D.E. Publicado em 21/02/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento às apelações da parte autora e do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0029663-52.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Trata-se de apelação em ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora requer a concessão de aposentadoria por idade, na modalidade híbrida. Busca provar esta circunstância mediante apresentação de documentos que entende comprobatórios do direito pleiteado.
A r. sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos da autora para declarar como efetivo exercício da atividade de trabalhadora rural, os períodos compreendidos entre 24.11.1985 a 31.03.2000 e 06.06.2007 a 12.09.2016, assegurando, em consequência, a contagem desse tempo como de efetivo serviço, devendo o INSS fornecer à autora, com o trânsito em julgado, a respectiva Certidão de Tempo de Serviço, ressalvando que o período anterior ao início da vigência da Lei 8.213/91 está isento de contribuições, mas não pode ser considerado para efeito de carência e que o período reconhecido posterior à vigência da Lei 8.213/91 está condicionado ao pagamento das contribuições previdenciárias respectivas. Em razão da sucumbência recíproca, condenou os litigantes a arcarem com os honorários de seu respectivo patrono.
Irresignada, a parte autora ofertou apelação, alegando, em apertada síntese, que os períodos de labor reconhecidos na r. sentença devem ser computados para fins de carência, com a concessão do benefício vindicado e condenação da Autarquia nas verbas sucumbenciais.
Igualmente inconformado, o INSS ofertou apelação, alegando acerca da impossibilidade de reconhecimento de labor rural, antes de completados 14 anos. Aduz, ainda, acerca da inexistência de início de prova material, sendo impossível o reconhecimento de atividade campesina somente por meio de prova testemunhal. Sustenta a Autarquia que a prova dos autos não a enquadra como segurada especial, conforme alegado. Requer, nesses termos, a reforma da r. sentença, visando ao não reconhecimento de qualquer período de atividade rural, com a improcedência da ação. Subsidiariamente, pleiteia a reforma da r. sentença no que se refere aos consectários legais, em caso de condenação, e o estabelecimento de verba honorária.
Sem apresentação de contrarrazões pelos litigantes, subiram os autos a este e. Tribunal.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Para a percepção de Aposentadoria por Idade, o segurado deve demonstrar o cumprimento da idade mínima de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, e número mínimo de contribuições para preenchimento do período de carência correspondente, conforme artigos 48 e 142 da Lei 8.213/91.
Cumpre ressaltar que, com o advento da Lei nº 10.666, de 08 de maio de 2003, a perda da qualidade de segurado se tornou irrelevante para a concessão da aposentadoria por idade, desde que o segurado já conte com o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência, na data de requerimento do benefício.
Muito embora o art. 3º, §1º, da Lei 10.666/2003 estabeleça que o segurado conte com no mínimo o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício, a Jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça entende que a carência exigida deve levar em conta a data em que o segurado implementou as condições necessárias à concessão do benefício e não a data do requerimento administrativo.
Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
O artigo 24 da Lei nº 8.213/1991 dispõe que: "Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências."
Por seu turno, o art. 25, inciso II, da referida Lei estabelece que:
Porém, para os segurados inscritos na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, o art. 142 da Lei nº 8.213/1991, trouxe uma regra de transição, consubstanciada em uma tabela progressiva de carência, de acordo com o ano em que foram implementadas as condições para a aposentadoria por idade.
Deve-se observar que para aferir a carência a ser cumprida deverá ser levada em consideração a data em que foi implementado o requisito etário para a obtenção do benefício e não aquele em que a pessoa ingressa com o requerimento de aposentadoria por idade junto ao Instituto Nacional do Seguro Social.
Trata-se de observância do mandamento constitucional de que todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput, da Constituição Federal). Se, por exemplo, aquele que tivesse preenchido as condições de idade e de carência, mas que fizesse o requerimento administrativo posteriormente seria prejudicado com a postergação do seu pedido, já que estaria obrigado a cumprir um período maior de carência do que aquele que o fizesse no mesmo momento em que tivesse completado a idade mínima exigida, o que obviamente não se coaduna com o princípio da isonomia, que requer que pessoas em situações iguais sejam tratadas da mesma maneira.
Por outro lado, no caso de cumprimento do requisito etário, mas não da carência, o aferimento desta, relativamente à aposentadoria por idade, será realizado quando do atingimento da idade esperada, ainda que, naquele momento a pessoa não tivesse completado a carência necessária.
Nessa situação, o próprio adiamento da possibilidade de obtenção do benefício para o momento em que fosse cumprida a carência exigida no artigo 142 da Lei de Benefícios Previdenciários já estabeleceria diferença entre aquele que cumpriu a carência no momento em que completara a idade mínima, não havendo que se falar em necessidade de qualquer prazo adicional.
Corroborando este entendimento, cito a Súmula nº 02 da Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região, que assim dispôs: Para a concessão da aposentadoria por idade, não é necessário que os requisitos da idade e da carência sejam preenchidos simultaneamente.
Anoto, por oportuno, que a edição da Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008, promoveu uma alteração no art. 48 da Lei 8.213/91, que possibilitou a contagem mista do tempo de labor rural e urbano para fins de concessão de aposentadoria por idade, com a majoração do requisito etário mínimo para 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, respectivamente, para mulheres e homens.
Trago à colação a redação mencionada, in litteris:
Feitas tais considerações, passo à análise dos requisitos necessários. A idade mínima de 60 anos exigida para a obtenção do benefício foi atingida pela parte autora em 2016, haja vista haver nascido em 16/06/1956, segundo atesta sua documentação (fls. 13). Desse modo, necessária agora a comprovação da carência no montante de 180 meses, conforme redação dada ao art. 142 da Lei 8.213/91, após sua modificação pela Lei 9.032/95.
Com o intuito de constituir o início de prova material, com base na documentação colacionada aos autos e após produzida a prova oral necessária, verifico que a parte autora comprovou carência necessária para a obtenção do beneficio pleiteado.
Com relação ao labor rural, a jurisprudência do E. STJ firmou-se no sentido de que é insuficiente apenas a produção de prova testemunhal para a comprovação de atividade rural, na forma da Súmula 149 - STJ, in verbis:
Ainda de acordo com a jurisprudência, necessária demonstração razoável de início de prova material, a ser corroborada por prova testemunhal, atentando-se, dentre outros aspectos, que, em regra, são extensíveis aos postulantes rurícolas os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou os conviventes, aparecem qualificados como lavradores.
Vale destacar, por fim, que início de prova material não significa completude, mas elemento indicativo que permita o reconhecimento da situação jurídica discutida, desde que associada a outros dados probatórios.
Além disso, frise-se que são considerados segurados especiais, em regime de economia familiar (art. 11, VII, da Lei 8.213/91), os produtores, parceiros, meeiros, arrendatários rurais, pescadores artesanais e assemelhados, que exerçam atividades individualmente ou com auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos, ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo, residindo na área rural ou em imóvel próximo ao local onde a atividade rural é exercida e com participação significativa nas atividades rurais do grupo familiar. Cumpre salientar ainda que o referido regime pressupõe a exploração de atividade primária pelo indivíduo, como principal forma de sustento, acompanhado ou não pelo grupo familiar, mas sem o auxílio de empregados (art. 11, VII, "a" e § 1º, da Lei 8.213/91). No entanto, admite-se o auxílio eventual de terceiros, prestados por ocasião de colheita ou plantio, desde que inexistente a subordinação ou remuneração, vez que a mão-de-obra assalariada o equipara a segurado contribuinte individual, previsto no art. 11, inciso V, da supracitada lei.
No processado, a parte autora solicitou o reconhecimento de diversos períodos de labor rural, alegando que desde os 10 anos de idade começou a exercer atividades campesinas, em regime de economia familiar. Aduz que, a partir de 1988, passou a acompanhar seu companheiro nas fazendas da região e que trabalhou formalmente na Usina Destiagro, por um breve lapso temporal (de 30/08/1985 a 23/11/1985).
Afirma, ainda, que laborou por oito anos e um mês como empregada doméstica, no período compreendido entre 01/04/2000 a 30/04/2008, registro esse constante tanto em CTPS como CNIS.
Sustenta que, em 06/06/2007, ingressou juntamente com seu companheiro no Programa Nacional de Reforma Agrária do INCRA, em acampamento denominado Chico Mendes-MST, localizado em Araçatuba e que, em 02/10/2008, o Projeto de Assentamento Araçá fora homologado, com a participação da autora.
Termina sua explanação informando que se cadastrou como contribuinte individual na categoria de produtora rural no Ministério da Fazenda em 22/03/2010, oportunidade na qual chegou a comercializar produção de milho de pequeno porte; que, em 25/01/2012, solicitou a troca do lote ao INCRA, o que foi possível aos 07/08/2012; traz, ainda, algumas notas fiscais emitidas entre os anos de 2013/2016, visando comprovar a produção de leite em regime de economia familiar.
Em razão do exposto, solicita o reconhecimento de, ao menos, os períodos de labor rural compreendidos entre 24/11/1985 a 31/03/2000 e de 06/06/2007 a 12/09/2016 para que, caso somados tais períodos com aqueles relacionados às atividades urbanas realizadas, seria suprida a carência necessária ao benefício requerido.
Da análise do processado, observo que o início razoável de prova material para possibilitar o reconhecimento de eventual labor rural, requerido pela jurisprudência, não está presente no processado, com relação ao interregno vindicado de 24/11/1985 a 31/03/2000.
Nesse ponto, observo que a CTPS de seu companheiro, juntada aos autos para tal finalidade, indica que somente seu esposo exerceu labor rural nos locais apontados, e apenas nos períodos ali anotados. Estender, nesse tipo de situação, a qualidade de trabalhador rural do cônjuge para a parte autora seria interpretar, equivocadamente, a jurisprudência já mencionada, pois seu companheiro, quando exerceu atividades campesinas, sempre o fez na qualidade de empregado, situação essa completamente diferente de atividade campesina realizada em regime de economia familiar, não se configurando, desse modo, sua qualificação como segurada especial.
Assim, inexistindo qualquer documento apto a apontar a autora como trabalhadora rural no período em questão, incontestável que o conjunto probatório se basearia, apenas, na prova oral produzida, o que não é permitido.
Entretanto, quanto ao último período de labor rural vindicado na exordial, onde sustenta a parte autora ter exercido serviço rural em regime de economia familiar, verifico que razão parcial lhe assiste, mas somente a partir do momento em que o Assentamento Araçá, onde a autora foi partícipe, restou devidamente homologado (02/10/2008 - fls. 28) até a ocasião do requerimento administrativo (16/06/2016 - fls. 16).
Segundo as regras introduzidas pela Lei 11.718/08, em seu art. 2º, parágrafo único e art. 3º, incisos I, II e III, o exercício de atividades rurais relativo ao período encerrado em 31/12/2010 poderá ser comprovado pela apresentação de início de prova material corroborada por testemunhos, nos mesmos moldes antes vigentes. Contudo, quanto ao período posterior, iniciado em 01/01/2011 até 31/12/2015, tal regra não se aplica: o labor rural deve ser comprovado por prova material, não bastando o simples início de prova, correspondendo cada mês de trabalho comprovado a três meses de carência, limitados a 12 meses dentro do ano civil e, no período de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de trabalho deve corresponder a dois meses de carência, limitado a 12 meses dentro do respectivo ano civil.
Em suma, a simples limitação temporal das regras prescritas pelo art. 143 da Lei de Benefícios, por si só não obsta a comprovação do exercício de atividades rurais, nem à percepção de benefício previdenciário, desde que comprovado os recolhimentos obrigatórios, que passaram a ser exigidos após o advento das novas regras introduzidas pela Lei 11.718/08.
No entanto, considerando que a autora pleiteia o benefício com base no labor rural exercido em regime de economia familiar e, tendo em conta que determinada atividade não foi contemplada pela alteração da lei acima referida, descabe a observação da alteração legal da Lei de Benefícios.
Verifica-se, pois, haver dos autos, com relação a tal período (02/10/2008 a 16/06/2016), prova material suficiente de atividade campesina, em regime de economia familiar, consistente nas certidões emitidas pelo INCRA, cadastro da autora como pequena produtora rural junto ao Ministério da Fazenda e notas fiscais de compra e venda (fls. 27/40). Além disso, as testemunhas Adriana Aparecida Pereira e Donizete Alves de Araújo corroboram suficientemente as alegações trazidas na peça inaugural, a confirmarem o labor campesino da autora em regime de economia familiar, iniciado no Assentamento Araçá, o qual teve regular prosseguimento no Assentamento São Lucas, após permuta efetivada pela própria autora, com a anuência do INCRA, entre tais assentamentos.
Consigne-se, por derradeiro, que a aposentadoria híbrida tem por objetivo alcançar os trabalhadores que, ao longo de sua vida, mesclaram períodos de labor urbano e rural, sem, contudo, perfazer tempo suficiente para se aposentar em nenhuma dessas duas atividades, quando isoladamente consideradas, permitindo-se, assim, a somatória de ambos os tempos. A Lei não faz distinção acerca de qual seria a atividade a ser exercida pelo segurado no momento imediatamente anterior ao requerimento administrativo, sequer veda a possibilidade de se computar o referido tempo de labor campesino, anterior à vigência da Lei nº 8.213/91, para fins de carência. Apenas exige a elevação do requisito etário, ou seja, o mesmo relacionado à aposentadoria por idade urbana, consoante já exposto nesse arrazoado, diferenciando tal modalidade de aposentação daquela eminentemente rurícola.
Nesse sentido, anotem-se os seguintes julgados do C. STJ:
Dessa sorte, presentes os dois requisitos indispensáveis à concessão do benefício, a parte autora faz jus à concessão da aposentadoria por idade, nos termos do art. 48 da Lei n° 8.213/1991, a partir do requerimento administrativo (16/06/2016 - fls. 16), pois na oportunidade já se configurava o direito ao benefício pleiteado, consoante se observa de tabela ora elaborada, que acompanha o presente julgado.
Condeno o INSS em verba honorária no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, conforme entendimento desta Turma (artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil), aplicada a Súmula 111 do C. Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual os honorários advocatícios, nas ações de cunho previdenciário, não incidem sobre o valor das prestações vencidas após a data da prolação da sentença.
Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos autos do RE 870947.
O INSS é isento de custas processuais, arcando com as demais despesas, inclusive honorários periciais (Res. CJF nºs. 541 e 558/2007), além de reembolsar as custas recolhidas pela parte contrária, o que não é o caso dos autos, ante a gratuidade processual concedida (art. 4º, I e parágrafo único, da Lei 9.289/1996, art. 24-A da Lei 9.028/1995, n.r., e art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/1993).
Observe-se, se caso, a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora após o termo inicial assinalado à benesse outorgada, ao mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por lei (art. 124 da Lei 8.213/1991 e art. 20, § 4º, da Lei 8.742/1993.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora para reconhecer o período de labor rural de 02/10/2008 a 16/06/2016 para fins de carência e conceder o benefício vindicado, dando parcial provimento à apelação do INSS não reconhecer a atividade rural no interregno de 24.11.1985 a 31.03.2000, nos termos ora consignados.
É o voto.
TORU YAMAMOTO
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 08/02/2018 17:58:30 |