D.E. Publicado em 21/02/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011093-81.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):
Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural.
Concedidos os benefícios da justiça gratuita.
O juiz de primeiro grau julgou procedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural, desde a data do requerimento administrativo, em 29.07.2013. Correção monetária, juros de mora, desde a citação, e honorários advocatícios fixados em 10% das prestações vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ. Deferiu, ainda, a antecipação da tutela.
Apela o INSS sustentando, em síntese, que a parte autora não preencheu os requisitos necessários para a concessão do benefício pretendido.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):
Os requisitos para concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural estão fixados nos arts. 142 e 143 da Lei 8213/1991, e, quando segurado especial em regime de economia familiar, nos arts. 39, I, e 142 da mesma lei.
A carência estatuída no art. 25, II, não tem aplicação integral imediata, devendo ser escalonada e progressiva, na forma estabelecida no art. 142, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou as condições necessárias à obtenção do benefício. Trata-se de regra de transição destinada àqueles que já estavam no sistema antes da modificação legislativa.
Embora o art. 2º da Lei 11.718/2008 tenha estabelecido que "para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 143 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010", mesmo a partir de 01.01.2011 é possível a concessão do benefício, contudo, com base em fundamento legal diverso.
A aposentadoria por idade continua sendo devida aos rurícolas, não mais nos termos do art. 143 do PBPS, mas, sim, com fulcro no art. 48 e parágrafos da Lei 8.213/91, com as modificações introduzidas pela Lei 11.718/2008:
Nos casos em que o(a) autor(a) completa a idade para a aposentadoria por idade rural após 31.12.2010, já não se submete às regras de transição dos arts. 142 e 143, e deve preencher os requisitos previstos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.718/2008): 60 (sessenta) anos de idade, se homem, 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, tempo de efetiva atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período correspondente à carência exigida para o benefício, isto é, 180 (cento e oitenta) meses, e imediatamente anterior ao requerimento.
A inicial sustentou que a autora é trabalhadora rural, tendo exercido sua atividade como pescadora artesanal.
A interpretação sistemática da legislação previdenciária permite concluir que a exigência de comprovação do exercício da atividade no período imediatamente anterior ao do requerimento do benefício só tem sentido quando ainda não completado o tempo necessário para a concessão, na forma prevista no art. 142 da Lei 8.213/91. Se a parte deixou as lides rurais após trabalhar pelo período exigido no art. 143, não tem sentido negar-lhe o benefício. Aplicando o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços para populações urbanas e rurais, descrito no art. 194, II, da Constituição Federal, é de se entender que, à semelhança dos urbanos, a posterior perda da condição de segurado não obsta à concessão do benefício quando já cumprida a carência.
Comprovado o exercício da atividade rural ou pesqueira, não há que se falar em perda da qualidade de segurado, uma vez o trabalhador rural deve apenas comprovar os requisitos idade e tempo de atividade.
O conceito de carência, para o diarista e para o segurado especial, tem sentido peculiar, que se satisfaz com o exercício da atividade, dispensando o pagamento das contribuições previdenciárias.
Nesse sentido, a jurisprudência do STJ:
A autora completou 55 anos em 01.06.2012, portanto, fará jus ao benefício se comprovar sua condição de segurada especial pelo período de 180 meses.
O art. 106 da Lei 8.213/1991 enumera os documentos aptos à comprovação da atividade, rol que não é taxativo, admitindo-se outras provas, na forma do entendimento jurisprudencial dominante.
Para comprovar sua condição de pescadora artesanal, a autora juntou aos autos os documentos de fls. 22/49.
Documentos expedidos por órgãos públicos, nos quais consta a qualificação do autor como pescador, podem ser utilizados como início de prova material, como exige o art. 55, § 3º, da Lei 8213/91, para comprovar a sua condição, se confirmada por prova testemunhal.
É como vem sendo, reiteradamente, decidido pelo STJ:
Entendo que a perda da condição de segurado que não impede a concessão do benefício àquele que cumpriu a carência também se aplica aos segurados especiais.
Entretanto, essa norma, como todas as demais, não comporta leitura e interpretação isoladas. Deve ser analisada dentro do sistema que a alberga e, no caso, com vistas à proteção previdenciária dada aos trabalhadores rurais.
Daí que cabe investigar o real significado da exigência contida no art. 143 da Lei 8.213/91, o quê realmente deve ser exigido do trabalhador rural para que tenha direito à sua aposentadoria por idade. Deve estar trabalhando no dia imediatamente anterior ao requerimento? Um ano antes? Dois anos antes? Qual o período de interrupção do trabalho rural que pode ser considerado imediatamente anterior ao requerimento do benefício?
Penso que a resposta está no próprio art. 143, cuja infeliz redação, ensejadora de tantas discussões, tem em vista a proteção do trabalhador rural.
No regime anterior à Constituição de 1.988, os trabalhadores rurais estavam expressamente excluídos do Regime Geral de Previdência Social, e tinham algum amparo apenas dentro dos limites do Prorural.
A Constituição de 1988 estabelece que, para fins de seguridade social, trabalhadores urbanos e rurais devem ter tratamento uniforme e equivalente, o que impõe que os trabalhadores rurais tenham a mesma proteção previdenciária dada aos urbanos.
O novo Regime Geral de Previdência Social, conforme previsto na Constituição, foi implementado com as Leis 8.212 e 8.213/91.
Instituído o novo RGPS, era necessário dar proteção àqueles trabalhadores rurais que, antes da nova legislação, estavam expressamente excluídos da cobertura previdenciária, e essa proteção veio, justamente, na forma prevista no art. 143 da Lei 8.213/91: aposentadoria por idade, desde que comprovado o efetivo exercício da atividade rural pelo período correspondente à carência prevista no art. 143, e no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.
A "mens legis" foi, sem dúvida, proteger aquele trabalhador rural que antes do novo regime previdenciário não tivera proteção previdenciária, ou seja, que fizera das lides rurais o seu meio de vida. É verdade que a lei tolera que a atividade rural tenha sido exercida de forma descontínua. Entretanto, não admite que tenha aquele trabalhador perdido a sua natureza rurícola.
A análise só pode ser feita no caso concreto. É a história laboral do interessado que pode levar à conclusão de que permaneceu, ou não, essencialmente, segurado especial.
Se das provas surgir a comprovação de que o trabalho não foi determinante para a sobrevivência do interessado, não se tratará de trabalhador com direito à proteção previdenciária prevista no art. 143 da Lei 8.213/91.
O STJ assim decidiu, em sede de recurso repetitivo:
Ao caso dos autos.
Para comprovar a condição de rurícola, a autora juntou cópias dos seguintes documentos:
- CTPS da autora, sem anotações;
- Carteira de Pescadora Profissional em nome da autora, com data de registro em 20.06.2005 e validade até 01.06.2012;
- Certidão de casamento da autora, lavrada em 24.12.1987, demonstrando que o marido da autora está qualificado como pescador e a autora como costureira;
- Comprovante de residência;
- Declaração de Exercício de Atividade Rural em favor do marido da autora;
- Declaração de Exercício de Atividade Rural em favor da autora;
- Comprovantes de pagamento de contribuição sindical (anuidade) efetuado pela autora em 2005, 2008,2009, 2010, 2012, 2013 e 2014;
- Carteirinha de Pescador em nome da autora, originária da Federação dos Pescadores do Estado de Minas Gerais, datada de 10.11.2003;
- Caderneta de Inscrição e Registro na Diretoria de Portos e Costas do Ministério da Marinha em nome do cônjuge da autora, emitida em 12.10.1988;
- Título de inscrição de embarcação miúda, de propriedade do marido da autora, com data de inscrição em 08.01.2010;
- Carteirinha de pescador profissional do cônjuge da autora, emitida em 23.07.2010;
- Carteirinha de Pescador em nome do marido da autora, originária da Federação dos Pescadores do Estado de Minas Gerais, datada de 02.10.2005;
As declarações de exercício de atividade rural firmadas pela Colônia de Pescadores Z-20, em Igaraçu do Tietê-SP, atestando, respectivamente, que o marido da autora exerceu atividade na condição de pescador artesanal em 2000, 2002, 2005, 2007, 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013 e que a autora exerceu atividade na condição de pescadora artesanal em 2005, 2008, 2009 e 2012 não constituem início de prova material, haja vista que referidos períodos não foram homologados pelo INSS.
A jurisprudência consolidou-se no sentido de que "para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício" (Súmula nº 14 TNU) e ainda que o rol de documentos previsto no art. 106, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91 é meramente exemplificativo.
Quanto à contemporaneidade dos documentos, a prova material indiciária precisa ter sido formada em qualquer instante do período de atividade rural que se pretende comprovar. Dentro do intervalo que se pretende comprovar, o documento pode ter sido formado no início, no meio ou no fim do período. A prova material pode ser contemporânea ao início do período de carência e ter sua eficácia probatória estendida prospectivamente (para o futuro) se conjugada com prova testemunhal complementar convincente e harmônica. Igualmente, pode ser contemporânea ao final do período de carência e ter sua eficácia estendida retroativamente (para o passado) se conjugada com prova testemunhal complementar convincente e harmônica. A jurisprudência da TNU está pacificada no sentido de admitir a eficácia retrospectiva e prospectiva dos documentos indiciários do exercício de atividade rural.
A consulta ao CNIS (fls. 6064 e doc. em anexo) da autora indica um período de atividade de segurado especial iniciado em 20.06.2005 e, quanto ao marido, informa recolhimentos na condição de autônomo de 01.02.1989 a 31.03.1989 e de 01.10.1994 a 30.11.1994, um vínculo urbano de 15.11.1993 a 30.12.1993, um período de atividade de segurado especial com data de início em 11.12.2000 e outros dois vínculos como segurado especial de 01.10.2002 a 31.10.2002 e de 01.09.2004 a 31.10.2004.
Os curtos vínculos urbanos do marido são insuficientes a descaracterizar a condição rurícola da autora.
A prova testemunhal confirma o trabalho da autora na atividade de pescadora artesanal, inclusive quando completou 55 anos de idade (01.06.2012), nos termos do REsp 1.354.908/SP.
Com efeito, as testemunhas ouvidas em juízo afirmam conhecer a autora há mais de trinta anos, que ela sempre foi pescadora, exercendo tal atividade primeiro com os pais e depois com o marido, que também é pescador.
Desse modo, restaram comprovados os requisitos necessários previstos na legislação previdenciária para obtenção da aposentadoria por idade rural.
NEGO PROVIMENTO à apelação da autarquia, mantendo a antecipação da tutela.
É como voto.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 07/02/2019 17:41:56 |