Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000249-53.2018.4.03.6000
Relator(a)
Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA
Órgão Julgador
1ª Turma
Data do Julgamento
18/03/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 26/03/2020
Ementa
E M E N T A
CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. ACIDENTE DO TRABALHO . AÇÃO DE REGRESSO
MOVIDA PELO INSS CONTRA A EMPREGADORA E A EMPRESA TOMADORA DE
SERVIÇOS. ART. 120 DA LEI 8.213/91. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CULPA
DEMONSTRADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELOS DAS CORRÉS DESPROVIDOS.
1. Ação regressiva ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) visando ao
ressarcimento dos valores despendidos a título de pagamento de benefício previdenciário
decorrente de acidente de trabalho, por culpa das rés.
2. Deve responder a empresa, em sede de ação regressiva, pelos valores pagos pela Autarquia
Previdenciária nos casos em que o benefício decorra de acidente laboral ocorrido por culpa da
empresa, em pleno descumprimento das normas de higiene de segurança do trabalho . (art. 19,
§1º c/c art. 120, da Lei nº 8.213/91).
3. O segurado, empregado da COESO, prestava serviços para a ENERGISA quando sofreu
lesões decorrentes de grave acidente de trabalho .
4. À luz dos elementos probatórios coligidos aos autos, comprovada a negligência mútua das
empresas no acidente , razão pela qual devem ser responsabilizadas solidariamente a ressarcir
ao erário os valores pagos a título de benefício previdenciário, em decorrência das violações às
normas de segurança e higiene do trabalho previstas no artigo 157, inciso I da CLT.
5. Arcarão as corrés com o pagamento de honorários advocatícios, pro rata, fixados em 12% do
valor da condenação.
6. Apelos desprovidos.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000249-53.2018.4.03.6000
RELATOR:Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: ENERGISA MATO GROSSO DO SUL - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.,
COESO - COOPERATIVA DE ENERGIZACAO E DESENVOLVIMENTO RURAL DO SUDOESTE
SULMATOGROSSENSE
Advogado do(a) APELANTE: EDYEN VALENTE CALEPIS - MS8767
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO FRIOLLI PINTO - MS12233
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000249-53.2018.4.03.6000
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: ENERGISA MATO GROSSO DO SUL - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.,
COESO - COOPERATIVA DE ENERGIZACAO E DESENVOLVIMENTO RURAL DO SUDOESTE
SULMATOGROSSENSE
Advogado do(a) APELANTE: EDYEN VALENTE CALEPIS - MS8767
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO FRIOLLI PINTO - MS12233
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
Trata-se de ação regressiva ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS,
com base nos artigos 120 e 121 da Lei nº 8.213/91, em desfavor ENERGISA Mato Grosso do Sul
– Distribuidora de Energia S.A., e da Cooperativa de Energização e Desenvolvimento Rural do
Sudoeste Sul-Mato-Grossense Ltda – COESO, objetivando o ressarcimento dos valores
despendidos com o pagamento de benefício previdenciário n.º 541.836.456-5, decorrente de
grave acidente de trabalho , sofrido por Clóvis Gonçalves, supostamente por negligência das
empresas no cumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho .
Sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida, para condenar as
rés, solidariamente, ao ressarcimento, em favor da Autarquia Previdenciária, dos valores
despendidos e por despender com o pagamento do benefício previdenciário auferido pelo
segurado. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, pro rata.
Apela as rés, pugnando pela reforma da sentença, ao argumento de que o acidente ocorreu por
culpa exclusiva do segurado.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000249-53.2018.4.03.6000
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: ENERGISA MATO GROSSO DO SUL - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.,
COESO - COOPERATIVA DE ENERGIZACAO E DESENVOLVIMENTO RURAL DO SUDOESTE
SULMATOGROSSENSE
Advogado do(a) APELANTE: EDYEN VALENTE CALEPIS - MS8767
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO FRIOLLI PINTO - MS12233
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
Em breve síntese, narra a inicial que, 26/06/2010, o segurado Clóvis Gonçalves, empregado da
COESO, sofreu grave acidente quando prestava serviços em favor da ENERGISA, ao realizar a
manutenção em torre de alta tensão, no município de Dois Irmãos do Buriti/MS, ocasião em que
sofreu um choque elétrico, vindo a perder parte do braço direito, além de sofrer várias
queimaduras.
Em razão do referido acidente , foi concedido ao segurado o benefícios n.º 541.836.456-8, da
espécie auxílio-doença por acidente do trabalho, cujo ressarcimento o INSS requer.
O dano e o nexo de causalidade restam incontroversos.
Da responsabilidade solidária
Conforme dispõe o art. 120, da Lei nº 8.213/91, "nos casos de negligência quanto às normas
padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a
Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis". Tal previsão decorre da
regra inserta no art. 19, §1º, do mesmo diploma legal, cuja disposição estabelece que "a empresa
é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da
saúde do trabalho ".
No mesmo sentido, a Consolidação das Leis do trabalho (CLT), no art. 157, inciso I, instrui que
"cabe às empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho ",
bem como "instruir os empregados [...] quanto às precauções a tomar no sentido de evitar
acidente s do trabalho ou doenças ocupacionais" e "adotar as medidas que lhes sejam
determinadas pelo órgão regional competente".
Observa-se, portanto, que a legislação pátria é explícita e resoluta ao impor à empresa o dever de
adotar medidas protetivas obrigatórias, bem como responder, em sede de ação regressiva, pelos
eventuais valores pagos pela Autarquia nos casos em que o benefício previdenciário decorra de
acidente laboral ocorrido por culpa da empresa, pelo descumprimento das normas de saúde e
segurança do trabalho .
In casu, a corré ENERGISA trouxe aos autos Relatório Técnico sobre Acidente de Trabalho –
Prestador de Serviço, contendo relato da testemunha Edino Souza Pereira, capataz da Fazenda
Nossa Senhora Aparecida, que afirmou que:
“No local onde ocorreu o acidente, viu quando Clóvis Gonçalves passou um aparelho ‘amarelinho’
na rede, inclusive ouviu a informação dada por Clóvis que sem passar o equipamento não poderia
tocar na rede, e depois viu o acidentado passar também o alicate para testar (...). Viu o
acidentado passar a corda no cabo, soltá-la para o outro membro da equipe que estava embaixo
no solo e, quando tocou novamente o condutor, sofreu o choque”.
O Relatório da ENERGISA concluiu que, dentre outras, a seguinte causa concorreu para o
infortúnio:
1 – Falta de cumprimento por parte da EDIB01, dos procedimentos de segurança e
desernegização (testar a ausência de tensão e instalar conjunto de aterramento temporário) do
ramal primário da rede de distribuição de derivação para o posto de transformação. Conclui-se
também que embora o relato da equipe EDIB01 ter afirmado que foi realizado o teste de ausência
de tensão, acredita-se que o equipamento não sinalizou a presença de tensão, sendo que mesmo
após as informações colhidas junto aos envolvidos e a tratativa apurada com o COF, se tal fato
de testar a rede efetivamente tivesse sido feito corretamente, haveria o alerta de que a rede
estava energizada; [grifei]
Ademais, depreende-se da Investigação e Análise de Acidentes levada a efeito pela COESO,
apurou grave falha na comunicação, uma vez que a equipe prestadora de serviços – EDIB01 –
equivocou-se acerca do local a que se referia o chamado, rumando para destino diverso, onde,
coincidentemente, também se faziam necessários reparos técnicos.
Como bem consignou o Juízo de Primeiro Grau, cujo excerto ora transcrevo, com a devida vênia:
“Com efeito, restou comprovado que não houve a desernegização/aterramento das instalações
elétricas (NR 10.2.8.2), além da falta do aparelho que realizava a constatação da ausência de
tensão (NR 10.5.1,c). Ademais, conforme fl. 359, o segurado estava utilizando ‘escada de fibra
portátil para subida e acesso na estrutura’, em descumprimento à NR 12, anexo XII”.
Portanto, exaustivamente demonstrada a responsabilidade da empregadora COESO, que sequer
fornecia equipamento adequado, em face do defeito apresentado pelo aparelho destinado à
constatação da ausência de tensão, bem como pela culpa in vigilando no tocante à fiscalização
do cumprimento das medidas de segurança do trabalho.
Por oportuno, há que se consignar que é dever do empregador assegurar a incolumidade dos
seus empregados.
Nesse diapasão:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO . CULPA PRESUMIDA DO EMPREGADOR. INCOLUMIDADE
FÍSICA E PSICOLÓGICA DO EMPREGADO. COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO
DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte de Justiça é firme no sentido de reconhecer que a
responsabilidade do empregador, decorrente de acidente de trabalho , é, em regra, subjetiva,
fundada em presunção relativa de sua culpa. Cabe, assim, ao empregador o ônus da prova
quanto à existência de alguma causa excludente de sua responsabilidade, tal como comprovar
que tomou todas as medidas necessárias à preservação da incolumidade física e psicológica do
empregado em seu ambiente de trabalho , respeitando as normas de segurança e medicina do
trabalho .
2. Na hipótese, o eg. Tribunal de origem, diante do contexto fático-probatório dos autos, excluiu a
responsabilidade da empregadora pelo evento ocorrido, diante da comprovação de que foram
tomadas todas as medidas necessárias à preservação da incolumidade física do trabalhador. O
reexame da questão, na via estreita do recurso especial, esbarra no óbice da Súmula 7 do
Superior Tribunal de Justiça.
3. Agravo interno desprovido.
(STJ, AgRg nos EDcl no Ag 951194/SP, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, DJe
11/12/2013)
De outro viés, considerando a relação jurídica existente era entre a COESO e a ENERGISA
(prestação de serviços terceirizados), o dever de garantir a segurança e higiene do trabalho é
mutuo e não excludente, consoante preconizado na NR-5, do Ministério do trabalho e Emprego, e
na Convenção n.º 155 da Organização Internacional do trabalho .
Ao teor do que se infere do conjunto probatório coligido aos autos, a ENERGISA concorreu para o
sinistro com culpa in elegendo quando da contratação da prestação de serviços, porquanto não
se assegurou que a empresa cumprisse as medidas básicas de segurança, as quais reduziriam
sensivelmente a nocividade do labor terceirizado. Vale dizer, negligenciou as condições em que
os serviços eram prestados.
A par dessas considerações, resta perfeitamente comprovada, à luz de fatos e normas, a culpa e,
consequentemente, a responsabilidade solidária das empresas, bem como o nexo de causalidade
da negligência de ambas para a ocorrência o evento danoso, de sorte que o ressarcimento do
montante pago pelos benefícios acidentários referidos na inicial é medida que se impõe.
Os honorários advocatícios são devidos pelas rés, pro rata, no montante de 12% do valor da
condenação, nos termos do artigo 85, §§2°, 3° e 11 do CPC/15.
Dispositivo
Ante o exposto, nego provimento às apelações. Honorários advocatícios devidos pelas rés, pro
rata, no montante de 12% do valor da condenação, nos termos do artigo 85, §§2°, 3° e 11 do
CPC/15.
É o voto.
DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY:
Reconheço, de ofício, a ilegitimidade passiva da corré ENERGISA, condenando o INSS ao
pagamento de honorários advocatícios em favor dos advogados desta parte, que ora fixo em 10%
sobre o valor atualizado da causa (R$ 64.096,72 em abril de 2013), e acompanho o Relator para
negar provimento à apelação da corré COESO.
De início, verifico que a legitimidade de parte é matéria de ordem pública e, como tal, pode ser
conhecida de ofício em qualquer tempo ou grau de jurisdição (art. 267, § 3º e art. 471, II, do
CPC/73).
Dito isto, destaco que a Jurisprudência fixou o entendimento de que o ordenamento jurídico
acolheu a teoria da asserção, segundo à qual é parte legítima para o processo, em princípio,
aquele que o autor indicar como tal, devendo esta premissa ser afastada apenas nos casos em
que esta indicação transbordar os limites da razoabilidade e proporcionalidade. Confira-se julgado
exemplificativo da tese acolhida pelo C. Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL NA NARRAÇÃO CONTIDA NA PETIÇÃO VESTIBULAR.
CONDIÇÕES DA AÇÃO. LIMITES RAZOÁVEIS E PROPORCIONAIS PARA A APLICAÇÃO DA
TEORIA DA ASSERÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ENTE ESTATAL.
1. A teoria da asserção estabelece direito potestativo para o autor do recurso de que sejam
consideradas as suas alegações em abstrato para a verificação das condições da ação,
entretanto essa potestade deve ser limitada pela proporcionalidade e pela razoabilidade, a fim de
que seja evitado abuso do direito.
2. O momento de verificação das condições da ação, nos termos daquela teoria, dar-se-á no
primeiro contato que o julgador tem com a petição inicial, ou seja, no instante da prolação do juízo
de admissibilidade inicial do procedimento. Logo, a verificação da legitimidade passiva ad causam
independe de dilação probatória na instância de origem e de reexame fático-probatório na esfera
extraordinária.
3. Não se há falar em legitimidade passiva ad causam quando as alegações da peça vestibular
ilustrarem de maneira cristalina que o réu não figura na relação jurídica de direito material nem
em qualquer relação de causalidade.
Agravo regimental provido.
(STJ, AgRg no REsp nº 1.095.276/MG. Rel. Min. Humberto Martins. Segunda Turma, DJe:
11/06/2010). (destaquei).
Quanto a isto, colaciono os ensinamentos de Cândido Rangel Dinamarco:
"Ser parte não significa necessariamente ser parte legítima. A condição de parte na demanda é
determinada exclusivamente pelo fato objetivo de o sujeito comparecer pedindo, sendo portanto
autor; ou figurar nela como aquele em face do qual o autor pede uma providência jurisdicional,
sendo portanto réu. Depois, se o primeiro é ou não a pessoa que a lei autoriza a defender em
juízo aquele alegado direito ou se o segundo é realmente o sujeito que deve suportar os efeitos
da providência pedida, isso não lhes subtrai a condição rigorosamente objetiva de partes na
demanda (conceito puro de parte - infra, n. 520). A condição objetiva de parte afere-se no plano
do ser e a condição ideal de parte legítima, do dever-ser. (...)
Legitimidade ad causam é qualidade para estar em juízo, como demandante ou demandado, em
relação a determinado conflito trazido ao exame do juiz. Ela depende sempre de uma necessária
relação entre o sujeito e a causa e traduz-se na relevância que o resultado deste virá a ter sobre
sua esfera de direitos, seja para favorecê-la ou restringi-la. Sempre que a procedência de uma
demanda seja apta a melhorar o patrimônio ou a vida do autor, ele será parte legítima; sempre
que ela for apta a atuar sobre a vida ou patrimônio do réu, também esse será parte legítima. Daí
conceituar-se essa condição da ação como relação de legítima adequação entre o sujeito e a
causa".
(DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. P. 121 e 313. São
Paulo, Malheiros: 2009). (grifos nossos).
Ocorre que a ação de regresso prevista no artigo 120, da Lei n 8.213/91, não se confunde com a
responsabilidade civil geral, dado que elege como elemento necessário para sua incidência a
existência de "negligência quanto às normas gerais de padrão de segurança e higiene do
trabalho".
A dicção legal é clara ao não estabelecer a responsabilidade também por negligência quanto a
eventuais condutas pontuais em desacordo com aquelas normas de segurança e higiene do
trabalho. A lei não elege, como se vê, a responsabilidade ( regressiva ) em razão de acidente
ocorrido sob o manto da infortunística pura.
E o que se há de entender por normas gerais, posta pelo artigo120 supra referido, que dá suporte
à ação regressiva ?
Normas gerais, no contexto legal da legislação infortunística, são aquelas estabelecidas para
dado segmento econômico como "standards" ou padrões de segurança, segundo normas básicas
firmadas pelos respectivos órgãos encarregados de estabelecer tais parâmetros mínimos (e
gerais) de comportamentos, de uso de equipamentos adequados à execução da atividade laboral,
e condutas adequadas a evitar os riscos decorrentes do exercício do trabalho.
Portanto, atendendo a empresa a esses padrões básicos, em todo o conjunto de seu complexo
industrial ou comercial, não se há de falar, em ocorrendo evento infortunístico, em sua pronta
responsabilidade, uma vez comprovado o estrito cumprimento das regras e princípios gerais da
ergasiotiquerologia.
Eventos ocasionais, pontuais, ocorridos dentro de circunstâncias que não decorram diretamente
da violação ou descumprimento - pela empresa - de observância de regras e normas gerais de
segurança e higiene do trabalho, não se há de falar em ação regressiva contra o empregador.
Ainda que assim não fosse, o sistema de seguridade de acidentes de trabalho vigente em nosso
ordenamento compreende a cobertura de infortúnios ocasionais à Previdência Social, mediante o
regime contributivo (CF, art. 201, § 10 : "Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do
trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor
privado").
Neste ponto, trago à colação uma breve síntese da evolução histórica sobre a responsabilidade
civil quanto aos acidentes do trabalho em nosso ordenamento, conforme os ensinamentos de
Humberto Theodoro Júnior (Acidente do Trabalho na Nova Constituição. Disponível em
https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1016/949):
O Decreto n° 3.724, de 15/01/1919, foi a primeira lei a tratar de acidentes do trabalho no país e
admitia o risco profissional do empresário, mas de modo restritivo, abrangendo apenas certas
atividades e adotando critério restritivo para as doenças profissionais. Muito embora a
indenização estivesse a cargo do empregador, não havia a obrigatoriedade do seguro, de modo
que não existia garantia do efetivo pagamento.
Após a Revolução de 1930, adveio o Decreto n° 24.637, de 10/07/1934, que ampliou a área de
abrangência da tutela infortunística e - o que é mais importante - obrigou o empregador à
contratação de seguro específico para este fim ou à realização de depósito em valor proporcional
ao número de empregados, "podendo a importância do depósito, a juízo das autoridades
competentes, ser elevada até ao triplo, si se tratar de risco excepcional ou coletivamente
perigoso" (art. 30, caput e parágrafos, do Decreto n° 24.637/1934).
Já na Constituição de 1934, promulgada poucos dias depois do decreto, a garantia de reparação
dos danos advindos do acidente do trabalho ganhou assento constitucional (art. 121, alínea h da
Constituição Federal de 1934).
O Decreto n° 24.637/1934 continuou em vigor sob a égide da Constituição de 1937, até que
sobreveio o Decreto-Lei n° 7.036, de 10.11.44. Ali se acolheu a teoria do risco da atividade,
dando-se maior amplitude ao conceito de empregado e dos eventos que se poderiam considerar
como acidentes do trabalho, incluindo lesões e mortes em que o trabalho não seria causa
exclusiva, mas apenas concausa.
O seguro manteve-se obrigatório, mas, se antes tinha de ser contratado perante "companhias ou
sindicatos profissionais legalmente autorizados a operar em seguros contra acidentes do
trabalho", agora devia ser realizado "na instituição de previdência social a que estiver filiado o
empregado" (art. 36, § 1º do Decreto 24.637/1934 e art. 95 do Decreto-Lei n° 7.036/1944).
Sobreveio o Decreto-Lei n° 293, de 28/01/1967, transferindo o seguro para as companhias
seguradoras privadas. Não obstante, este regime teve vida curta, posto que sobreveio a Lei n°
5.316, de 14/09/1967, que, além de ampliar o conceito de acidente do trabalho para fins de
cobertura infortunística, incluindo eventos ocorridos fora da empresa e longe da vigilância do
empregador, tornou obrigatória a contratação do seguro acidentário junto à Previdência Social
(art. 1° da Lei n° 5.316/1967).
Com a Constituição de 1969, consagrou-se a transformação total do seguro acidentário em
seguro social, com a expressa previsão de que tais riscos estariam cobertos pela "previdência
social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro-desemprêgo, seguro contra
acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante contribuição da União, do
empregador e do empregado" (art. 165, XVI da Constituição de 1969).
Evidentemente, este regime contributivo foi adotado pela Constituição Federal de 1988, que
deixou a cargo do legislador infraconstitucional disciplinar a cobertura do risco de acidente do
trabalho, "a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor
privado" (art. 201, § 10 da Constituição Federal de 1988).
Conclusão:
O que se dessume de toda essa evolução da cobertura social ao acidente do trabalho, é que a
responsabilidade pelo pagamento dos eventos decorrentes dos infortúnios é da Seguridade
Social, que, por sua vez, conta com ingressos (obrigatórios) de recursos pela iniciativa privada,
precisamente para esse tipo de reparação social-laboral.
As duas únicas exceções à exclusividade pela reparação acidentária, pelo INSS , são postas pela
própria Constituição, em seu artigo 7º, inciso XXVIII, que estabelece como direito do trabalho o
"seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que
está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa" (replicado no artigo 121, da Lei 8.213-91: "O
pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a
responsabilidade civil da empresa ou de outrem").
Já o artigo 120, que não tem estofo constitucional, como se vê dos termos claros do artigo 7º, que
trata de dolo ou culpa (responsabilidade civil, portanto), introduziu uma outra exceção à regra da
cobertura social exclusivamente pelo INSS (suportada por contribuições dos segmentos
econômicos correspondentes), estabelecendo um direito que denomina "de regresso" contra o
empregador em caso de descumprimento a "normas gerais de segurança e higiene do trabalho").
Essa hipótese, como se vê, excepciona a regra geral de responsabilidade regressiva do
empregador, que conta com cobertura securitária social impositiva, devendo, em razão disso, ser
interpretada igualmente de modo excepcional e restrito, sem alargamentos hermenêuticos.
Assim, o direito de regresso posto pelo artigo 120, da Lei nº 8.213/91 só se justificará nas
hipóteses de ocorrências das circunstâncias expressas na própria lei de regência excepcional.
E tal raciocínio se justifica por uma razão elementar: à Seguridade Social (autarquia) é dado o
encargo de arrecadar recursos e cobrir, precipuamente, o risco social do acidente de trabalho,
pagando diretamente ao segurado ou a seus dependentes o respectivo benefício previdenciário.
Apenas excepcionalmente, na hipótese de descumprimento, pelo empregador, de normas padrão
de segurança e higiene do trabalho, do qual decorra diretamente o acidente de trabalho, é que
exsurge o dever de o empreendedor ressarcir aos cofres da autarquia previdenciária os valores
despendidos a este título.
Tanto isto é verdade que a Lei n° 6.367/1976 prevê que os encargos decorrentes da cobertura de
acidentes de trabalho serão realizados pelas contribuições previdenciárias devidas pela empresa,
acrescendo uma alíquota de 0,4%, 1,2% ou 2,5% à contribuição do empregador de acordo com o
grau de risco da atividade empreendida, se classificado como leve, médio ou grave (art. 15, caput
e incisos I a III da Lei n° 6.367/1976).
Assim, quanto maior for o risco da atividade empresarial - portanto, maior a probabilidade de o
risco social coberto pela Previdência Social vir a se concretizar - tanto maior será a contribuição
do empregador à autarquia previdenciária.
Em outras palavras, resta cristalino que o atual regime constitucional da responsabilidade
acidentária prevê que o risco social do acidente do trabalho está coberto pelo sistema de
seguridade social, gerido pelo INSS e para o qual contribuem os empregadores.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa Corte, como se vê dos seguintes precedentes:
AÇÃO REGRESSIVA . ARTIGOS 120 e 121 DA LEI Nº 8.213/91. CABIMENTO. NÃO
COMPROVAÇÃO DE NEGLIGÊNCIA DA APELADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. APELO
DESPROVIDO.
I - O artigo 120 da Lei nº 8.213/91 determina que o INSS proponha ação em face dos
responsáveis pelo acidente do trabalho, e não necessariamente em face apenas do empregador.
Sendo assim, tem-se que o empregador pode ser responsabilizado em conjunto com o tomador
de serviços, como ocorre no presente caso.
II - O Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela possibilidade de cabimento de Ação regressiva
pelo INSS contra Empresa em que ocorreu acidente de trabalho quando comprovada a existência
de negligência do empregador.
III - Como se sabe, o legislador pátrio, no que tange à responsabilização do tomador dos serviços
em relação aos danos havidos na relação de trabalho, adotou uma forma híbrida de
ressarcimento, caracterizada pela combinação da teoria do seguro social - as prestações por
acidente de trabalho são cobertas pela Previdência Social - e responsabilidade subjetiva do
empregador com base na teoria da culpa contratual. Nessa linha, cabe ao empregador indenizar
os danos causados ao trabalhador quando agir dolosa ou culposamente.
IV - No caso dos autos, observando-se o conjunto probatório trazido aos autos pela parte autora,
tem-se que o evento ocorrido se deu por culpa exclusiva da vítima, não se desincumbindo, dessa
forma, o INSS de comprovar a negligência da empresa ré quanto à observância das normas de
segurança do trabalho, fato constitutivo de seu direito, nos termos do artigo 373, inciso I, do Novo
Código de Processo Civil.
V - Apelação desprovida.
(TRF3, AC n° 0004360-62.2009.4.03.6104. Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães. Segunda Turma, e-
DJF3: 01/03/2018).
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DECORRENTE DE
ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA PROPOSTA PELO INSS CONTRA O
EMPREGADOR. IMPROCEDÊNCIA.
1. Da simples leitura do artigo 201 da Constituição Federal, verifica-se que todos os eventos
garantidos pela Previdência Social são eventos futuros e incertos, ou seja, embora se diga que o
sistema é de filiação obrigatória e contributivo, devendo os filiados contribuírem para manter essa
qualidade, apenas fará jus ao benefício previdenciário o filiado que for acometido de uma das
situações listadas como adequada para gerar o direito ao benefício.
2. Por haver a possibilidade de o filiado contribuir mês a mês, porém, sem nunca fazer uso de
quaisquer dos benefícios regulados na Previdência Social, é que se afirma que o Regime Geral
de Previdência Social - RGPS é um sistema de seguro, no qual o filiado, acometido por uma das
situações seguradas, irá fazer jus ao benefício.
3. A Lei 8.213/91 buscou uma forma de a Previdência ressarcir-se dos prejuízos decorrentes do
custeio do benefício por acidente de trabalho. No entanto, retira-se do sistema a característica de
seguro, o que não se mostra possível admitir, na medida em que passa a criar a possibilidade de
o INSS , órgão arrecadador e responsável pelas contribuições sociais, uma ação regressiva em
face do empregador que tenha agido com culpa na ocorrência do acidente.
4. Por já haver previsibilidade de que a empregadora pague uma contribuição social, deve ser
entendido que o benefício é um seguro pago para o empregado acidentado, mas também um
seguro para a empresa, que pagando sua contribuição, não precise arcar com o sustento de um
empregado que tenha se acidentado.
5. O Seguro de Acidente de Trabalho - SAT destina-se a cobrir também os casos em que há
culpa da empresa, porquanto esse requisito já está incluído no cálculo dessa contribuição.
6. Há evidente bis in idem na exigência do INSS em reembolsar valores que já estão sendo
calculados e exigidos dos empregadores. Sem contar, ainda, na excessiva onerosidade que tal
medida acarretaria ao empregador, pois a autarquia estaria buscando judicialmente o reembolso
de valores gastos com benefícios concedidos que já estariam sendo custeados, inclusive, de
forma individualizada, com o SAT.
7. Apelo desprovido.
(TRF3, ApelReex n° 0035809-07.1996.4.03.6100. Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho. Quinta
Turma, e-DJF3: 11/10/2012).
Desta forma, para que se decida pelo dever de ressarcimento à autarquia previdenciária, tornam-
se necessárias as demonstrações de que a) a empresa tenha deixado de observar as normas
gerais de segurança e higiene do trabalho e b) que o acidente tenha decorrido diretamente desta
inobservância, hipóteses estas imputáveis, tão somente, à pessoa empregadora do segurado
vitimado.
Sendo assim, reconheço, de ofício, a ilegitimidade passiva da corré ENERGISA, condenando o
INSS ao pagamento de honorários advocatícios em favor dos advogados desta parte, que ora fixo
em 10% sobre o valor atualizado da causa (R$ 64.096,72 em abril de 2013), e acompanho o
Relator para negar provimento à apelação da corré COESO.
E M E N T A
CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. ACIDENTE DO TRABALHO . AÇÃO DE REGRESSO
MOVIDA PELO INSS CONTRA A EMPREGADORA E A EMPRESA TOMADORA DE
SERVIÇOS. ART. 120 DA LEI 8.213/91. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CULPA
DEMONSTRADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELOS DAS CORRÉS DESPROVIDOS.
1. Ação regressiva ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) visando ao
ressarcimento dos valores despendidos a título de pagamento de benefício previdenciário
decorrente de acidente de trabalho, por culpa das rés.
2. Deve responder a empresa, em sede de ação regressiva, pelos valores pagos pela Autarquia
Previdenciária nos casos em que o benefício decorra de acidente laboral ocorrido por culpa da
empresa, em pleno descumprimento das normas de higiene de segurança do trabalho . (art. 19,
§1º c/c art. 120, da Lei nº 8.213/91).
3. O segurado, empregado da COESO, prestava serviços para a ENERGISA quando sofreu
lesões decorrentes de grave acidente de trabalho .
4. À luz dos elementos probatórios coligidos aos autos, comprovada a negligência mútua das
empresas no acidente , razão pela qual devem ser responsabilizadas solidariamente a ressarcir
ao erário os valores pagos a título de benefício previdenciário, em decorrência das violações às
normas de segurança e higiene do trabalho previstas no artigo 157, inciso I da CLT.
5. Arcarão as corrés com o pagamento de honorários advocatícios, pro rata, fixados em 12% do
valor da condenação.
6. Apelos desprovidos. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, por maioria, negou
provimento às apelações, nos termos do voto do relator Desembargador Federal Hélio Nogueira,
acompanhado pelo Juiz Federal Convocado Erik Gramstrup e pelos Desembargadores Federais
Peixoto Júnior e Cotrim Guimarães; vencido o Desembargador Federal Wilson Zauhy que
reconhecia, de ofício, a ilegitimidade passiva da corré ENERGISA, condenando o INSS ao
pagamento de honorários advocatícios em favor dos advogados desta parte, que fixava em 10%
sobre o valor atualizado da causa (R$ 64.096,72 em abril de 2013), e acompanhava o Relator
para negar provimento à apelação da corré COESO, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA