D.E. Publicado em 20/12/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000640-84.2014.4.03.6113/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de mandado de segurança impetrado por Armendes Coelho da Silva contra ato do Gerente Executivo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de Franca/SP, objetivando o restabelecimento de sua aposentadoria por tempo de contribuição, atualmente suspensa.
Liminar indeferida às fls. 119/121.
Informações da autoridade impetrada às fls. 133/150.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 153/159).
Sentença às fls. 167, pela denegação da segurança.
Apelação da parte autora, na qual sustenta o preenchimento de todos os requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado (fls. 175/183).
O Ministério Público Federal, em segunda instância, manifestou-se pela desnecessidade de sua intervenção (fl. 192).
Com contrarrazões (fls. 188/189), subiram os autos a esta Corte
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Pretende o impetrante, nascido em 28.12.1949, o restabelecimento de aposentadoria por tempo de contribuição, suspensa pelo INSS em virtude de revisão efetuada na esfera administrativa, que desconsiderou períodos de trabalho não presentes no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).
Dos períodos registrados em CTPS.
Registre-se que as anotações constantes em carteira de trabalho constituem prova plena de exercício de atividade e, portanto, de tempo de serviço, para fins previdenciários. Há, ainda, previsão legal no sentido de ser a CTPS um dos documentos próprios para a comprovação, perante a Previdência Social, do exercício de atividade laborativa, conforme dispõe o art. 62, § 1º, inciso I, do Decreto nº 3.038, de 06 de maio de 1999 - Regulamento da Previdência Social -, na redação que lhe foi dada pelo Decreto nº 4.729, de 09 de junho de 2003.
Desse modo, o registro presente na CTPS não precisa de confirmação judicial, diante da presunção de veracidade juris tantum de que goza tal documento. Referida presunção somente cede lugar quando o documento não se apresenta formalmente em ordem ou quando o lançamento aposto gera dúvida fundada acerca do fato nele atestado.
Ocorre, todavia, que a simples ausência de informação nos registros do INSS não elide, a princípio, a veracidade dos vínculos empregatícios constantes na CTPS. Nesse sentido, o entendimento da Décima Turma desta Corte:
Assim, caberia ao Instituto-réu comprovar a falsidade das informações, por meio de prova robusta que demonstrasse a inexistência do vínculo empregatício anotado na Carteira de Trabalho. Tal prova não foi, contudo, produzida.
Ademais, o Ministério Público Federal, manifestando-se em primeira instância, bem como perante este e. Tribunal, não vislumbrou quaisquer irregularidades aptas a transpassar o interesse das partes em litígio. Além disso, cabe mencionar a existência de processo judicial, tramitando perante o Juizado Especial Federal, e já julgado por Turma Recursal, buscando o reconhecimento de períodos especiais, que, somados aos demais períodos comuns - inclusive os interregnos assinalados em CTPS aqui questionados - garantiriam ao impetrante benefício mais vantajoso (processo nº 0003421-17.2012.4.03.6318).
Portanto, considerando que a presunção juris tantum de veracidade dos registros constantes em CTPS não foi, em nenhum momento, elidida pelo INSS, reconheço como efetivo tempo de contribuição os período de 22.04.1969 a 30.10.1969, 03.03.1970 a 04.03.1970, 10.08.1970 a 23.01.1971, 26.01.1971 a 29.02.1972 e 03.02.1981 a 31.01.1986 (fls. 55 e 64vº), que deverão ser computados para a concessão do benefício de aposentadoria.
Passo, então, com o reconhecimento dos períodos anotados em CTPS, a analisar a possibilidade de restabelecimento do benefício pleiteado.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Para elucidação da controvérsia, cumpre distinguir a aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, da aposentadoria por tempo de contribuição, prevista no art. 52 do mesmo diploma legal, pois a primeira pressupõe o exercício de atividade laboral considerada especial, pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, sendo que, cumprido esse requisito, o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da EC 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, nem submissão ao fator previdenciário, conforme art. 29, II, da Lei nº 8.213/91. Diferentemente, na aposentadoria por tempo de contribuição pode haver tanto o exercício de atividades especiais como o exercício de atividades comuns, sendo que os períodos de atividade especial sofrem conversão em atividade comum, aumentando assim o tempo de serviço do trabalhador, e, conforme a data em que o segurado preenche os requisitos, deverá se submeter às regras da EC 20/98.
No que se refere à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de contribuição para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, como a seguir se verifica.
O art. 58 da Lei nº 8.213/91 dispunha, em sua redação original que "(...) A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica (...)". Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, tal dispositivo legal teve sua redação alterada, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, na forma que segue:
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação foi definida apenas com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV). Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal disposição somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual a apresentação de laudo técnico só pode ser exigida a partir dessa ultima data. Nesse sentido é o entendimento majoritário do E. STJ:
Assim, em tese, pode ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030 (exceto para o agente nocivo ruído, por depender de prova técnica).
Ressalto que os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
Saliento que não se encontra vedada a conversão de tempo especial em comum, exercida em período posterior a 28.05.1998, uma vez que ao ser editada a Lei nº 9.711/98, não foi mantida a redação do art. 28 da Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.05.98, que revogava expressamente o parágrafo 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, devendo, portanto, prevalecer este último dispositivo legal, nos termos do art. 62 da Constituição da República.
Quanto ao agente nocivo ruído, o Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o referido decreto, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 decibéis como agente nocivo à saúde. Com o advento do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto nº 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao C. Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso Especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do Código de Processo Civil (Recurso Especial Repetitivo), fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, na forma que segue:
Dessa forma, é de se considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a nível de ruído superior a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, superior a 90 decibéis e, a partir de então, superior a 85 decibéis.
De outra parte, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei nº 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividades em condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
E não afasta a validade de suas conclusões o fato de ter sido o PPP ou laudo elaborado posteriormente à prestação do serviço, vez que tal requisito não está previsto em lei, mormente porque a responsabilidade por sua expedição é do empregador, não podendo o empregado arcar com o ônus de eventual desídia daquele e, ademais, a evolução tecnológica tende a propiciar condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas: i) tese 1 - regra geral: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial; e ii) tese 2 - agente nocivo ruído: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos.
No caso dos autos, foram reconhecidos pelo INSS, conforme fl. 21, o período de 35 (trinta e cinco) anos, 08 (oito) meses e 27 (vinte e sete dias) de tempo de contribuição, sendo confirmados os interregnos de 01.09.1995 a 05.07.1999 e 01.02.2000 a 14.11.2002 como sendo de atividades especiais.
Desta forma, somados todos os períodos comuns e especiais, estes devidamente convertidos, totaliza o impetrante 35 (trinta e cinco) anos, 08 (oito) meses e 27 (vinte e sete dias) dias de tempo de contribuição até a data do requerimento administrativo (D.E.R. 29.01.2009), observado o conjunto probatório produzido nos autos e os fundamentos jurídicos explicitados na presente decisão.
Restaram cumpridos pelo impetrante, ainda, os requisitos da qualidade de segurado (art. 15 e seguintes da Lei nº 8.213/91) e carência para a concessão do benefício almejado (art. 24 e seguintes da Lei nº 8.213/91).
Destarte, o impetrante faz jus à aposentadoria integral por tempo de contribuição, com valor calculado na forma prevista no art. 29, I, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 9.876/99.
Para o cálculo da renda mensal inicial do benefício, o INSS deverá considerar como termo inicial a data do requerimento administrativo (29.01.2009; fl. 21), sendo que a implantação do benefício e o pagamento das parcelas atrasadas diretamente ao impetrante deverão se dar na forma e prazos estabelecidos na Lei 8.213/91 e no Decreto 3.048/99.
Sem condenação em honorários advocatícios, consoante o disposto no art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e nas Súmulas 105 do STJ e 512 do STF.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO, para conceder a segurança ao impetrante, e determinar o restabelecimento de sua aposentadoria por tempo de contribuição (NB 42/148.921.151-6).
É como voto.
NELSON PORFIRIO
Desembargador Federal
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