Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2321152 / SP
0003922-39.2019.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
23/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/10/2019
Ementa
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE EXERCIDA EM CONDIÇÕES
ESPECIAIS. ENCARREGADO DE CAIXA EM HOSPITAL. ATIVIDADE NÃO SUJEITA A
CONDIÇÕES INSALUBRES. LAUDO PERICIAL. PRINCÍPIO DO CONVENCIMENTO
MOTIVADO.
1. Recebida a apelação interposta pelo INSS, já que manejada tempestivamente, conforme
certificado nos autos, e com observância da regularidade formal, nos termos do Código de
Processo Civil/2015.
2. O artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez
cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado
sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15
(quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei". Considerando a
evolução da legislação de regência pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será
concedida ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual
estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em
regra, assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se
excepcionalmente que se reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor
especial a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento, desde que comprovada
a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional
nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da
produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA,
PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e
CAT) ou outros meios de prova.
3. A regulamentação sobre a nocividade do ruído sofreu algumas alterações. Diante de tal
evolução normativa e do princípio tempus regit actum - segundo o qual o trabalho é reconhecido
como especial de acordo com a legislação vigente no momento da respectiva prestação -,
reconhece-se como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB (até 06.03.97); superior
a 90dB (de 06.03.1997 a 17.11.2003); e superior a 85 dB, a partir de 18.11.2003. O C. STJ,
quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do art. 543-C do
CPC/73, firmou a tese de que não se pode aplicar retroativamente o Decreto 4.882/2003: "O
limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído
deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto
2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do
Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da
LINDB (ex-LICC)" (Tema Repetitivo 694).
4. O E. STF, de seu turno, no julgamento do ARE 664335, assentou a tese segundo a qual "na
hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a
declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da
eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço
especial para aposentadoria". Logo, no caso de ruído, ainda que haja registro no PPP de que o
segurado fazia uso de EPI ou EPC, reconhece-se a especialidade do labor quando os níveis de
ruído forem superiores ao tolerado, não havendo como se sonegar tal direito do segurado sob o
argumento de ausência de prévia fonte de custeio (195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e artigo 57, §§ 6°
e 7°, da Lei 8.213/91), até porque o não recolhimento da respectiva contribuição não pode ser
atribuída ao trabalhador, mas sim à inércia estatal no exercício do seu poder de polícia.
5. Muito embora o Laudo pericial de fls. 257/267 consigne expressamente que a autora ficava
exposta de forma habitual e permanente a riscos biológicos, verifico que tal afirmação está
dissociada das demais informações constantes do próprio documento, na descrição de
atividades e do LTCAT. Todavia, o valor probatório do referido laudo, não é absoluto, de sorte
que tal documento não vincula o magistrado.
6. De fato, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio do convencimento motivado
segundo o qual cabe ao magistrado, na análise da prova, valorá-la fundamentadamente e tal
princípio está positivado no artigo 371, do CPC/2015, o qual estabelece que "O juiz apreciará a
prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na
decisão as razões da formação de seu convencimento ".
7. É dizer, da mesma forma que tal princípio autoriza o magistrado a desconsiderar a conclusão
de uma perícia judicial, ele permite que o julgador afaste o valor probatório de um PPP ou
formulário equivalente quando verificar inconsistências em tal documentação.
8. A leitura que se faz das atividades desempenhadas é hialina e não autoriza dúvidas de que a
autora não laborava em condições sujeitas a agentes de risco que merecessem o tratamento
diferenciado da legislação previdenciária, verbis: "Realizava elaboração de atestado médico e
guias de convênio médico, fechamento de contas de pacientes internados e tesouraria do setor
em que laborava, Mantinha contato com pacientes através dos atendimentos dos mesmos
quando das emissões das guias de convênio. Tais guias sempre em punho dos pacientes e
contaminadas com os riscos biológicos típicos de ambiente hospitalar."
9. O Laudo Técnico das condições de trabalho (LTCAT) à fl. 145, que na função de Caixa
descreve as seguintes funções:" (...) Prestam atendimento a usuários de serviços bancários;
realizam operações de caixa; fornecem documentos aos clientes e executam atividades de
cobrança. Apoiam as atividades da agências e demais setores do banco; administram fluxo de
malotes; compensam documentos e controlam documentação de arquivos. Estabelecem
comunicação com os clientes, prestando-lhes informações sobre os serviços bancários.(...)"
10. O LTCAT conclui tratar-se de atividade isenta de insalubridade e que a exposição aos
agentes infectocontagiosos era eventual.
11. Uma leitura cuidadosa da descrição das atividades deixa claro que a parte autora executava
tarefas de cunho administrativo, burocrático, de apoio ao serviço de atendimento ao público, em
quaisquer das funções relatadas, o que significa que ela não era responsável por tratar o
paciente, como atividade-fim do hospital. Não realizando atendimento médico, ou de apoio a
esse fim, não há como se divisar que ela estivesse exposta a agentes nocivos de forma
habitual, o que impede o reconhecimento do labor especial no período.
12. A perícia realizada tampouco corrobora a alegada insalubridade da atividade, eis que, a
atividade formalmente registrada é "Encarregado de Caixa" (fl. 16), podendo-se concluir pela
inexistência de risco com a sua função, na medida em que não se extrai nenhum tipo de desvio
de função.
13. Em que pese o laudo pericial de fls. 257/267 ter constatado que a parte autora esteve
exposta a agentes biológicos, atuando como Caixa na Santa Casa de Misericórdia de São
Joaquim da Barra/SP, não há como se divisar que as atividades desenvolvidas pela segurada,
no período de 01/10/1987 a 06/09/1994 , importassem no seu contato com agentes biológicos
nocivos de forma habitual.
14. Não se infere, portanto, da leitura do documento nenhuma situação de efetiva exposição ao
risco de contaminação infectocontagiosa, seja pelo manuseio, manipulação de enfermos ou
enfermidades, ou ainda de sujeição pungente aos agentes infecciosos, o que só se verificaria
acaso fosse registrado, repiso, desvio das funções originalmente esperadas dos cargos
ocupados (encarregada de Caixa).
15. Para concluir, o fato isolado de laborar nas dependências de um hospital não é condição
suficiente para tornar a atividade exercida insalubre, ou especial, o que demanda prova efetiva,
não bastando a mera presunção.
16. Vencido o autor na maior parte, a ele incumbe o pagamento das verbas de sucumbência.
Fixados os honorários advocatícios em 10% do valor atualizado da causa. Suspensa, no
entanto, a sua execução, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser a parte autora
beneficiária da Justiça Gratuita.
17. Improvida a apelação da parte autora e provida a apelação do INSS, para reformar a
sentença, afastar o reconhecimento da atividade especial, cassando a aposentadoria especial e
invertendo o ônus da sucumbência.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à
apelação da parte autora e dar provimento à apelação do INSS, para reformar a sentença,
afastar o reconhecimento da atividade especial, cassando a aposentadoria especial e
invertendo o ônus da sucumbência, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.