D.E. Publicado em 09/02/2015 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial e às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal Relatora
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA:10035 |
Nº de Série do Certificado: | 1AA09283FFF4EAA5 |
Data e Hora: | 27/01/2015 13:59:01 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0003817-26.2003.4.03.6183/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (relatora):
Atenágora Gomes de Souza ajuizou, em 04/07/2003, ação objetivando o reconhecimento da especialidade da atividade laborativa desenvolvida nos períodos de 12/11/1975 a 11/04/1978, 20/04/1978 a 31/03/1981, 30/08/1983 a 21/10/1987 e de 05/04/1988 a 09/03/1998, bem como a atividade rural, sem registro em CTPS, nos períodos de 1º/01/1968 a 22/09/1975, com a consequente concessão de aposentadoria por tempo de serviço, a partir do requerimento administrativo (02/04/1998).
O juízo a quo julgou procedente a demanda, condenando o INSS a conceder a aposentadoria por tempo de serviço integral, a partir da data do requerimento administrativo (02/04/1998), observada a prescrição quinquenal, considerando o reconhecimento do período rural entre 1º/01/1968 a 31/12/1974, e da atividade especial, com conversão em comum, nos períodos de 12/11/1975 a 11/04/1978, 20/04/1978 a 31/03/1981, 30/08/1983 a 21/10/1987 e 05/04/1988 a 09/03/1998, bem como o reconhecimento dos períodos comuns de 15/06/1981 a 05/06/1982 e 05/07/1982 a 30/08/1982. Juros de mora, a partir da citação, à razão de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do Novo Código Civil e 1% ao mês a partir de então. Correção monetária na forma da Resolução nº 561 do CJF. Honorários advocatícios fixados em 15% do valor da condenação, na forma da Súmula 111 do STJ. Sentença submetida ao reexame necessário.
O autor apelou, pugnando pela homologação do período comum de 04/10/1982 a 12/07/1983 e o reconhecimento da atividade rural no período de 1º/01/1975 a 22/09/1975, a majoração dos juros de mora e honorários advocatícios, bem assim o afastamento da prescrição quinquenal.
O INSS, por sua vez, interpôs apelação, visando a reforma integral da sentença. Se vencido, pede a modificação dos critérios de incidência dos honorários advocatícios.
Com contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (relatora):
A autora objetiva o reconhecimento da especialidade da atividade laborativa desenvolvida nos períodos de 12/11/1975 a 11/04/1978, 20/04/1978 a 31/03/1981, 30/08/1983 a 21/10/1987 e de 05/04/1988 a 09/03/1998, bem como a atividade rural, sem registro em CTPS, nos períodos de 1º/01/1968 a 22/09/1975, com a consequente concessão de aposentadoria por tempo de serviço, a partir do requerimento administrativo (02/04/1998).
COMPROVAÇÃO DO TEMPO RURAL
O artigo 55, § 3º, da Lei n° 8.213/91, dispõe sobre a obrigatoriedade de início de prova documental para a comprovação de tempo de serviço, para fins previdenciários, sendo insuficiente a produção de prova exclusivamente testemunhal, a qual, por si só, não é válida à demonstração do desempenho do trabalho tido como realizado.
A lei previdenciária, ao exigir início razoável de prova material, não viola a legislação processual em vigor, pois o artigo 400 do Código de Processo Civil preceitua ser sempre válida a prova testemunhal, desde que a lei não disponha de forma diversa. Assim, havendo em lei especial disposição expressa acerca da exigência de documentação para comprovar tempo de serviço, incabível seu reconhecimento baseado tão somente nos depoimentos prestados por testemunhas.
Especificamente a respeito do reconhecimento da atividade de natureza rural, a orientação de há muito conferida pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da imprestabilidade da prova exclusivamente testemunhal (Súmula 149) apresenta-se preservada em decisões recentes, consoante se observa da ementa do acórdão tirado do julgamento do REsp 1.133.863/RN, sob a sistemática do artigo 543-C do diploma processual (3ª Seção, rel. Desembargador Convocado do TJ/SP Celso Limongi, DJe de 15.4.2011), reafirmando-se as premissas em questão, in verbis:
Objetivando comprovar o alegado, o autor juntou cópias dos seguintes documentos:
- Declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Borrazópolis - PR, informando que ele exerceu atividade rural no período de 1968 a 1973 (fl. 110);
- certificado de dispensa de incorporação, emitido em 1968, em que consta a profissão de lavrador (fl. 121);
- certidão de casamento do autor, realizado em 18/12/1971, em que foi qualificado como lavrador (fl. 112);
- escritura, transcrição e cadastro no INCRA do proprietário do terreno em Borrazópolis;
- declaração do proprietário, atestando o período de 1968 a 1971;
- certidões de nascimento de filhos do autor, ocorridos em 04.02.1973 e 15/11/1974, qualificando o autor como lavrador;
- Declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e São João do Ivaí - PR, informando que o autor exerceu atividade rural no período de 20/06/1973 a 22/09/1975 (fls. 122/123);
- declaração do proprietário rural Milton Cruz, datada de 27/02/1998, de que o autor exerceu atividade rural no período de 1968 a 1973 (fl. 114);
- escritura pública de propriedade rural em nome de Milton Cruz (fls. 115/116);
- certificado de cadastro de imóvel rural no INCRA em nome de Milton Cruz (fl. 118);
Os documentos indicando que os supostos ex-empregadores do autor eram proprietários de imóvel rural não têm aptidão para comprovar a alegada atividade agrícola do empregado, visto que não evidenciam a prestação de serviços, tampouco os interregnos em que ela teria ocorrido.
As declarações firmadas pelo autor e por terceiros perante o Sindicato dos Trabalhadores Rurais não podem ser consideradas como início de prova documental, equivalendo a simples depoimentos unilaterais reduzidos a termo e não submetidos ao crivo do contraditório. Estão, portanto, em patamar inferior à prova testemunhal colhida em juízo, por não garantirem a bilateralidade de audiência.
As certidões de registros civis e o certificado de dispensa de incorporação são documentos públicos e gozam de presunção de veracidade até prova em contrário.
Nesse sentido, segue jurisprudência:
Nesse ínterim, em que pese a documentação supra, amealhada pelo autor com o objetivo específico de atender à exigência, segundo as balizas estabelecidas pelos dispositivos que regem a matéria na Lei 8.213/91 e em parâmetros consolidados na jurisprudência, de necessidade de apresentação de indicativo material razoável do trabalho campesino, a limitação da força probante dos depoimentos tomados em audiência impõe o reconhecimento da procedência apenas parcial do pleito originalmente formulado.
Isso porque, apesar de a prova testemunhal referir a existência de atividade rural, para a extensão por todo o período apontado na inicial a partir do documento trazido, de forma a atestar o reconhecimento do tempo de serviço nos termos em que pretendido, não tem toda a serventia reclamada, esbarrando na deficiência dos relatos colhidos pelo juízo a quo.
Insatisfeita, à toda evidência, a necessidade de comprovação do desempenho da função para fins de averbação na totalidade de tempo de serviço na condição de rurícola, reconhece-se como trabalhado, pois, nesse sentido, apenas os períodos constantes no início de prova material, devidamente corroborados pela prova testemunhal, correspondente, in casu, aos anos de 1968 a 1974.
Por fim, com relação ao recolhimento de contribuições previdenciárias dos períodos não registrados, mister a observância do artigo 55, § 2°, da Lei n° 8.213/91, que preceitua: "O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o regulamento".
Desse dispositivo legal, depreende-se que a atividade rural desempenhada em data anterior a novembro de 1991 pode ser considerada para averbação do tempo de serviço, sem necessidade de recolhimento de contribuições previdenciárias, exceto para fins de carência.
A partir do advento da Lei 8.213/91, cabe ao segurado especial o recolhimento de contribuições previdenciárias facultativas, se pretender o cômputo do tempo de serviço rural para fins de obtenção de outros benefícios que não os arrolados no inciso I do artigo 39.
Nesse sentido, inclusive, a Súmula n.º 272 do Superior Tribunal de Justiça, que expressamente determina que o segurado especial somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço se recolher as contribuições facultativas.
Dessa forma, o reconhecimento de período posterior, sem contribuições previdenciárias facultativas, servirá somente para futura concessão de aposentadoria por idade ou por invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão ou pensão, ficando vedado o aproveitamento do referido período para os demais fins previdenciários.
APOSENTADORIA ESPECIAL
Exigia-se para a concessão de aposentadoria especial, desde a Lei Orgânica da Previdência Social de 1960, o trabalho do segurado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos. Ato do Chefe do Poder Executivo trataria de explicitar quais os serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos.
A Lei nº 8.213/91, em seus artigos 57 e 58, conservou o arquétipo legislativo originário, dispondo que a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física seria objeto de lei própria.
O campo de aplicação dos agentes nocivos associava-se ao serviço prestado, chegando-se à atividade profissional e final classificação em serviço penoso, insalubre ou perigoso. O rol de agentes nocivos era exaustivo, mas exemplificativas as atividades listadas sujeitas à exposição pelo segurado.
Daí que para a concessão da aposentadoria especial era suficiente que o segurado comprovasse o exercício das funções listadas nos anexos trazidos pela lei. Também, é fato, porque impossível listar todas as atividades profissionais, perícia judicial era admitida para constatar que a atividade profissional do segurado, não inscrita nos anexos, classificava-se em perigosa, insalubre ou penosa. A jurisprudência assim caminhou, culminando com a edição da Súmula 198 do Tribunal Federal de Recursos.
Quiçá diante do aumento da concessão de aposentadorias, facilitado pelo caminho que o legislador, jurisprudência e súmula consagraram para a constatação de que a atividade profissional estava exposta a agentes nocivos prejudiciais à saúde ou à integridade física do segurado, veio a Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995. E alterou o modelo.
De ver que a redação original do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 dispunha que "A aposentadoria especial será devida ... conforme a atividade profissional"; a Lei nº 9.032/95, por sua vez, estatuiu que "A aposentadoria especial será devida ... conforme dispuser a lei".
Os parágrafos 3º e 4º do referido artigo rematam a ideia:
A dizer que o simples enquadramento da atividade profissional, conforme o disposto nos anexos do decreto regulamentador - isto é, a concessão da aposentadoria especial com base na presunção de que certa categoria estaria sujeita a certo e correspondente agente nocivo - não mais era bastante. O segurado deveria comprovar, realmente, que estava exposto a agentes insalubres, penosos ou perigosos. E tal comprovação foi organizada pelo INSS por meio de formulário próprio, o SB 40.
Eficácia plena as alterações impostas pela Lei nº 9.032/95 somente alcançaram com o advento da MP 1.523/96, convertida na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997. De modo a sacramentar a necessidade de efetiva exposição a agentes nocivos, prova a ser feita por meio de formulário e laudo.
A redação do artigo 58, com os devidos destaques:
E o Poder Executivo definiu a relação dos agentes nocivos por meio do Decreto nº 2.172/1997.
Do que se extrai o seguinte: funções exercidas até a promulgação da Lei nº 9.032/95, ou seja, até 28 de abril de 1995, suficiente o simples exercício da profissão, fazendo-se o enquadramento conforme o disposto nos anexos dos regulamentos; de 29 de abril até a publicação da Medida Provisória 1.523/96, ou seja, até 13 de outubro de 1996, fazia-se a prova da efetiva exposição por meio de formulário próprio; de 14 de outubro em diante necessários o formulário e correspondente laudo técnico. Síntese que leva em conta o período em que foram exercidas as atividades, de forma a que as modificações da legislação valham sempre para frente, pouco importando o requerimento posterior do benefício, cuidando-se de normas reguladoras dos meios de prova do direito previamente adquirido, atinentes, portanto, à forma, não à matéria.
NÍVEL MÍNIMO DE RUÍDO
Quanto ao grau mínimo de ruído para caracterizar a atividade como especial, a evolução legislativa começa com o Decreto nº 53.831/64, que considerou insalubre e nociva à saúde a exposição do trabalhador em locais com ruídos acima de 80 decibéis. O Decreto 83.080/79, por sua vez, aumentou o nível mínimo de ruído, fixando-o para acima de 90 decibéis.
Até que fosse promulgada a lei que dispusesse sobre as atividades prejudiciais à saúde e à integridade física, trataram os Decretos 357/91 e 611/92 de disciplinar que, para efeito de concessão de aposentadoria especial, fossem considerados os Anexos I e II do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 83.080, e o anexo do Decreto nº 53.831/64.
Vale dizer, diante de clara contradição entre a legislação - o Decreto nº 83.080 fixou o nível mínimo de ruído acima de 80 dB e o Decreto nº 53.831/64 acima de 90 dB -, considerava-se especial a atividade que sujeitasse o trabalhador à ação de mais de 80 decibéis, nos termos do Decreto nº 53.381/1964. Prevaleceu a solução mais favorável ao trabalhador, dado o fim social do direito previdenciário.
Assim, até a vinda do Decreto 2.172, de 05.03.1997 - que exigiu a exposição permanente a níveis de ruído acima de 90 decibéis - era considerada especial a exposição do trabalhador a mais de 80 dB. Depois, sabe-se, veio o Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, fixando a exposição a Níveis de Exposição Normalizados (NEN) superiores a 85 decibéis.
Então:
- Até 05.03.1997 era considerada especial a atividade que expunha o trabalhador ao nível de ruído superior a 80 decibéis. Coexistência dos Decretos nº 53.831/64, anexo I, Item 1.1.6 e Decreto n° 83.080, de 24.01.79.
- Após a publicação do Decreto n° 2.172, de 05.03.97, passou-se a exigir exposição a ruído acima de 90 decibéis. Pelo Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, nova alteração impôs oficialmente o limite de 85 decibéis.
(8ª Turma, Apelação Cível nº 1999.61.16.001655-9-SP, rel. Marianina Galante, j. 25.06.2007, DJU 25.07.2007, p. 691)
MEIO DE PROVA
Outro meio de prova não se admite senão o laudo técnico para demonstrar a exposição do trabalhador ao agente nocivo ruído.
USO DO EPI
Questão que surgiu dizia respeito a saber se a utilização de Equipamento de Proteção Individual (EPI) descaracterizaria o tempo de serviço especial prestado.
Antes da vigência da Lei nº 9.732/98, o uso do EPI não descaracterizava o enquadramento da atividade sujeita a agentes agressivos à saúde ou à integridade física. Tampouco era obrigatória, para fins de aposentadoria especial, a menção expressa à sua utilização no laudo técnico pericial.
Contudo, em relação às atividades exercidas a partir da data da publicação da Lei nº 9.732/98, é indispensável a elaboração de laudo técnico de que conste "informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo". Na hipótese de o laudo atestar expressamente a neutralização do agente nocivo, a utilização de EPI afastará o enquadramento do labor desempenhado como especial.
TEMPO ESPECIAL EM COMUM - CONVERSÃO
Em relação ao reconhecimento do trabalho especial anterior à Lei 6.887/1980, a questão foi objeto de recurso representativo de matéria repetitiva, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça com a seguinte ementa:
De acordo com os fundamentos do precedente, a configuração do tempo especial é regida pelo ordenamento em vigor durante a prestação do serviço, mas tanto o fator de conversão como a própria possibilidade de conversão seguem a disciplina normativa vigente quando reunidas as condições para a concessão da aposentadoria. Assim, caso o cálculo do benefício admita o cômputo diferenciado, é irrelevante discutir se esse sistema era previsto quando o trabalho foi exercido. Por isso, ainda segundo o STJ, sequer ocorreria a aplicação de regime jurídico hibrido ou de legislação subseqüente mais benéfica, rejeitados pelo Supremo Tribunal Federal.
Com a Lei nº 6.887, de 10.12.1980, permitiu-se a conversão do tempo de serviço especial em comum e vice-versa; também a Lei nº 8.213/91, em sua redação original, por meio do § 3º de seu artigo 57; mais adiante, o acréscimo do parágrafo 5º ao artigo 57, pela Lei nº 9.032, de 18 de abril de 1995, expressamente permitia apenas a conversão do tempo especial em comum, vedando a conversão de tempo comum para especial.
Veio a Medida Provisória 1.663-10, de 28 de maio de 1998, e revogou expressamente o § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, daí que não mais se admitia a conversão de atividade especial para comum. Também assim as Medidas Provisórias 1.663-11 e 1.663-12, mantendo a revogação e nada mais.
Outro rumo deu-se com a edição da Medida Provisória 1.663-13, de 26 de agosto de 1998, que, a par de nela ainda constar a revogação expressa do § 5º do artigo 57 (art. 31), trouxe nova disposição em seu artigo 28, no sentido de que o Poder Executivo estabeleceria critérios para a conversão do tempo de trabalho exercido até 28 de maio de 1998.
Tais critérios surgiram com o Decreto nº 2.782, de 14 de setembro de 1998, que nada mais fez senão permitir que fosse convertido em comum o tempo de trabalho especial exercido até 28 de maio de 1998, porém, desde que o segurado tivesse completado, até aquela data, pelo menos vinte por cento do tempo necessário para a obtenção da aposentadoria especial.
A MP 1.663-14, de 24 de setembro de 1998, manteve a redação do artigo 28, vindo, em 20 de novembro de 1998, a edição da Lei nº 9.711/98, que convalidou os atos praticados com base na Medida Provisória nº 1.663-14, de 24 de setembro de 1998. A Lei nº 9.718 também trouxe o texto do artigo 28, mas não revogou expressamente o parágrafo 5º do artigo 57 da lei nº 8.213/91.
Questão que surgiu, então, dizia respeito à manutenção ou não do parágrafo 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, porquanto não revogado categoricamente. Vale dizer, pretendia-se fazer uso da conversão do tempo especial em comum sem o limite determinado pela legislação, isto é, possível a conversão sem restrições, de modo a que o tempo de trabalho especial exercido após 28 de maio de 1998 também pudesse ser convertido em comum.
O Superior Tribunal de Justiça chegou a decidir a questão a favor do INSS. A propósito, ementa de acórdão da lavra da Ministra Laurita Vaz:
Não lograra êxito a tese de que o § 1º do artigo 201 da Constituição da República, com a redação dada pela EC nº 20/98, ao ressalvar a adoção de requisitos e critérios diferenciados para as atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, daria azo para que se entendesse que não somente o trabalho prestado até 28 de maio de 1998 pudesse ser convertido em comum.
Ganhara corpo o entendimento de que o teor do § 1º do artigo 201 não tem o poder de manter vigorante o § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91. A Lei nº 9.711/98, quando convalidou a MP 1.663-14, que revogara o § 5º do artigo 57, teria acabado mesmo por revogar a regra que autorizava a conversão do tempo sem limitação temporal; ainda, nítida a oposição entre normas de igual hierarquia, o artigo 28 da Lei nº 9.711/98 e o § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, daí que a norma posterior teria derrogado a anterior.
Não obstante, considerei outros elementos, sem confrontar o posicionamento firmado pelo Tribunal Superior.
Firmei meu juízo a partir da redação do § 1º do artigo 201: "É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar". Mais propriamente pela parte final do dispositivo, "nos termos definidos em lei complementar".
A Emenda Constitucional 20/98 dispôs em seu artigo 15: "Até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, permanece em vigor o disposto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213/91, de 24 de julho de 1991, na redação vigente à data da publicação desta Emenda".
Há, ao que se vê, manifesta primazia dada pelo legislador constitucional aos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 e abandono da limitação imposta pelo artigo 28 da Lei nº 9.718/98. Sublinhe-se, escolha feita posteriormente à edição da Lei nº 9.711, esta de 20 de novembro de 1998, porquanto a Emenda Constitucional 20 data de 15 de dezembro de 1998.
O que significa que o regramento para a conversão do tempo especial em comum está nos artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios, se, até o momento, não houve a edição da necessária lei complementar.
A confirmar que assim deve ser concorrem o Decreto nº 4.827, de 3 de setembro de 2003, e a Instrução Normativa INSS/PRES nº 20, de 10 de outubro de 2007.
O artigo 1º do Decreto nº 4.827/2003 deu nova redação ao artigo 70 do Regulamento da Previdência Social. Antes, o caput do artigo 70 vedava expressamente a conversão de tempo de atividades sob condições especiais em tempo de atividade comum, com a ressalva do tempo trabalhado até 28 de maio de 1998. Com o Decreto 4.827 o artigo 70 passou a ter a seguinte redação:
Desaparece a vedação dando margem à conversão do tempo especial em comum, aplicando-se as regras de conversão ao trabalho prestado em qualquer período.
Não é outra a direção dada pela Instrução Normativa INSS/PRES nº 20, de 10 de outubro de 2007, ao estabelecer critérios a serem adotados pela área de Benefícios. Seu teor:
É de se notar sua necessária correlação com o Decreto 4.827/2003, também no sentido de ajustar-se à conversão sem limitação temporal. Vale destacar as expressões "conforme a legislação vigente à época da prestação do serviço" e "qualquer que seja o período trabalhado".
Resumindo: possibilidade da conversão do tempo especial em comum, sem a limitação temporal prevista no artigo 28 da Lei n° 9.711/98, ante o disposto no artigo 15, da EC 20/98, que determinou a adoção da disciplina prevista nos artigos 57 e 58, da Lei nº 8.213/91, até a edição de lei complementar.
Por fim, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recurso especial representativo de controvérsia (recurso repetitivo), nos termos do artigo 543-C, §1º, do Código de Processo Civil, em 23.03.2011, decidiu a questão.
Assentou, por unanimidade, a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois, a partir da última edição da MP n° 1.663, parcialmente convertida na Lei n° 9.711/98, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido §5° do art. 57 da Lei n° 8.213/91.
Segue a ementa:
Pacificada, portanto, a matéria.
FATOR DE CONVERSÃO
No tocante ao coeficiente de conversão, mister tecer algumas considerações.
Alega o INSS que, na hipótese de conversão da atividade especial em labor comum, o fator a ser utilizado corresponde a 1,20, e não 1,40.
De fato, dispunha o Decreto n. º 83.080/79, com a redação dada pelo Decreto n.º 87.374, de 08/07/82, que, para converter atividade de 25 anos para 30 anos, seria utilizado o fator de 1,20. No entanto, na tabela do artigo 60 do aludido regulamento, não constava a hipótese de conversão de 25 anos para 35 anos. Assim, o INSS utilizava, para o homem, o mesmo fator utilizado na conversão para a aposentadoria da mulher.
Por meio do Parecer CJ/MPAS 021/83 (Proc. MPAS nº 32.761/82, in DOU de 16.6.83), agregou-se, à tabela do Decreto 87.374/82, uma 4ª coluna, para a conversão referente à aposentadoria aos trinta e cinco anos.
Confira-se o teor do pronunciamento da Secretaria de Previdência Social nos autos do procedimento MPAS nº 32.761/82, também adotado no parecer da Consultoria Jurídica da Previdência Social nº 021/83, ao deliberar acerca da aplicação do artigo 9º, §4º, da Lei 5.890/73, acrescido pela Lei nº 6.887/80, regulamentada pelo §2º do artigo 60 do Decreto 83.080/79, por sua vez acrescido pelo Decreto nº 87.374/82:
Referido parecer da Consultoria Jurídica da Previdência Social, secundando o pronunciamento da Secretaria da Previdência Social - SPS nos autos do procedimento MPAS nº 32761/82, esclareceu que, na hipótese de existência de tempo de serviço especial e comum, há de ser adotado o critério de maior tempo de permanência do segurado na atividade para a definição do tipo de aposentadoria a que faria jus: se especial ou comum por tempo de serviço.
A orientação sobre a matéria, nos termos dos pronunciamentos da SPS e da Consultoria Jurídica, foi no sentido de que, em se tratando de conversão de tempo de serviço averbado por segurado do sexo masculino, na forma do artigo 203 do regulamento da previdência social (Decreto nº 83.080/79), a transformação dos lapsos é feita em virtude do tempo de serviço máximo exigido para a aposentadoria - no caso, 35 anos -, fazendo acrescer uma 4ª coluna no §2º do artigo 60 do Decreto nº 83.080/79, por meio do Decreto 87.374/82, dada a ausência de previsão para conversão com esse tempo máximo de atividade (35 anos), limitando-se tal tabela à aposentadoria com 30 anos de tempo de serviço.
Trago decisum do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
Nesse sentido, também já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
Desse modo, o fator de conversão a ser utilizado é o de 1,40.
O CASO
Os períodos de 15/06/1981 a 05/06/1982, 05/07/1982 a 30/08/1982 e de 04/10/1982 a 12/07/1983, já foram reconhecidos administrativamente, conforme se verifica no documento de fls. 390/391.
A controvérsia diz respeito ao reconhecimento da especialidade das atividades desenvolvidas nos seguintes períodos:
- de 12/11/1975 a 11/04/1978, laborado na empresa Figueiredo Indústria e Comércio S/A, nas funções de escolhedor (12/11/1975 a 31/05/1976) e carregador (1º/06/1976 a 11/04/1978). De acordo com formulários e laudos técnicos de fls. 132/138, o autor estava exposto de maneira habitual a ruídos de 82 dB (A) e de 92 dB(A).
- de 20/04/1978 a 31/03/1981, laborado na empresa Goodyear do Brasil - Produtos de Borracha Ltda., nas funções de tarefeiro na fábrica de borracha (20/04/1978 a 31/05/1979), de ajudante de produção (1º/06/1979 a 25/07/1979) e de ajudante de vulcanização de mangueiras em Mandril (26/07/1979 a 31/03/1981). De acordo com formulários e laudo técnico de fls. 139/141, o autor estava exposto de maneira habitual e permanente a ruído de 84 dB(A).
- de 30/08/1983 a 21/10/1987, laborado na empresa Ford Brasil Ltda., nas funções de manipulador de equipamentos e materiais (30/08/1983 a 31/12/1983 e de 1º/01/1984 a 31/12/1984), de calefador (1º/01/1985 a 30/09/1986) e de preparador de carrocerias (1º/10/1986 a 21/10/1987). De acordo com formulários e laudos técnicos de fls. 142/146, o autor estava exposto de maneira habitual e permanente a ruídos de 91 dB(A) e 84 dB(A).
- de 05/04/1988 a 09/03/1998, laborado na empresa Ford do Brasil Ltda, nas funções de preparador de carrocerias (05/04/1988 a 30/09/1992), de carpinteiro (1º/10/1992 a 31/03/1995) e de prensista (1º/04/1995 a 09/03/1995). De acordo com formulários e laudos técnicos de fls. 145/150, o autor estava exposto de maneira habitual e permanente a ruídos de 84 dB (A), 81 dB(A) e 91 dB(A).
Cabe, por conseguinte, o enquadramento das atividades desenvolvidas no período de 12/11/1975 a 11/04/1978, 20/04/1978 a 31/03/1981, 30/08/1983 a 21/10/1987 e 05/04/1988 a 09/03/1998, já que demonstrada a exposição do autor ao agente nocivo ruído, em níveis superiores aos admitidos pelos Decretos 53.831/64, código 1.1.6, 83.080/79, código 1.1.5, e 2.172/97, código 2.0.1, contemporâneos aos fatos.
Assim, os períodos laborados em condições especiais totalizam, já acrescidos do percentual de 40%, 27 anos, 02 meses e 04 dias.
Adicionando-se à atividade rural e especial, ora reconhecidas, o período reconhecido na esfera administrativa, o autor perfaz 35 anos, 03 meses e 21 dias, até a data do requerimento administrativo (02/04/1998), tempo suficiente à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço integral.
O termo inicial do benefício previdenciário deve ser mantido na data do requerimento administrativo (02/04/1998), ocasião em que a autarquia tomou conhecimento da pretensão.
Não há que se falar em prescrição quinquenal, ante a comprovada interposição de recurso administrativo.
A correção monetária das parcelas vencidas se dará nos termos da legislação previdenciária, bem como da Resolução nº 134, de 21 de dezembro de 2010, do Conselho da Justiça Federal, que aprovou o Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal.
Os juros de mora devidos à razão de 6% (seis por cento) ao ano, contados a partir da citação, nos termos do artigo 219 do Código de Processo Civil. A partir da vigência do novo Código Civil, Lei nº 10.406/2002, deverão ser computados nos termos do artigo 406 deste diploma, em 1% (um por cento) ao mês, nesse caso até 30/06/2009. A partir de 1º de julho de 2009, incidirão, uma única vez, até a conta final que servir de base para a expedição do precatório, para fins de atualização monetária e juros, os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009.
Com relação aos honorários de advogado, reduzo-os para 10% sobre o valor da condenação, consoante o disposto no artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do autor para afastar a incidência da prescrição quinquenal, bem como dou parcial provimento à remessa oficial e à apelação da autarquia para modificar os critérios de incidência da correção monetária e dos juros moratórios e para reduzir os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação supra.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
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