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DIREITO CIVIL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE ESTATUTÁRIA. UNIÃO ESTÁVEL. ART. 217, I, “C” DA LEI N° 8. 112/90. AUSÊNCIA DE PROVA. IMPRO...

Data da publicação: 08/07/2020, 16:35:08

E M E N T A DIREITO CIVIL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE ESTATUTÁRIA. UNIÃO ESTÁVEL. ART. 217, I, “C” DA LEI N° 8.112/90. AUSÊNCIA DE PROVA. IMPROCEDÊNCIA. ART. 333, I DO CPC/73. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. No caso dos autos, pretende a autora a condenação da ré ao pagamento de metade de pensão por morte instituída por servidor público federal, com quem alega ter vivido em união estável. Fundamenta seu pleito no art. 217, I, “c” da Lei n° 8.112/1990. 2. A requerente não demonstrou que vivesse publicamente em união com o servidor falecido, a ensejar o reconhecimento da união estável por ela alegada. 3. Correta a sentença ao reconhecer que a autora não logrou demonstrar a existência de união estável entre ela e o servidor público falecido, enquanto fato constitutivo de seu direito (art. 333, I do CPC/73), sendo de rigor a manutenção do julgamento de improcedência de seu pedido. 4. Apelação não provida. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000246-63.2007.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 27/11/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 02/12/2019)


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000246-63.2007.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: JOSEFA DA SILVA SANTOS

Advogado do(a) APELANTE: MARCOS DE SOUZA - SP119775

APELADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO, THEREZA DA SILVA PEREIRA

Advogado do(a) APELADO: ISABELA POGGI RODRIGUES - SP166407
Advogado do(a) APELADO: MARA LANE PITTHAN FRANCOLIN - SP58551

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: SUELI PEREIRA RODRIGUES DE PAIVA

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: MARA LANE PITTHAN FRANCOLIN

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000246-63.2007.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: JOSEFA DA SILVA SANTOS

Advogado do(a) APELANTE: MARCOS DE SOUZA - SP119775

APELADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO, THEREZA DA SILVA PEREIRA

Advogado do(a) APELADO: ISABELA POGGI RODRIGUES - SP166407
Advogado do(a) APELADO: MARA LANE PITTHAN FRANCOLIN - SP58551

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: SUELI PEREIRA RODRIGUES DE PAIVA
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: MARA LANE PITTHAN FRANCOLIN

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação interposta por

JOSEFA DA SILVA SANTOS

contra sentença proferida em ação ordinária movida por ela em face da

UNIFESP

objetivando a condenação da ré ao pagamento de metade de pensão por morte instituída por servidor público federal, com quem alega ter vivido em união estável.

Indeferido o pedido de antecipação da tutela e determinado à autora que promovesse a citação de THEREZA DA SILVA PEREIRA, então pensionista do servidor falecido (fls. 290/291).

Contestações pela UNIFESP e pela corré Thereza (fls. 312/316 e 396/402).

Noticiado nos autos o falecimento de Thereza, não se determinou a habilitação dos sucessores por se tratar de direito personalíssimo (fls. 458/459 e 460).

Em audiência, foi ouvida uma testemunha, três informantes do Juízo e colhido o depoimento pessoal da autora (fls. 506/513).

Em sentença publicada em 01/12/2010, o Juízo de Origem julgou improcedente o pedido, condenando a autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor da UNIFESP fixados em R$ 2.500,00, observados os benefícios da gratuidade da justiça (fls. 536/539).

A parte autora apela para ver acolhido seu pedido inicial (fls. 540/545).

Contrarrazões pela UNIFESP (fls. 548/552).

É o relatório.

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000246-63.2007.4.03.6100

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: JOSEFA DA SILVA SANTOS

Advogado do(a) APELANTE: MARCOS DE SOUZA - SP119775

APELADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO, THEREZA DA SILVA PEREIRA

Advogado do(a) APELADO: ISABELA POGGI RODRIGUES - SP166407
Advogado do(a) APELADO: MARA LANE PITTHAN FRANCOLIN - SP58551

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: SUELI PEREIRA RODRIGUES DE PAIVA
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: MARA LANE PITTHAN FRANCOLIN

 

V O T O

 

No caso dos autos, pretende a autora a condenação da ré ao pagamento de metade de pensão por morte instituída por servidor público federal, com quem alega ter vivido em união estável. Fundamenta seu pleito no art. 217, I, “c” da Lei n° 8.112/1990, que ora transcrevo, com a redação vigente ao tempo do óbito do servidor:

Art. 217.  São beneficiários das pensões:

(...)

I - vitalícia:

(...)

c) o companheiro ou companheira designado que comprove união estável como entidade familiar;

O Juízo de Origem julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos (fls. 537/538):

“(...)

Cumpre verificar se a autora demonstra que houve realmente entre ela e o ex-servidor união estável quando do falecimento deste.

Analisando-se os documentos juntados aos autos, observa-se que, embora a autora tivesse a posse dos documentos pessoais do falecido (fls. 99/122, 132/143) e ele tivesse outorgado a ela (em 13/06/2000 e 20/05/2002) procuração para receber a sua aposentadoria (fls. 18/19), tais documentos apenas demonstram que havia uma relação de confiança entre o falecido e a autora. Essa relação de confiança não se confunde com união estável, pois o falecido precisava, na época, dos cuidados da autora, em razão do seu estado de saúde. Conforme as fotos juntadas pela autora (fls. 123/131), o falecido vivia na cama ou em cadeira de rodas. Sendo assim, é natural que ele precisasse confiar em alguém para cuidar da sua saúde e do recebimento de seu benefício de aposentadoria.

Já os comprovantes de endereço juntados pela autora não comprovam a existência de mesmo domicílio. Segundo a autora, ela residiu com o falecido primeiro na sua chácara (Rua Marques Lourical, 21). Ocorre que os comprovantes de endereço em nome do falecido são de 06/05/2002 (carta remetida pela UNIFESP - doc. 83) e 22/02/2001 (conta da Eletropaulo - doc. 84), sendo que os comprovantes em nome da autora são todos posteriores ao óbito, a saber, 15/03/2004 (conta da Eletropaulo - doc. 82), março de 2004 (comunicado de conta pendente da Eletropaulo - doc. 83) e agosto de 2003 (conta da Eletropaulo - doc. 85).

Diante desses documentos, é evidente que a autora, após o óbito do ex-servidor, alterou o endereço na Eletropaulo, para substituir o nome do falecido pelo seu. Assim, tais documentos são imprestáveis para comprovar que a autora residiu com ele na chácara.

Por outro lado, também não há prova de que o autor residiu na casa da autora (Rua Henrique Palme, n.º 63), pois os únicos comprovantes de endereço são cartas remetidas pela UNIFESP a partir de agosto de 2002. Ora, se o falecido, em 20/05/2002, outorgou procuração à autora para recebimento de sua aposentadoria, é óbvio que ela alterou o endereço na UNIFESP. Conclui-se que, como não foi o ex-servidor que alterou seu endereço na UNIFESP, mas sim a autora, munida da procuração, esses comprovantes não servem como prova de que o falecido residiu na casa da autora. Tanto é assim, que até mesmo as cartas da UNIFESP para a Sra. Thereza da Silva Pereira - pensionista na condição de ex-esposa do falecido - estavam sendo remetidas para o endereço da autora (fls. 143/144).

Ademais, na própria procuração outorgada em 20/05/2002 consta como endereço do falecido a Rua Marques de Lourical, 21, e como endereço da autora a Rua Henrique Palme, 63 (fl. 18).

Quanto aos depoimentos das testemunhas da autora (fls. 257/260 e 272/273), percebe-se que tais testemunhas pouco sabiam da vida da autora e, provavelmente, pouco ou nunca conversaram com o falecido, pois nem sabiam da sua doença e da existência de seus filhos. Apenas afirmaram que ambos residiam na casa da autora, o que não corresponde à prova dos autos.

Não houve, portanto, convivência.

União também não houve.

Conforme documento de fl. 248 (Consulta Integrada SCPC/USECHEQUE), a autora quando realizou compra na "Casa Bahia" em 27/05/2002, contrato nº 00012903055769 (número que corresponde ao contrato constante do pedido de venda emitido pelo estabelecimento em 27/05/2002 - fl. 77), indicou como seu cônjuge o Sr. Vivaldo Oliveira Silva, que é o pai de seu filho mais novo chamado Rafael dos Santos Oliveira (fl. 30).

Assim, se em 27/05/2002 a autora indicou como cônjuge o pai de seu filho mais novo, não havia sequer união com o falecido, muito menos contínua, duradora e com o objetivo de constituir família.

Nesse mesmo contexto, cabe ressaltar que não há nenhum documento nos autos em que a autora se qualifica como companheira do falecido, a não ser quando foi requerer administrativamente a pensão na UNIFESP. No Boletim de Ocorrência lavrado na data do óbito (fls. 16/17) a autora se qualificou como solteira e disse à autoridade policial que cuidava do falecido. A autoridade policial tem fé pública e não há motivos para acreditar que a autora não disse o que consta no BO.

Conclui-se, então, que não foram comprovados os requisitos necessários para configuração da união estável. Além disso, a autora não estava designada na forma prevista no art. 217 da Lei n.º 8.112/90.

Assim, o pedido de concessão de pensão por morte é improcedente.

(...)” (destaquei).

Contra a sentença se insurge a parte autora sustentando que as provas dos autos são suficientes a se demonstrar a existência de união estável entre ela e o servidor falecido.

Pois bem.

Inicialmente, cumpre consignar que compete à Justiça Federal analisar, incidentalmente e como prejudicial de mérito, o reconhecimento da união estável nas hipóteses em que se pleiteia a concessão de benefício previdenciário, consoante entendimento sedimentado na Jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, verbis:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO POR PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. DECISÃO DO JUIZ ESTADUAL QUE DETERMINA AO INSS O PAGAMENTO DA PENSÃO POR MORTE À AUTORA. PROVIMENTO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AUTARQUIA QUE NÃO FOI PARTE NA LIDE. APLICAÇÃO DO ART. 472 DO CPC. MANIFESTA ILEGALIDADE.

1. O art. 1º da Lei n. 12.016/2009 preconiza que "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça".

2. Considerando que o texto legal expressamente assegura a impetração do remédio heroico por qualquer pessoa jurídica, não é possível ao Poder Judiciário vedar a sua utilização por entidade de direito público.

3.

Compete à Justiça estadual o processamento e julgamento de demanda proposta com o escopo de obter provimento judicial declaratório de existência de vínculo familiar, para o fim de viabilizar futuro pedido de concessão de benefício previdenciário. Seara exclusiva do Direito de Família, relativa ao estado das pessoas.

4.

Se a ação tem por objetivo provimento judicial constitutivo relativo à imediata concessão de benefício previdenciário, ostentando como causa de pedir o reconhecimento da união estável, deverá ser proposta perante a Justiça Federal, ante a obrigatoriedade da participação do INSS no polo passivo da lide, seja de maneira isolada, se for o caso, seja como litisconsorte passivo necessário.

5.

A presença do INSS é condição que se impõe porque a instituição de benefício previdenciário constitui obrigação que atinge diretamente os cofres da Previdência Social, revelando, assim, a existência de interesse jurídico e econômico da autarquia federal responsável pela sua gestão, razão pela qual ela deve ser citada para responder à demanda judicial, sob pena de violação dos postulados da ampla defesa e do contraditório, imprescindíveis para a garantia do devido processo legal.

6. A instituição de novo beneficiário, ainda que seja para ratear pensão já concedida, também agrava a situação jurídica e econômica da Previdência, porquanto representa causa que pode repercutir em maior tempo de permanência da obrigação de pagamento do benefício.

7. Hipótese em que a sentença proferida em sede de ação judicial circunscrita ao reconhecimento de união estável — ajuizada exclusivamente em face do alegado companheiro, representado nos autos por sua herdeira —, a teor do art. 472 do Código de Processo Civil, não vincula a autarquia previdenciária que não fez parte da lide, o que denota a manifesta ilegalidade da decisão. 8. Recurso ordinário provido.

(STJ, RMS nº 35.018/MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, Quinta Turma, DJe: 20/08/2015) (destaquei).

Sendo assim, com muito mais razão há que se reconhecer a competência absoluta da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito, que versa sobre a concessão de pensão por morte estatutária, hipótese de evidente interesse jurídico do ente federal requerido, nos termos do art. 109, I da Constituição Federal:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

Dito isto, verifico que a questão essencial ao deslinde da causa é a de saber se a autora viveu ou não em união estável com o servidor público federal Jorge Pereira para que se decida sobre o seu direito à percepção de pensão por morte estatutária, com fundamento no art. 217, I, “c” da Lei n° 8.112/1990.

Quanto ao instituto da união estável, trago à colação os ensinamentos de Flávio Tartuce e José Fernando Simão:

“DA UNIÃO ESTÁVEL

5.1 INTRODUÇÃO

A união estável ou união livre sempre foi reconhecida como um fato jurídico, seja no Direito Comparado, seja entre nós. Por certo é que hoje, a união estável assume um papel relevante como entidade familiar na sociedade brasileira, eis que muitas pessoas, principalmente das últimas gerações, têm preferido essa forma de união em detrimento do casamento.

Não se deve esquecer que antes da existência da possibilidade de divórcio no Brasil, muitos conviviam em união estável, apesar de casados no papel, mas separados de fato. Nessa situação desconfortável, a união estável não era, muitas vezes, adotada por opção, mas sim por falta de opção.

No caso do Brasil, a primeira norma a tratar do assunto foi o Decreto-lei 7.036/1944, que reconheceu a companheira como beneficiária da indenização no caso de acidente de trabalho de que foi vítima o companheiro, lei que ainda é aplicada na prática.

A jurisprudência do mesmo modo reconhecia direitos aos companheiros. Antes mesmo da previsão constitucional da união estável, na década de 1960, quando o instituto era tratado sob a denominação de concubinato, o Supremo Tribunal Federal assim sumulou: ‘Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum’ (Sùmula 380 do STF). A ementa data de 3 de abril de 1964.

Posteriormente, a Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos) passou a admitir a possibilidade de a companheira usar o sobrenome do seu companheiro (art. 57, § 2º). Comentaremos sobre a viabilidade de aplicação atual desse último dispositivo em momento oportuno.

A Constituição Federal de 1988 reconheceu, no seu art. 226, § 3º, a união estável, nos seguintes termos: ‘Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento’. Diante do que consta do texto constitucional, filiamo-nos ao entendimento pelo qual a união estável não é igual ao casamento, uma vez que coisas iguais não se convertem uma na outra. Justamente por isso é que há um tratamento diferenciado, como ocorre quanto ao regime de bens e ao direito sucessório. De qualquer forma, deve-se lembrar que a união estável, assim como o casamento, constitui uma entidade familiar, base da sociedade, nos termos do art. 226, caput, do Texto Maior.

(...)

5.2 CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL

Segundo o art. 1.723 do CC em vigor, ‘é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família’. O dispositivo regulamenta o art. 226, § 3º, da CF/1988. Como se nota, o conceito é o mesmo que constava da Lei 9.278/1996.

A respeito dos seus requisitos, comenta o Professor Álvaro Villaça Azevedo que:

‘Realmente, como um fato social, a união estável é tão exposta ao público como o casamento, em que os companheiros são conhecidos, no local em que vivem, nos meios sociais, principalmente de sua comunidade, junto aos fornecedores de produtos e serviços, apresentando-se, enfim, como se casados fossem. Diz o povo, em linguagem autêntica, que só falta aos companheiros ‘o papel passado’. Essa convivência, como no casamento, existe em continuidade; os companheiros não só se visitam, mas vivem juntos, participam um da vida do outro, sem termo marcado para se separarem’ (Comentários..., p. 255).

Como reconhece o próprio Professor Villaça,

a lei não exige prazo mínimo para a sua constituição, sendo certo que o aplicador do direito deve analisar as circunstâncias do caso concreto para apontar a sua existência ou não.

Os requisitos, nesse contexto, são que a união seja pública (no sentido de notoriedade, não podendo ser oculta, clandestina), contínua (sem que haja interrupções, sem o famoso ‘dar um tempo’ que é tão comum no namoro) e duradoura, além do objetivo de os companheiros ou conviventes de estabelecerem uma verdadeira família (animus familiae)

. No mesmo sentido, em tom didático, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho apresentam

elementos caracterizadores essenciais e elementos caracterizadores acidentais para a união estável. Entre os primeiros estão a publicidade, a continuidade, a estabilidade e o objetivo de constituição de família. Como elementos acidentais, destacam-se o tempo, a prole e a coabitação

(Novo Curso..., p. 429-436).

Como se nota, os elementos essenciais são totalmente subjetivos, razão pela qual acreditamos existir uma verdadeira cláusula geral para a constituição da união estável.

(...)”

(Direito Civil, v. 5: direito de família / Flávio Tartuce, José Fernando Simão - 7 ed. rev. e atual. - São Paulo: Método, 2012 - p. 263 e 268-269) (destaquei).

Fixadas estas premissas, cumpre analisar o mérito recursal.

Muito embora a coabitação não constitua requisito essencial ao reconhecimento da união estável, vê-se que a requerente alega que o servidor falecido residia com ela, primeiro na chácara do finado, na Rua Marques Lourical, n° 21, depois na casa da própria demandante, na Rua Henrique Palme, n° 63.

Não obstante, a alegação não encontra respaldo nas provas dos autos. Em relação ao primeiro endereço, os comprovantes em nome da autora são todos posteriores ao óbito do servidor, a saber: agosto de 2003 e março de 2004 (fls. 82, 83 e 85). Quanto ao segundo, os comprovantes são cartas enviadas pela UNIFESP a partir de agosto de 2002, momento em que a requerente já contava com procuração do servidor para receber a aposentadoria dele, sendo certo que o próprio mandatário fez constar o endereço de sua chácara – e não da casa da autora – no instrumento de mandato (fls. 18 e 143/144).

Neste ponto, concluiu acertadamente o Juízo Sentenciante que foi a própria autora quem alterou o endereço do servidor falecido junto à requerida, já que mesmo as comunicações da UNIFESP endereçadas à senhora Thereza – que fora casada anteriormente com o servidor Jorge e recebia pensão instituída por ele – passaram a ser enviadas para o endereço da autora.

Não menos correta foi a conclusão de que o fato de a autora portar documentos pessoais do servidor falecido e ser expressamente autorizada a receber os vencimentos de aposentadoria por ele revela uma firme relação de confiança entre eles, a corroborar o fato incontroverso de que a demandante realmente cuidava do servidor doente, mas não é suficiente a se reconhecer a existência de uma efetiva união estável, como alega a autora.

Do mesmo modo, tenho que a requerente não demonstrou que vivesse publicamente em união com o servidor falecido, a ensejar o reconhecimento da união estável por ela alegada.

Neste ponto, é verdade que as testemunhas Silvana Gomes e Gizelia Maria da Silva Pessoa, ouvidas em audiência de justificação, afirmaram que o sr. Jorge se apresentava como casado com a autora (fls. 257 e 259). Não obstante, não menos certo é que tais testemunhas demonstraram que “pouco sabiam da vida da autora e, provavelmente, pouco ou nunca conversaram com o falecido, pois nem sabiam da sua doença e da existência de seus filhos”, como bem consignado em sentença (fl. 537-verso), o que fragiliza significativamente o teor de seus depoimentos.

O mesmo se diga com relação ao testemunho de Judite dos Santos, que embora aluda ao fato de o senhor Jorge ser marido da autora, sem dar mais detalhes a respeito, afirmou que “não frequentava a casa de D. Josefa (a autora), mas como morava perto e o bairro é uma vila de casas, a depoente sabia o que acontecia na casa dos vizinhos”, a revelar que não era pessoa tão próxima à autora e ao servidor em questão (fl. 272).

Mesmo o fato destas testemunhas terem aduzido que o servidor teria residido com a requerente não se revela suficiente a dar ensejo ao acolhimento do pedido recursal, seja porque a coabitação não é requisito ao reconhecimento da união estável, sendo, no máximo, um elemento a mais para se aferir a existência de tal união, como visto até aqui, seja porque as provas documentais constantes dos autos apontam que autora e servidor falecido moravam cada qual na sua respectiva casa.

Há que se registrar, ainda, que consta dos autos que a requerente realizou uma compra em 27/05/2002, pouco menos de um ano antes da morte do servidor de quem alega ter sido companheira (19/04/2003), ocasião em que apontou como cônjuge o senhor Vivaldo Oliveira Silva, pai de seu filho mais novo, Rafael dos Santos Oliveira (fls. 77, 30 e 248).

Consta dos autos, ainda, que foi lavrado Boletim de Ocorrência quando do óbito do servidor Jorge Pereira, no qual se lê que a autora “cuidava da vítima há cerca de dez anos”, sem que se tenha mencionado, sequer minimamente, o fato de serem eles casados de fato, viverem uma união estável ou manterem qualquer relacionamento afetivo, o que seria de se esperar. Quanto a isto, é frágil a alegação recursal de que o boletim teria sido feito por um sobrinho do falecido que era policial, já que consta do referido documento que a autora teria estado presente ao plantão policial, na qualidade de declarante, alegação desacompanhada de qualquer elemento probatório que minimamente a suporte.

Ora, as declarações prestadas pela requerente junto ao comércio local de que seu cônjuge seria outra pessoa e à autoridade policial de que cuidava do servidor falecido, sem qualquer menção a um possível relacionamento afetivo entre eles, não se coadunam com a publicidade e notoriedade necessárias a se reconhecer a existência de uma união estável.

Veja-se, ainda, que a autora jamais negou o fato de ser casada, de fato ou de direito, com outra pessoa quando da morte do servidor em questão, limitando-se, neste ponto, a apontar possíveis incongruências nos depoimentos das pessoas que disseram tê-la visto no velório do sr. Jorge com uma pessoa que se apresentou como seu marido, divergências estas que dizem unicamente com a aparência dessa pessoa.

Por tais razões, correta a sentença ao reconhecer que a autora não logrou demonstrar a existência de união estável entre ela e o servidor público falecido, enquanto fato constitutivo de seu direito (art. 333, I do CPC/73), sendo de rigor a manutenção do julgamento de improcedência de seu pedido.

Correta, ainda, a condenação da requerente em honorários advocatícios, cujo montante não será apreciado por ausência de impugnação específica pela parte interessada.

Ante o exposto, voto por

negar provimento

à apelação.

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

DIREITO CIVIL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE ESTATUTÁRIA. UNIÃO ESTÁVEL. ART. 217, I, “C” DA LEI N° 8.112/90. AUSÊNCIA DE PROVA. IMPROCEDÊNCIA. ART. 333, I DO CPC/73. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

1. No caso dos autos, pretende a autora a condenação da ré ao pagamento de metade de pensão por morte instituída por servidor público federal, com quem alega ter vivido em união estável. Fundamenta seu pleito no art. 217, I, “c” da Lei n° 8.112/1990.

2. A requerente não demonstrou que vivesse publicamente em união com o servidor falecido, a ensejar o reconhecimento da união estável por ela alegada.

3. Correta a sentença ao reconhecer que a autora não logrou demonstrar a existência de união estável entre ela e o servidor público falecido, enquanto fato constitutivo de seu direito (art. 333, I do CPC/73), sendo de rigor a manutenção do julgamento de improcedência de seu pedido.

4. Apelação não provida.


 

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

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