D.E. Publicado em 05/12/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária e dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0021722-22.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em ação ajuizada por MATEUS LOPES PEREIRA, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 159/161 julgou procedente o pedido inicial e condenou o INSS no pagamento do benefício assistencial à parte autora, desde a data do requerimento administrativo (21/06/2012), além de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Concedida a antecipação dos efeitos da tutela. Sentença submetida ao reexame necessário.
Em razões recursais de fls. 173/180, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que a renda familiar encontra-se acima dos limites legais, o que torna indevido o pagamento do benefício assistencial. Subsidiariamente, requer a modificação dos critérios utilizados na fixação da correção monetária e dos juros de mora, para que sejam observados os ditames da Lei nº11.960/09, bem como a alteração do termo inicial do benefício, alegando ser devido somente a partir da data do laudo pericial. Por fim, prequestiona a matéria.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 198/200v), no sentido do desprovimento do recurso do INSS e do reexame necessário.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Inicialmente, constato que não cabe remessa necessária no presente caso.
De acordo com o artigo 475, §2º do CPC/73:
Pelo que se depreende do §2º do art. 475 do Código de Processo Civil de 1973, o valor de alçada para efeitos do conhecimento ou não da remessa oficial em sede de processo de conhecimento, toma como base de cálculo a condenação, ou o direito controvertido, e sempre no momento da prolação da sentença.
No caso, a r. sentença condenou o INSS no pagamento do benefício de assistência continuada, no valor de um salário mínimo, a partir da data do requerimento administrativo. Constata-se, portanto, que desde o termo inicial do benefício (21/06/2012 - fl. 62) até a data da prolação da sentença (28/08/2014) somam-se apenas 32 (trinta e duas) prestações no valor de um salário mínimo que, mesmo que devidamente corrigidas e com a incidência dos juros de mora e verba honorária, não ultrapassam o valor de 60 (sessenta) salários mínimos à época da prolação da sentença.
Passo a análise do mérito do recurso.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
Pleiteia o autor a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O laudo pericial de fls. 124/130 diagnosticou o requerente como portador de "alterações oftalmológicas com ptose palpebral bilateral e oftalmoplegia externa progressiva e apresenta também cansaço físico devido à doença mitocondrial (miopatia mitocondrial) com evolução para arritmia cardíaca (Síndrome de Kearns Sayre) e retinopatia pigmentar, doença progressiva e incurável".
O profissional médico concluiu que as moléstias apresentadas pelo periciando o incapacitam para o trabalho de forma total e permanente, se afigurando presente o impedimento de longo prazo.
No entanto, não restou comprovada a hipossuficiência econômica.
O estudo social realizado em 19 de novembro de 2013 (fls. 105/110) informou ser o núcleo familiar composto pelo autor, por sua genitora (Elza Aparecida Lopes Pereira), sua irmã solteira (Érica Cristina Lopes) e por seus avós maternos (Gertrudes Garcia Andrade e Francisco Lopes Andrade), os quais residem em imóvel de propriedade do avô, composto por "05 cômodos, sendo 02 quartos, 01 sala, 01 copa, 01 cozinha e 01 banheiro interno de alvenaria".
Consta do relatório socioeconômico que "os móveis e eletrodomésticos são condizentes com a renda familiar sendo: 01 fogão, 01 geladeria, 01 televisor simples, 01 tanquinho, que estão em perfeitas condições de uso". Nas despesas mensais estão contidos gastos com água e luz (R$70,00), alimentação (R$400,00), e medicamentos (R$200,00).
A renda familiar decorre dos proventos auferidos pela irmã do requerente, em razão do exercício de labor remunerado, assim como pelos valores recebidos pelos avós do autor, a título de benefício previdenciário.
Informações extraídas do Sistema Único de Benefícios/Dataprev, as quais passam a fazer parte integrante da presente decisão, confirmam que a Sra. Érica Cristina Lopes possui, no histórico contributivo, diversos registros de atividade laborativa, sendo que no último, realizado com a empresa Silfac Modas e Confecções de Taquarituba Ltda - ME, recebeu remunerações no valor de R$821,00 (competência maio de 2014), R$1.112,01 (novembro/2015), R$1.266,97 (dezembro/2015) e R$1.190,52 (janeiro/2016), dentre outras.
A avó do autor, à época da visita à residência, era beneficiária de aposentadoria por idade e de pensão por morte previdenciária, ambas no valor de um salário mínimo, conforme se depreende dos documentos de fls. 143/146 dos autos. O avô do requerente, por sua vez, recebia aposentadoria por idade - trabalhador rural, também no mínimo legal (fls. 150/152).
Além disso, por ocasião do ajuizamento da presente demanda (22/08/2012), a genitora do demandante contribuía regularmente para a Previdência Pública (ainda que sob a modalidade de "contribuinte facultativo"), e o próprio autor possuía vínculo empregatício registrado (01/11/2010 a 04/2013). Embora, no período trabalhado, não tenha havido regularidade nas remunerações percebidas, verifica-se que, na competência abril/2013, o autor recebeu o valor de R$686,00, ou seja, pouco mais do que o salário mínimo vigente à época (dados extraídos do Cadastro Nacional de Informações sociais - CNIS, integrantes desta decisão). Trata-se de circunstância relevante, na medida em que está a indicar que tanto o autor (a despeito do impedimento de longo prazo ora comprovado), como sua mãe, não eram pessoas absolutamente desprovidas de renda.
É possível, portanto, afirmar-se com segurança que ao momento da realização do estudo socioeconômico a renda familiar era composta de, ao menos, 5 salários mínimos, a serem divididos por 5 pessoas.
Cumpre ressaltar, por fim, que o dever de assistência é, primordialmente, da família, e, no caso do autor, isso vem ocorrendo a contento, na medida em que, dentre outros fatores, mora em imóvel de propriedade do avô, de modo que não é possível atribuir ao Estado a responsabilidade pela sua sobrevivência, quando os próprios parentes próximos possuem capacidade financeira para tanto. Isso, aliás, é o que dispõem os artigos 1.694, 1.695 e 1.696 do Código Civil, evidenciando o caráter supletivo da atuação estatal.
Dessa forma, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social, não fazendo, portanto, o autor, jus ao benefício pleiteado.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ciente está este julgador de que, infelizmente, grande parte dos trabalhadores de nosso país não possui qualificação técnica regular, em sua imensa maioria provenientes das classes mais humildes da população, e, portanto, não têm efetivas condições de competir no mercado de trabalho. Esta dolorosa situação resulta de uma ineficiente política educacional levada a efeito pelo Estado, que não fornece educação que atenda níveis mínimos de qualidade, demonstrando o desinteresse estatal na preparação de seus trabalhadores para competição no atual mercado de trabalho, que vem se tornando cada vez mais exigente.
Entretanto, o benefício assistencial da prestação continuada não existe para a correção deste tipo de mazela, mas sim para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, não conheço da remessa necessária e dou provimento ao recurso de apelação do INSS, para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição, e julgar improcedente o pedido de benefício assistencial.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º), ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Revogo a tutela antecipada concedida.
Comunique-se o INSS.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 23/11/2016 13:51:44 |