Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0004029-37.2020.4.03.6317
Relator(a)
Juiz Federal FERNANDA SOUZA HUTZLER
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
04/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 18/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LAUDO NEGATIVO. SURDEZ
BILATERAL. AUXILIAR DE LIMPEZA. RECONHECIMENTO JUDICIAL DA INCAPACIDADE
TOTAL E TEMPORÁRIA ATÉ COLOCAÇÃO PRÓTESE AUDITIVA. PRAZO CESSAÇÃO 12
MESES.
1. Trata-se de recurso interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou improcedente
o pedido, diante do laudo pericial médico constatar a ausência de incapacidade da parte autora
para o exercício de sua atividade habitual, na atualidade.
2. Parte autora apresenta surdez bilateral; sendo constatado pelo laudo pericial que essa
condição não a incapacita para o trabalho atualmente. Esclareceu ainda que poderá trabalhar
como auxiliar de limpeza, desde que não carregue peso excessivo.
3. Diante do conjunto probatório, laudo pericial deve ser afastado para ser reconhecida a
incapacidade total e temporária da parte autora até ser submetida à cirurgia e obtenha o aparelho
auditivo.
4. Prazo de cessação fixado em 12 meses, garantido à parte autora o direito de solicitar a
prorrogação do benefício no prazo de 15 dias antes da cessação.
5. Recurso da parte autora que se da provimento.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0004029-37.2020.4.03.6317
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: ANDREIA LAURENTI
Advogados do(a) RECORRENTE: GUSTAVO COTRIM DA CUNHA SILVA - SP253645-A,
DANILO TEIXEIRA DE AQUINO - SP262976-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0004029-37.2020.4.03.6317
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: ANDREIA LAURENTI
Advogados do(a) RECORRENTE: GUSTAVO COTRIM DA CUNHA SILVA - SP253645-A,
DANILO TEIXEIRA DE AQUINO - SP262976-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora, ora Recorrente, em face da
sentença que julgou IMPROCEDENTE o pedido de concessão de benefício por incapacidade
(auxílio doença/auxílio por incapacidade temporária ou aposentadoria por invalidez/
aposentadoria por incapacidade permanente), tendo em vista a ausência de incapacidade para
o trabalho.
Nas razões recursais, a parte autora alega estar completamente inválida para as suas
atividades habituais, sofrendo de perda bilateral auditiva. A intensidade e a diversidade dos
sintomas apresentados pela Recorrente, fazem com que esta sinta limitações fixas e
permanentes, de modo que esta não reúne as mínimas condições de exercer suas atividades
habituais. As situações incapacitantes vêm se apresentando das mais diversas maneiras,
principalmente se considerados os parâmetros delimitadores utilizados até pouco tempo atrás.
Novas patologias e questões sociais de suma importância surgem reiteradamente,
necessitando de uma resposta satisfatória das instituições de política social e assistencial, do
legislador e, especialmente, do Poder Judiciário. Por estas razões, pretende a reforma da r.
sentença ora recorrida.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0004029-37.2020.4.03.6317
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: ANDREIA LAURENTI
Advogados do(a) RECORRENTE: GUSTAVO COTRIM DA CUNHA SILVA - SP253645-A,
DANILO TEIXEIRA DE AQUINO - SP262976-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, importante destacar que o Decreto nº 10.410/20 alterou o Decreto nº 3.048/99 e
passou a denominar o benefício de aposentadoria por invalidez de “aposentadoria por
incapacidade permanente” e o benefício de auxílio-doença de “auxílio por incapacidade
temporária”.
No entanto, no direito previdenciário deve ser aplicado o princípio do tempus regit actum, ou
seja, devem ser aplicadas as normas vigentes ao tempo da ocorrência do fato gerador do
benefício (vide RE 415454/SC - STF).
A controvérsia trazida em sede recursal diz respeito à comprovação da incapacidade laboral da
parte autora, ora Recorrente.
Segundo perícia realizada por perito médico, a autora é portadora de “perda auditiva bilateral”,
porém não apresenta incapacidade para o exercício da atividade laborativa atual, ou qualquer
outra atividade laborativa. (laudo negativo – ID 220784928)
De acordo com o perito, trata-se de uma resposta a uma infecção no ouvido médio, sendo que
no caso as células neumáticas estariam comprometidas. O tratamento inclui acompanhamento
audiometrico, procedimentos cirúrgicos e uso de aparelho auditivo.
Assim, com base no laudo pericial, o pedido foi julgado improcedente.
Pois bem.
Ora, o laudo pericial deve ser interpretado à luz da legislação previdenciária, que tem por
finalidade garantir ao segurado a manutenção da sua subsistência, em razão de infortúnios, tais
como incapacidade.
Com efeito, embora o perito médico tenha constatada a capacidade laborativa da parte autora,
informando que se encontra capaz para realizar atividades laborais habituais como “auxiliar de
limpeza”, no âmbito judicial é necessária a consideração de outros critérios, de cunho valorativo
social, capazes de influir na verificação da sua efetiva capacidade laborativa.
No caso em concreto, narra a autora que há 10 anos contraiu caxumba e apresentou como
sequelas perda auditiva em ouvido esquerdo. Há um ano passou a apresentar perda auditiva no
ouvido direito, acrescido de prurido e incômodo local. Informa realizar acompanhamento no
Hospital Mário Covas, e que possuía cirurgia marcada, e devido a pandemia foi cancelada,
Portadora também de hipotireoidismo e faz uso de puran t4.
Através de esclarecimentos ao laudo pericial, o perito assim afirmou:
“A perda auditiva mista por si só, não incapacita para a função de auxiliar de limpeza, caso seu
otorrinolaringologista oriente a não carregar peso excessivo, a autora poderá trabalhar com
essa restrição, visto que as atividades de auxiliar de limpeza não se restringem a levantamento
de peso. A autora deverá realizar cirurgia (timpanomastoidectomia) futura e quando o fizer, terá
incapacidade total e temporária até que se reestabeleça da cirurgia.” destacou-se
Apesar de o laudo pericial não ter sido claro, extrai-se que a parte autora tem aptidão para
realizar atividade que não exija "carregar peso excessivo". É evidente que, com base nessas
limitações definitivas, a parte autora não está apta a desenvolver sua atividade habitual (auxiliar
de limpeza - atividade que demanda o carregamento de peso e obviamente a realização de
grandes esforços).
Assim, com base no conjunto probatório apresentado, é possível concluir que a surdez bilateral
da parte autora, sem o uso do aparelho auditivo, acarreta a sua incapacidade laborativa, ainda
que o perito tenha concluído de forma contrária.
É importante salientar, ainda, que geralmente as pessoas com deficiência - dentre as quais se
incluem a deficiência auditiva-, por terem que conviver com a negação social que lhes são
impostas, decorrente dos estereótipos sociais, encontram enormes barreiras para se conseguir
um emprego que seja adaptável a sua condição excepcional.
Importante ressaltar as palavras de Luiz Fernando Lara defendida em sua tese de Doutorado
em Ciências Sociais junto à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUC-SP, vejamos:
“Em razão das exigências de rapidez na obtenção de resultados nas empresas, a visão em
relação às pessoas com deficiência e às surdasé a que não conseguirão atender às exigências
e não conseguirão alcançar as metas nos mesmos patamares das chamadas pessoas normais.
Relaciona-se, destarte, eficiência humana e pessoal com normalidade física.”
Assim, entendo que, enquanto não lhe for fornecido pelo serviço público de saúde o aparelho
auditivo, a parte autora está incapaz para o trabalho de forma total e temporária, pois a surdez
bilateral a impede de exercer totalmente as suas atividades habituais.
Portanto, concluo que a autora está em situação que justifica a concessão do benefício de
auxílio por incapacidade temporária.
Quanto à data do início da incapacidade, deve ser fixada em 02/07/2020 - DII, de acordo com o
exame de audiometria que concluiu pela perda auditiva mista bilateral, timpanometria com curva
B bilateral. (fl 30 da petição inicial – ID 220784916)
Com relação à qualidade de segurado e, de acordo com o CNIS em anexo, a autora laborou
como empregada na empresa PLURISERV SERVIÇOS TECNICOS LTDA no período de
319/10/2016 a 03/05/2018. Posteriormente, não retornou ao RGPS, de modo que, em tese,
considerando o período de graça de 12 meses (mais 45 dias), manteve a qualidade de
segurada até 15/07/2019, na forma do art. 15, II, da Lei nº 8.213/99.
No entanto, em consulta ao Portal da Transparência – Ministério do Trabalho e Emprego,
verifico que a autora percebeu seguro desemprego de junho a setembro de 2018.
Portanto, é possível se aplicar a extensão do período de graça para 24 meses, na forma do art.
15, § 2º, da Lei nº 8213/99 (situação de desemprego comprovada), de modo que a parte autora
manteve a qualidade de segurada até 15/07/2020.
Assim, considerando que na data do início da incapacidade 02/07/2020 (DII), a parte autora
mantinha a qualidade de segurada, é viável a implantação do benefício de auxílio por
incapacidade temporária, desde a data do requerimento administrativo, isto é, desde
07/10/2020 (DER).
Tendo em vista as alterações promovidas pela Lei nº 13.457/17 e levando em consideração o
relato da parte autora, fixo a data de cessação do auxílio por incapacidade temporária no
período de 12 meses (DCB) contados da concessão do benefício; tempo que reputo suficiente
para que a autora seja chamada para a realização da cirurgia e colocação das próteses
auditivas.
Atingido o prazo da DCB, e caso a parte autora entenda ainda permanecer incapacitada,
poderá formular requerimento de prorrogação do benefício junto ao INSS com até 15 (quinze)
dias de antecedência do termo final, a fim de que o benefício seja mantido ao menos até a
realização da perícia administrativa (Recomendação nº 1, de 15.12.2015 do CNJ).
Diante o exposto, dou provimento ao recurso da parte autora para o fim de julgar
PROCEDENTE EM PARTE o pedido, condenando o INSS a (i) conceder o benefício de auxílio
por incapacidade temporária, a partir de 07/10/2020 (DIB) e fixo o prazo de 12 meses para a
cessação do benefício (DCB), contados da implantação do benefício, e (ii) pagar as prestações
vencidas, acrescida de correção monetária, nos termos da Resolução nº 267/13 do CJF c/c
decisão em repercussão geral do RE 870947 pelo STF (Tema 810 STF), sendo os juros de
mora pelo mesmo índice de remuneração da poupança, observada a prescrição quinquenal.
Em razão do caráter alimentar e da natureza da demanda, concedo a tutela de urgência, para o
fim de que seja oficiado ao INSS para que implante o benefício no prazo de 45 dias.
A parte autora fica ciente de que, findo o prazo estipulado, caso ainda não se sinta capaz para o
trabalho, poderá formular requerimento perante o próprio INSS para prorrogação do benefício.
Tal requerimento deverá ser efetuado até 15 (quinze) dias antes da data de cessação acima
fixada, hipótese em que o benefício deverá ser mantido até que a parte autora seja submetida a
perícia administrativa de reavaliação, a ser realizada pelo INSS.
Deixo de condenar a parte Recorrente ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios,
visto que somente o(a) Recorrente vencido(a) faz jus a tal condenação, nos termos do art. 55,
caput, da Lei 9.099/95.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LAUDO NEGATIVO. SURDEZ
BILATERAL. AUXILIAR DE LIMPEZA. RECONHECIMENTO JUDICIAL DA INCAPACIDADE
TOTAL E TEMPORÁRIA ATÉ COLOCAÇÃO PRÓTESE AUDITIVA. PRAZO CESSAÇÃO 12
MESES.
1. Trata-se de recurso interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou
improcedente o pedido, diante do laudo pericial médico constatar a ausência de incapacidade
da parte autora para o exercício de sua atividade habitual, na atualidade.
2. Parte autora apresenta surdez bilateral; sendo constatado pelo laudo pericial que essa
condição não a incapacita para o trabalho atualmente. Esclareceu ainda que poderá trabalhar
como auxiliar de limpeza, desde que não carregue peso excessivo.
3. Diante do conjunto probatório, laudo pericial deve ser afastado para ser reconhecida a
incapacidade total e temporária da parte autora até ser submetida à cirurgia e obtenha o
aparelho auditivo.
4. Prazo de cessação fixado em 12 meses, garantido à parte autora o direito de solicitar a
prorrogação do benefício no prazo de 15 dias antes da cessação.
5. Recurso da parte autora que se da provimento. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, visto, relatado e discutido
este processo, em que são partes as acima indicadas, decide a Décima Quarta Turma Recursal
do Juizado Especial Federal da Terceira Região, Seção Judiciária de São Paulo, por
unanimidade, dar provimento ao recurso interposto pela parte autora, nos termos do voto da
Juíza Federal Relatora Fernanda Souza Hutzler, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA