
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5078951-34.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: VERA LUCIA ALVES
Advogados do(a) APELANTE: CRISTIANE PARREIRA RENDA DE OLIVEIRA CARDOSO - SP119377-A, TAINAN PEREIRA ZIBIANI CRESPILHO - SP323143-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5078951-34.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: VERA LUCIA ALVES
Advogados do(a) APELANTE: CRISTIANE PARREIRA RENDA DE OLIVEIRA CARDOSO - SP119377-A, TAINAN PEREIRA ZIBIANI CRESPILHO - MS16480-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ajuizada em 08/07/2024, que tem por objeto a concessão de aposentadoria por invalidez ou o restabelecimento auxílio-doença, a partir do requerimento administrativo (30/06/2021).
O feito foi sentenciado em 1º/11/2023. O pedido foi julgado parcialmente procedente, para conceder à autora auxílio-doença, a partir da data do laudo pericial (30/06/2023) “até a DCB 31/08/2023”. Sobre as parcelas vencidas, determinou-se a incidência de correção monetária pela SELIC. Carregou-se à autora a integralidade das custas judiciais e de honorários advocatícios, suspendendo a exigibilidade de tais verbas (art. 98, §3º do CPC).
A requerente interpôs apelação. Nas razões desfiadas, alega, preliminarmente, a nulidade da sentença, uma vez que não lhe foi permitido formular esclarecimento sobre o laudo pericial. No mérito, requer a reforma do julgado, uma vez que se acha atacada de irremediável mal. Sustenta que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial, podendo lançar mão de outras provas constantes dos autos. Idade, escolaridade e critérios socioeconômicos também devem ser levados em conta. Invoca, ainda, o princípio in dubio pro misero. Esteada nisso, pleiteia a reforma do julgado para obter do instituto previdenciário aposentadoria por invalidez, a partir de 17/05/2017 (DII fixada na perícia judicial).
Sem contrarrazões, os autos acederam a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5078951-34.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: VERA LUCIA ALVES
Advogados do(a) APELANTE: CRISTIANE PARREIRA RENDA DE OLIVEIRA CARDOSO - SP119377-A, TAINAN PEREIRA ZIBIANI CRESPILHO - MS16480-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.
De saída, analiso o propalado cerceamento de defesa.
Percebo que a autora, nascida em 09/05/1968 (ID 293430617), esteve em gozo de auxílios-doença previdenciários nos períodos compreendidos entre 10/04/2006 e 09/07/2006 e de 17/05/2017 a 15/08/2017 (ID 293430622).
Aludidos benefícios por incapacidade foram-lhe concedidos em razão das seguintes enfermidades: leiomioma do útero (CID D25) e diabetes mellitus não insulino dependente (CID E11) (consulta ao sistema SAT Central).
Aviou novo pedido administrativo de benefício por incapacidade em 30/06/2021. Esse pleito foi indeferido, porque não constatada incapacidade da autora para o trabalho em exame médico realizado pelo INSS (ID 293430624).
Inconformada, a autora intentou a presente ação em 08/07/2024.
Em suas dobras, observado o devido processo legal, exame médico-pericial foi elaborado em 27/01/2023, pelo doutor Fábio da Hora Silva, ginecologista e obstetra (ID 293430719).
Os achados revelam que a autora – doméstica, com escolaridade correspondente à segunda série do ensino fundamental – padece de hipertensão essencial primária (CID I10), diabetes mellitus não insulino (CID E11), transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia (CID M511) e síndrome do manguito rotador (CID M75.1).
No corpo do laudo, expôs o senhor Louvado: “Mediante avaliação da autora Sr(a). Vera Lucia Alves, portadora de doenças crônicas e musculoesquelética, estando clinicamente estável em tratamento conservador medicamentoso, negou fisioterapia, negou agenda de cirurgia. EF: achado inflamatório região ombro MSD, sendo autora portadora de limitações físicas da faixa de idade com redução física funcional; em atual perícia foi constatado incapacidade total temporária para o trabalho ou atividade habitual. Sugiro afastamento por 60 dias a partir de 30/06/2023” (ID 293430719 – Pág. 4).
Fixou a DII em 17/05/2017 (ID 293430719 -- Pág. 5 -- quesito "i").
Em contraponto, a autora trouxe a lume relatórios médicos, emitidos por especialista em Ortopedia e Traumatologia, passados em 2021, 2022 e 2023 (ID’s 293430621, 293430707 e 293430735). Os documentos revelam o seguinte quadro: “apresenta tendinopatia do infra e supra espinhal. Bursite do sub escapular evidenciada em US de ombro (20/05/2021), referindo dificuldade em executar suas atividades laborais”; “possui dores lombares intensas e limitantes; ao exame físico nota-se dor importante à palpação da região lombar, rotação dolorosa na coluna lombar e sinal de lasegue positivo. Possui ressonância de coluna lombar (18/06/2022), com sinais de osteodegeneração lombar, abaulamentos discais a nível lombar associados a radiculopatia. USG de ombro direito (2021) com sinais de tendinopatia do maguito rotador. (...) sugiro manutenção do afastamento laborativo por tempo indeterminado por tratar-se de lesão crônica com limitação e sem previsão de alta ambulatorial”. Mencionados atestados médicos relatam que a autora está em tratamento clínico e fisioterápico.
Não custa remarcar que na radiculopatia, segundo a literatura médica e com base na observação de outros inúmeros casos (art. 375 do CPC), os sintomas incluem dor severa e constante, dormência e formigamento extensos, intensa fraqueza muscular e possível perda de função dos membros afetados. Tais sintomas cursam com incapacidade, sobretudo na função de empregada doméstica, que recruta esforço físico, deambulação constante e carregamento de peso, para ficar só nessas.
Mesmo em meio a esses elementos em importante medida descoincidentes, o nobre juiz de origem proferiu desde logo sentença, com a concessão do auxílio-doença (ID 293430727).
Nas razões de apelação, a autora sustenta a sua incapacidade total e permanente para a prática laborativa, a ensejar a concessão da aposentadoria por invalidez.
Entretanto, a concessão do benefício de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez pressupõe a averiguação da (in)capacidade do segurado para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.
Na hipótese, porque a prova dos fatos debatidos na lide dependia de conhecimento técnico, o juiz -- que deles não dispõe -- faz-se assistir por especialista.
O direito à prova pericial regularmente produzida é corolário do devido processo legal, direito inarredável à justa solução do litígio.
O artigo 465 do CPC preceitua: "O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo".
Recurso a especialista é deveras necessário, quando se trata de esclarecer questões técnicas determinantes para o julgamento da causa.
Na espécie, sopesados os elementos carreados aos autos, impõe-se a realização de nova perícia por médico ortopedista, especialista na patologia alegada pela autora, em ordem a bem instruir a demanda e municiar o juiz de elementos seguros à construção da decisão a ser proferida.
Nesse sentido:
“CONSTITUCIONAL. SEGURIDADE SOCIAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. BPC-LOAS. ART. 203, V, CF/88. LEI N. 8.742/93. NECESSIDADE DE PERÍCIA MÉDICA. LAUDO INSUFICIENTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE. APELO DA PARTE AUTORA PROVIDO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Necessidade de prova pericial, a fim de que se comprove o preenchimento dos requisitos legais exigidos para a concessão do BPC-LOAS.
- O laudo médico pericial juntado aos autos não se mostrou suficiente para auxiliar esta Relatora na convicção dos fatos alegados, havendo necessidade de realização de uma nova perícia, para que as doenças apontadas pela parte autora nas suas peças sejam investigadas e as dúvidas a respeito da incapacidade dirimidas.
- O julgamento da lide, sem a realização de nova perícia, requerida pela parte autora de forma expressa e justificada, consubstanciou-se em evidente cerceamento do direito constitucional à ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88).
- Apelo da parte autora provido. Sentença desconstituída” (AC nº 5496053-77.2019.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Cristina Melo, j. 13/02/2024, intimação via sistema 16/02/2024).
“DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA/APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. PRELIMINAR ACOLHIDA. NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NECESSIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO DO LAUDO PERICIAL. RECURSO PREJUDICADO NO MÉRITO.
- Na r. sentença foi julgado improcedente o pedido inicial, embasada na conclusão do laudo pericial, que não constatou a existência de incapacidade laboral.
- Verifica-se que a perita é médica especialista em clínica geral, e concluiu pela ausência de incapacidade laborativa da parte autora, portadora de patologias psiquiátricas, cabendo salientar que tal conclusão não se coaduna aos documentos apresentados, que informam a existência de incapacidade laboral em razão dessas afecções.
- No entanto, apesar dos documentos médicos particulares da parte autora evidenciarem uma suposta incapacidade laborativa, vale destacar que a perícia administrativa realizada pela autarquia federal atesta a ausência de incapacidade laboral, de modo que se mostra necessária a realização de nova perícia judicial, a fim de se confirmar, ou não, a existência de incapacidade laborativa do requerente.
- Assim, para verificação do preenchimento do requisito incapacidade laboral, carecem estes autos da devida instrução em primeira instância, uma vez que a sentença apreciou o pedido inicial sem a necessária complementação do laudo pericial, o que implica cerceamento de defesa e enseja a nulidade do feito.
- Preliminar acolhida. Apelação da parte autora prejudicada no mérito” (AC nº 5002184-86.2023.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Gilberto Jordan, j. 1º/06/2023, DJEN 07/06/2023).
De rigor, assim, a anulação da sentença proferida, com o retorno dos autos à vara de origem para a regular instrução do feito.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para anular a sentença, com vistas a viabilizar perícia por médico capaz de avaliar a autora sob o prisma ortopédico, na forma da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. PROVA PERICIAL NÃO CONCLUÍDA. SENTENÇA ANULADA.
- A autora, empregada doméstica e portadora de patologias ortopédicas, alega estar total e permanentemente incapacitada para o labor.
- A conclusão do laudo pericial emitido por médico Ginecologista e Obstetra está discrepante de documentos médicos juntados pela autora, passados por especialista em Ortopedia, embora não se controverta sobre a existência das enfermidades.
- A sentença recorrida concedeu auxílio-doença à parte autora, entendendo desnecessária a realização de nova perícia médica por ortopedista.
- Prova pericial realizada, a qual, entretanto, carece de aprofundamento.
- Corolário disso é a anulação da sentença proferida, como se requereu no recurso, com o retorno dos autos à vara de origem para regular instrução e novo julgamento.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
JUÍZA FEDERAL CONVOCADA