Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0005677-10.2019.4.03.6310
Relator(a)
Juiz Federal OMAR CHAMON
Órgão Julgador
5ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
07/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 21/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LAUDO PERICIAL.
INCAPACIDADE PARA O TRABALHO DEMONSTRADA. QUALIDADE DE SEGURADA E
CARÊNCIA DEMONSTRADOS NA DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE. AUSÊNCIA DE
ELEMENTOS EM SENTIDO CONTRÁRIO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO PROVIDO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
5ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0005677-10.2019.4.03.6310
RELATOR:13º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: RENILDA GONCALVES RICIOLI
Advogado do(a) RECORRENTE: NATALIE REGINA MARCURA - SP145163-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0005677-10.2019.4.03.6310
RELATOR:13º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: RENILDA GONCALVES RICIOLI
Advogado do(a) RECORRENTE: NATALIE REGINA MARCURA - SP145163-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A parte autora ajuizou ação objetivando a concessão/restabelecimento de benefício por
incapacidade.Proferida sentença, o pedido foi julgado improcedente diante da ausência de
incapacidade.Desta forma, interpõe a parte autora o presente recurso postulando a ampla
reforma da sentença.
Houve conversão do julgamento em diligência nos seguintes termos:
“(...)
Da análise detida dos autos virtuais, verifico que a autarquia ré colacionou aos autos
documentos (eventos 28 e 29), que demonstram que a autora seria sócia da pessoa jurídica
ZAZUEIRA CHOPPERIA E ALIMENTACAO LTDA, enquanto estava em gozo de benefício de
aposentadoria por incapacidade permanente.
Assim, para melhor análise do caso concreto, entendo ser o caso de converter o julgamento em
diligência para que a autora, no prazo de 15 (quinze) dias, junte aos autos cópia integral de sua
CTPS e esclareça a suposta atividade empresarial, no período em que recebia aposentadoria.
Ante o exposto, converto o julgamento em diligência.
Após, dê-se vista às partes e voltem os autos conclusos.
(...)”.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0005677-10.2019.4.03.6310
RELATOR:13º Juiz Federal da 5ª TR SP
RECORRENTE: RENILDA GONCALVES RICIOLI
Advogado do(a) RECORRENTE: NATALIE REGINA MARCURA - SP145163-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Requisitos
Os requisitos exigidos pela lei para a concessão de aposentadoria por incapacidade
permanente ou auxílio por incapacidade temporária são os seguintes: a) a condição de
segurado da parte requerente, mediante prova de sua filiação ao sistema da Previdência Social;
b) a comprovação de ser a parte requerente incapaz permanente ou temporariamente para o
trabalho; c) a manutenção da sua condição de segurado na data do evento que determina a
concessão desse benefício, ou seja, da incapacidade; d) o cumprimento da carência.
Incapacidade
A mera existência de uma doença, por si só, não gera o direito a benefício por incapacidade.
Tanto o auxílio por incapacidade temporária quanto a aposentadoria por incapacidade
permanente pressupõem a existência de incapacidade laborativa, decorrente da instalação de
uma doença ou lesão, sendo que a distinção entre tais benefícios reside na intensidade de risco
social que acometeu o segurado, assim como a extensão do tempo pelo qual o benefício
poderá ser mantido.
O auxílio por incapacidade temporária será concedido quando o segurado ficar incapacitado
total e temporariamente para exercer suas atividades profissionais habituais, devendo-se
entender como habitual a atividade para a qual o interessado está qualificado e que desenvolvia
antes do evento incapacitante.
A aposentadoria por incapacidade permanente, por sua vez, é devida quando o segurado ficar
incapacitado total e definitivamente de desenvolver qualquer atividade laborativa e for
insusceptível de reabilitação para o exercício de outra atividade, adequada a sua escolaridade
formal, que lhe garanta a subsistência.
Nova perícia ou esclarecimentos.
Considerando a condição do magistrado de destinatário da prova (artigo 370, CPC/2015), é
importante frisar que “só ao juiz cabe avaliar a necessidade de nova perícia” (JTJ 142/220,
197/90, 238/222). De tal forma, compete apenas ao juiz apreciar a conveniência de realização
de nova avaliação, bem como o acolhimento de quesitos complementares (artigo 470, I c/c
artigo 480, CPC/2015), sendo certo que “o julgamento antecipado da lide tem total amparo
legal, decorrente da aplicação do CPC 330, I, não se configurando afronta aos CPC 425 e
331”.(STJ, 6ª Turma, AI 45.539/MG, Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em
16/12/1993, decisão monocrática, DJ de 08/02/1994, grifos nossos).
É importante registrar que a simples contrariedade entre as conclusões dos laudos trazidos pela
parte ou pelo INSS, no processo administrativo, com as conclusões do perito judicial não é
suficiente para que seja convertido o julgamento em diligência, para a produção de novo laudo.
Novo laudo exige desqualificação do primeiro, seja em face de sua superficialidade ou omissão,
seja em face de baixa qualidade técnica. De outra forma, jamais o processo se encerraria, pois
sempre a parte descontente poderia requerer uma terceira perícia, para “desempatar”.
Qualidade de segurado
A qualidade de segurado se adquire com a filiação ao Regime Geral da Previdência Social –
RGPS, ou seja, com o exercício de atividade remunerada. Contudo, a lei estabelece um lapso
temporal denominado período de graça no qual, ainda que o segurado não esteja exercendo
atividade remunerada ou efetivando recolhimentos, não perderá a qualidade de segurado,
fazendo jus, portanto, a eventual benefício (artigo 15, Lei n.º 8.213/1991).
Importa ressaltar que o ordinário se presume e o extraordinário se prova. Há presunção relativa
de incapacidade preexistente, na hipótese de segurado que permaneceu, sem efetivar
contribuições, por longos anos e que volta a contribuir pouco antes de pleitear benefício por
incapacidade. Nessa hipótese, inclusive, a data indicada pela perícia pouco significa, tendo em
vista que a perícia se fundamenta nos documentos trazidos pela parte interessada. Portanto,
deverá, nesse caso, o segurado esclarecer a razão pela qual voltou a contribuir, após longos
anos. O ônus da prova é do segurado, nesse caso.
A aludida regra é decorrente da natureza do sistema previdenciário, que nada mais é que um
sistema de seguro social. Caso fosse admitido o pagamento de contribuições posteriores à
contingência social contra a qual visa a lei assegurar o trabalhador, como uma doença
incapacitante, não haveria mais previdência pois o trabalhador passaria a recolher as
contribuições apenas se necessitasse de um benefício.
Sob esta ótica, o sistema deixaria de ser mutualista e solidário e passaria a ter caráter
estritamente individual, já que o trabalhador deixaria de contribuir para todo o sistema, isto é,
para o pagamento de todos os benefícios a serem concedidos pelo regime previdenciário,
fraudando a concepção “securitária” do sistema.
Carência
Em regra, para os benefícios por incapacidade a carência corresponde a 12 (doze)
contribuições mensais, salvo se a incapacidade for decorrente de acidente de qualquer
natureza e causa; de acidente do trabalho ou doença ocupacional ou ainda se tiver origem em
doenças graves, previstas na legislação, que dispensam a carência: tuberculose ativa,
hanseníase, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e
incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,
nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da
deficiência imunológica adquirida (AIDS), contaminação por radiação, com base em conclusão
da medicina especializada e hepatopatia grave. Referido rol, conforme a jurisprudência
majoritária, é meramente exemplificativo. Todavia, a doença deverá ser comprovadamente
grave, para que haja a dispensa da carência.
Caso concreto
No presente caso, a parte autora nasceu em 30/11/1964, cursou o ensino fundamental
incompleto e refere como atividade habitual a função de empregada doméstica.
Consta nos autos que a autora esteve em gozo de benefício de auxílio por incapacidade
temporária no período de 23/08/1989 a 31/08/1992, convertido em aposentadoria por
incapacidade permanente, cessada em 06/10/2019, incluindo mensalidades de recuperação,
em virtude do quadro de G40 - epilepsia (evento 22).
A autora foi submetida a duas perícias médicas, sendo que a perícia psiquiátrica não constatou
a existência de incapacidade laboral:
“(...)
6- Discussão e Conclusão
Após anamnese psiquiátrica e exame dos autos concluímos que a periciada não apresenta
sintomas e sinais sugestivos de desenvolvimento mental incompleto, retardo mental, demência
ou psicose.
A autora é portadora de transtorno ansioso não especificado, pelo CID 10 F41.9 e epilepsia
G40.
(...)
É importante então firmar que a periciada refere realizar acompanhamento médico psiquiátrico
de longa data (desde a adolescência). As medicações em uso são as mesmas as mesmas há
anos, o que indica estabilidade do quadro. Além do mais, não existe alterações incapacitantes
quanto ao exame psíquico da autora e também não há critérios de gravidade como internação,
tentativa de suicídio ou heteroagressividade da mesma recente. Também se observa que o
quadro neurológico (epilepsia) se encontra estabilizado com o uso continuo e correto da
medicação anticonvulsivante. Portanto, no momento da realização da perícia, não é possível
considerar incapacidade laborativa e para a vida independente por doença mental.
COM BASE NOS ELEMENTOS E FATOS EXPOSTOS E ANALISADOS,
CONCLUI-SE:
NÃO CARACTERIZADA SITUAÇÃO DE INCAPACIDADE LABORATIVA, SOB A ÓTICA
PSIQUIÁTRICA.
(...)”
Já perícia realizada em 16/01/2020, na especialidade Clínica Geral, inicialmente constatou a
existência de incapacidade laboral total e temporária em razão do quadro de fratura de
tornozelo esquerdo e punho direito ocorrido em setembro de 2019:
“(...)
V- Exame Físico:
Periciando em bom estado geral, corado, hidratado, acianótico, eupnéico, anictérico e afebril.
Edema de punho direito, com dor a mobilização. Edema e cicatrizes em maléolo esquerdo e
direito, com cicatrizes em ambos, todas em bom aspecto. Nota-se fala pouco empastada.
(...)
VII- Discussão:
Ao que se encontra supracitado e de acordo com a 10ª revisão da classificação Internacional
das Doenças (CID-10), a autora melhor enquadrar-se-ia nos seguintes diagnósticos:
- Epilepsia (CID 10: G 40).
- Transtorno depressivo e síndrome do pânico (CID 10: F 32.2 e F 41.0).
- Fratura de tornozelo esquerdo e punho direito (CID 10: S 52.9 e S 82.8).
- Hipertensão arterial sistêmica (CID 10: I 10).
VIII - Conclusão:
Após anamnese, avaliação física e análise de exames complementares e documentos
constantes nos autos entendo que o autor(a) apresenta-se incapacitado total e temporariamente
para o trabalho referido e para suas atividades habituais.
(...)
3. Caso a incapacidade decorra de doença, é possível determinar a data de início da doença?
Resposta: Epilepsia diagnosticada há 20 anos; tratamento psiquiátrico há mais de 20 anos;
fraturas ocorridas em setembro de 2019.
(...)
5. É possível determinar a data de início da incapacidade? Informar ao juízo os critérios
utilizados para a fixação desta data, esclarecendo quais exames foram apresentados pelo autor
quando examinado e em quais exames baseou-se para concluir pela incapacidade e as razões
pelas quais agiu assim.
Resposta: 06/10/2019. Baseado em autos, exames apresentados e relatório médico. Histórico
de epilepsia diagnosticada há mais de 20 anos, em seguimento com neurologista. Relata crises
frequentes, pouco controladas com a medicação. Numa das crises (setembro de 2019)
apresentou queda da própria altura, ocasionado fratura de tornozelo esquerdo e punho direito;
foi submetida a osteossíntese em ambas as fraturas, e está ainda em recuperação. Apresnta
também transtorno depressivo e síndrome do pânico em seguimento com psiquiatra. Relata
piora importante do quadro psiquiátrico após ter benefício (aposentadoria) cortada. Refere que
ficou perturbada com a situação que se encontra. Sugiro avaliação de perito psiquiatra a critério
do Juízo.
(...)
12. É possível estimar qual é o tempo necessário para que o periciando se recupere e tenha
condições de voltar a exercer seu trabalho ou atividade habitual? Justifique. Em caso positivo,
qual é a data estimada?
Resposta: Seis meses. Adequação do tratamento, consolidação das fraturas e avaliação
psiquiátrica.
(...)”
Entretanto, diante das alegações e documentos colacionados aos autos pela ré (eventos 28 e
29), que demonstram que a autora seria sócia da pessoa jurídica ZAZUEIRA CHOPPERIA E
ALIMENTACAO LTDA e não empregada doméstica, a perita retificou as conclusões do laudo e
informou que “Não há incapacidade para a atividade de sócia proprietária de choperia. Deverá
manter uso de medicações anticonvulsivantes regularmente.”.
A autora, após conversão do julgamento em diligência, esclareceu que de fato, no ano de 2001,
compôs o quadro societário da pessoa jurídica ZAZUEIRA CHOPPERIA E ALIMENTACAO
LTDA com 1% do Capital Social, entretanto não trabalhou no estabelecimento e não realizou
retirada ou recebeu qualquer valor. Também juntou aos autos cópia da CTPS em que consta
vínculo laboral na função de empregada doméstica, no período de 03/02/1987 a 30/05/1995.
Da análise da perícia administrativa realizada em 19/11/2019, verifico que a autarquia ré
reconheceu a existência de incapacidade laboral da autora em razão da fratura sofrida, sendo o
benefício indeferido em razão da perda da qualidade de segurada:
Oportuno salientar que a autora sofreu fratura de tornozelo esquerdo e punho direito em
setembro de 2019, sendo submetida a tratamento cirúrgico de osteossíntese de tornozelo e
rádio distal, de modo que, independentemente da atividade habitual desempenhada pela
autora, entendo restou comprovada a existência de incapacidade total e temporária para o
trabalho, em razão das restrições de mobilidade dos membros afetados e pela convalescência
da cirurgia.
Conforme dados do CNIS, na data de início da incapacidade (setembro de 2019) a autora
estava em gozo de benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, de modo que
restaram preenchidos os requisitos qualidade de segurada e carência.
Portanto, no caso concreto a autora faz jus à concessão do benefício de auxílio por
incapacidade temporária desde a data do requerimento administrativo efetuado em 31/10/2019.
Tendo em vista que o prazo de recuperação fixado pelo perito já expirou, que a autora não teria
como antever o resultado e diante da excepcionalidade do cenário mundial de pandemia, o
auxílio por incapacidade temporária será devido até 60 (sessenta) dias deste julgamento.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso da parte autora.
Sem condenação em custas e honorários.
Por ocasião da liquidação do julgado, observar-se-á o Manual de Orientação de Procedimentos
para os Cálculos da Justiça Federal, em sua versão mais recente.
Deverão ser descontados os valores eventualmente recebidos na esfera administrativa ou
provenientes de benefícios inacumuláveis, incluindo mensalidades de recuperação.
Diante do caráter alimentar do benefício, defiro a tutela de urgência e determino que o INSS
seja oficiado para implantar o benefício em favor da parte autora, no prazo de 45 (quarenta e
cinco) dias.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LAUDO PERICIAL.
INCAPACIDADE PARA O TRABALHO DEMONSTRADA. QUALIDADE DE SEGURADA E
CARÊNCIA DEMONSTRADOS NA DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE. AUSÊNCIA DE
ELEMENTOS EM SENTIDO CONTRÁRIO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO
PROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma decidiu,
por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA