D.E. Publicado em 29/01/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação da empresa-ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005161-44.2001.4.03.6108/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação de regresso ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra a KRAFT SUCHARD BRASIL S/A, sucedido por KRAFT FOODS BRASIL S/A, objetivando a condenação do réu ao ressarcimento dos valores que despendeu a título de benefícios previdenciários em favor da Sra. Célia Regina de Jesus, Sra. Ordalinda Dores de Souza e Sra Sueli Barcello Nascimento, empregadas da ré que sofreram acidente de trabalho, bem como ao ressarcimento dos valores que ainda serão pagos (parcelas vincendas) até que as seguradas completem 65 anos, com correção monetária desde a data do pagamento de cada parcela e juros de mora.
A sentença julgou procedente o pedido, resolvendo o mérito nos termos do art. 269, I, do CPC, para condenar a empresa ré a:
Em suas razões de apelação (fls. 647/675), a ré requer seja conhecido e provido o agravo retido de fls. 444/455 para anular a sentença e extinguir o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, CPC, por impossibilidade jurídica do pedido.
Quanto ao mérito, sustenta a ré que:
a) má valoração da prova produzida, pois o MM. Magistrado a quo não considerou que: (a.1) a Sra. Sueli restou vencida na ação acidentária movida contra a empresa ré, por ausência de dolo e/ou nexo causal entre a doença que a acometera, conforme sentença de fls. 376/437 e 438/443, e o seu depoimento é imprestável, pois retrata sua opinião pessoal; e (a.2) a Sra Célia foi contraditada pela apelante, porque move contra a apelante ação por acidente de trabalho;
b) em relação à Sra. Sueli, não é possível o direito de regresso contra a empresa, pois há coisa julgada no sentido de que a apelante não teve culpa no alegado acidente de trabalho;
c) em relação à Sra. Célia, defende que a prova emprestada não pode ser utilizada, pois a ação em que foi produzida ainda não fora definitivamente julgada, e que não é possível a ação de regresso antes do julgamento da ação principal;
d) o INSS não logrou comprovar a ocorrência de acidente de trabalho, pois os laudos periciais possuem as deficiências apontadas pelo assistente técnico da apelante e as testemunhas não são isentas;
e) não foi indicado qual a norma legal relacionada à segurança e medicina do trabalho que a apelante teria violado, porque não houve violação;
f) não é possível a condenação em relação aos futuros pagamentos.
Requer o provimento para julgar o pedido improcedente ou, alternativamente, seja limitado o reembolso às quantias que a autarquia efetivamente tenha demonstrado ter pagado às seguradas, exceto àquelas eventualmente pagas à Sra. Sueli, porque a ação indenizatória que esta ajuizou foi julgada improcedente.
Com as contrarrazões do INSS, subiram os autos a este E. Tribunal.
É o relatório.
VOTO
A) CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 120 DA LEI Nº 8.213/1991 E CONTRIBUIÇÃO AO SAT/RAT:
Os artigos 120 e 121 da Lei nº 8.213/91 asseguram ao INSS o direito de regresso contra o empregador nos casos de negligência do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene no ambiente de trabalho.
Verbis:
E, com a Emenda Constitucional nº 20/98, restou expressamente estabelecido que tanto a Previdência Social quanto o setor privado são responsáveis pela cobertura do risco de acidente do trabalho.
Essa responsabilidade funda-se na premissa de que os danos gerados culposamente pelo empregador ao INSS, decorrente de acidente do trabalho, não podem e não devem ser suportados por toda a sociedade em razão de atitude ilícita da empresa que não cumpre normas do ambiente de trabalho, além de possuir o escopo de evitar que o empregador continue a descumprir as normas relativas à segurança do trabalho.
Ademais, o fato de o empregador contribuir para o custeio do regime geral de previdência social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas aquela destinada ao Seguro de Acidente do Trabalho (SAT), atualmente denominada Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), não exclui a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho.
Isso porque a cobertura do SAT/RAT abrange somente os casos em que o acidente de trabalho decorre de culpa exclusiva da vítima, de caso fortuito ou de força maior.
Não abrange, portanto, os casos em que o acidente de trabalho decorre de negligência do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene no ambiente de trabalho.
Por fim, consigno que a constitucionalidade do referido dispositivo vem sendo reiteradamente reconhecida pelos Tribunais.
Colaciono os seguintes precedentes:
Portanto, não há inconstitucionalidade do art. 120 da Lei nº 8.213/91, tampouco bis in idem em relação ao SAT/RAT.
B) RESPONSABILIDADE CIVIL:
A responsabilidade do empregador, em relação ao ressarcimento dos valores despendidos pelo INSS com benefícios previdenciários concedidos em razão de acidentes de trabalho, é subjetiva (exige culpa ou dolo).
São pressupostos da responsabilidade civil subjetiva: a) ação ou omissão do agente; b) do dano experimentado pela vítima; c) do nexo causal entre a ação e omissão e o dano; d) da culpa do agente, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, verbis:
a) Ação ou omissão e b) Culpa:
Consoante art. 19, §1º, da Lei nº 8.213/91, o empregador é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador. Confira:
E mais que isso, conforme art. 157, da Consolidação das Leis do Trabalho, é dever do empregador fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança do trabalho. Confira:
Assim, é o empregador a responsável não apenas pela adoção de medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador, mas também pela fiscalização do seu cumprimento.
No âmbito das ações de regresso, considerando que se trata de responsabilidade subjetiva e que o art. 120 da Lei nº 8.213/91 exige "negligência do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene no ambiente de trabalho", entende-se que a conduta do empregador apta a ensejar a responsabilidade pelo ressarcimento ao INSS é a negligência do empregador consistente na desobediência, dolosa ou culposa, das normas regulamentares referentes à segurança e higiene no ambiente de trabalho.
Por exemplo, pode-se citar o não oferecimento de equipamento de segurança aos empregados, a não adoção de procedimentos de segurança, o não oferecimento de treinamento aos empregados, dentre outras.
c) Dano:
É o resultado naturalístico sofrido pelo empregado em razão do acidente de trabalho, que constitui também o motivo da concessão do benefício previdenciário pelo INSS.
d) Nexo de causalidade:
É o liame causal entre a negligência do empregador em relação às normas regulamentares referentes à segurança e higiene no ambiente de trabalho e o dano sofrido pelo empregado.
Vale dizer: a conduta negligente do empregador em relação às normas regulamentares referentes à segurança e higiene no ambiente de trabalho deve ser a causa do acidente de trabalho e, portanto, do dano.
Assim, se a conduta negligente do empregador em relação às normas regulamentares referentes à segurança e higiene no ambiente de trabalho for a única causa do acidente de trabalho, há responsabilidade do empregador pelo ressarcimento da totalidade dos valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário.
Por sua vez, se tanto a conduta negligente do empregador quanto a do empregado forem causas do acidente de trabalho (concurso de causas), há responsabilidade do empregador pelo ressarcimento somente da metade dos valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário.
E, por fim, se se tratar de culpa exclusiva do empregado, de caso fortuito ou de força maior, não há responsabilidade.
Confira os seguintes precedentes:
C) PROVAS DOS AUTOS:
De início, ressalto que, nos termos do art. 333 do CPC, incumbe ao INSS comprovar a existência de culpa do empregador (fato constitutivo do direito do autor) e, por outro lado, cabe ao empregador demonstrar a existência de culpa concorrente ou exclusiva do empregado, de caso fortuito ou de força maior (fatos impeditivos do direito do autor).
Pois bem.
Depreende-se dos autos que apenas o INSS requereu a produção de prova, testemunhal, que foi deferida pelo MM. Magistrado a quo, e foram ouvidas as seguradas acidentadas.
A Sra. Sueli Barcello Nascimento teve o punho perfurado por uma máquina, voltou a trabalhar, porém teve pioras e acabou por perder a mobilidade do braço direito.
Ela não foi contraditada e foi ouvida na qualidade de testemunha compromissada. Afirmou que:
Como se vê, a segurada sofreu o acidente de trabalho enquanto realizava a limpeza da máquina e, segundo afirma, a limpeza foi realizada com a máquina ligada, porque o seu chefe não permitiu que a máquina fosse desligada, pois a empresa estava recebendo visita de possivelmente novos diretores. Além disso, após o retorno, teve a situação agravada pelo trabalho na linha de produção, que exigia movimentos rápidos e repetidos.
Já as Sras. Célia Regina de Jesus e. Ordalinda Dores de Souza sofrem de LER/DORT.
A Sra. Célia Regina de Jesus foi contraditada e ouvida na qualidade de testemunha não compromissada. Ela afirma que:
E a Sra. Ordalinda Dores de Souza não foi contraditada e foi ouvida como testemunha compromissada. Ela afirmou que:
Entendo que os fatos narrados evidenciam a negligência da empresa quanto às normas padrão de segurança e higiene no ambiente de trabalho, pois os depoimentos colhidos são coesos no sentido de que as seguradas eram expostas a longos períodos de movimentos rápidos e repetidos em linha de produção, sem pausas periódicas e/ou orientação para que realizassem exercíos ergonômicos. Além disso, apontam que havia pressão por aumento de produtividade, assim como que por um período fram utilizadas cadeiras que não ofereciam o conforto necessário à atividade.
O INSS aponta como violadas as normas contidas na Norma Regulamentadora nº 17 do Ministério do Trabalho e Emprego. Destaco as seguintes normas:
Anoto que, embora a prova do acidente de trabalho consistente em LER/DORT seja de difícil comprovação, entendo que, no caso, o INSS trouxe um conjunto de evidências que as seguradas eram expostas a longos períodos de movimentos rápidos e repetidos em linha de produção de doces, sem pausas periódicas e com pressão por aumento de produtividade, além de adotar cadeiras que não ofereciam o conforto necessário à atividade. Além disso, corrobora a tese da autora o fato de várias empregadas que atuavam na mesma linha de produção terem sofrido a mesma doença.
E nem se diga que a empresa-ré não possuía meios de produzir provas aptas a a afastar a culpa indicada pelos testemunhos, ou ao menos colocar em dúvida a versão da autora. Porque bastaria que a empresa-ré tivesse trazido aos autos outros elementos de prova em sentido contrário, demonstrando que o equipamento era adequado; que havia pausas periódicas; que havia aconselhamento ou exercícios ergonômicos a fim de minimizar as eventuais consequências da atividade; que possuía instruções de serviço estabelecendo o procediemnto correto e seguro para realização do servilo; que os demais empregados dessa linha de produção não sofreram de LER/DORT; que as seguradas acidentadas não seguiam o procedimento estabelecido pela empresa; dentre outras.
Entretanto, a empresa não produziu qualquer prova apta a afastar a tese da autora, que, apesar de frágil, à mingua de outros elementos de prova, restou suficientemente demonstrada pelas provas produzidas nestes autos.
Portanto, no caso dos autos, o INSS logrou demonstrar a deficiência e precariedade da segurança do trabalhador, restando caracterizada a culpa do empregador e, por outro lado, o empregador não logrou demonstrar a existência de culpa concorrente do empregado, de caso fortuito ou de força maior.
Assim, a empresa-ré deve ressarcir ao INSS a totalidade dos valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário, bem como os que vierem a ser pagos enquanto perdurar aquela obrigação (isto é, enquanto perdurar o pagamento do benefício previdenciário).
D) AÇÕES DECORRENTES DO ACIDENTE DE TRABALHO:
A Constituição Federal excetuou, expressamente, algumas situações de competência quando o Instituto Nacional do Seguro Social for parte, declinando-a, seja para a Justiça Comum, seja para a Justiça do Trabalho.
Assim, definiu a competência da Justiça Comum Estadual para julgamento de ações indenizatórias propostas pelo segurado contra o INSS, a fim de se obter o benefício e serviços previdenciários relativos ao acidente de trabalho. O C. Supremo Tribunal Federal pacificou a questão com a edição da Súmula nº 501, com o seguinte teor:
A Emenda Constitucional nº 45/2004, por sua vez, alterou o artigo 114, inciso VI, para definir como competente a Justiça do Trabalho no julgamento de ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, sendo que, antes da Emenda Constitucional nº 45/2004, a competência era da Justiça Estadual. Esse entendimento restou consolidado com a adição da Súmula Vinculante nº 22, com o seguinte teor:
E, por fim, as ações regressivas interpostas pelo Instituto Nacional do Seguro Social em face de empregadores, a fim de ver ressarcidas as despesas suportadas com o pagamento de benefícios previdenciários, causadas por atos ilícitos dos empregadores, devem ser julgadas pela Justiça Federal, porquanto o debate não diz respeito à relação de trabalho, mas à responsabilização civil do empregador, a ensejar a aplicação da regra geral contida no art. 109, I, da Constituição Federal.
Confira os seguintes precedentes:
Embora a parte apelante não suscite questões diretamente ligadas à competência, entendo que é importante pontuar o exposto neste tópico a fim de elucidar a matéria que cabe a cada instância, assim como que estas instâncias são independentes, de modo que a conclusão de uma não vincula as demais.
A apelante insiste que o fato de não ter sido condenada na ação indenizatória por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas pela Sra Sueli Barcello Nascimento - ajuizada na Justiça Estadual, por ter sido ajuizada antes da Emenda Constitucional nº 45/2004 - impede a condenação na presente ação.
Ocorre que se trata de indenizações distintas. Naqueles autos a Justiça Estadual apreciou a pretensão da empregada ao recebimento de indenização em razão do acidente de trabalho, ao passo que nestes autos analisa-se a pretensão do INSS de ressarcimento dos valores que esta autarquia gastou com pagamento de benefícios previdenciários decorrentes do acidente de trabalho.
O fato de a Justiça Estadual ter concluído que a empregada não possui direito ao recebimento de indenização em razão do acidente de trabalho não impede a Justiça Federal de concluir que o INSS possui o direito de ressarcimento dos valores que esta autarquia gastou com pagamento de benefícios previdenciários decorrentes do acidente de trabalho.
Isso porque, como se sabe, apenas o dispositivo faz coisa julgada (a empregada não possui direito ao recebimento de indenização em razão do acidente de trabalho), não fazendo coisa julgada as questões de fundo (existência ou não de acidente de trabalho).
Assim, entendo que, havendo nestes autos provas da negligência da empresa quanto às normas padrão de segurança e higiene no ambiente de trabalho, é possível a condenação ao ressarcimento dos benefícios previdenciários decorrentes do acidente de trabalho pagos pelo INSS, ainda que a empregada não tenha recebido indenização pelo acidente de trabalho.
F) PAGAMENTOS FUTUROS E CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL:
Considerando que se trata de ação de regresso de benefício previdenciário cujo pagamento perdurará após o trânsito em julgado deste processo, é possível a condenação da empresa-ré ao ressarcimento dos valores que vierem a ser pagos pelo INSS (parcelas vincendas).
O que não é possível é que, se outro benefício previdenciário vier a ser concedido no futuro em razão do mesmo acidente de trabalho em apreço, este também esteja abarcado pela decisão destes autos, porquanto se trata de evento futuro e incerto. O provimento da ação de regresso exige que o evento já tenha ocorrido, isto é, que já tenha havido a concessão do benefício previdenciário.
Também não é possível a constituição de capital, prevista no art. 475-Q do CPC, pois tal procedimento refere-se especificamente às hipóteses em que indenização incluir prestação de alimentos. Confira:
E, embora os benefícios pagos pelo INSS ao empregado acidentado ou aos seus familiares possuam natureza alimentar, a verba que o empregador deve ressarcir, em regresso, ao INSS não possui natureza alimentar.
Confira os seguintes precedentes:
Por todas as razões expostas, a sentença deve ser mantida.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso de apelação da empresa-ré, nos termos do voto.
É o voto.
Juiz Federal Convocado
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