D.E. Publicado em 20/09/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, fixando, de ofício, os consectários legais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0028224-11.2014.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta por MARIA ALICE BARBOSA FERREIRA, portuguesa, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, em que se objetiva a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203 da Constituição Federal e artigo 20 da Lei 8.742/1993 (Loas).
Tutela antecipada concedida às fls. 64/65.
Contestação às fls. 70/85.
O pedido foi julgado procedente, condenando-se o INSS a conceder o benefício assistencial a partir da data do requerimento administrativo, corrigido monetariamente, bem como a arcar com honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação até a data da sentença. Houve condenação em custas e despesas processuais (fls. 92/95).
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
O INSS interpôs apelação, ao argumento de impossibilidade de concessão do benefício assistencial a estrangeiros, bem como, em relação aos consectários legais (fls. 100/110).
Com as contrarrazões os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento parcial da apelação apenas quanto aos juros de mora (fls. 130/132).
O então relator, monocraticamente, em 02.02.2015, anulou, de ofício, a r. sentença, restituindo os autos à Vara de origem para que fosse realizado o estudo social, com o regular prosseguimento do feito, restando prejudicada a análise da apelação.
Com a baixa dos autos o Estudo Social foi realizado e juntado às fls. 156/186.
O pedido foi julgado procedente, condenando-se o INSS a conceder o benefício assistencial a partir da data do requerimento administrativo, corrigido monetariamente, bem como a arcar com honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos da Súmula 111 do c. STJ. Não houve condenação em custas (fls. 169/175).
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
O INSS interpôs apelação, ao argumento de não restar preenchido o requisito da hipossuficiência econômica (fls. 183/184).
Sem as contrarrazões os autos subiram, novamente, a esta Corte em 13.06.2018.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação (fls. 195/203).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Assinale-se que o benefício aqui postulado é de natureza assistencial e deve ser prestado a quem dele necessitar, independentemente do recolhimento de contribuições.
O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
Por outro lado, o art. 5º da CF/88 não faz qualquer distinção entre brasileiros, natos ou naturalizados e os estrangeiros:
Dessa forma, não obstante o Decreto 6.214/2007 restringir o benefício assistencial "ao brasileiro, naturalizado ou nato, que comprove domicílio e residência no Brasil e atenda a todos os demais critérios estabelecidos neste Regulamento" este não pode se sobrepor ao disposto na Carta Magna. Nesse sentido entendimento desta Corte:
Ressalte-se, outrossim, que o C. Supremo Tribunal Federal, na Sessão de Julgamentos de 20/04/2017 (Ata de julgamento nº 12, de 20/04/2017, publicada no DJE nº 88 e divulgada em 27/04/2017), ao decidir o RE nº 587.970/SP, fixou a seguinte tese:
Com efeito, diante deste entendimento, resta prejudicado o pedido do Ministério Público Federal quanto à naturalização da parte autora.
Até a regulamentação do dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.231/1991.
A renda mensal vitalícia em referência foi extinta pelo art. 40 da Lei 8.742/1993, sendo estabelecido em seu lugar o benefício assistencial de prestação continuada previsto no art. 20 do mesmo diploma legal.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts. 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.231/1991:
Em relação ao idoso, cumpre registrar que originariamente o dispositivo em análise estabelecia a idade mínima de 70 (setenta) anos como requisito para a obtenção do benefício, sendo estabelecida, ao mesmo tempo, regra de transição no art. 38 do mesmo estatuto legal, pela qual o critério etário deveria ser reduzido gradativamente, passando a 67 (sessenta e sete) anos contados 24 (vinte e quatro) meses e 65 (sessenta e cinco) anos em 48 (quarenta e oito) meses, respectivamente. Contudo, a Lei 9.720/1998, objeto de conversão da Medida Provisória 1599-50/1998, fixou a idade limite em 67 (sessenta e sete) anos a partir de 1º de janeiro de 1998.
Com o advento do Estatuto do Idoso, mediante a edição da Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003, acabou-se por eleger a idade de 65 (sessenta e cinco) anos como critério etário para a percepção do benefício assistencial, nos seguintes termos:
Finalmente, a Lei 12.435/2011 promoveu a atualização do art. 20 da Lei 8.742/1993, prevendo a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, e, de outro lado, revogou o art. 38, na redação dada pela Lei 9.720/1998.
Assim, a pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, a partir do início da vigência do Estatuto do Idoso, desde que exposta à situação de hipossuficiência material, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial de prestação continuada.
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei 12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011 abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011, considera por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão pela Lei 13.146/2015 do § 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a constar previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Cumpre, então, examinar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício pleiteado no caso vertente.
A parte autora contava com a idade de 86 anos quando do ajuizamento da ação (cf. doc. de fl. 26), preenchendo assim o requisito etário legal.
No tocante à demonstração da miserabilidade, à época do ajuizamento da ação (09/2012) foi informado que residia sozinha em um chalé alugado por dois familiares distantes. Posteriormente, o Estudo Social produzido em 08/2016 indicou que a autora mudou-se para uma quitinete com banheiro externo, mantendo-se com o benefício assistencial recebido por meio de tutela antecipada nos presentes autos. A autora, então com 90 anos, informou, inicialmente, que o aluguel, era de R$ 250,00 mensais e que as 3 filhas depositavam, cada uma, o valor de R$ 250,00 na conta da proprietária do imóvel para seu pagamento. Posteriormente, na petição de fls. 162/166, o patrono da autora esclareceu que, devido à avançada idade, a autora confunde as informações, sendo que o correto é que as filhas revezam no pagamento do aluguel de R$ 250,00.
Assim, considerando a renda indicada e as condições informadas, tem-se que deve ser reconhecida a presunção de hipossuficiência, nos termos do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993.
Ressalte-se, por oportuno, que não obstante o artigo 229 da Constituição Federal de 1988, "os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade", no caso dos autos não se vislumbra comprovação de que os filhos possuem situação financeira suficiente para ampará-la mais do que o fazem.
De fato, como salientado pelo INSS, a autora também informou que tem uma filha que mora no Canadá. Entretanto, caberia à autarquia trazer aos autos documentação apta a comprovar que a mesma possui possibilidade de ajudar a mãe financeiramente, o que não o fez.
Com relação à alegação de caberia ao Ministério Público investigar suposto abandono de idoso, há que se esclarecer que a Procuradoria Regional da República teve vista dos autos - inclusive em relação à apelação autárquica, razão pela qual nada há a providenciar por este relator.
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, fixando, de ofício, os consectários legais na forma acima explicitada.
É como voto.
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 11/09/2018 18:26:59 |