D.E. Publicado em 06/03/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA OFICIAL, RESTANDO PREJUDICADA A APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, cassando a tutela antecipada deferida anteriormente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0003020-57.2007.4.03.6103/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta por ANISIA MARIA DA SILVA DIAS, incapaz, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, em que se objetiva a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203 da Constituição Federal e artigo 20 da Lei 8.742/1993 (Loas).
Contestação às fls. 51/54.
Estudo Social às fls. 63/72.
Perícia Judicial às fls. 75/77.
A tutela antecipada foi concedida à fl. 78.
O pedido foi julgado procedente, condenando-se o INSS a conceder o benefício assistencial a partir da data da citação, corrigido monetariamente, bem como a arcar com honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação até a data da sentença, observada a Súmula 111 do STJ (fls. 140/152).
Sentença submetida ao reexame necessário.
A parte autora interpôs apelação, pleiteando que a data do início do benefício seja fixada em 11.01.2005, na data do requerimento administrativo ou, alternativamente, em 26.09.2006, data da interdição judicial (fls. 155/158).
O INSS também interpôs apelação alegando que não foram preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício (fls. 161/162).
Com contrarrazões da parte autora, os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da remessa oficial e das apelações (fls. 173/190).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): O benefício assistencial de prestação continuada (ou amparo social) deve ser prestado a quem dele necessitar, independentemente do prévio recolhimento de contribuições. Encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.213/1991.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts. 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.742/1993:
Em relação ao idoso, cumpre registrar que, originariamente, a idade mínima para a concessão do benefício era de 70 (setenta) anos, sendo depois estabelecida uma regra de transição (art. 38 do mesmo estatuto lega)l, pela qual o critério etário deveria ser reduzido gradativamente, passando a 67 (sessenta e sete) anos após 24 (vinte e quatro) meses e 65 (sessenta e cinco) anos após 48 (quarenta e oito) meses, respectivamente. Contudo, a Lei 9.720/1998, objeto de conversão da Medida Provisória 1599-51/1998, fixou a idade limite em 67 (sessenta e sete) anos a partir de 1º de janeiro de 1998.
Com o advento do Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003), acabou-se por fixar a idade de 65 (sessenta e cinco) anos como critério etário mínimo para a percepção do benefício assistencial:
Finalmente, a Lei 12.435/2011 promoveu a atualização do art. 20 da Lei 8.742/1993, prevendo a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, e, de outro lado, revogou o art. 38, na redação dada pela Lei 9.720/1998.
Assim, a pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, a partir do início da vigência do Estatuto do Idoso, desde que exposta à situação de hipossuficiência material, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial de prestação continuada.
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei 12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula n. 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011 abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011, considera de longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão, pela Lei 13.146/2015, do § 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a existir previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Cumpre, então, examinar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício pleiteado no caso vertente.
Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte-autora implica a existência de impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência para os efeitos legais.
No tocante à demonstração da miserabilidade, o "Estudo Social" produzido indica que o núcleo familiar é integrado apenas pela parte postulante e quatro filhos. À época (05/2008) foi informado que a renda mensal consistia em R$ 500,00, proveniente do salário do filho Djalma, bem como de R$ 480,00 do salário da filha Luciana. Consta, ainda, que que o imóvel é próprio e se encontra localizado na zona rural. As despesas básicas mensais declaradas somavam R$ 692,00.
Entretanto, em consulta ao CNINS/PLENUS, na data de hoje constatou-se o seguinte:
1. Quando da realização do Estudo Social, em 05/2008, o filho Djalma recebia R$ 739,77 e a filha Luciana recebia R$ 481,78, totalizando, assim, R$ 1.221,55 e renda per capita de R$ 244,31, ocasião em que o salário mínimo era de R$ 415,00.
2. Em 07/2009 a filha Luciana recebia R$ 763,31 e a filha Adriana recebia R$ 480,41, totalizando, assim, R$ 1.243,72 e renda per capita de R$ 248,74, ocasião em que o salário mínimo era de R$ 465,00.
3. Em 08/2010 o filho Djalma recebia R$ 794,78 e a filha Luciana recebia R$ 547,45, totalizando, assim, R$ 1.342,23 e renda per capita de R$ 268,44, ocasião em que o salário mínimo era de R$ 510,00.
4. Em 08/2011 o filho Djalma recebia R$ 1.001,53 e a filha Adriana recebia R$ 938,41, totalizando, assim, R$ 1.939,94 e renda per capita de R$ 387,98, ocasião em que o salário mínimo era de R$ 545,00.
5. Em 08/2012 o filho Djalma recebia R$ 803,35, o filho Ramon recebia R$ 780,00 e a filha Adriana recebia R$ 1.270,57, totalizando, assim, R$ 2.853,92 e renda per capita de R$ 570,78, ocasião em que o salário mínimo era de R$ 622,00.
6. Em 08/2013 o filho Djalma recebia R$ 1.070,50, o filho Ramon recebia R$ 478,48 e a filha Adriana recebia R$ 1.391,43, totalizando, assim, R$ 3.040,41 e renda per capita de R$ 608,08, ocasião em que o salário mínimo era de R$ 678,00.
7. Em 08/2014 o filho Djalma recebia R$ 1.248,46, o filho Ramon recebia R$ 1.302,61 e a filha Adriana recebia R$ 1.339,07, totalizando, assim, R$ 3.890,14 e renda per capita de R$ 778,02, ocasião em que o salário mínimo era de R$ 724,00.
8. Em 08/2015 o filho Djalma recebia R$ 1.375,72 e a filha Adriana recebia R$ 1.510,40, totalizando, assim, R$ 2.886,12 e renda per capita de R$ 577,72, ocasião em que o salário mínimo era de R$ 788,00.
9. Finalmente, em 08/2016 o filho Djalma recebia R$ 1533,55, a filha Luciana recebia R$ 639,34 e a filha Adriana recebia R$ 2.004,27, totalizando, assim, R$ 4.177,16 e renda per capita de R$ 835,43, ocasião em que o salário mínimo era de R$ 880,00.
Assim, conquanto a economia doméstica não seja de fartura, a renda auferida durante todo o período se mostrava adequada ao suprimento das necessidades essenciais do núcleo familiar, mesmo havendo uma rotatividade na renda dos filhos.
Ademais, segundo o artigo 229 da Constituição Federal de 1988, "os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade".
Anote-se que o direito ao benefício assistencial de prestação continuada está atrelado à situação de sensível carência material enfrentada pelo postulante, não bastando para a sua concessão a alegação de meras dificuldades financeiras, sob pena de desnaturar o objetivo almejado pelo Constituinte, isto é, dar amparo ao deficiente e ao idoso inseridos em contextos de manifesta privação de recursos, e banalizar a utilização do instituto, sobrecarregando, desse modo, o combalido orçamento da Seguridade Social.
Assim, no caso em apreço, não restaram satisfeitos todos os requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada contemplado no art. 203, V, do Texto Constitucional, e art. 20, caput, da Lei 8.742/1993.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA OFICIAL, RESTANDO PREJUDICADA A APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, cassando a tutela antecipada deferida anteriormente.
Honorários advocatícios pela parte autora, fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a condição de beneficiário da Justiça Gratuita, se o caso (Lei 1.060/50 e Lei 13.105/15).
É o voto.
NELSON PORFIRIO
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR:10077 |
Nº de Série do Certificado: | 066427B876468A04 |
Data e Hora: | 21/02/2017 17:42:06 |