D.E. Publicado em 11/03/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e fixar, de ofício, os consectários legais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026391-50.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de pedido de aposentadoria por tempo de contribuição (melhor hipótese financeira) ajuizado por Jaime Oshima da Rocha em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Contestação do INSS e juntada de cópia do processo administrativo às fls. 40/93, na qual sustenta o não enquadramento da atividade exercida pela parte autora como sendo de natureza especial, requerendo, ao final, a improcedência do pedido. Para a hipótese de entendimento contrário, requer a observância da prescrição quinquenal das parcelas atrasadas, a aplicação da isenção das custas e a incidência da correção monetária e dos juros de mora nos termos da Lei nº 11.960/09.
Réplica às fls. 97/105.
Sentença às fls. 107/109, julgando procedente o pedido, para reconhecer como atividade especial o período laborado de 01.08.1979 a 15.12.1991, e conceder a aposentadoria por tempo de contribuição a partir da data da citação. Fixou a sucumbência.
Apelação às fls. 113/128, alegando a ausência de comprovação do exercício da atividade especial no período reconhecido no julgado, pugnando pela improcedência do pedido.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Pretende a parte autora, nascida em 20.01.1961, o reconhecimento do exercício de atividade especial no período de 01.08.1979 a 15.12.1991, e a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral, a partir da data do requerimento administrativo.
Inicialmente afasto a alegação de intempestividade do recurso de apelação, suscitada nas contrarrazões.
Com efeito, consta dos autos o Aviso de Recebimento Digital referente à Carta de Intimação em Processo Digital, expedida pelo digno Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Santa Fé do Sul-SP, com recebimento na data de 13.12.2016, por servidora lotada no órgão do INSS sediado na cidade de Votuporanga-SP (fl. 111 e verso). Em consulta ao sistema processual informatizado do E. Tribunal de Justiça de São Paulo é possível aferir que o A.R. foi juntado aos autos em 17.12.2016. A protocolização do recurso de apelação pela Advocacia-Geral da União deu-se em 01.03.2017 (fl. 113).
Entretanto, a suspensão do expediente forense, bem como dos prazos processuais deu-se no período de 20.12.2016 a 20.01.2017 (Art. 116, §2º do RITJSP - 20.12 a 06.01: recesso forense; 07 a 20.01.2017: suspensão dos prazos), bem como nos dias 27 a 28.02.2017 (Carnaval - Provimento CSM nº 2394/2016). Sendo assim, facultado à autarquia previdenciária o prazo recursal em dobro, a ser computado nos dias úteis, conforme dispõe a legislação processual vigente, reconheço como tempestivo o recurso do INSS.
Com estas considerações, passo a análise do mérito recursal.
Para elucidação da controvérsia, cumpre distinguir a aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, da aposentadoria por tempo de contribuição, prevista no art. 52 do mesmo diploma legal, pois a primeira pressupõe o exercício de atividade laboral considerada especial, pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, sendo que, cumprido esse requisito, o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da EC 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, nem submissão ao fator previdenciário, conforme art. 29, II, da Lei nº 8.213/91. Diferentemente, na aposentadoria por tempo de contribuição pode haver tanto o exercício de atividades especiais como o exercício de atividades comuns, sendo que os períodos de atividade especial sofrem conversão em atividade comum, aumentando assim o tempo de serviço do trabalhador, e, conforme a data em que o segurado preenche os requisitos, deverá se submeter às regras da EC 20/98. Por outro lado, a aposentadoria por tempo de contribuição proporcional, consoante regra de transição da EC nº 20/98, é assegurada desde que o segurado conte com 53 (cinquenta e três) anos de idade, se homem, e 48 (quarenta e oito) anos de idade, se mulher, e 30 (trinta) anos de contribuição, se homem, e 25 (vinte e cinco), se mulher, bem como um período adicional de contribuição equivalente a 40% do tempo que, na data de publicação da EC, faltaria para atingir o limite de 30 (trinta) anos. Em todos os casos, necessária a comprovação da carência e da qualidade de segurado.
Da atividade especial.
No que se refere à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de contribuição para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, como a seguir se verifica.
O art. 58 da Lei nº 8.213/91 dispunha, em sua redação original que "(...) A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica (...)". Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, tal dispositivo legal teve sua redação alterada, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, na forma que segue:
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação foi definida apenas com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV). Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal disposição somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual a apresentação de laudo técnico só pode ser exigida a partir dessa ultima data. Nesse sentido é o entendimento majoritário do E. STJ:
Assim, em tese, pode ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030 (exceto para o agente nocivo ruído, por depender de prova técnica).
Ressalto que os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
Saliento que não se encontra vedada a conversão de tempo especial em comum, exercida em período posterior a 28.05.1998, uma vez que ao ser editada a Lei nº 9.711/98, não foi mantida a redação do art. 28 da Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.05.98, que revogava expressamente o parágrafo 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, devendo, portanto, prevalecer este último dispositivo legal, nos termos do art. 62 da Constituição da República.
Quanto ao agente nocivo ruído, o Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o referido decreto, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 decibéis como agente nocivo à saúde. Com o advento do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto nº 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao C. Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso Especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do Código de Processo Civil (Recurso Especial Repetitivo), fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, na forma que segue:
Dessa forma, deve-se considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a nível de ruído superior a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, superior a 90 decibéis e, a partir de então, superior a 85 decibéis.
De outra parte, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei nº 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividades em condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
E não afasta a validade de suas conclusões o fato de ter sido o PPP ou laudo elaborado posteriormente à prestação do serviço, vez que tal requisito não está previsto em lei, mormente porque a responsabilidade por sua expedição é do empregador, não podendo o empregado arcar com o ônus de eventual desídia daquele e, ademais, a evolução tecnológica tende a propiciar condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas: "i) tese 1 - regra geral: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial; e ii) tese 2 - agente nocivo ruído: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos".
NO CASO DOS AUTOS, os períodos incontroversos em virtude de acolhimento na via administrativa totalizam 29 (vinte e nove) anos, 09 (nove) meses e 15 (quinze) dias de tempo de contribuição, não tendo sido reconhecido como tempo especial o período pleiteado na inicial (fls. 82/83 e 87/88). Portanto, a controvérsia colocada nos autos engloba o reconhecimento da natureza especial da atividade exercida no período de 01.08.1979 a 15.12.1991.
Ocorre que no período de 01.08.1979 a 15.12.1991, a parte autora laborou como motorista de estabelecimento comercial, junto à empresa "Felipe Filho & Cia. Ltda. (CTPS - fl. 70 e CNIS - fl. 77), sendo que na descrição das atividades exercidas (P.P.P. - fls.25/27 e 72/74), constou que a mesma efetuava "(...) entregas de mercadorias nos bairros mais distantes, na zona rural e nas cidades circunvizinhas , utilizando como veículo uma F4000.".
Observo que no referido documento o fator de risco à saúde indicado foi de natureza postural, bem como o de acidente, sem que houvesse o aval de responsável técnico pelos registros ambientais.
Por outro lado, referida atividade não se enquadra nas categorias profissionais inseridas nos códigos 2.4.4. e 2.4.2 dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, respectivamente, visto que a atividade de motorista de veículo de pequeno e médio porte (na hipótese dos autos, uma caminhonete F4000), não reflete o nível de exposição aos agentes insalubres (quer físicos - ruído/calor, ou químicos/hidrocarbonetos) ao qual estavam submetidos os trabalhadores de transporte rodoviário e urbano, relacionados pela legislação de regência nas seguintes categorias: motorneiros e condutores de bondes; motoristas e cobradores de ônibus; motoristas e ajudantes de caminhão; motoristas de ônibus e de caminhões de carga (ocupados em caráter permanente)". Nesse sentido:
Destarte, não há como ser reconhecido o exercício do trabalho sob condições especiais, no período vindicado na inicial, seja pela ausência de comprovação da exposição da parte autora aos agentes nocivos à saúde, seja pela impossibilidade de enquadramento em categoria profissional.
Sendo assim, a soma de todos os períodos comuns totaliza 29 (vinte e nove) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de tempo de contribuição até a data do requerimento administrativo (D.E.R.14.05.2014), insuficientes à concessão do benefício previdenciário postulado, observado o conjunto probatório produzido nos autos e os fundamentos jurídicos explicitados na presente decisão.
Diante de todo o exposto, dou provimento à apelação, para julgar improcedente o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição integral formulado pela parte autora, e condená-la ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC/2015, observando-se, na execução, o disposto no artigo 98, § 3º, do CPC/2015.
É como voto.
NELSON PORFIRIO
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 26/02/2019 17:19:29 |