Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5286532-58.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
03/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 08/09/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO
DE PROVA MATERIAL ANTIGO. ANOTAÇÕES EM CTPS. OLEIRO. ATIVIDADE URBANA.
PROVA TESTEMUNHAL FRÁGIL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. TUTELA ESPECÍFICA REVOGADA.
- À concessão de aposentadoria por idade ao rurícola, exige-se: a comprovação da idade mínima
e o desenvolvimento de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento (REsp
Repetitivo n. 1.354.908).
- A comprovação de atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material
corroborado por robusta prova testemunhal (Súmula n. 149 do STJ e Recursos Repetitivos n.
1.348.633 e 1.321.493).
- Em relação às contribuições previdenciárias, é assente o entendimento de serem
desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural.
Precedentes do STJ.
- Conjunto probatório insuficiente à comprovação do período de atividade rural debatido.
Benefício indevido.
- Invertida a sucumbência. Condenação da parte autora ao pagamento de custas processuais e
honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa,
já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III,
do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação provida.
- Revogação da tutela antecipatória de urgência concedida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5286532-58.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MILTON DE MELO
Advogado do(a) APELADO: LAIS MOREIRA DE ALMEIDA - SP345506-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5286532-58.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MILTON DE MELO
Advogado do(a) APELADO: LAIS MOREIRA DE ALMEIDA - SP345506-N
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente pedido de
aposentadoria por idade rural, desde o requerimento administrativo, com acréscimo dos
consectários legais.
Houve antecipação da tutela jurídica e dispensa do reexame necessário.
Em suas razões, a autarquia federal alega não comprovado o trabalho rural pelo tempo
necessário exigido em lei.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5286532-58.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MILTON DE MELO
Advogado do(a) APELADO: LAIS MOREIRA DE ALMEIDA - SP345506-N
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Discute-se o preenchimento dos requisitos para a concessão de aposentadoria por idade ao
rurícola, consoante o disposto na Lei n. 8.213/1991.
A comprovação de atividade rural, para o segurado especial e para os demais trabalhadores
rurais, inclusive os denominados “boias-frias”, deve ser feita por meio de início de prova material,
a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à sua data
de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (Súmula n. 149 do STJ e
Recursos Especiais Repetitivos n. 1.348.633 e 1.321.493).
No mais, segundo o entendimento firmado no REsp n. 1.354.908, pela sistemática de recurso
representativo da controvérsia (CPC/1973, art. 543-C), faz-se necessária a comprovação do
tempo de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento ou à aquisição da
idade:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE
RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE
TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER
PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Tese
delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º
combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que
estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural,
momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo
48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter
atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo
descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito.
Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os
requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS
conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código
de Processo Civil.” (RECURSO ESPECIAL Nº 1.354.908 - SP (2012/0247219-3), RELATOR:
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, DJ 09/09/2015)
Em relação às contribuições previdenciárias, é assente o entendimento de serem elas
desnecessárias, bastando a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ,
REsp 207.425, 5ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge
Scartezzini; STJ, RESP n. 502.817, 5ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361,
Rel. Ministra Laurita Vaz).
No caso em discussão, o requisito etário restou preenchido em 2/6/2017, quando a parte autora
completou 60 (sessenta) anos de idade.
O autor alega que sempre trabalhou nas lides rurais, tendo cumprido a carência exigida na Lei n.
8.213/1991.
Quanto ao requisito do início de prova material, consta nos autos cópia da certidão de casamento
do autor, celebrado em 7/6/1986, na qual ele foi qualificado como lavrador.
Contudo, em período posterior, ausente qualquer prova indicativa do trabalho rural do autor, já
que em sua carteira de trabalho constam apenas três anotações de trabalho urbano, na condição
de oleiro, nos períodos de 1º/6/1987 a 31/7/1987, de 1º/7/1988 a 31/7/1993 e de 1º/3/1994 a
30/8/1994; o que contamina a extensão da prova material concernente à certidão de casamento.
Nesse sentido, ainda que se alegue o fato da olaria funcionar na zona rural, entendo que o
trabalho não é rural e sim urbano, com atribuições diversas da agropastoril.
Vide ocupação de oleiro descrita na Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do
Trabalho e Emprego:
"TÍTULO DA OCUPAÇÃO
8281-10 - Oleiro (fabricação de tijolos)
Ajudante de fábrica de tijolos, Ajudante de oleiro, Amassador - em olaria, Barreiro, Barrerista,
Batedor - em olaria, Batedor de tijolos - na fabricação, Chapeador de tijolos, Cortador de barro,
Cortador de tijolos, Desbarbeador de tijolos, Desempenador em olaria, Desenfornador de tijolo e
telha, Encaierador de tijolos, Enfornador de tijolos, Forneiro - em olaria, Gradeiro, Marombeiro,
Operador de maromba, Operador de máquina de cortar tijolos e telhas, Operador de prensa - em
olaria, Operador de secador da fabricação cerâmica, Prensista de telhas e tijolos, Queimador - em
olaria, Sabugueiro, Tijoleiro
DESCRIÇÃO SUMÁRIA
Extraem matéria-prima de jazidas e preparam a argila para a fabricação e telhas e tijolos.
Processam a fabricação, secagem e queima de telhas e tijolos. Desenfornam telhas e tijolos e
providenciam a sua armazenagem. Participam da elaboração de demonstrativo da produção
diária. Trabalham seguindo normas de segurança, higiene, qualidade e proteção ao meio
ambiente."
Ademais, cabe esclarecer que a jurisprudência é pacífica no sentido de que trabalhador em olaria
(oleiro) não possui natureza rural. Nesse sentido, os seguinte julgados:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO RETIDO NÃO REITERADO NA APELAÇÃO.
NÃO CONHECIMENTO. PRESCRIÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO.
OLARIA. ATIVIDADE CONSIDERADA URBANA. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
PROVA TESTEMUNHAL. INADMISSIBILIDADE. VERBA HONORÁRIA. I- O agravo retido
somente será apreciado quando a parte o requerer, expressamente, nas razões ou resposta da
apelação. Inteligência do artigo 523, § 1º, do Código de Processo Civil. II- É imprescritível a ação
versando sobre a concessão de benefício previdenciário, o mesmo aplicando-se em relação a
pedido de averbação de tempo de serviço. Orientação da Súmula nº 85/STJ. III- A atividade de
oleiro, qual seja aquele que labora em olaria, possui natureza urbana e não rural. Precedentes
desta Corte Regional e do E. STF. IV- Ausência de início de prova material em nome próprio
inviabiliza o reconhecimento do suposto período de trabalho. (...) VII. Agravo retido não
conhecido. Recurso de apelação do INSS e remessa oficial providos. Não há que se falar em
condenação em honorários advocatícios e custas processuais, tendo em vista que a autora é
beneficiária da assistência judiciária gratuita, seguindo orientação adotada pelo STF". (AC
2001.03.99.049603-1, Rel. Juiz Federal Convocado Hong Kou Hen, DJF3 de 01.10.2008)
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL. NÃO RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURAL.
ATIVIDADE PRESTADA EM OLARIA. NATUREZA ESPECIAL DAS ATIVIDADES LABORADAS
PARCIALMENTE RECONHECIDA. FOGUISTA, AJUSTADOR MECÂNICO E
FERRAMENTARISTA. ENQUADRAMENTO. AGENTE FÍSICO. POSSIBILIDADE DE
CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM MEDIANTE APLICAÇÃO DO FATOR
PREVISTO NA LEGISLAÇÃO. TEMPO MÍNIMO DE CONTRIBUIÇÃO, CARÊNCIA E
QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADOS. 1. A aposentadoria especial é devida ao
segurado que tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos,
conforme o caso, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física
(art. 64 do Decreto nº 3.048/99). E a aposentadoria por tempo de contribuição proporcional é
devida ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do sexo masculino, conforme Lei 8.213/91, com redação anterior à EC 20/1998.
Nos dois casos, necessária, ainda, a comprovação da carência e da qualidade de segurado. 2.
Atividade de oleiro não configura tempo de serviço rural. Período não reconhecido. 3. A legislação
aplicável para caracterização da natureza especial é a vigente no período em que a atividade a
ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, ser levada em consideração a
disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelos
Decretos nº 2.172/97 e nº 3.049/99. (...) 14. Apelação parcialmente provida. Fixados, de ofício, os
consectários legais".(AC 00043046020094036126, DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON
PORFIRIO, TRF3 - DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/03/2017)
"TRABALHO RURAL (OLARIA). DIREITO DO TRABALHO. TRABALHADOR RURAL. Empregado
de fazenda, trabalhando em olaria, é classificado como industriário, pois não exercia função
diretamente ligada a agricultura ou pecuária a partir dos dois últimos anos". (STF- RE 51748 -
RTJ 30-01 P. 433- DJ 24.10.63 P. 03649 - Rel. Min. Hermes Lima - julg. 30.08.63).
O boletim de ocorrência, lavrado em 23/3/2018, indicando o acidente do autor quando trabalhava
com motosserra cortando árvores, não tem o condão de completar o grande lapso de ausência de
prova material, já a única certidão apresentada data de 1986. Ademais, à época, o requerente foi
qualificado como autônomo.
Impossível ignorar que o autor verteu contribuições previdenciárias, como contribuinte individual,
entre 1º/11/2016 e 30/4/2018, e através das empresas “Transpereira Comercio, Locação,
Serviços e Transportes Ltda.” e “Indústria de Embalagens de Madera Oliveira Ltda.” no ano de
2009.
Outrossim, com relatos superficiais, as testemunhas não esclareceram detalhes, em especial
alusivo ao lapso temporal, acerca da atividade campesina. Afirmaram, por certo, genericamente,
o trabalho rural, entretanto, considerando os períodos, cujo reconhecimento se pretendeu, nada
acrescentaram à predita pretensão.
Em decorrência, concluo pelo não preenchimento dos requisitos exigidos à concessão do
benefício pretendido.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados
em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC,
suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por
tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, dou provimento à apelação, para julgar improcedente o pedido de
aposentadoria por idade rural.
Informe-se ao INSS, via sistema, para fins de revogação da tutela antecipatória de urgência
concedida.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO
DE PROVA MATERIAL ANTIGO. ANOTAÇÕES EM CTPS. OLEIRO. ATIVIDADE URBANA.
PROVA TESTEMUNHAL FRÁGIL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. TUTELA ESPECÍFICA REVOGADA.
- À concessão de aposentadoria por idade ao rurícola, exige-se: a comprovação da idade mínima
e o desenvolvimento de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento (REsp
Repetitivo n. 1.354.908).
- A comprovação de atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material
corroborado por robusta prova testemunhal (Súmula n. 149 do STJ e Recursos Repetitivos n.
1.348.633 e 1.321.493).
- Em relação às contribuições previdenciárias, é assente o entendimento de serem
desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural.
Precedentes do STJ.
- Conjunto probatório insuficiente à comprovação do período de atividade rural debatido.
Benefício indevido.
- Invertida a sucumbência. Condenação da parte autora ao pagamento de custas processuais e
honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa,
já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III,
do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto
processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação provida.
- Revogação da tutela antecipatória de urgência concedida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA