Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5370668-85.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
17/06/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 24/06/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL OU POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. SOLDADOR. AGENTES
QUÍMICOS. RUÍDO. ESPECIALIDADE DEMONSTRADA. PRESENTES OS REQUISITOS PARA
CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TERMO INICIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Não é o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença foi proferida na vigência do
atual CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a
condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos. Neste caso, à
evidência, esse montante não é alcançado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- A jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no STJ, assentou-se no sentido de que o
enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n.
9.032/1995). Precedentes.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Demonstrada a especialidade em razão da exposição habitual e permanente a agentes
químicos e ruído superior aos limites de tolerância previstos na norma de regência.
- Presentes os requisitos necessários para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo
de contribuição.
- Termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo. Precedentes
do STJ.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os honorários de advogado devem ser mantidos em 10% (dez por cento) sobre a condenação,
computando-se o valor das parcelas vencidas até a data sentença, consoante critérios do artigo
85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
- Erro material corrigido de ofício.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5370668-85.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: WASHINGTON LUIZ GOMES DE SANTANA, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO CASSEMIRO DE ARAUJO FILHO - SP121428-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, WASHINGTON LUIZ
GOMES DE SANTANA
Advogado do(a) APELADO: ANTONIO CASSEMIRO DE ARAUJO FILHO - SP121428-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5370668-85.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: WASHINGTON LUIZ GOMES DE SANTANA, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, WASHINGTON LUIZ
GOMES DE SANTANA
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o
enquadramento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria especial ou
por tempo de contribuição.
A sentença, integrada por embargos declaratórios, julgou procedente o pedido para (i)
enquadrar os intervalos de 24/06/1986 a 26/08/1986, de 27/05/1987 a 04/03/1988, de
22/04/1988 a 27/09/1988, de 18/11/1988 a 16/12/1988, de 28/04/1989 a 22/05/1989, de
03/07/1989 a 28/10/1989, de 29/10/1989 a 22/03/1990, de 15/08/1990 a 18/12/1991, de
13/01/1992 a 24/04/1992, de 15/05/1992 a 29/09/1992, de 01/06/1993 a 02/09/1993, de
14/09/1993 a 11/05/1995, de 24/07/1995 a 15/09/1995, de 20/10/1995 a 18/01/1996, de
19/01/1996 a 27/05/1996, de 10/10/1996 a 18/12/1996, de 05/02/1997 a 22/08/1997, de
14/05/1998 a 03/08/1998, de 08/09/1998 a 24/09/1998, de 13/10/1998 a 23/10/1998, de
01/12/1998 a 23/12/1998, de 01/01/1999 a 26/02/1999, de 05/03/1999 a 07/06/1999, de
23/06/1999 a 16/11/1999, de 17/11/1999 a 10/02/2000, de 22/08/2000 a 01/09/2000, de
21/09/2000 a 08/01/2001, de 13/03/2001 a 18/06/2001, de 02/07/2001 a 14/04/2004 e de
14/07/2004 a 14/01/2011; (ii) conceder o benefício de aposentadoria especial desde a data da
citação; (iii) fixar os consectários.
Inconformada, a autarquia interpôs apelação na qual alega a impossibilidade dos
enquadramentos deferidos. Por fim, insurge-se contra o termo inicial do benefício e a forma de
aplicação da correção monetária.
Não resignada, a parte autora também interpôs apelação na qual requer que o termo inicial dos
efeitos financeiros seja fixado na datar da DER e a majoração dos honorários advocatícios.
Com as contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5370668-85.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: WASHINGTON LUIZ GOMES DE SANTANA, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO CASSEMIRO DE ARAUJO FILHO - SP121428-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, WASHINGTON LUIZ
GOMES DE SANTANA
Advogado do(a) APELADO: ANTONIO CASSEMIRO DE ARAUJO FILHO - SP121428-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Insta frisar não ser o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença foi proferida
na vigência do atual CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição
quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
Neste caso, à evidência, esse montante não é alcançado.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Inicialmente, corrijo os erros materiais constantes da sentença para considerar as datas
corretas de 24/6/1986 a 26/8/1986 e de 1º/12/1998 a 23/12/1998.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ,
assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível
tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp
894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016,
DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n.
664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso
concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar
completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na
hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do
EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
No caso, no que concerne aos interstícios de 24/06/1986 a 26/08/1986, de 27/05/1987 a
04/03/1988, de 22/04/1988 a 27/09/1988, de 18/11/1988 a 16/12/1988, de 28/04/1989 a
22/05/1989, de 03/07/1989 a 28/10/1989, de 29/10/1989 a 22/03/1990, de 15/08/1990 a
18/12/1991, de 13/01/1992 a 24/04/1992, de 15/05/1992 a 29/09/1992, de 01/06/1993 a
02/09/1993, de 14/09/1993 a 11/05/1995, de 24/07/1995 a 15/09/1995, de 20/10/1995 a
18/01/1996, de 19/01/1996 a 27/05/1996, de 10/10/1996 a 18/12/1996, de 05/02/1997 a
22/08/1997, de 14/05/1998 a 03/08/1998, de 08/09/1998 a 24/09/1998, de 13/10/1998 a
23/10/1998, de 01/12/1998 a 23/12/1998, de 01/01/1999 a 26/02/1999, de 05/03/1999 a
07/06/1999, de 23/06/1999 a 16/11/1999, de 17/11/1999 a 10/02/2000, de 22/08/2000 a
01/09/2000, de 21/09/2000 a 08/01/2001, de 13/03/2001 a 18/06/2001, de 02/07/2001 a
14/04/2004 e de 14/07/2004 a 14/01/2011, durante os quais a parte autora desenvolveu o ofício
de soldador, consta laudo pericial, o qual anota a exposição habitual e permanente a agentes
químicos liberados nos processos de soldagem (manganês, chumbo, ferro, alumínio, cromo,
níquel e outros), ruído e ruído superior aos limites previstos nas normas regulamentares –
códigos 1.1.6 do anexo do Decreto n. 53.831/64, 1.1.5 do anexo do Decreto n. 83.080/79 e
2.0.1 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Desse modo, entendo que devem ser mantidos os enquadramentos deferidos na sentença.
Não obstante, computados os períodos enquadrados, inviável é a concessão da aposentadoria
especial, pois ausente o requisito temporal (25 anos de atividade especial) nos termos do artigo
57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
Passo à analise do pleito sucessivo.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20/98, de 15 de dezembro de 1998, a
aposentadoria por tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal,
assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos para
obtenção da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia,
a qualquer tempo, pleitear o benefício.
No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres),
além de um adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para
completar 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou
chamar de "pedágio".
No caso vertente, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da
Lei n. 8.213/91.
Ademais, somado os períodos enquadrados (devidamente convertidos) ao montante
incontroverso apurado administrativamente (28 anos, 4 meses e 4 dias, a parte autora contava
mais de 35 anos de serviço à data do requerimento administrativo, motivo pelo qual é devido o
benefício concedido, consoante planilha disponível em:
https://planilha.tramitacaointeligente.com.br/planilhas/N62HE-7QGYJ-DY.
Sobre o termo inicial do benefício, algumas considerações devem ser feitas.
De plano, como a comprovação da especialidade da atividade pretendida ocorreu apenas
nestes autos, por meio de prova não submetida à prévia apreciação administrativa, penso ser
adequada a fixação do termo inicial dos efeitos financeiros na data da citação, momento em que
a autarquia teve ciência da pretensão, em sua plenitude, e a ela pôde resistir, nos exatos
termos fixados na sentença.
Quanto a esse aspecto, destaca-se o fato de o Poder Judiciário exercer suas atribuições em
substituição à Administração que deve praticar os atos que lhe são inerentes como atividade
primária.
Vale dizer: preponderantemente, apenas os atos que a Administração deveria, por lei, praticar
podem ser passíveis de controle judicial, sob o enfoque de possível lesão ou ameaça a direito.
Nessa esteira, a concessão de benefício fundada em prova produzida exclusivamente na esfera
judicial, por impedir a Administração de exercer o pleno exercício das atribuições que lhe são
inerentes, afasta a configuração de mora da autarquia e a possibilidade de fixação do termo
inicial na data do requerimento administrativo.
Afinal, a insuficiência ou inaptidão de elementos probatórios do direito invocado configura
situação que, de forma indireta, inviabiliza o exercício de atividade própria da Administração.
A propósito, esses mesmos fundamentos foram evocados pelo Ministro Roberto Barroso ao
apreciar, sob o regime da repercussão geral, o RE n. 631.240 e fixar tese sobre a necessidade
de prévio requerimento administrativo nas ações de conhecimentos de cunho previdenciário.
Confira-se o seguinte trecho do voto:
“17. Esta é a interpretação mais adequada ao princípio da separação de Poderes. Permitir que
o Judiciário conheça originariamente de pedidos cujo acolhimento, por lei, depende de
requerimento à Administração significa transformar o juiz em administrador, ou a Justiça em
guichê de atendimento do INSS, expressão que já se tornou corrente na matéria. O Judiciário
não tem, e nem deve ter, a estrutura necessária para atender às pretensões que, de ordinário,
devem ser primeiramente formuladas junto à Administração. O juiz deve estar pronto, isto sim,
para responder a alegações de lesão ou ameaça a direito. Mas, se o reconhecimento do direito
depende de requerimento, não há lesão ou ameaça possível antes da formulação do pedido
administrativo. Assim, não há necessidade de acionar o Judiciário antes desta medida....”
Não obstante o entendimento acima consignado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em
incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001,
ao tratar especificamente da matéria, deliberou pela prevalência da seguinte orientação (g. n.):
“A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem
o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao
benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os
requisitos para a concessão da aposentadoria”. (Pet 9.582/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 16/09/2015)
No mesmo sentido são os recentes julgados da Corte Superior: REsp 1.859.330/CE, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/3/2020, DJe 31/8/2020;
AgInt no REsp 1.609.332/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado
em 19/03/2019, DJe 26/3/2019.
Dessa forma, curvo-me ao entendimento do STJ para fixar o termo inicial da concessão do
benefício na data do requerimento administrativo.
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os
cálculos na Justiça Federal.
Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação (Repercussão Geral no RE
n. 870.947).
Os honorários de advogado devem ser mantidos em 10% (dez por cento) sobre a condenação,
computando-se o valor das parcelas vencidas até a data sentença, consoante critérios do artigo
85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Diante do exposto, de ofício corrijo o erro material verificado na sentença e dou parcial
provimento às apelações para, nos termos da fundamentação: (i) esclarecer que a parte autora
faz jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição; (ii) fixar o termo inicial do
benefício na data da DER; (iii) ajustar a forma de aplicação da correção monetária.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL OU POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. SOLDADOR. AGENTES
QUÍMICOS. RUÍDO. ESPECIALIDADE DEMONSTRADA. PRESENTES OS REQUISITOS
PARA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TERMO
INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Não é o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença foi proferida na vigência
do atual CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a
condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos. Neste caso, à
evidência, esse montante não é alcançado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- A jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no STJ, assentou-se no sentido de que
o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n.
4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi
reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n.
1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo
ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima
dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Demonstrada a especialidade em razão da exposição habitual e permanente a agentes
químicos e ruído superior aos limites de tolerância previstos na norma de regência.
- Presentes os requisitos necessários para a concessão do benefício de aposentadoria por
tempo de contribuição.
- Termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo.
Precedentes do STJ.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os honorários de advogado devem ser mantidos em 10% (dez por cento) sobre a
condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data sentença, consoante
critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de
Justiça.
- Erro material corrigido de ofício.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu, de ofício, corrigir o erro material verificado na sentença e dar parcial
provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA