D.E. Publicado em 04/11/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000442-74.2014.4.03.6007/MS
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
A parte autora ajuizou a presente ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando, em síntese, o reconhecimento do exercício de labor rural, em regime de economia familiar e, portanto, sem o correspondente registro em CTPS, a fim de viabilizar a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.
Concedidos os benefícios da Justiça Gratuita (fl. 135).
Prova oral colacionada à fl. 176 (gravação em mídia digital).
A sentença julgou improcedente o pedido, condenando a autora ao pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ressalvando-se a prévia concessão da gratuidade processual (fls. 177/178).
Apela a parte autora (fls. 182/195), sustentando a suficiência do acerbo probatório colacionado aos autos, a fim de comprovar o implemento dos requisitos legais para a obtenção da benesse almejada.
Com contrarrazões (fls. 198/201), subiram os autos a esta E. Corte.
É o Relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000442-74.2014.4.03.6007/MS
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
A controvérsia havida no presente feito cinge-se a possibilidade da parte autora, nascida aos 11.09.1957 (fl. 19), obter a concessão do benefício aposentadoria por idade rural.
A Lei n.º 8.213/91, em seus artigos 39, inciso I, 48, 142 e 143, estabelece os requisitos necessários para a concessão de aposentadoria por idade a rurícola.
Além do requisito etário, o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o artigo 142, que assim dispõe:
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência, como dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.
No que se refere à comprovação do labor campesino, algumas considerações se fazem necessárias, uma vez que balizam o entendimento deste Relator no que diz com a valoração das provas comumente apresentadas.
Declarações de Sindicato de Trabalhadores Rurais fazem prova do quanto nelas alegado, desde que devidamente homologadas pelo Ministério Público ou pelo INSS, órgãos competentes para tanto, nos exatos termos do que dispõe o art. 106, III, da Lei nº 8.213/91, seja em sua redação original, seja com a alteração levada a efeito pela Lei nº 9.063/95.
Na mesma seara, declarações firmadas por supostos ex-empregadores ou subscritas por testemunhas, noticiando a prestação do trabalho na roça, não se prestam ao reconhecimento então pretendido, tendo em conta que equivalem a meros depoimentos reduzidos a termo, sem o crivo do contraditório, conforme entendimento já pacificado no âmbito desta Corte.
Igualmente não alcançam os fins pretendidos, a apresentação de documentos comprobatórios da posse da terra pelos mesmos ex-empregadores, visto que não trazem elementos indicativos da atividade exercida pela parte requerente.
Já a mera demonstração, por parte do autor, de propriedade rural, só se constituirá em elemento probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou agricultor. No mesmo sentido, a simples filiação a sindicato rural só será considerada mediante a juntada dos respectivos comprovantes de pagamento das mensalidades.
Tem-se, por definição, como início razoável de prova material, documentos que tragam a qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.
Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos Tribunais.
Na atividade desempenhada em regime de economia familiar, toda a documentação comprobatória, como talonários fiscais e títulos de propriedade, é expedida, em regra, em nome daquele que faz frente aos negócios do grupo familiar. Ressalte-se, contudo, que nem sempre é possível comprovar o exercício da atividade em regime de economia familiar através de documentos. Muitas vezes o pequeno produtor cultiva apenas o suficiente para o consumo da família e, caso revenda o pouco do excedente, não emite a correspondente nota fiscal, cuja eventual responsabilidade não está sob análise nesta esfera. O homem simples, oriundo do meio rural, comumente efetua a simples troca de parte da sua colheita por outros produtos de sua necessidade que um sitiante vizinho eventualmente tenha colhido ou a entrega como forma de pagamento pela parceria na utilização do espaço de terra cedido para plantar.
De qualquer forma, é entendimento já consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº 463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03) que documentos apresentados em nome dos pais, ou outros membros da família, que os qualifiquem como lavradores, constituem início de prova do trabalho de natureza rurícola dos filhos.
O trabalho urbano de membro da família não descaracteriza, por si só, o exercício de trabalho rural em regime de economia familiar de outro. Para ocorrer essa descaracterização, é necessária a comprovação de que a renda obtida com a atividade urbana é suficiente à subsistência da família.
O art. 106 da Lei n.º 8.213/91 apresenta um rol de documentos que não configura numerus clausus, já que o "sistema processual brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado" (AC nº 94.03.025723-7/SP, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Souza Pires, 2º Turma, DJ 23.11.94, p. 67691), cabendo ao Juízo, portanto, a prerrogativa de decidir sobre a sua validade e a sua aceitação.
No que se refere ao recolhimento das contribuições previdenciárias, destaco que o dever legal de promover seu recolhimento junto ao INSS e descontar da remuneração do empregado a seu serviço compete exclusivamente ao empregador, por ser este o responsável pelo seu repasse aos cofres da Previdência, a quem cabe a sua fiscalização, possuindo, inclusive, ação própria para haver o seu crédito, podendo exigir do devedor o cumprimento da legislação. No caso da prestação de trabalho em regime de economia familiar, é certo que o segurado é dispensado do período de carência, nos termos do disposto no art. 26, inc. III, da Lei de Benefícios e, na condição de segurado especial, assim enquadrado pelo art. 11, inc. VII, da legislação em comento, caberia o dever de recolher as contribuições tão-somente se houvesse comercializado a produção no exterior, no varejo, isto é, para o consumidor final, a empregador rural pessoa física ou a outro segurado especial (art. 30, inc. X, da Lei de Custeio).
Por fim, outra questão que suscita debates é a referente ao trabalho urbano eventualmente exercido pelo segurado ou por seu cônjuge, cuja qualificação como lavrador lhe é extensiva. Perfilho do entendimento no sentido de que o desempenho de atividade urbana, de per si, não constitui óbice ao reconhecimento do direito aqui pleiteado, desde que o mesmo tenha sido exercido por curtos períodos, especialmente em época de entressafra, quando o humilde campesino se vale de trabalhos esporádicos em busca da sobrevivência.
Da mesma forma, o ingresso no mercado de trabalho urbano não impede a concessão da aposentadoria rural, na hipótese de já restar ultimada, em tempo anterior, a carência exigida legalmente, considerando não só as datas do início de prova mais remoto e da existência do vínculo empregatício fora da área rural, como também que a prova testemunhal, segura e coerente, enseje a formação da convicção deste julgador acerca do trabalho campesino exercido no período.
Realizadas tais considerações, observo que na hipótese em apreço, a parte autora completou a idade mínima de 55 (cinquenta e cinco) anos em 11.09.2012 (fl. 19), devendo, portanto, comprovar o exercício de atividade rural por 180 (cento e oitenta) meses.
Nos termos da Súmula de n.º 149 do Superior Tribunal de Justiça, é necessário que a prova testemunhal venha acompanhada de, pelo menos, um início razoável de prova documental, in verbis:
No caso em questão, para comprovar a sua condição de rurícola, a requerente apresentou, dentre outros documentos, sua certidão de casamento, celebrado aos 24.12.1982, contendo sua qualificação como "doméstica" e a de seu cônjuge como "criador" (fl. 20); registro de matrícula de imóvel rural emitido em nome do cônjuge da autora, qualificado como "pecuarista" e indicando a extensão da propriedade em cerca de 475 (quatrocentos e setenta e cinco hectares), ou seja, superior a 04 (quatro) módulos fiscais (fls. 21/23); certificados de cadastro de imóvel rural emitidos em nome do cônjuge da autora, referente aos períodos de 1996/1999 e de 2003/2009 (fls. 32/35); declaração de exercício de atividade rural emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Verde de Mato Grosso/MS, sem homologação firmada pela autarquia federal e/ou Ministério Público (fls. 39/40); imagens aéreas de satélite e fotografias da propriedade rural (fls. 49/70); e, por fim, notas fiscais de produtor rural emitidas em nome do cônjuge da autora, dando conta do fornecimento de leite in natura, no período de 2001 a 2013 (fls. 71/133).
O regime de economia familiar, assim entendido é aquele em que trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração.
In casu, a despeito da argumentação expendida pela parte autora, não restou suficientemente comprovado o exercício de atividade rurícola em regime de economia familiar, haja vista a grande extensão da propriedade rural da família, a saber, 475 ha (quatrocentos e setenta e cinco hectares), ou seja, superior a 04 (quatro) módulos fiscais.
Além disso, a vultosa quantidade de leite in natura produzida e comercializada pelo cônjuge da demandante, a meu ver, não se coaduna com a atividade rurícola em regime de economia familiar, mas sim com a de produtor rural, circunstância que não enseja a caracterização da figura do segurado especial que a lei quis amparar.
Neste sentido, confira-se o posicionamento jurisprudencial:
Ressalto que as notas fiscais mais próximas à época do implemento do requisito etário (setembro/2012), indicam, respectivamente, a comercialização de 3.408 (três mil, quatrocentos e oito) litros de leite, no valor de R$ 2.112,96 (dois mil, cento e doze reais e noventa e seis centavos), em dezembro/2011 (fl. 130) e cerca de 4.415 (quatro mil, quatrocentos e quinze) litros de leite, no valor de R$ 2.737,30 (dois mil, setecentos e sete reais e trinta centavos), em março/2013 (fl. 131), ou seja, considerando a alegação da autora no sentido de que além da produção de leite, ainda era realizada a exploração de outros cultivos, não há de se falar em exercício de agricultura de subsistência em regime de economia familiar.
O exercício de atividade típica de produtor rural descaracteriza a relação de segurado especial em regime de economia familiar e é incompatível com o pedido de aposentadoria por idade rural, uma vez que contraria o artigo 11, inc. VII, § 1º da Lei n.º 8.213/91, que dispõe:
Nesse sentido, trago à colação:
Descaracterizado, portanto, o alegado exercício de atividade rurícola em regime de economia familiar, entendo que a parte autora não faz jus ao benefício pleiteado.
De rigor, portanto, a manutenção da improcedência do pedido nos exatos termos explicitados pelo Juízo de Primeiro Grau.
Mantenho, ainda, os critérios adotados na r. sentença para fixação das custas e verba honorária, em face da ausência de impugnação recursal específica.
Isto posto, NEGO PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA, mantendo-se, integralmente, a r. sentença recorrida.
É o voto.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 19/10/2016 16:31:53 |