Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000794-29.2020.4.03.6328
Relator(a)
Juiz Federal MARCELLE RAGAZONI CARVALHO
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
14/10/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 19/10/2021
Ementa
E M E N T A
BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. HISTÓRICO DE DOENÇA DE CROHN SEM
REPERCURSSÕES LABORATIVAS ATUAIS. AFASTA ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE
DEFESA. LAUDO PERICIAL FUNDAMENTADO. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. RECURSO
DO AUTOR IMPROVIDO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000794-29.2020.4.03.6328
RELATOR:42º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: CLERIO TEIXEIRA DIAS
Advogados do(a) RECORRENTE: ROBSON MILANI - SP418425-N, CAMILA RAMOS DOS
SANTOS - SP405794-N
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000794-29.2020.4.03.6328
RELATOR:42º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: CLERIO TEIXEIRA DIAS
Advogados do(a) RECORRENTE: ROBSON MILANI - SP418425-N, CAMILA RAMOS DOS
SANTOS - SP405794-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso interposto pela parte autora em face da sentença que julgou improcedente
seu pedido concessão/restabelecimento de benefício previdenciário por incapacidade.
Insurge-se o Recorrente, sustentando preliminarmente em cerceamento de defesa, ante a não
realização de perícia na especialidade de gastroenterologista ou coloproctologista. No mérito,
repisa que é portador da doença de crohn – cid. 10-k50.0, e exerce função como operador de
máquinas, sendo que um dos instrumentos de trabalho consiste no manuseio de máquinas e/ou
tratores por várias horas com trânsito em terrenos irregulares e/ou com buracos, estando
impossibilitado de realizar suas atividades habituais, visto que é portador de incapacidade total
e permanente.
É o breve relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000794-29.2020.4.03.6328
RELATOR:42º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: CLERIO TEIXEIRA DIAS
Advogados do(a) RECORRENTE: ROBSON MILANI - SP418425-N, CAMILA RAMOS DOS
SANTOS - SP405794-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Preliminarmente quanto ao pedido de anulação da sentença para realização de nova perícia na
especialidade de gastroenterologista ou coloproctologista, não assiste razão ao autor.
O autor ingressou com a presente ação visando ao recebimento de benefício por incapacidade
decorrente de ser portador de doença de crohn – cid. 10-k50.0, que o impediria de trabalhar. A
partir da documentação acostada aos autos foi designada perícia médica, com médico na
especialidade medicina do trabalho.
Não há exigência legal, sendo este também o entendimento da jurisprudência pátria que a
perícia médica não precisa ser, necessariamente, realizada por “médico especialista”, já que,
para o diagnóstico de incapacidade laboral ou realização de perícias médicas não é exigível,
em regra, a especialização do profissional da medicina, sendo descabida a nomeação de
médico especialista para cada sintoma descrito pela parte, exceto se a moléstia narrada for
demasiadamente específica e comportar peculiaridades imperceptíveis à qualquer outro
profissional médico. No entanto, no caso em tela, o próprio perito afastou a necessidade de
realização de perícia em outra especialidade.
Nesse sentido, cito julgado da TNU:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO.
REQUERIMENTO DE SEGUNDA PERÍCIA, POR MÉDICO ESPECIALISTA.
DESNECESSIDADE. 1. O artigo 437 do Código de Processo Civil, a respeito, estatui que O juiz
poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a
matéria não Ihe parecer suficientemente esclarecida. A regra parte do princípio do livre
convencimento: somente determinará a realização de segunda perícia o juiz que não se
considerar esclarecido, de maneira segura, pelo primeiro laudo oferecido. A insegurança pode
se manifestar até em grau de recurso, o que demandará a anulação da sentença, para fins de
elaboração de um segundo exame pericial. 2. É inegável que, em determinadas situações, faz-
se mesmo necessário um segundo exame, o que ocorre quando, v.g., é o primeiro laudo
insuficiente ou lacônico. A realização de um segundo exame por outro médico, por seu turno,
pode se afigurar recomendável quando o próprio perito, em seu laudo, demonstrar insegurança
ou sugerir o encaminhamento do periciando a um especialista. Pode-se acrescentar a tais
hipóteses as situações em que, dada a natureza da especialidade, não se poderia mesmo
cogitar da realização do exame pelo médico designado: na existência de problemas
psiquiátricos, exempli gratia, a perícia não poderia ser realizada por um ortopedista. 3. No caso
dos autos, não houve hesitação ou sinal de insegurança por parte do perito, o qual se baseou
em atestados, em relatórios de exames apresentados pelo autor, bem como no próprio relato
deste. Foi afirmado pelo experto, inclusive, que no momento não necessita de outros exames
para o laudo pericial atual. Dispensável, portanto, a realização de segunda perícia. 4. Pedido de
Uniformização não provido.(PEDIDO 200872510031462, JUÍZA FEDERAL JOANA CAROLINA
LINS PEREIRA, DJ 09/08/2010.)”
E também o teor do enunciado nº 112 do FONAJEF, o qual dispõe que não se exige médico
especialista para realização de perícias judiciais, sendo que o próprio Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo - CREMESP emitiu parecer em resposta à consulta n.
51.337/06, esclarecendo que: “Qualquer médico está apto a praticar qualquer ato médico e, por
isso, qualquer profissional médico pode realizar qualquer perícia médica de qualquer
especialidade médica. Não há divisão de perícia em esta ou aquela especialidade. Vale lembrar
que a responsabilidade médica é intransferível, cabendo ao profissional que realiza a perícia
assumir esta responsabilidade. (Disponível em:
http://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=8600
>. Acesso em: 10 ago. 2012.)”
No caso em tela, o perito avaliou a situação clínica do autor, bem como os documentos médicos
apresentados e a atividade habitual do autor, não contendo vícios de fundamentação.
Assim, considero regular e válida a perícia feita por médico do trabalho, com especialidade
técnica para avaliar a capacidade laborativa do autor, passando, em seguida, à análise do
mérito.
A concessão do auxílio-doença é devida quando o segurado ficar impossibilitado para o
exercício de seu trabalho habitual por mais de 15 dias consecutivos, respeitada a carência,
quando exigida pela lei, conforme disposto nos artigos 25, inciso I e 59 e seguintes da Lei n°
8.213/91.
Assim, a incapacidade, para deferimento do benefício, deve ser total e temporária e o segurado
deve ter preenchido a carência prevista em lei, desde que não esteja acometido por alguma das
doenças arroladas no art. 151, da LBPS.
Na aposentadoria por invalidez, por outro lado, exige-se que se comprove incapacidade para
todo e qualquer trabalho e que, em razão desta incapacidade o segurado esteja impossibilitado
de readaptação para o exercício de qualquer outra atividade que lhe garanta a subsistência.
Portanto, a diferença entre os dois benefícios é a possibilidade de recuperação, concedendo-se,
assim, a aposentadoria por invalidez caso a incapacidade seja permanente e o auxílio-doença
caso a incapacidade seja temporária, desde que seja, em ambos os casos, total.
Além da incapacidade, deve estar demonstrada a qualidade de segurado e o cumprimento da
carência, quando for o caso.
Em relação à qualidade de segurado, o artigo 15, inciso II, da Lei 8.213/91 estabelece o prazo
de 12 meses após a cessação das contribuições para que o segurado perca esta condição e o
prazo de seis meses no caso de contribuinte facultativo. O prazo é prorrogado por mais doze
meses se o segurado empregado tiver contribuído com mais de 120 (cento e vinte)
contribuições sem interrupção que acarrete a perda da condição de segurado (§ 1º do artigo 15)
ou mais doze meses se estiver desempregado (§ 2º), com comprovação adequada desta
condição.
A carência, em regra, é de 12 contribuições mensais (art. 25 da Lei 8.213/91), dispensada,
porém, nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do
trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de
alguma das doenças especificadas no art. 151 da Lei de Benefícios (tuberculose ativa,
hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna,
cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson,
espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte
deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por
radiação, com base em conclusão da medicina especializada) – art. 26, II, Lei 8.213/91.
A sentença combatida julgou o pedido inicial improcedente, nos seguintes termos:
“[...]
No caso dos autos, o perito do Juízo, após entrevistar a parte autora, analisar toda a
documentação médica que lhe foi apresentada e examina-la clinicamente, concluiu que, apesar
de a parte autora ser portadora de doença/sequela, esta não a incapacita para o exercício da
atividade laborativa.
O perito(a) ainda fez constar no laudo médico (anexo 33):
“Autor com 46 anos, informa última atividade laborativa operador de máquina. Encontra-se em
bom estado geral; orientado em relação ao tempo e espaço, comunicativo. Relata ter retocolite
ulcerativa e fistula anal.”
“Exame Físico Autor encontra-se orientada em relação ao tempo e espaço, comunicativa,
função cognitiva no momento preservada, atividade da vida diária, marcha preservada,
vestimenta adequada, nega uso de fraldas diariamente, informa que as vezes tem diarreia, que
piora com alimentação.”
“CONCLUSÃO: No exame pericial realizado, através da anamnese, documentos médicos e
exame físico não foi constatada incapacidade laborativa.”
O laudo do perito do Juízo se mostra bem fundamentado, mediante a descrição das condições
de saúde da parte, em conformidade com a técnica usualmente aceita para as perícias judiciais,
tendo sido analisadas todas as doenças referidas na exordial pela parte.
Não verifico manifestação, contrária ao laudo, suficiente para infirmar a conclusão exarada pelo
Expert judicial, profissional habilitado e equidistante das partes.
Não vislumbro motivo para discordar da conclusão do perito, profissional qualificado e que goza
da confiança deste Juízo, pois fundou sua conclusão nos documentos médicos constantes nos
autos, bem como no exame clínico realizado.
Também não verifico contradições entre as informações constantes do laudo, aptas a ensejar
dúvidas em relação a este, o que afasta qualquer nulidade.
Pelas mesmas razões acima expostas, também não devem ser acolhidas eventuais alegações
de cerceamento de defesa, embasadas em impugnação ao laudo elaborado pelo perito do
juízo, sob o argumento de que houve discordância e/ou contradição com os demais elementos
trazidos aos autos. Todos os elementos dos autos foram vistos, mas nenhum tem aptidão para
sobrepor-se à análise clínica realizada pelo experto judicial.
Cabe salientar que no próprio laudo não se nega a existência de enfermidades, o que nele se
deixa assente é que inexiste incapacidade laboral. E o requisito legal para a concessão do
benefício é a incapacidade (permanente para a aposentadoria por invalidez e temporária para o
auxílio-doença), mas não a mera enfermidade.
Tampouco cabem esclarecimentos complementares ou mesmo quesitação ulterior, posto que
respondidos adequadamente os quesitos formulados quanto à capacidade laboral, lembrando
que compete ao Juiz indeferir os quesitos impertinentes (art. 470, inciso I, CPC).
Entendo ser desnecessária a realização de nova perícia médica, visto que o laudo encontra-se
suficientemente fundamentado e convincente, não havendo contradições e imprecisões que
justifiquem a repetição do ato.
Ademais o perito do Juízo concluiu pela desnecessidade de outro exame, com perito de outra
especialidade, sendo que a jurisprudência tem assegurado a possibilidade de perícia
independente da especialidade do médico, exceto se a matéria exige conhecimento complexo e
específico, o que, a meu ver, não é o caso (TRF-3 - AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2124046, 9a T,
rel. Des. Fed. Ana Pezarini, j. 24/04/2017).
Também não é o caso de determinar a realização de audiência, haja vista o quanto inserto no
art. 443, II, CPC/15.
Por fim, mera permanência em gozo de benefício, por si, não faculta à parte o direito subjetivo à
sua manutenção, posto caber ao jurisdicionado a prova do fato constitutivo do direito (art. 373,
inciso I, CPC).
Assim, não restando comprovada a incapacidade para o trabalho, entendo ser desnecessário
analisar os demais pressupostos exigidos para a concessão do benefício (qualidade de
segurado(a) e a carência), já que os requisitos são cumulativos.”
A despeito das alegações recursais, observo que a matéria ventilada em sede recursal foi
devidamente analisada pelo juízo de primeiro grau e não merece reparo, restando confirmada
pelos próprios fundamentos.
A fim de corroborar a conclusão da sentença, cito os seguintes trechos do laudo pericial:
“Autor informa que m outubro de 2008, iniciou com sintomas de dores abdominais, saída de
secreção anal e diarreia com sangue. Foi então que procurou atendimento médico e sendo
solicitado exame de videocolonoscopia em 27/10/2008 com Colite endoscópica erosiva severa
de hemi-colon esquerdo e realizado o anatomopatológico em 30/10/2008, processo inflamatório
crônico recidivante parcialmente erosado. Desde então relata que realiza acompanhamento
médico, nega uso de fraldas, nega novos procedimentos cirurgicos e uso de medicações
diariamente azatioprina e adalimumabe, porem mesmo assim informa que as vezes apresenta
dores abdominais, com diarreia 3 episódios por dia e que piora com alimentação. Autor informa
que teve internado em Martinópolis na Santa Casa no dia 20/10/2011.
Em 2017 esteve internado no HR devido sangramento anal sendo diagnóstica com fístula anal e
seria necessária cirurgia de fistulectomia em 09/12/2017 pelo Dr. André Abissamara. Realizou
outro exame de videocolonoscopia em 07/04/2018 exame endoscópicamente normal até o ileo
terminal e exame mais recente Videocolonoscopia em 13/03/2020 com exame
videocolonoscópico dentro dos padrões de normalidade até o íleo-terminal, realizado biopsia de
íleo terminal devido história de doença de crohn e anatomopatológico íleo terminal em
13/03/2020 com mucosa de padrão ileal com alterações inflamatórias mínimas, ausência de
displasia, ausência de atividade. Autor apresente atestado do Dr. André do dia 09/09/2020.”
Assim, não há comprovação da incapacidade laborativa, pelo que mantenho a sentença
recorrida.
Ante o exposto, com fulcro no art. 46, da Lei n.º 9.099/95, combinado com o art. 1º, da Lei n.
10.259/01, nego provimento ao recurso da parte autora e mantenho a sentença recorrida por
seus próprios fundamentos.
Fixo os honorários advocatícios em 10% do valor da causa, devidos pela parte recorrente
vencida. Na hipótese, enquanto a parte for beneficiária de assistência judiciária gratuita, o
pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do artigo 98 do Código de
Processo Civil.
É o voto.
E M E N T A
BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. HISTÓRICO DE DOENÇA DE CROHN SEM
REPERCURSSÕES LABORATIVAS ATUAIS. AFASTA ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE
DEFESA. LAUDO PERICIAL FUNDAMENTADO. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. RECURSO
DO AUTOR IMPROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a 14ª Turma, por
unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA