em
ausência de custeio, desde que preenchidos os requisitos previstos na vasta legislação
aplicável à matéria.
5 - A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei
Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou
o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao
segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade
profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por
decreto do Poder Executivo.
6 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
7 - Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial:
(a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada
como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79
(presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador,
independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio
de prova, exceto para ruído e calor.
8 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro
formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou
a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e
calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição
do trabalhador às condições especiais.
9 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
10 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
11 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
12 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
13 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
14 - A apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento
da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia
tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima
do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos
anos anteriores, referido nível era superior.
15 - Controvertida na demanda a especialidade dos períodos de 16/05/1974 a 31/10/1974,
04/11/1974 a 15/04/1975, 05/05/1975 a 31/10/1975, 03/11/1975 a 15/04/1976, 05/05/1976 a
30/11/1976, 01/12/1976 a 31/03/1977, 18/04/1977 a 30/11/1977, 01/12/1977 a 15/04/1978 e
08/06/1989 a 20/12/2010.
16 - Para comprovar a especialidade dos intervalos compreendidos entre 16/05/1974 e
15/04/1978, laborado como "servente lavoura", na "São Martinho S/A", a autora anexou aos
autos Perfil Profissiográfico Previdenciário (fls. 24/25), o qual dá conta de que "executava
serviços de corte de canas cruas ou queimadas, catação de canas, capina e arranque de
pragas utilizando facão, enxada e enxadão".
17 - No aspecto, é possível o enquadramento das atividades exercidas na lavoura de cana-de-
açúcar no item 2.2.1 do Decreto nº 53.831/64 ("trabalhadores na agropecuária"), classificando-
as como especiais.
18 - Com efeito, a insalubridade do corte e cultivo de cana-de-açúcar é inquestionável, eis que,
conhecidamente, a atividade envolve desgaste físico excessivo, sujeita a horas de exposição ao
sol e a produtos químicos, além do contato direto com os malefícios da fuligem, exigindo-se,
inclusive, alta produtividade dos trabalhadores e em lamentáveis condições antiergonômicas de
trabalho. Esse também é o entendimento desta Sétima Turma: APEL 0026846-
88.2012.4.03.9999/SP, 7ª Turma, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, v. u., julgado em 13/02/2017.
19 - No tocante ao período de 08/06/1989 a 20/12/2010, laborado para a "Prefeitura Municipal
de Guariba", como "servente", foi coligido Perfil Profissiográfico Previdenciário, donde se extrai
que o exercício das seguintes tarefas: "realiza limpeza dos pátios internos, áreas externas,
salas de aula, banheiros, etc. da instituição de ensino público, faz remoção do lixo coletado,
além de auxiliar na elaboração e preparo da merenda escolar, de lanches e da limpeza geral da
cozinha". Com a listagem nos seguintes riscos "ergonômicos; acidentes".
20 - Destarte, não se autoriza o reconhecimento da especialidade, não apenas porque tais
tarefas não se encontram inseridas nos róis dos Decretos pertinentes à matéria (da
insalubridade laboral), como também porque a documentação dos autos não refere à exposição
a qualquer agente agressivo previsto na legislação de regência.
21 - Assim, possível o reconhecimento da especialidade nos períodos de 16/05/1974 a
31/10/1974, 04/11/1974 a 15/04/1975, 05/05/1975 a 31/10/1975, 03/11/1975 a 15/04/1976,
05/05/1976 a 30/11/1976, 01/12/1976 a 31/03/1977, 18/04/1977 a 30/11/1977, 01/12/1977 a
15/04/1978.
22 - Logo, somando-se a especialidade reconhecida nesta demanda, verifica-se que a autora
contava com 3 anos, 9 meses e 2 dias de atividade desempenhada em condições especiais no
momento do requerimento administrativo (06/04/2011 - fls. 44), não fazendo jus ao benefício de
aposentadoria especial.
23 - Sagrou-se vitoriosa a autora ao ver reconhecida parte da especialidade vindicada. Por
outro lado, não foi concedida a aposentadoria especial, restando vencedora nesse ponto a
autarquia. Desta feita, dá-se os honorários advocatícios por compensados entre as partes, ante
a sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73), e deixa-se de condenar qualquer delas no
reembolso das custas e despesas processuais, por ser a parte autora beneficiária da justiça
gratuita e o INSS delas isento.
24 - Preliminar rejeita. Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar
suscitada e dar parcial provimento à apelação da parte autora, para reconhecer a especialidade
dos lapsos de 16/05/1974 a 31/10/1974, 04/11/1974 a 15/04/1975, 05/05/1975 a 31/10/1975,
03/11/1975 a 15/04/1976, 05/05/1976 a 30/11/1976, 01/12/1976 a 31/03/1977, 18/04/1977 a
30/11/1977, 01/12/1977 a 15/04/1978, assim como, reconhecendo a sucumbência recíproca,
dar os honorários advocatícios por compensados entre as partes, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.