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BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. SEQUELAS DE ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL COM HEMIPARESIA. CONDIÇÃO DO AUTOR COMPROVADA. PERÍCIAS MÉDICA E...

Data da publicação: 09/08/2024, 15:28:00

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. SEQUELAS DE ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL COM HEMIPARESIA. CONDIÇÃO DO AUTOR COMPROVADA. PERÍCIAS MÉDICA E SOCIAL. MISERABILIDADE. RENDA PER CAPITA FAMILIAR INFERIOR A ½ DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE. AUTOR RESIDE COM A ESPOSA, DUAS FILHAS E UMA NETA, EM IMÓVEL PRÓPRIO SIMPLES EM CONDIÇÕES PRECÁRIAS. NECESSIDADE PERMANENTE DE AUXÍLIO DE TERCEIROS PARA ATIVIDADES COTIDIANAS. NECESSIDADES BÁSICAS NÃO ATENDIDAS. INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO QUE SE JUSTIFICA. BENEFÍCIO DEVIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DA PARTE RÉ DESPROVIDO. (TRF 3ª Região, 15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0003832-35.2019.4.03.6344, Rel. Juiz Federal LUCIANA JACO BRAGA, julgado em 04/02/2022, DJEN DATA: 09/02/2022)



Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP

0003832-35.2019.4.03.6344

Relator(a)

Juiz Federal LUCIANA JACO BRAGA

Órgão Julgador
15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

Data do Julgamento
04/02/2022

Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/02/2022

Ementa


E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. SEQUELAS DE ACIDENTE
VASCULAR CEREBRAL COM HEMIPARESIA. CONDIÇÃO DO AUTOR COMPROVADA.
PERÍCIAS MÉDICA E SOCIAL. MISERABILIDADE. RENDA PER CAPITA FAMILIAR INFERIOR
A ½ DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE. AUTOR RESIDE COM A ESPOSA, DUAS FILHAS E UMA
NETA, EM IMÓVEL PRÓPRIO SIMPLES EM CONDIÇÕES PRECÁRIAS. NECESSIDADE
PERMANENTE DE AUXÍLIO DE TERCEIROS PARA ATIVIDADES COTIDIANAS.
NECESSIDADES BÁSICAS NÃO ATENDIDAS. INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO QUE SE
JUSTIFICA. BENEFÍCIO DEVIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DA
PARTE RÉ DESPROVIDO.

Acórdao

PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003832-35.2019.4.03.6344
RELATOR:45º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos



RECORRIDO: ANTONIO CELSO DE OLIVEIRA

Advogado do(a) RECORRIDO: MARIANA LOPES DE FARIA - SP317180-A

OUTROS PARTICIPANTES:





PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003832-35.2019.4.03.6344
RELATOR:45º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RECORRIDO: ANTONIO CELSO DE OLIVEIRA
Advogado do(a) RECORRIDO: MARIANA LOPES DE FARIA - SP317180-A
OUTROS PARTICIPANTES:






R E L A T Ó R I O
A parte autora ajuizou a presente ação na qual objetiva a concessão do benefício assistencial
de prestação continuada, previsto na Lei 8.742/1993.
O juízo singular proferiu sentença e julgou procedente o pedido.
Inconformada, a autarquia ré apresentou o presente recurso. Postulou a ampla reforma da
sentença.
Contrarrazões pelo demandante.
É o relatório.



PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0003832-35.2019.4.03.6344
RELATOR:45º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RECORRIDO: ANTONIO CELSO DE OLIVEIRA
Advogado do(a) RECORRIDO: MARIANA LOPES DE FARIA - SP317180-A
OUTROS PARTICIPANTES:





V O T O

Inicialmente, nego efeito suspensivo ao recurso, pois não restou demonstrado o risco de dano
irreparável a que se refere o art. 43 da Lei n.9.099/95.
Passo à análise do recurso.
O benefício de prestação continuada de um salário mínimo foi assegurado pela Constituição
Federal nos seguintes termos:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei”.
Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, consolidado sob a sistemática da
repercussão geral, o benefício em questão também pode ser concedido a estrangeiros
residentes no Brasil:
“Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo
203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais”
(STF, Plenário, RE 587.970/SP, rel. min. Marco Aurélio, j. 20/4/2017, DJe 21/9/2017, Tema
173).
A Lei n° 8.742, de 07.12.93, adotada pela Autarquia previdenciária na análise da concessão da
prestação na esfera administrativa, define o portador de deficiência nos seguintes termos:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
...
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.


Comparando-se a definição atual com a anterior, percebe-se que, atualmente, não mais é
necessária a interação do impedimento de longo prazo com diversas barreiras, bastando
apenas uma, desde que obstrua a participação do indivíduo na sociedade em igualdade de
condições (AMADO, Frederico. “Curso de Direito e Processo Previdenciário”. 9. ed. Salvador:
JusPodivm, 2017, p. 65 e 66).

A lei define o que deve ser entendido por impedimento de longo prazo nos seguintes termos:
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que
produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.” (NR)

O Critério de aferição do lapso de dois anos foi objeto de uniformização pela TNU que a
respeito do ponto editou a Tese 173, com o seguinte teor:

“Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de
pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade
laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2
(dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista
para a sua cessação (tese alterada em sede de embargos de declaração).”

A condição de pessoa com deficiência deve ser verificada de maneira holística, analisando-se
fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais, ou seja, o indivíduo inserido na realidade, e
não à parte dela. Para tanto, o art. 20, § 6º, da Lei 8.742/1993 determina:
“§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de
impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas
por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
(Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)”.
A esse respeito, em 15/4/2015, a Turma Nacional de Uniformização aprovou a Súmula 80, in
verbis:
“Nos pedidos de benefício de prestação continuada (LOAS), tendo em vista o advento da Lei
12.470/11, para adequada valoração dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais
que impactam na participação da pessoa com deficiência na sociedade, é necessária a
realização de avaliação social por assistente social ou outras providências aptas a revelar a
efetiva condição vivida no meio social pelo requerente”.
No caso em análise, a perícia médica, realizada no dia 08/10/2020, por especialista em Clínico
Geral, concluiu que o demandante, nascido em 13/09/1957 (63 anos na data do exame), possui
sequelas de acidente vascular cerebral com hemiparesia ocorrido em 2019, o que lhe acarreta
incapacidade total e permanente para suas atividades habituais, caracterizando-se ainda a
deficiência e o impedimento de longo prazo.
Ademais, pontuou que o autor necessita de auxilio de terceiros para higiene e alimentação.
Eis a conclusão do perito judicial:
“(...) 4. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

No caso em análise, trata-se de periciando com histórico de acidente vascular cerebral
hemorrágico (CID10 I61.8), em fevereiro de 2019, evoluindo com hemiplegia esquerda, em
tratamento desde então também para controle de diabetes mellitus (CID10 E11) e hipertensão
arterial sistêmica (CID10 I10).
Segundo o periciando, ele exerceu diversas atividades laborais, sem registro a partir de 2001,
trabalhando durante vários anos como montador autônomo, exercendo suas atividades
regularmente até que, em fevereiro de 2019, apresentou episódio súbito de perda do
movimento em membros superior e inferior esquerdo, sendo encaminhado para o hospital, no
qual foi diagnosticado acidente vascular cerebral. Disse que recebeu alta com perda da
mobilidade em membros superior e inferior, de modo mais acentuado em membro inferior,
dependente de familiares para as atividades da vida diária, com necessidade de auxílio até para
se sentar, realizando fisioterapia, em uso de Fenitoína, bem como Fluoxetina, residindo com a
esposa e uma filha de onze anos, sendo auxiliado pelas filhas nas atividades diárias.
Durante o Exame Pericial, o periciando se encontrava acamado, com hemiplegia esquerda, de
modo mais acentuado em membro inferior, com crepitação em ambos os joelhos, pior à
esquerda.
Dentre os Documentos analisados, destacam-se: o laudo de tomografia do crânio, de fevereiro
de 2019, assinado pelo Dr. Adriano Bordinhão, descrevendo hemorragia parenquimatosa
parietal direito, focos hemorrágicos encefálicos à direita, múltiplas calcificações encefálicas
bilaterais; o relatório médico, de março de 2019, assinado pela Dra. Beatriz S. Cruz, informando
que o autor se encontrava em acompanhamento devido ao quadro de hemiplegia, sequela de
acidente vascular cerebral hemorrágico, em 6 de fevereiro de 2019; o relatório, de março de
2019, assinado pela fisioterapeuta Luciana D. Vian, informando que o autor se encontrava em
tratamento fisioterápico devido ao acidente vascular cerebral hemorrágico, com déficit motor à
esquerda; o laudo de ressonância do crânio, de janeiro de 2020, assinado pelo Dr. Diogo A. E.
Pires, descrevendo redução volumétrica da imagem lobulada acometendo a substância branca
periventricular da região parietal direita, podendo representar componente hemático, persiste
com aspecto semelhante a área de gliose com deposição periférica de material com marco
hipossinal, mantendo aspecto retrátil, persistem múltiplos focos de marcado hipossinal
distribuídos nos hemisférios cerebrais, focos de hipersinal na substância branca dos hemisférios
cerebrais, lacuna isquêmica hemorrágicas antigas; e o relatório médico, de setembro de 2020,
assinado pela Dra. Beatriz S. Cruz, informando que o autor se encontrava em acompanhamento
devido ao quadro de acidente vascular hemorrágico, em fevereiro de 2019, permanecendo
acamado, necessitando de auxílio para suas necessidades da vida diária.
Com base nas informações obtidas nos Autos e durante o Exame Pericial, o periciando
demonstrou incapacidade total e permanente para as atividades laborais de modo
omniprofissional, incluindo as atividades domésticas e da vida diária, devido ao quadro de
acidente vascular cerebral hemorrágico, com hemiplegia esquerda, portanto, com impedimentos
de longo prazo que, em interação com diversas barreiras podem impedir sua participação na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Também com base nas informações dos Autos e obtidas na Perícia, a data do início da
incapacidade pode ser fixável em fevereiro de 2019, quando o periciando apresentou quadro de

acidente vascular cerebral hemorrágico, evoluindo com hemiplegia esquerda, compatível com a
História Clínica, o Exame Físico e os Documentos Médicos analisados.
(...)” (destaquei)
Levando-se em conta a data de início da incapacidade e o prognóstico do demandante,
considero que o impedimento do requerente deve ser reputado de longo prazo, nos termos do §
10 do art. 20 da Lei 8.742/1993 e do Tema 173 da TNU. Assim, considero que estão presentes
todos os requisitos do § 2º para se considerar a parte autora pessoa com deficiência.
Quanto à hipossuficiência econômica, a Lei 8.742/1993 instituiu um critério objetivo,
considerando incapaz de prover a própria manutenção a pessoa portadora de deficiência ou
idosa pertencente a família cuja renda mensal per capita seja a inferior a ¼ do salário mínimo.
Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional o critério supracitado (ADI
1.232, j. 27/8/1998).
O Superior Tribunal de Justiça vinha decidindo pela possibilidade de utilização de outros
critérios para a aferição da miserabilidade do postulante. Em julgamento de recurso especial
repetitivo, fixou a seguinte tese:
“A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo” (STJ, 3ª Seção, REsp 1.112.557/MG, rel. min. Napoleão Nunes
Maia Filho, j. 28/10/2009, public. 20/11/2009, Tema 185).
Anos mais tarde, o Pretório Excelso alterou sua posição a respeito do critério legal de
miserabilidade, firmando a seguinte tese de repercussão geral:
“É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar
mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para
concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da
Constituição” (STF, Plenário, RE 567.985/MT, rel. min. Marco Aurélio, rel. para acórdão min.
Gilmar Mendes, j. 18/4/2013, DJe 2/10/2013, Tema 27).
Para melhor compreensão desse entendimento, transcrevo trecho da ementa (grifo no original):
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo
Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que ‘considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a
1/4 (um quarto) do salário mínimo’.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem

consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a
Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01,
que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento”.
Tratando-se de decisão proferida em controle concreto de constitucionalidade, a eficácia se
restringe ao caso analisado e ao campo dos precedentes judiciais, não tendo o condão de
retirar o dispositivo legal do ordenamento jurídico, tal como se dá no controle abstrato (art. 102,
§ 2º, da CF). De toda forma, apesar de o Pretório Excelso ter declarado a inconstitucionalidade
parcial do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993, não lhe aplicou a sanção de nulidade.
Como relata Frederico Amado (“Curso de Direito e Processo Previdenciário”. 9. ed. Salvador:
JusPodivm, 2017, p. 57), tentou-se modular a eficácia da decisão para 31/12/2015, a fim de que
o Congresso Nacional tivesse tempo de alterar a Lei Orgânica da Assistência Social, porém não
foi alcançado o quórum de 2/3.
A posição do STF foi encampada pelo legislador em 2015, quando da edição do Estatuto da
Pessoa com Deficiência, que acrescentou o § 11 ao art. 20 da Lei 8.742/1993, in verbis:
“§ 11. Para concessão do benefício de que trata ocaputdeste artigo, poderão ser utilizados
outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento”.
Como se nota, o critério da renda mensal inferior a 1/4 do salário-mínimo continua em vigor no
ordenamento jurídico, mas deve ser analisado em conjunto com outros elementos para que se
possa detectar a hipossuficiência econômica do requerente. Para tanto, nos termos da Súmula

79 da TNU, aprovada em 15/4/2015:
“Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das
condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação
lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova
testemunhal”.
A conclusão acima é chancelada pela Turma Nacional de Uniformização, que, em julgamento
de recurso representativo da controvérsia, fixou a seguinte tese:
“O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita inferior a ¼ do
salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada
por outros elementos de prova” (TNU, PEDILEF 5000493-92.2014.4.04.7002, rel. juiz federal
Daniel Machado da Rocha, j. 14/4/2016, public. 15/4/2016, Tema 122).
Sem embargo dessas constatações, proliferaram no território nacional inúmeras decisões em
Ações Civis Públicas que passaram a impor ao INSS adoção de critérios regionais e
diferenciados para a concessão do benefício.
Esse fato contribuiu para nova e recente alteração legislativa a respeito do tema (Lei 14.176/21)
que deu a seguinte redação ao §11 do artigo 20 da Lei 8.472/93
O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal
familiarper capitaprevisto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o
disposto no art. 20-B desta Lei.
.....................................................................................................................” (NR)
“Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da
situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os
seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensalper capitade
que trata o § 11-A do referido artigo:
I – o grau da deficiência;
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei
exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos
especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados
gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que
comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
§ 1º A ampliação de que trata ocaputdeste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais,
definidas em regulamento.
§ 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III
docaputdeste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III docaputdeste artigo.
§ 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I docaputdeste artigo será aferido por meio de
instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos§§ 1º e 2º do art. 2º da Lei
nº 13.146, de 6 de julho de 2015(Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do
art. 40-B desta Lei.
§ 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que
trata o inciso III docaputdeste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania,
da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir

de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades,
facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em
regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios.”

Nestes termos, o deferimento da prestação deverá observar a existência dessas situações que
permitem a superação do limite de ¼ de salário mínimo como renda per capita no núcleo
familiar.
Por último, anoto que o STJ, no julgamento do Tema 640 ampliou o alcance da norma que
consta do artigo 34 do Estatuto do Idoso. Eis a decisão do Tribunal:
STJ – Tema 640 (Recursos Repetitivos) – Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto
do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa
com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.

Dessa forma, nos casos de núcleos familiares compostos simultaneamente por idosos e
deficientes, o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo não e computado no
cálculo da renda per capita.
No que tange ao grupo familiar, assinalo que com o advento da Lei 12.435/2011, a família é
integrada pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Em relação a esse ponto, não se pode perder de vista o princípio da subsidiariedade, pelo qual
a atuação do Estado só se justifica quando o indivíduo e os grupos sociais intermediários são
incapazes de resolver determinado problema.
Apesar de a Constituição Federal não empregar essa expressão, a norma jurídica pode ser
extraída, no campo da assistência social, tanto do art. 203, V, quanto de outros dispositivos
analisados de forma sistemática.
Segundo o art. 193, “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o
bem-estar e a justiça sociais”.
Dentro do Título VIII (“Da Ordem Social”) está o capítulo relativo à seguridade social, que se
divide em três subsistemas: saúde, previdência e assistência social (art. 194, caput).
O Capítulo VII do mesmo Título, por sua vez, trata da família, criança, adolescente, jovem e
idoso. O art. 226 reconhece a família como base da sociedade e lhe assegura especial proteção
do Estado. O art. 229 contempla o princípio da solidariedade familiar, assim expresso: “Os pais
têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de
ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Do exposto, pode-se afirmar que o indivíduo é o principal responsável pelo atendimento de suas
necessidades. Caso enfrente situação que não lhe permita prover o seu sustento, deverá ser
amparado por sua família, nos termos da lei de regência (art. 5º, II, da CF). Na hipótese de os
familiares legalmente obrigados a colaborar com o sustento do membro carente também não
terem condições de fazê-lo, aí sim o indivíduo poderá acionar o Estado, para deste receber

assistência social.
Vê-se, portanto, que o BPC-LOAS não é instrumento para afastar o dever de prestar alimentos
de modo a “socializar” os gastos da família com seus idosos e dependentes portadores de
deficiência. Além disso, não tem por finalidade complementar a renda familiar ou proporcionar
maior conforto à parte interessada, mas amparar a pessoa deficiente ou idosa em efetivo
estado de miserabilidade.
Observadas essas premissas, no caso concreto, entendo que há miserabilidade a ser tutelada.
O laudo social indicou que, nos termos do § 1º do art. 20 da Lei 8.742/1993, o grupo familiar é
composto por 5 (cinco) pessoas: o demandante, a esposa, duas filhas e uma neta, menor de
idade.
A renda mensal do grupo familiar provém exclusivamente do trabalho formal da esposa, na
qualidade de ajudante de cozinha, pelo qual aufere cerca de R$ 1.200,00, valor pouco superior
ao salário mínimo vigente. Informou não receber qualquer outro tipo de benefício assistencial ou
previdenciário. Uma das filhas está desempregada e a outra é responsável pelos cuidados
demandados pelo pai.
Por conseguinte, a renda per capita do autor é inferior à metade do salário mínimo vigente na
data da perícia socioeconômica (31/01/2020), estipulado nos termos da Lei nº 14.013/2020.
Além de se enquadrar no critério legal de miserabilidade (art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993), a
situação econômica do autor é corroborada pelo laudo social, que revela imóvel simples em
condições precárias, guarnecido apenas com móveis e eletrodomésticos essenciais, que não
destoam da alegada condição de miserabilidade.
Embora a renda per capita não seja o único critério para se aferir a necessidade da postulante,
no caso, o aspecto geral do ambiente doméstico descrito pela assistente social e o contexto
familiar indicam que a parte autora não possui outros meios de prover a própria manutenção ou
de tê-la provida por sua família.
Por fim, importante repisar que tanto o laudo pericial quanto o laudo socioeconômico
constataram a necessidade de supervisão e auxílio em tempo integral em relação ao autor. Em
casos assim, a dependência do genitor acaba por retirar a capacidade laborativa de um dos
filhos e/ou da esposa por tempo indeterminado.
No ponto, assim restou fundamentada a sentença:
“(...) A prova técnica produzida nos autos é determinante para verificar a presença dos
requisitos exigidos para a concessão do benefício. No presente caso, o a deficiência restou
comprovada através de laudo médico (anexo 66): Com base nas informações obtidas nos Autos
e durante o Exame Pericial, o periciando demonstrou incapacidade total e permanente para as
atividades laborais de modo omniprofissional, incluindo as atividades domésticas e da vida
diária, devido ao quadro de acidente vascular cerebral hemorrágico, com hemiplegia esquerda,
portanto, com impedimentos de longo prazo que, em interação com diversas barreiras podem
impedir sua participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. No
que concerne ao requisito objetivo, qual seja, a hipossuficiência, na forma preconizada pela Lei
8.742/93, tenho que restou demonstrada. Conforme laudo social de anexo 58, a família é
composta por três pessoas, com renda mensal de R $1.300,00, despesas que somam
R$1.624,00, sendo o autor totalmente dependente de sua esposa (quem recebe a referida

renda). Além disso, sobre a moradia, informou a perita: Todos os cômodos precários de
equipamentos básicos para sobrevivência
(...)”
A partir dos elementos que dos autos constam, conclui-se que a parte autora é pessoa com
deficiência, requerendo, por isso mesmo, cuidados adicionais por parte da filha e auxílio de
terceiros em tempo integral. Não há familiares que possam ajudar o demandante sem prejuízo
de sua subsistência ou de seus dependentes. Nesse cenário, justifica-se a intervenção do
Poder Público por meio da concessão de BPC-LOAS.
Preenchidos os requisitos legais, o benefício assistencial deve ser restabelecido.
Ante todo o exposto, nego provimento ao recurso do réu, nos termos da fundamentação acima.
Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (ou da
causa, na ausência daquela), devidos pela parte recorrente vencida. A parte ré, se recorrente
vencida, ficará dispensada desse pagamento se a parte autora não for assistida por advogado
ou for assistida pela DPU (Súmula 421 STJ). Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de
assistência judiciária gratuita e recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados
ficará suspenso nos termos do § 3º do art. 98 do CPC – Lei nº 13.105/15.
Dispensada a elaboração de ementa na forma da lei.
É o voto.











E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. SEQUELAS DE
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL COM HEMIPARESIA. CONDIÇÃO DO AUTOR
COMPROVADA. PERÍCIAS MÉDICA E SOCIAL. MISERABILIDADE. RENDA PER CAPITA
FAMILIAR INFERIOR A ½ DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE. AUTOR RESIDE COM A
ESPOSA, DUAS FILHAS E UMA NETA, EM IMÓVEL PRÓPRIO SIMPLES EM CONDIÇÕES
PRECÁRIAS. NECESSIDADE PERMANENTE DE AUXÍLIO DE TERCEIROS PARA
ATIVIDADES COTIDIANAS. NECESSIDADES BÁSICAS NÃO ATENDIDAS. INTERVENÇÃO
DO PODER PÚBLICO QUE SE JUSTIFICA. BENEFÍCIO DEVIDO. SENTENÇA DE
PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DA PARTE RÉ DESPROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quinta Turma
Recursal de São Paulo decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte ré, nos
termos do voto da Relatora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante

do presente julgado.


Resumo Estruturado

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