Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5237116-24.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
05/08/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 07/08/2020
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO. MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. PEDIDO IMPROCEDENTE.
TUTELA DE URGÊNCIA REVOGADA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- O impedimento de longo prazo para a vida independente e para o trabalho ficou comprovado
pela perícia judicial.
III- No tocante ao requisito da hipossuficiência, o conjunto probatório dos autos não se mostrou
robusto o suficiente para caracterizar a situação alegada. O autor de 9 anos vive com a irmã de
11 anos, o tio de 25 anos, e os avós maternos e detentores de sua guarda, vez que o pai está
preso e a genitora mora em outra cidade. A genitora faz visitas regulares. A casa em que vivem é
própria, quitada, constituída de 3 dormitórios, sala, cozinha, banheiro e varanda, piso cerâmico
em todos os cômodos, não forrada, guarnecida por móveis e eletrodomésticos, dentre outros, 2
TVs (uma na sala de tubo 29 polegadas e outra no quarto do casal tela plana de 17 polegadas), 1
antena parabólica sem assinatura, micro-ondas, máquina de lavar, tanquinho e 3 aparelhos de
celular. A renda mensal do núcleo familiar totaliza R$ 3.298,00, sendo R$ 2.300,00 da
remuneração recebida pelo avô Nilmar e R$ 998,00 do benefício assistencial à pessoa com
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
deficiência recebido pelo tio Guilherme. As despesas mensais totalizam R$ 1.297,85, sendo R$
700,00 em alimentação /higiene /limpeza, R$ 177,62 em energia elétrica, R$ 80,23 em
água/esgoto, R$ 60,00 em gás, R$ 200,00 em medicamentos e R$ 80,00 em internet. Verifica-se
que as necessidades do autor estão sendo devidamente supridas, pois os gastos mensais nem
chegam à metade da renda da família.Ademais, as fotografias da fachada e interior da casa,
anexadas ao laudo social, revelam um lar agradável e com boa infraestrutura, não condizente
com a situação de miserabilidade alegada.
IV- Há que se observar que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público possui caráter
subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou por meio da
família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como complementação de renda.
V- Não preenchidos os requisitos necessários, de forma cumulativa, para a concessão do
benefício previsto no art. 203 da Constituição Federal, consoante dispõe a Lei n.º 8.742/93,
impõe-se o indeferimento do pedido.
VI- Apelação do INSS provida. Pedido improcedente. Tutela de urgência revogada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5237116-24.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: A. J. M. D. S.
Advogado do(a) APELADO: JANAINA MARTINS ALCAZAS - SP264819-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5237116-24.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: A. J. M. D. S.
Advogado do(a) APELADO: JANAINA MARTINS ALCAZAS - SP264819-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em 2/7/18 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à
concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o
fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família. Pleiteia que o termo inicial seja fixado na data do
indeferimento do requerimento administrativo, bem como a tutela de urgência.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, e indeferida a
antecipação dos efeitos da tutela.
O Juízo a quo, em 10/2/20, julgou procedente o pedido, concedendo o benefício requerido, no
valor de um salário mínimo mensal, a partir da data do requerimento administrativo (10/5/17).
Determinou o pagamento dos valores atrasados, acrescidos de correção monetária a partir do
vencimento de cada parcela, pelo IPCA-E, e juros moratórios a contar da citação, de acordo com
os índices previstos no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09.
Os honorários advocatícios foram arbitrados em 10% sobre o valor das prestações vencidas até a
data da sentença (Súmula nº 111 do C. STJ). Sem custas. Deferiu a antecipação dos efeitos da
tutela.
Inconformada, apelou a autarquia, sustentando em síntese:
- a necessidade de suspensão do cumprimento da decisão, no tocante à tutela e
- não haver sido comprovado o requisito da miserabilidade, tendo em vista que o avô do autor
encontra-se empregado, auferindo remuneração de R$ 2.591,00; a genitora do autor possuía
emprego até setembro/19, conforme dados do CNIS, com salário mensal de R$ 1.281,07,
constando do laudo social que consegue visitar o filho regularmente (vive em outra cidade), o que
não seria possível caso não possuísse renda; o padrão de vida da família ser elevado, possuindo
micro-ondas, máquina de lavar e internet.
- Requer a reforma da R. sentença para julgar improcedente o pedido. Caso não seja este
entendimento, pleiteia a alteração do termo inicial para a data da citação. Por fim, argui o
prequestionamento da matéria para fins de interposição de recursos aos tribunais superiores.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 269/272 (id. 132173499 – págs. 1/4), opinando pelo
provimento do recurso do INSS, com a reforma da R. sentença e a improcedência do pedido do
autor.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5237116-24.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: A. J. M. D. S.
Advogado do(a) APELADO: JANAINA MARTINS ALCAZAS - SP264819-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, para a comprovação da alegada deficiência, foi realizada perícia em 3/6/19, tendo sido
elaborado o respectivo parecer técnico pelo Perito e juntado a fls. 144/148 (id. 130815718 – págs.
1/5). Afirmou o esculápio encarregado do exame, que o autor de 9 anos possui pai vivo (28 anos,
vendedor ambulante de ovos e encontra-se preso) e mãe (27 anos, ajudante geral de restaurante
e desempregada), tem uma irmã de 11 anos e mora com os avós maternos. É portador de
desenvolvimento mental incompleto, desenvolvimento mental retardado compatível com retardo
mental moderado (CID10 F71), e, ainda, apresenta epilepsia (CID10 G40.3). Enfatizou que
"embora tenha prognóstico de recuperação reservado pelos conhecimentos atuais da medicina,
não opinamos pela interdição do examinando enquanto não atingir a maioridade" (fls. 146 – id.
130815718 – pág. 3). Em laudo complementar datado de 21/1/20, acostado a fls. 193 (id.
130815748 – pág. 1), esclareceu o expert que "pelo critério biológico o examinando encontra-se
incapacitado para o trabalho e demais atos da vida civil. Pelo critério biopsicológico persisite a
incapacidade acima apontada. Sugerimos que seja integrado em programas para deficientes
onde poderia estar sendo partícipe dos programas de inclusão no trabalho que existem para
indivíduos portadores de deficiência quando atingem a idade legal". Assim, encontra-se
comprovado o impedimento de longo prazo para a vida independente e para o trabalho.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 26/10/19, data em que
o salário mínimo era de R$ 998,00) demonstra que o autor de 9 anos frequentador da APAE,
reside com os avós Sebastiana Martins Moreira Ferreira de 48 anos, e Nilmar Ferreira Rocha, de
53 anos, a irmã Ismarem de 11 anos e o tio Guilherme Martins Ferreira de 25 anos, em imóvel
próprio e quitado. Segundo Sebastiana relatou à assistente social, o casal detém a guarda do
autor há mais de seis anos, sendo que o pai está preso e a filha Jaqueline vive em São José do
Rio Preto/SP e os encontra regularmente, estando no momento da visita. A casa em que vivem é
constituída de 3 dormitórios, sala, cozinha, banheiro e varanda, piso cerâmico em todos os
cômodos, não forrada, guarnecida por móveis e eletrodomésticos, dentre outros, 2 TVs (uma na
sala de tubo 29 polegadas e outra no quarto do casal tela plana de 17 polegadas), 1 antena
parabólica sem assinatura, micro-ondas, máquina de lavar, tanquinho e 3 aparelhos de celular. A
renda mensal do núcleo familiar totaliza R$ 3.298,00, sendo R$ 2.300,00 da remuneração
recebida pelo avô Nilmar e R$ 998,00 do benefício assistencial à pessoa com deficiência recebido
pelo tio Guilherme. As despesas mensais totalizam R$ 1.297,85, sendo R$ 700,00 em
alimentação /higiene /limpeza, R$ 177,62 em energia elétrica, R$ 80,23 em água/esgoto, R$
60,00 em gás, R$ 200,00 em medicamentos e R$ 80,00 em internet. Verifica-se que as
necessidades do autor estão sendo devidamente supridas, pois os gastos mensais nem chegam
à metade da renda da família.
Ademais, as fotografias da fachada e interior da casa, anexadas ao laudo social a fls. 180/183 (id.
130815739 – págs. 9/12), revelam um lar agradável e com boa infraestrutura, não condizente com
a situação de miserabilidade alegada.
Dessa forma, o conjunto probatório dos autos não se mostrou robusto o suficiente para
caracterizar a situação de hipossuficiência do núcleo familiar.
Por derradeiro, há que se observar que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público
possui caráter subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou
por meio da família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como
complementação de renda.
Tendo em vista a improcedência do pedido formulado na exordial, revogo a tutela de urgência
concedida em sentença.
Arbitro os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade ficará
suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC, por ser a parte autora beneficiária da justiça
gratuita.
Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido,
revogando-se a tutela de urgência concedida anteriormente.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO. MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. PEDIDO IMPROCEDENTE.
TUTELA DE URGÊNCIA REVOGADA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- O impedimento de longo prazo para a vida independente e para o trabalho ficou comprovado
pela perícia judicial.
III- No tocante ao requisito da hipossuficiência, o conjunto probatório dos autos não se mostrou
robusto o suficiente para caracterizar a situação alegada. O autor de 9 anos vive com a irmã de
11 anos, o tio de 25 anos, e os avós maternos e detentores de sua guarda, vez que o pai está
preso e a genitora mora em outra cidade. A genitora faz visitas regulares. A casa em que vivem é
própria, quitada, constituída de 3 dormitórios, sala, cozinha, banheiro e varanda, piso cerâmico
em todos os cômodos, não forrada, guarnecida por móveis e eletrodomésticos, dentre outros, 2
TVs (uma na sala de tubo 29 polegadas e outra no quarto do casal tela plana de 17 polegadas), 1
antena parabólica sem assinatura, micro-ondas, máquina de lavar, tanquinho e 3 aparelhos de
celular. A renda mensal do núcleo familiar totaliza R$ 3.298,00, sendo R$ 2.300,00 da
remuneração recebida pelo avô Nilmar e R$ 998,00 do benefício assistencial à pessoa com
deficiência recebido pelo tio Guilherme. As despesas mensais totalizam R$ 1.297,85, sendo R$
700,00 em alimentação /higiene /limpeza, R$ 177,62 em energia elétrica, R$ 80,23 em
água/esgoto, R$ 60,00 em gás, R$ 200,00 em medicamentos e R$ 80,00 em internet. Verifica-se
que as necessidades do autor estão sendo devidamente supridas, pois os gastos mensais nem
chegam à metade da renda da família.Ademais, as fotografias da fachada e interior da casa,
anexadas ao laudo social, revelam um lar agradável e com boa infraestrutura, não condizente
com a situação de miserabilidade alegada.
IV- Há que se observar que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público possui caráter
subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou por meio da
família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como complementação de renda.
V- Não preenchidos os requisitos necessários, de forma cumulativa, para a concessão do
benefício previsto no art. 203 da Constituição Federal, consoante dispõe a Lei n.º 8.742/93,
impõe-se o indeferimento do pedido.
VI- Apelação do INSS provida. Pedido improcedente. Tutela de urgência revogada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido,
revogando-se a tutela de urgência concedida anteriormente, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA