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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. MISERABILIDADE CONFIGURADA. CONCESSÃO. TRF3. 5249733-16.2020.4.03.9999...

Data da publicação: 01/08/2020, 09:55:46

E M E N T A PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. MISERABILIDADE CONFIGURADA. CONCESSÃO. - São condições para a concessão do benefício da assistência social: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. - Presentes os requisitos exigidos no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, é devido o benefício. - Apelação provida. (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5249733-16.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO, julgado em 23/07/2020, Intimação via sistema DATA: 24/07/2020)



Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP

5249733-16.2020.4.03.9999

Relator(a)

Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO

Órgão Julgador
9ª Turma

Data do Julgamento
23/07/2020

Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 24/07/2020

Ementa


E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. MISERABILIDADE CONFIGURADA.
CONCESSÃO.
- São condições para a concessão do benefício da assistência social: ser o postulante portador de
deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Presentes os requisitos exigidos no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, é devido o benefício.
- Apelação provida.

Acórdao



APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5249733-16.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOSUE MISSAO DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: REGINA CELIA MACHADO - SP339769-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos



OUTROS PARTICIPANTES:






APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5249733-16.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOSUE MISSAO DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: REGINA CELIA MACHADO - SP339769-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:





R E L A T Ó R I O

Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente
pedido de concessão de benefício assistencial.
Em suas razões, alega, em síntese, preencher os requisitos para receber o benefício assistencial
. Pede a antecipação da tutela provisória.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recuso.
É o relatório.













APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5249733-16.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOSUE MISSAO DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: REGINA CELIA MACHADO - SP339769-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS


OUTROS PARTICIPANTES:





V O T O

Conheço do recurso em razão da satisfação de seus requisitos.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei conferiu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal ao estabelecer, no
citado artigo, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a situação de
miserabilidade ou hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.

DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE

A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, na qual,
em meio à análise de outros temas, decidiu-se que o benefício de que trata o art. 203, inciso V,
da Constituição Federal pode ser exigido somente a partir da edição da Lei n. 8.742/1993.
Trata-se da ADIN n. 1.232-2, de 27/08/1998, publicada no DJU de 01/06/2001, de relatoria do
Ministro Maurício Correa (RTJ 154/818), na qual o Supremo Tribunal Federal reputou
constitucional a restrição contida no § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993.
Posteriormente, em controle difuso de constitucionalidade, o STF manteve aquele entendimento
(vide RE n. 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Informativo STF n. 179; RE 256.594-6, Rel. Min.
Ilmar Galvão, DJ 28/04/2000, Informativo STF n. 186; RE n. 280.663-3, São Paulo, j. 06/09/2001,
Rel. Min. Maurício Corrêa).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª T.,
Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/09/2002, DJ 21/10/2002, p. 61; REsp n. 222.764, STJ, 5ª T,, Rel. Min.
Gilson Dipp, j. 13/02/2001, DJ 12/03/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min.
Edson Vidigal, DJU 21/02/2000, p. 163).
Recentemente, o STF reviu seu posicionamento e, em sede de repercussão geral, reconheceu
que o requisito do artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 não pode ser considerado taxativo (RE n.
580963, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
No mesmo julgamento, ao examinar, incidenter tantum, a constitucionalidade do parágrafo único
do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003), o Plenário do STF manifestou-se pela
“inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação
aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos
titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo”.
Referido normativo dispõe expressamente que o valor do benefício assistencial auferido por idoso
“não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS”.

Contudo, diante do entendimento consagrado por ocasião do julgamento do RE n. 580963, abriu-
se a possibilidade de exclusão, do cálculo da renda familiar, dos benefícios assistenciais
recebidos por idosos e por deficientes e também dos benefícios previdenciários concedidos ao
idoso, no valor de até um salário mínimo.
A decisão concluiu, ainda, que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode
resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos nos quais, embora o limite legal de
renda per capita seja ultrapassado, evidencia-se um quadro de notória hipossuficiência
econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não apenas das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais destinados a famílias carentes, considera pobres aqueles que possuem renda
mensal per capita de até meio salário mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/1997,
regulamentada pelos Decretos n. 2.609/1998 e 2.728/1999, as Portarias n. 458 e 879, de
03/12/2001, da Secretaria da Assistência Social, o Decreto n. 4.102/2002, a Lei n. 10.689/2003,
criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 como
absoluto e único para aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza – entendida como
a falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial –, para se concluir se é devida ou não a
prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE n. 580963), o critério da miserabilidade contido no § 3º
do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de
identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem
presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com
educação.
Nesse diapasão, podem-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de
cada caso, como, por exemplo: (i) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do
salário mínimo são miseráveis; (ii) nem todos os que percebem renda familiar per capita superior
a ¼ do salário mínimo e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis; (iii) nem todos os que
percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis; (iv)
todos os que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
Dessa forma, em todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente
se o patrimônio do requerente também se subsome à noção de hipossuficiência, devendo ser
apurado se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones
celulares, auxílio permanente de parentes ou de terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer aos desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que nem sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico,
pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.

CONCEITO DE FAMÍLIA

Para apurar se a renda per capita do requerente atinge ou não o âmbito da hipossuficiência, faz-
se necessário abordar o conceito de família.

Nesse sentido, o artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 estabelecia, para efeitos de concessão do
benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/1991, desde
que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada
para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita
inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 07/07/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993
e estabeleceu que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, pelo cônjuge ou companheiro, pelos pais e, na ausência de um deles,
pela madrasta ou pelo padrasto, pelos irmãos solteiros, pelos filhos e enteados solteiros e pelos
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ao mesmo tempo, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e destes em
relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V,
da Constituição Federal estabelece que o benefício será devido quando o sustento não puder ser
provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no princípio da solidariedade social, conformado
no artigo 3º, I, do Texto Magno.
Com isso, à guisa de regra mínima de coexistência entre as pessoas em sociedade, a técnica de
proteção social prioritária é a família, em cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição
Federal, que assim estabelece: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores,
e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
A propósito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização formulado pelo Instituto Nacional de Seguridade Social
(INSS), fixou a tese de que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido
se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão foi proferida durante sessão realizada em 23/02/2017, em Brasília.
Quanto ao mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, § 1º, da Lei n.
8.742/1993, conforme as normas veiculadas pelos artigos 203, V, 229 e 230, da Constituição da
República de 1988, deve ser a de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação
de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da
subsidiariedade”.

SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

À vista da preponderância do dever familiar de sustento, hospedado no artigo 229 da Constituição
Federal, a Assistência Social, tal como regulada na Lei n. 8.742/1993, terá caráter subsidiário em
relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade,
família, poupança etc.), considerada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”, forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
havia reconhecido sua inviabilidade financeira, é lícito inferir que ela só deve ser prestada em
casos de real necessidade, sob pena de comprometer – dada a crescente dificuldade de custeio –
a proteção social da coletividade, não apenas das futuras gerações, mas também da atual.
De fato, o benefício previsto no art. 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um) salário
mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no Regime
Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários anos.
Destarte, a assistência social deve ser fornecida com critério, pois, de outro modo, serão gerados
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais, que é a de

propiciar igualdade e isonomia de condições a todos, observados os fins sociais (não individuais)
da norma, à luz do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Diga-se, de passagem, que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, mediante
interpretação extensiva ou ampliativa dos requisitos constitucionais, geraria não apenas injustiça
aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que esses deixem de contribuir, ou
mesmo não se filiem ou não contribuam para a Seguridade Social, o que constituiria situação
anômala e gravíssima do ponto de vista atuarial, apta a comprometer o custeio de todo o sistema.
É pertinente rememorar, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner
Balera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: “O Estado é, sobretudo, o
guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã – o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80).” (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, é lícito concluir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos: “A
Assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não podem
gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não incentivar
seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência social
estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social, frise-se,
não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou
de outro regime, salvo o de assistência médica.” (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).

IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/1998, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/2003).
No que se refere ao conceito de pessoa com deficiência - previsto no § 2º do artigo 20 da Lei n.
8.742/1993, com a redação dada pela Lei n. 13.146/2015, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no art. 4º do
Decreto n. 3.298/1999 (regulamentador da Lei n. 7.853/1989, que dispõe sobre a Política
Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo. Constatado, portanto, que os
males sofridos pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos
requisitos exigidos para a percepção do benefício.
Menciona-se também o conceito apresentado pela ONU, elaborado por meio da Resolução n.
3.447 (XXX): “1. O termo ‘pessoa deficiente’ refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a
si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em
decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais”.

Esse conceito dá maior ênfase à necessidade, inclusive da vida individual, ao passo que o
conceito proposto por Luiz Alberto David Araujo prioriza a questão da integração social, como se
verá.
Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos para sua definição: “desvio acentuado
dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento físico, mental, sensorial
ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento separada, combinada ou
globalmente” (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, n. XXXIV. São Paulo:
Saraiva, 1999).
Luiz Alberto David Araujo, por sua vez, compilou muitos significados da palavra “deficiente”,
extraídos dos dicionários de Língua Portuguesa. Observa ele que, geralmente, os dicionários
trazem a ideia de que a pessoa deficiente sofre de falta, de carência ou de falha.
Esse autor critica essas noções porque a ideia de deficiência não se apresenta tão simples, à
medida em que as noções de falta, de carência ou de falha não abrangem todas as situações de
deficiência, como, por exemplo, o caso dos superdotados, ou o de um portador do vírus HIV que
consiga levar a vida normalmente, sem manifestação da doença, ou ainda o de um trabalhador
intelectual que tenha um dedo amputado.
Por serem as noções de falta, de carência ou de falha insuficientes à caracterização da
deficiência, Luiz Alberto David Araujo propõe um norte mais seguro para a identificação da
pessoa protegida, cujo fator determinante do enquadramento ou não no conceito de pessoa com
deficiência seja o meio social:

“O indivíduo portador de deficiência, quer por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve
apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de
deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a
pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O
grau de dificuldade para a sua integração social é o que definirá quem é ou não portador de
deficiência.” (A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília:
Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22)

Assim, quanto mais complexo o meio social, maior rigor se exigirá da pessoa com deficiência
para sua adaptação social. De outra parte, na vida em comunidades mais simples, como nos
meios agrícolas, a pessoa com deficiência poderá integrar-se com mais facilidade.
Desse modo, o conceito de Luiz Alberto David Araujo é adequado e de acordo com a norma
constitucional, motivo pelo qual é possível seu acolhimento para a caracterização desse grupo de
pessoas protegidas nas várias situações reguladas pela Constituição Federal, nos artigos 7º,
XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, V e 208, III.
Mas é preciso delimitar a proteção constitucional apenas àquelas pessoas que realmente dela
necessitam, porquanto existem graus de deficiência que apresentam menores dificuldades de
adaptação à pessoa. E essa verificação somente poderá ser feita diante de um caso concreto.
Luiz Alberto David Araujo salienta que os casos-limite podem, desde logo, ser excluídos, como o
exemplo do bibliotecário que perde um dedo ou do operário que perde um artelho; em ambos os
casos, as pessoas continuam integradas socialmente. Em outro exemplo, pequenas
manifestações de retardo mental (deficiência mental leve) podem passar despercebidas em
comunidades simples, pois essa pessoa poderá “não encontrar problemas de adaptação a sua
realidade social (escola, trabalho, família)”, de maneira que não se pode afirmar que ela deverá
receber proteção, “tal como aquele que sofre restrições sérias em seu meio social” (obra citada,
p. 42-43).
“A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da

integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema
de adaptação no meio social. Dentro de uma comunidade de doentes, isolados por qualquer
motivo, a pessoa portadora de deficiência não encontra qualquer outro problema de integração,
pois todos têm o mesmo tipo de dificuldade” (obra citada, p. 43).
Enfim, a constatação da existência de graus de deficiência é de fundamental importância para
identificar aqueles que receberão a proteção social prevista no art. 203, V, da Constituição
Federal.
Feitas essas considerações, torna-se possível inferir que não será qualquer pessoa com
deficiência que se subsumirá no molde jurídico protetor da Assistência Social.
Noutro passo, o conceito de pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de
amparo social, foi tipificado no artigo 20, § 2º, da Lei n. 8.742/1993, que em sua redação original
assim dispunha:

“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.”

Como se vê, pressupunha-se que o deficiente era aquele que: (i) tinha necessidade de trabalhar,
mas não podia, em razão da deficiência; (ii) estava também incapacitado para a vida
independente. Assim, o benefício era devido a quem deveria trabalhar, mas não poderia e, além
disso, não tinha capacidade para a vida independente sem a ajuda de terceiros.
É lícito concluir que, tal como os benefícios previdenciários, o benefício de amparo social,
enquanto vigente a redação original do artigo 20, § 2º, da Lei n. 8.742/1993, era substitutivo do
salário. Isto é, era reservado aos que tinham a possibilidade jurídica de trabalhar, mas não tinham
a possibilidade física ou mental para tanto.
Mas a redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS foi alterada pelo Congresso Nacional,
exatamente porque sua dicção gerava um sem número de controvérsias interpretativas na
jurisprudência, sobrevindo a Lei n. 12.435/2011, alterando o teor do dispositivo, que passou a
vigorar com a seguinte redação:

“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.”

Com a novel legislação, o benefício continuou sendo destinado àqueles deficientes que: (i) tinham
necessidade de trabalhar, mas não podiam, por conta de limitações físicas ou mentais; (ii)
estavam também incapacitados para a vida independente.
Todavia, o legislador, não satisfeito, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da Lei n.
8.742/1993 e o conceito de pessoa com deficiência foi uma vez mais alterado, pela Lei n.
12.470/2011, passando a ter a seguinte dicção:

“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

Nota-se que, com o advento dessa lei, dispensou-se a menção à incapacidade para o trabalho ou
à incapacidade para a vida independente como requisito à concessão do benefício assistencial.
Finalmente, a Lei n. 13.146/2015, que “institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência”, com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, §
2º, da LOAS:

“§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

Reafirma-se, assim, que o foco, doravante, para fins de identificação da pessoa com deficiência,
passa a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente, tornando-se
despicienda a referência à necessidade de trabalho.

CASO CONCRETO

Inicialmente, verifica-se que a parte autora é idosa para fins assistenciais, pois nascida em
26/5/1945, conforme documentação constante dos autos.
Quanto ao requisito da hipossuficiência, o estudo social trouxe as seguintes informações:
(i) a parte autora reside apenas com sua esposa, em imóvel alugado (R$ 500,00 por mês),
simples, com dois cômodos;
(ii) a única renda da família é a aposentadoria de sua esposa no valor de um salário mínimo;
(iii) as despesas mensais da família, dentre aluguel, alimentação, gás, medicamentos, totalizam
R$ 1.100,00;
(iv) o casal possui dois filhos que não têm condições de ajudá-los financeiramente.
Nesse contexto, as circunstâncias sociais concretas indicam situação de vulnerabilidade social.
Aplica-se à hipótese o entendimento firmado pelo STF por ocasião do julgamento do RE n.
580.963 (repercussão geral), segundo o qual deve ser “desconsiderada” a renda percebida a
título de benefício previdenciário pela esposa da parte autora.
Com isso, o cálculo da renda per capita é zero, restando patenteada a miserabilidade para fins
assistenciais.
Devido, portanto, o benefício, com termo inicial fixado na data do requerimento administrativo,
consoante jurisprudência dominante.
Passo à análise dos consectários.
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos
na Justiça Federal, utilizando-se o IPCA-E (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017).
Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação, pois a Suprema Corte, ao
apreciar embargos de declaração apresentados nesse recurso extraordinário, deliberou pela não
modulação dos efeitos.
Com relação aos juros moratórios, estes devem ser contados da citação (art. 240 do CPC), à
razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, por força do art. 1.062 do CC/1916, até a vigência do
CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a
taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações
introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009 (Repercussão
Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a

tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017.
Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10%
(dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data
deste acórdão, já computada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão
em vez de sentença), consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n.
111 do Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do
proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem
como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do
pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da
sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Diante do exposto, dou provimento à apelação, para condenar o réu à concessão do benefício
assistencial, bem como a pagar as prestações vencidas, na forma acima estabelecida.
Informe-se ao INSS, via e-mail, a tutela de urgência ora concedida, para fins de implantação do
benefício requerido.
É o voto.













E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. MISERABILIDADE CONFIGURADA.
CONCESSÃO.
- São condições para a concessão do benefício da assistência social: ser o postulante portador de
deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Presentes os requisitos exigidos no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, é devido o benefício.
- Apelação provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.


Resumo Estruturado

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