Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0000275-43.2008.4.03.6112
Relator(a)
Desembargador Federal MARLI MARQUES FERREIRA
Órgão Julgador
4ª Turma
Data do Julgamento
07/01/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 04/02/2022
Ementa
E M E N T A
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
DANOS MORAIS. DUPLICIDADE DE CPF. HOMÔNIMOS.VALOR FIXADO A TÍTULO DE
DANOS MORAIS.
A Receita Federal, órgão federal a quem se atribui o procedimento de cadastrar as pessoas
físicas, tem o dever de fiscalizar os números a elas atribuídos, para o fim de evitar que sejam
deferidos em duplicidade.
No caso concreto, restou incontroverso nos autos que em razão do injustificável equívoco
cometido pela União, a autora se valeu de CPF também concedido à homônima entre 1998 e
2009, longo período no qual experimentou insegurança decorrente das incertezas sobre a
utilização do número de seu CPF pela desconhecida homônima, situação tal que ultrapassa os
meros dissabores e aborrecimentos a que estamos sujeitos no dia-a-dia, causando ofensa aos
atributos da personalidade.
É de se reconhecer a responsabilidade civil do Estado, pois os dados fornecidos pelos
homônimos poderiam ter sido verificados de forma a identificar corretamente e diferenciá-los,
evitando os constrangimentos advindos dessa duplicidade, uma vez que o número de CPF está
atrelado à diversas operações realizadas na sociedade.
O valor arbitrado deve guardar dupla função, a primeira de ressarcir a parte afetada dos danos
sofridos, e uma segunda, pedagógica, dirigida ao agente do ato lesivo, a fim de evitar que atos
semelhantes venham a ocorrer novamente. Indispensável, ainda, frise-se, definir a quantia de tal
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
forma que sua fixação não cause enriquecimento sem causa à parte lesada.
No caso concreto, o montante fixado na sentença a título de danos morais (R$ 20.000,00) mostra-
se exorbitante razão pela qual, levando-se em conta o princípio da razoabilidade, a
impossibilidade de serem fixados valores que ocasionem o enriquecimento indevido e os
parâmetros utilizados por este Tribunal para casos similares, reduz-se o quantum indenizatório
para R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Apelação parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000275-43.2008.4.03.6112
RELATOR:Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: MARIA JOSE DE FARIAS
Advogado do(a) APELADO: NEIVA QUIRINO CAVALCANTE BIN - SP171587-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região4ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000275-43.2008.4.03.6112
RELATOR:Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: MARIA JOSE DE FARIAS
Advogado do(a) APELADO: NEIVA QUIRINO CAVALCANTE BIN - SP171587-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora):
Trata-se de recurso de apelação em ação ordinária proposta por MARIA JOSÉ DE FARIAS em
face da União Federal objetivando indenização por danos morais emateriais na importância de
01 (um) salário mínimo mensal, com juros e corrigidos desde a data da tentativa de implantação
do benefício previdenciário da autora, impossibilitada por possível culpa da União Federal, até o
momento em que for resolvido efetivamente o problema de CPF; e ainda a condenação a título
de danos morais, na importância de 100 (cem) salários mínimos, com juros e corrigidos até a
data do efetivo pagamento, decorrente da emissão de CPF duplicado.
A r. sentença extinguiu o feito sem resolução de mérito relativamente à expedição de novo CPF,
e no mais, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a União Federal a pagar à
autora a quantia de R$20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais, corrigidos pelo
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela
Resolução 134/2010 do Conselho da Justiça Federal. Em consequência, estabeleceu a
sucumbência recíproca.
Inconformada, recorre a União Federal pugnando a improcedência do pedido sob a alegação de
que o equívoco cometido pela Receita Federal nos dados da autora foi solucionado com a
emissão de um novo número de CPF à autora em 16/03/2009, razão pela qual tal conduta
equivocada causou-lhe um mero aborrecimento, tendo em vista que foi solucionada na via
administrativa.
Nessa linha de intelecção, entende indefensável o entendimento manifestado pelo d. Juízo a
quo de que o equívoco cometido pela Receita Federal do Brasil causou dano moral à autora,
pois nem mesmo ela o enunciou em sua exordial, nem tampouco o comprovou nos presentes
autos durante a instrução probatória.
Finalmente, aduz que, uma vez ultrapassadas tais alegações, o valor fixado a título de
indenização é excessivo, comportando redução.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte, para julgamento.
É o relatório.
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000275-43.2008.4.03.6112
RELATOR:Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: MARIA JOSE DE FARIAS
Advogado do(a) APELADO: NEIVA QUIRINO CAVALCANTE BIN - SP171587-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora):
Desde logo ressalte-se que o presente recurso foi interposto antes da entrada em vigor do
Código de Processo Civil de 2015, razão pela qual será apreciado de acordo com a forma
prevista no CPC de 1973, "com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça" (enunciado nº 2º do E. STJ).
A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público é objetiva, a teor do art. 37, §6º,
da Constituição Federal. Dessa forma, para caracterizar o dever de indenizar do Estado, basta
a prova do dano material ou moral sofrido, uma ação ou omissão imputada a um agente estatal
e o nexo de causalidade entre o dano e a conduta, não tendo a vítima, pois, que provar culpa
ou dolo do agente público. Não configurado qualquer um desses elementos importa na exclusão
da responsabilidade civil do Estado.
O direito à indenização por dano material, moral ou à imagem encontra-se no rol dos direitos e
garantias fundamentais do cidadão, assegurado no art. 5º, incisos V e X, da Constituição
Federal, verbis:
"Art. 5º. (...)
...
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem;
...
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)"
Está estabelecido no Código Civil a prática de atos ilícitos e o dever de indenizar:
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo
iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o
tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a
remoção do perigo.
...
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano , independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."
O dano moral decorrente do abalo gerado pelas restrições ao CPF é e considerado in re ipsa,
vale dizer, desnecessária a prova do prejuízo, considerado presumido e decorrente do próprio
fato.
Outrossim, ressalte-se que a Receita Federal, órgão federal a quem se atribui o procedimento
de cadastrar as pessoas físicas, tem o dever de fiscalizar os números a elas atribuídos, para o
fim de evitar que sejam deferidos em duplicidade.
De fato, a inclusão ou exclusão de qualquer pessoa daquele cadastro, ou seja, a inscrição,
suspensão, reativação ou cancelamento do número de CPF é atribuição exclusiva daquele
órgão da União Federal, ainda que eventuais alterações cadastrais tenham sido realizadas
perante uma agência de correios ou bancária mediante formulário.
No caso concreto, restou incontroverso nos autos de que houve o encaminhamento da 2ª via do
CPF de homônima da autora, de nº 018.038.738-33, o qual vinha sendo por ela utilizado, que
somente veio a ser regularizado pela Receita Federal em 16/03/2009, ao atribuir à autora o CPF
nº 233.542.938-88 (fl.194). É o que se verifica da decisão administrativa de fls.236/237 cuja
conclusão é a seguinte “Pode-se concluir, portanto, que uma outra pessoa homônima, com
mesmo nome e data de nascimento da autora, é a pessoa inscrita com CPF 018.038.738-33 e
que a autora portava indevidamente cartões desse CPF em questão. Entendemos que, se a
autora postula que se emita um novo CPF para ela, o caso se encerra pois está inscrita com
CPF 233.542.938-88”.
Nesse passo, é de se reconhecer a responsabilidade civil do Estado, pois os dados fornecidos
pelos homônimos poderiam ter sido verificados de forma a identificar corretamente e diferenciá-
los, evitando os constrangimentos advindos dessa duplicidade, uma vez que o número de CPF
está atrelado a diversas operações realizadas na sociedade.
Por isso, o fato lesivo é verificado na falta de diligência da União ao realizar o cadastro dos
homônimos sob o mesmo número, deixando de examinar, quando da realização dos cadastros,
os dados distintos entre o autor e o homônimo (nome da mãe, nome do pai, naturalidade e título
de eleitor).
De tal contexto, conclui-se que está suficientemente comprovada a ocorrência de um dano e o
nexo de causalidade entre uma ação antijurídica do Estado e o resultado danoso.
Outrossim, a correção do erro praticado pela União não tem o condão de apagar os danos
sofridos. Ao contrário, ressalta ainda mais os dissabores enfrentados pela parte autorae
confirma a imprescindibilidade de se possuir um único número por cidadão no cadastro de
contribuintes.
Nesse sentido tem sido o entendimento jurisprudencial do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
EMISSÃO EM DUPLICIDADE DO MESMO NÚMERO DE CPF . INSCRIÇÃO INDEVIDA EM
CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PRINCÍPIO DA
ACTIO NATA. NEXO CAUSAL. MONTANTE INDENIZATÓRIO. SÚMULA 07/STJ.
(...)
3. A autora não teve ciência da irregularidade na emissão do CPF em momento anterior à
constatação do dano , o que ficou caracterizado tão-somente na ocasião em que tomou
conhecimento de sua errônea inscrição em cadastros de proteção ao crédito, decorrente de
contumaz inadimplência da terceira pessoa com quem compartilhava o mesmo número de
identificação.
4. O Tribunal a quo aferiu a existência de nexo causal entre a conduta da Administração e o
evento dano so e fixou a indenização com lastro no acervo fático-probatório dos autos, o qual
não é suscetível de reexame na instância especial.
5. De fato, para alterar-se o entendimento de que a emissão em duplicidade do mesmo número
de CPF adveio de flagrante falha nos serviços prestados pela União e gerou profundo
constrangimento e desgaste à parte adversa seria indispensável revolvimento dos fatos e
provas carreados aos autos. Ademais, a indenização fixada em R$ 6.000,00 (seis mil reais) não
se revela absurda ou destituída de razoabilidade, de forma que sua diminuição também esbarra
no óbice inscrito na Súmula 07/STJ.
6. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1074476/RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJe 02/10/2009)
"PROCESSUAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. UNIÃO. DUPLICIDADE
NA EMISSÃO DE CPF 'S. INSCRIÇÃO INDEVIDA NO CADASTRO DE CHEQUES SEM
FUNDOS. DANO S MATERIAIS E MORAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO.
SUCUMBÊNCIA. APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 21 DO CPC.
I - Inviabilidade de se discutir na seara do recurso especial possível afronta a dispositivos
constitucionais.
II - Na ação de indenização por dano s materiais e morais movida pela autora em razão da
inclusão de seu nome, de forma indevida, no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos
em decorrência da duplicidade na emissão de CPF 's, a União também é parte legítima, não
podendo se desvincular de seu dever fiscalizador.
III - Inconsistente a alegação de afronta ao art. 282 do CPC, que somente dispõe sobre os
pressupostos da petição inicial, sem que a recorrente conseguisse demonstrar de que forma
teria o dispositivo sido afrontado pela decisão recorrida. Fundamentos que esbarram na
vedação contida na Súmula 7/STJ.
IV - A autora somente deixou de alcançar o valor pretendido na indenização pelo dano moral,
incidindo a hipótese para fins de honorários, no parágrafo único do art. 21 do CPC.
V - Recurso parcialmente conhecido e nessa parte desprovido."
(REsp 809256/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJ 13/03/2006, p. 229)
Assim, constatado o vínculo causal entre o comportamento lesivo e os prejuízos de cunho
patrimonial e expatrimonial suportados pela autora, é cabível a indenização por danos morais,
enquadrando-se a hipótese nas disposições do art. 37, §6º, da Constituição Federal, como bem
salientou a r. sentença proferida pelo juízo a quo, cujo excerto abaixo transcrito agrego como
razões de decidir:
“(...)
FUNDAMENTAÇÃO
Prefacialmente, concedo à demandante os benefícios da Assistência Judiciária Gratuita,
conforme solicitado (fls. 7 e 23).
Trata-se de ação na qual a autora pleiteia seja a ré condenada a expedir novo número de CPF
e a suportar indenização decorrente de danos materiais e morais experimentados em razão de
erro na emissão do número de seu CPF.
Preliminares
A sustentada irregularidade de representação articulada pela União sob o item ‘ilegitimidade
passiva’ (fls. 41/42) resta prejudicada, pois a Procuradoria-Seccional da União (AGU) ratificou
todos os atos praticados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e requereu, ademais, a
admissão da petição de fls. 87/93 - elaborada pela PFN - como alegações finais (fls. 253 e 258).
A despeito da arguição de tal preliminar pela PFN, verifico também que o mesmo órgão atacou
o mérito da demanda em sede de contestação, atuando regularmente em fases seguintes,
conforme se constata mediante análise das peças de fls. 40/50, 65, 86, 87/93, 85/245, o que
não passou desapercebido pelo despacho de fl. 251.
Verifica-se, portanto, que a atuação da PFN em algumas fases desta demanda não causou
prejuízo à União, pelo que a declaração de validade de todos os atos processuais até o
presente momento praticados se impõe, mormente diante das posteriores manifestações da
Procuradoria-Seccional da União (AGU) e das diretrizes estampadas pelo princípio da
instrumentalidade das formas.
A União também apresentou preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, sob o fundamento
de que o CPF consiste em numeração única, atribuída a cada pessoa física, sendo que o
ordenamento jurídico não permite a alteração de tal inscrição em razão da situação fática
delineada nos autos.
Ocorre que tal preliminar não merece guarida, pois esbarra no próprio ato administrativo que
concedeu, supervenientemente, outro número de CPF à autora (CPF nº 233.542.938-88),
conforme se denota às fls. 236/237.
Ademais, a essência da preliminar em debate confunde-se com o próprio mérito da quaestio,
pois aborda as peculiaridades do caso e pondera, diante de tais vicissitudes, a possibilidade de
concessão de outro número de inscrição.
Afasto, assim, as preliminares aventadas em sede de contestação.
Adianto, por oportuno, que a preliminar de ilegitimidade passiva arguida na petição de fls. 87/93
será abordada juntamente com o mérito.
Fato superveniente - concessão de novo número de inscrição
Conforme manifestação da Receita Federal de fls. 236/237, a autora foi contemplada com novo
número de inscrição perante o Cadastro de Pessoas Físicas:
‘Entendemos que, se a autora postula que se emita um novo CPF para ela, o caso se encerra
pois está inscrita com CPF 233.542.938-88’.
O documento de fl. 238, extraído do sistema informatizado da Receita Federal, comprova a
identidade dos dados da inscrição (nome da titular, nome da mãe, naturalidade, título de eleitor
etc) com os documentos pessoais da autora, juntados por cópia às fls. 10/13.
Em consulta ao sítio da Receita Federal nesta data, verifiquei que o novo número de inscrição
da autora (233.542.938-88) encontra-se ‘REGULAR’.
Instada acerca dos documentos juntados pela União, a autora nada opôs concretamente em
face da atribuição de outro número de inscrição (fls. 249/250), donde se conclui pela
aquiescência do ato praticado pela Receita Federal, em consonância com a pretensão deduzida
na inicial.
Assim, no que tange ao pedido de condenação da ré à atribuição de outro número de inscrição
perante o Cadastro de Pessoas Físicas, reconheço a carência de ação, em razão da
superveniente falta de interesse de agir, nos termos do art. 267, VI, do CPC.
Passo ao julgamento dos pedidos de condenação da União ao pagamento de indenização a
título de danos materiais e morais.
Dispõe o parágrafo 6.º do art. 37 da Constituição Federal:
‘6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa’.
A responsabilidade do Estado acolhida pelo texto constitucional (art. 37, 6º) é objetiva, ou seja,
ocorrendo dano, prescinde-se do dolo ou culpa, bastando ficar provado o nexo de causalidade
entre esse dano e a conduta estatal, além da inexistência de culpa concorrente ou exclusiva da
vítima.
Vale dizer, a Carta Magna contempla a responsabilidade objetiva do Estado, quando ‘seus
agentes, nessa qualidade, causarem danos a terceiros’.
Trata-se, portanto, de responsabilidade por ato comissivo de agente público, hipótese em que,
pela teoria do risco administrativo adotada por nosso ordenamento constitucional (pela qual o
Estado só se exime ou abranda sua responsabilidade se demonstrar a culpa do lesado), para
que se dê a indenização, basta a (a) comprovação do dano, (b) a demonstração da ação estatal
e (c) o nexo causal entre o dano e a ação do agente público.
Dos danos materiais
A autora sustenta a ocorrência de danos materiais de acordo com os seguintes fundamentos (fl.
04):
‘Posto isso, a requerente está tendo danos materiais, deixando de perceber o equivalente a um
salário mínimo mensal, bem como décimo terceiro, referente à sua aposentadoria, desde a data
de 16.08.2006. Data esta na qual tentou-se implantar seu benefício previdenciário, sem sucesso
(doc. 13), não restando outra alternativa senão a propositura da presente ação’
Pelo que se constata da inicial, os alegados danos materiais decorreram apenas da falta de
percepção um salário mínimo mensal e do décimo terceiro salário, todos decorrentes do
benefício de aposentadoria judicialmente concedido.
A petição inicial não se apoia, no que tange aos danos materiais, em outros eventuais danos
emergentes ou lucros cessantes, na forma do art. 402 do Código Civil.
Ocorre que o benefício previdenciário já está sendo mensalmente pago à autora, conforme
documentos de fls. 200, 202/203, os quais evidenciam a implantação da benesse nº
41/146.774.124-5 (CPF 233.542.938-88), com Data de Início de Benefício (DIB) em 22/04/2004
e Data de Início de Pagamento (DIP) em 01/04/2007.
Quanto aos valores devidos no interregno de 22/04/2004 a 01/04/2007, observo que a parte
autora discordou dos cálculos apresentados pelo INSS, o que acarretou a citação da autarquia
nos termos do art. 730 do CPC - extrato de fls. 68/73.
Em consulta realizada nesta data junto ao sítio eletrônico do TJ do Estado de São Paulo, é
possível verificar que o INSS apresentou exceção de pré-executividade, acolhida pelo Juízo,
sendo que o novo cálculo dos atrasados apresentado pelo INSS foi, após a concordância da
parte autora, homologado pelo juízo, com a consequente determinação de expedição de
Requisição, nos termos do art. 100 da CF.
Assim, os valores pertinentes ao benefício previdenciário, postulados nesta demanda a título de
danos materiais, já estão sendo mensalmente pagos, sendo que os valores entre a DIB e a DIP
serão pagos pela sistemática prevista no art. 100 da CF.
Também é certo que o cálculo dos atrasados se fez acompanhado dos devidos juros, da
correção monetária e dos honorários advocatícios, na forma dos artigos 389 e 404 do Código
Civil.
Logo, não há o que se apurar, na presente demanda, a título de danos materiais. Registro que a
petição inicial não faz referência a qualquer outra espécie de dano material, quer sob o prisma
dos danos emergentes, quer sob o amparo dos lucros cessantes. Também não há qualquer
prova de outros eventuais danos, o que seria de rigor para a fixação da responsabilidade civil.
Registro, na mesma linha, que a parte autora não se desincumbiu do ônus de provar que os
juros pagos por meio da demanda previdenciária não cobriram o prejuízo decorrente do atraso
no pagamento do benefício previdenciário, afigurando-se incabível, portanto, a fixação de
indenização suplementar, na forma do parágrafo único do art 404 do Código Civil.
Incabível, destarte, a condenação da União ao pagamento de danos materiais.
Dos danos morais
Sobre danos morais, o jurista Carlos Alberto Bittar ensina que ‘são, conforme anotamos alhures,
lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade,
em razão de investidas injustas de outrem. São aqueles que atingem a moralidade e a
afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e
sensações negativas. Contrapõem-se aos danos denominados materiais, que são prejuízos
suportados no âmbito patrimonial do lesado. Mas podem ambos conviver, em determinadas
situações, sempre que os atos agressivos alcançam a esfera geral da vítima, como, dentre
outros, nos casos de morte de parente próximo em acidente, ataque à honra alheia pela
imprensa, violação à imagem em publicidade, reprodução indevida de obra intelectual alheia em
atividade de fim econômico, e assim por diante (,,,),’ (in REPARAÇÃO CIVIL POR DANOS
MORAIS, publicado na Revista dos Advogados, nº 44, página 24).
Portanto, dano moral é aquele que atinge bens incorpóreos como a alta estima, a honra, a
privacidade, a imagem, o nome, a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou
moral, a sensação de dor, de angústia, de perda.
Quanto à reparação desse dano, o artigo 5º, (incisos V e X) da Constituição Federal de 1988
consagrou, definitivamente, no direito positivo, a tese do ressarcimento relativo ao dano moral.
Assegurou, portanto, a proteção à imagem, intimidade, vida privada e honra, por dano moral e
material.
Como muito bem preleciona Caio Mário da Silva Pereira, ‘A Constituição Federal de 1988 veio
pôr uma pá de cal na resistência à reparação do dano moral (...). É de se acrescer que a
enumeração é meramente exemplificativa, sendo lícito à jurisprudência e à lei ordinária editar
outros casos (...). Com as duas disposições contidas na Constituição de 1988 o princípio da
reparação do dano moral encontrou o batismo que a inseriu em a canonicidade de nosso direito
positivo. Agora, pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se princípio
de natureza cogente o que estabelece a reparação por dano moral em nosso direito obrigatório
para o legislador e para o juiz.’ (in RESPONSABILIDADE CIVIL, Editora Forense, 3ª edição, nº
48, RJ, 1992).
A moderna jurisprudência, em total consonância com os dispositivos legais insertos na Carta
Magna, vem declarando o pleno cabimento da indenização por dano moral (RTJ 115/1383,
108/287, RT 670/142, 639/155, 681/163, RJTJESP 124/139, 134/151 etc.).
Enfim, acolhida a reparabilidade do dano moral no bojo da Carta Magna, a concepção atual da
doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente opera-se por força do
simples fato da violação (‘danum in re ipsa’).
Preleciona o citado jurista Carlos Alberto Bittar que a reparação do dano moral baliza-se na
responsabilização do ofensor pelo simples fato de violação, na desnecessidade da prova do
prejuízo e na atribuição à indenização de valor de desestímulo a novas práticas lesivas (in
REPARAÇÃO CIVIL POR DANOS MORAIS, 2ª ed., p. 198/226).
Assim, conforme ensina a melhor doutrina e jurisprudência, verificado o evento danoso, surge a
necessidade da reparação, não havendo que se cogitar de prova de dano moral, se presentes
os pressupostos legais para que haja a responsabilidade.
Pois bem.
No caso dos autos, a autora compareceu perante a Delegacia de Polícia Civil de Mirante do
Paranapanema na data de 13/09/1997 e comunicou o extravio dos seus documentos pessoais:
RG, CPF, Título de Eleitor e Comprovante de Votação (fl. 15).
Recebeu, posteriormente, comunicação da Secretaria da Receita Federal, no sentido de que o
pedido de regularização do CPF foi processado com sucesso (fl. 09). É certo que a autora
acreditou no ato administrativo, depositando sua confiança na administração pública. Tanto que
continuou apresentando suas Declarações Anuais de Isento (fls. 16 e 18).
A manifestação da Secretaria Receita Federal (SRF) de fls. 236/237 bem demonstra a
alternância do registro das informações do CPF nº 018.038.738-33 entre as homônimas. Pelo
que se percebe de tal histórico, as homônimas retificaram, alternativa e sucessivamente no
decorrer do tempo, os registros das informações, pois a mudança dos dados realizada por uma
das homônimas acarretava a divergência de dados em prejuízo da outra, que por sua vez era
obrigada a se dirigir perante a SRF para regularizar a situação.
Ocorre que tal situação não foi tempestivamente regularizada pela Receita Federal, que bem
poderia intimar os interessados a fim de verificar a causa do problema, concedendo novo
número de CPF a uma das homônimas. Porém, a atuação da Receita Federal se restringiu à
mera atualização das informações de acordo com os requerimentos das homônimas,
prejudicando uma delas em benefício da outra, ocasionando uma perene situação conflituosa e
antagônica.
A situação somente foi resolvida em 16/03/2009 (fl. 238), após muitos anos de imbróglio e
sofrimento. No ponto, observo que o abalo psíquico experimentado pela demandante extrapolou
o mero dissabor, pois a situação de insegurança sobre o CPF, dado extremamente importante e
necessário para o exercício das atividades mais simples do cidadão, perdurou durante anos
sem qualquer expectativa de resolução adequada.
O extravio do CPF ocorreu em 1997 e a disponibilização de outro número data de 17/01/1998
(fl. 236), ao passo que o fornecimento da nova e última inscrição somente ocorreu em
16/03/2009.
Também não desconheço o sofrimento que acometeu a autora durante todo o período de
incerteza quanto ao seu número de inscrição, pois a homônima detentora do mesmo número
possui empresa individual e recebe benefício previdenciário com base no mesmo CPF em
questão.
A União sustenta que a autora utilizava CPF de terceira pessoa - homônima -, invocando
também a ocorrência de culpa exclusiva da vítima. Contudo, tal CPF foi concedido à autora pela
própria Receita Federal, tratando-se de conduta danosa da própria administração pública direta.
A demandante se utilizava do CPF nº 018.038.738-33 porque tal número foi concedido pela
própria Receita Federal em 17/01/1998 (fl. 236), após requerimento da autora para fins de
obtenção de segunda via do número anteriormente utilizado e extraviado (fl. 17).
Então a autora não se utilizava de documento de terceiro, mas de número de inscrição próprio,
concedido pela administração pública e utilizado mediante a presunção de veracidade e
legitimidade dos atos da administração pública, incidindo à hipótese o princípio da proteção à
confiança. A autora confiou nos atos da administração pública e, por essa razão, utilizou
normalmente o número de inscrição aqui discutido, acreditando que lhe pertencia de forma
exclusiva.
Não desconheço que os benefícios previdenciários concedidos pelo INSS levam em
consideração o CPF do segurado. Assim, a autora realmente não pôde ser agraciada pela
concessão da benesse judicialmente concedida em demanda previdenciária porque o mesmo
número de CPF já havia sido utilizado para fins de concessão do benefício previdenciário de
sua homônima.
Deveria a Receita Federal ter fornecido outro número de CPF, sem o qual não poderia o INSS
implantar o benefício à autora concedido, o que somente foi levado a efeito em 16/03/2009 (fls.
236/237) mediante disponibilização de nova inscrição.
Afasto, portanto, a alegação de ilegitimidade passiva da União (fl. 90), pois o dano foi gerado
em prejuízo da autora em razão de conduta comissiva praticada pela Secretaria da Receita
Federal, órgão da União Federal.
O fato de ter sido regularizada a situação não afasta o dano moral, haja vista que o mesmo
abalou psicologicamente a autora e gerou prejuízos extrapatrimoniais durante considerável
período.
Afasto, outrossim, o requerimento de condenação da autora ao pagamento de multa por
litigância de má-fé (fls. 92/93), eis que o extrato apresentado pela demandante às fls. 67/73 já
retratava a situação processual dos autos da demanda previdenciária, pelo que a ré não
comprovou a existência de má-fé capaz de ensejar a imposição da penalidade pleiteada.
Cabalmente demonstrados a prática de conduta imputável à administração, a superveniência de
dano e o correspondente nexo causal entre a conduta e a ação do agente público, forçoso é
reconhecer o dever de responsabilização civil em razão dos danos morais pela autora
experimentados.
(...)”
Por fim, quanto ao valor da indenização, há que se considerar de um lado o sofrimento causado
à vítima e os dissabores por ela enfrentados, e de outro lado a conduta lesiva, observando-se o
intuito compensatório de que se reveste.
Como visto, em razão do injustificável equívoco cometido pela União, a autora se valeu de CPF
também concedido à homônima entre 1998 e 2009, longo período no qual experimentou
insegurança decorrente das incertezas sobre a utilização do número de seu CPF pela
desconhecida homônima, situação tal que ultrapassa os meros dissabores e aborrecimentos a
que estamos sujeitos no dia-a-dia, causando ofensa aos atributos da personalidade.
Relativamente à fixação do quantum indenizatório devem ser observados os princípios da
razoabilidade e proporcionalidade de modo que não redunde em enriquecimento sem causa de
qualquer das partes, atentando-se ainda para as peculiaridades de cada caso concreto.
O valor arbitrado deve guardar dupla função, a primeira de ressarcir a parte afetada dos danos
sofridos, e uma segunda, pedagógica, dirigida ao agente do ato lesivo, a fim de evitar que atos
semelhantes venham a ocorrer novamente. Indispensável, ainda, frise-se, definir a quantia de
tal forma que sua fixação não cause enriquecimento sem causa à parte lesada.
Em outras palavras, oquantumindenizatório devido a título de danos morais deve assegurar a
justa reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa da parte autora, além
de levar em conta a capacidade econômica do réu, devendo ser arbitrado pelo juiz de maneira
que a composição do dano seja proporcional à ofensa, calcada nos critérios da exemplariedade
e da solidariedade.
A respeito do tema colaciono as seguintes ementas do STJ:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MORTE POR
ATROPELAMENTO DE TREM. DANO MORAL. GENITORA E IRMÃOS. VALOR ÍNFIMO
FIXADO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. MAJORAÇÃO. LAPSO TEMPORAL ENTRE A
DATA DO FATO E O AJUIZAMENTO DA DEMANDA. IRRELEVÂNCIA NA CONFIGURAÇÃO
DO DANO. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A jurisprudência desta eg. Corte consolidou-se no sentido de entender que o valor fixado
pelas instâncias ordinárias, a título de dano moral, pode ser revisto nas hipóteses em que a
condenação é irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, de modo
que a demora no ajuizamento da ação, por si só, não tem o condão de reduzir o montante
indenizatório. Precedentes.
2. No caso, impõe-se a condenação em montante indenizatório que atenda aos princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade, a fim de evitar o indesejado enriquecimento ilícito do
autor, sem, contudo, ignorar o caráter preventivo e repressivo inerente ao instituto da
responsabilidade civil. Com base em tais razões e atento aos precedentes do STJ, majorou-se
a reparação moral para o valor correspondente a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) para a mãe
da vítima e R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para cada irmão, decorrente de morte da filha e
irmã dos recorrentes por atropelamento de trem.
3. Agravo regimental improvido.”
(AgRg no AREsp 638.324/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, DJe 03/08/2015)
"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS
MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. VEDAÇÃO.
SÚMULA N. 7/STJ.
1. Em sede de recurso especial, não compete ao Superior Tribunal de Justiça revisar as
premissas fáticas que nortearam o convencimento das instâncias ordinárias (Súmula n. 7/STJ).
2. O valor da indenização sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo
que, na sua fixação, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação,
proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico dos autores e, ainda, ao porte
econômico dos réus, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela
jurisprudência com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso e atento à
realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.
3. In casu, o quantum fixado pelo Tribunal a quo a título de reparação de dano s morais mostra-
se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento dano so.
4. Agravo regimental improvido."
(AgRg no Ag nº 884139/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ 11/02/2008, p.
112)
In casu entendo que o valor arbitrado na sentença a título de danos morais (R$ 20.000,00)
mostra-se exorbitante razão pela qual, levando-se em conta o princípio da razoabilidade, a
impossibilidade de serem fixados valores que ocasionem o enriquecimento indevido e os
parâmetros utilizados por este Tribunal para casos similares, reduzo o quantum indenizatório
para R$ 10.000,00 (dez mil reais), na forma de precedentes desta Turma.
A propósito:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. DUPLICIDADE
DE CADASTRO DE PESSOAS FÍSICAS (CPF). HOMÔNIMO. RESPONSABILIDADE DA
UNIÃO. DEVER DE INDENIZAR. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
- Preliminar de falta de ilegitimidade passiva da União afastada: os transtornos à autora foram
ocasionados em decorrência da inscrição de outra pessoa com o mesmo número de CPF da
apelada, circunstância que só foi permitida por falha pessoal ou de sistema da Receita Federal.
- No mérito, o pedido de danos morais contra a União é procedente.
- Ressalto que a Secretaria da Receita Federal do Brasil é um órgão específico, singular,
subordinado ao Ministério da Fazenda, exercendo funções essenciais para que o Estado possa
cumprir seus objetivos, logo, aplica-se, na espécie, o § 6º, do art. 37, da Constituição Federal.
- No caso dos autos, a autora comprovou a emissão de CPF igual ao seu, para terceira pessoa,
homônima. Por conta disso, enfrentou diversos transtornos.
- Não é aceitável que à autora seja cabível tolerar a inserção de seu nome nos cadastros de
inadimplentes por erro, ou melhor, por responsabilidade da Receita Federal, a qual permitiu a
emissão de número de CPF em duplicidade.
- Com relação ao valor da indenização, embora certo que a condenação por dano moral não
deve ser fixada em valor excessivo, gerando enriquecimento sem causa, não pode, entretanto,
ser arbitrada em valor irrisório, incapaz de propiciar reparação do dano sofrido e de inibir o
causador do dano a futuras práticas da mesma espécie.
- Na hipótese, diante das circunstâncias constantes nos autos, mantenho o valor da indenização
em R$ 10.000,00 (dez mil reais), eis que de acordo com os precedentes desta Turma.
- Preliminar rejeitada. Apelação da União improvida.”
(AC nº 0000171-22.2015.4.03.6107, Rel. Desemb. Federal MONICA NOBRE, DJF3 16/10/2020)
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE DO
ESTADO. AÇÃO REGRESSIVA. CPF. HOMÔNIMO INADIMPLENTE. PROTESTO. DANOS
MORAIS E MATERIAIS. OCORRÊNCIA. APELO IMPROVIDO.
1. A Constituição Federal, em seu art. 37, §6º, consagra a responsabilidade do Estado de
indenizar os danos causados por atos, omissivos ou comissivos, praticados pelos seus agentes
a terceiros, independentemente de dolo ou culpa, in verbis:
‘Art. 37. (...)
(...)
§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa.’
2. Trata-se do postulado de responsabilidade civil objetiva do Estado, que prescinde da prova
de dolo ou culpa do agente público, a qual fica restrita à hipótese de direito de regresso contra o
responsável (responsabilidade civil subjetiva dos agentes), não abordada nestes autos.
3. O aspecto característico da responsabilidade objetiva reside na desnecessidade de
comprovação, por quem se apresente como lesado, da existência da culpa do agente ou do
serviço.
4. Assim, para que o ente público responda objetivamente, suficiente que se comprovem a
conduta da Administração, o resultado danoso e o nexo causal entre ambos, porém com
possibilidade de exclusão da responsabilidade na hipótese de caso fortuito/força maior ou culpa
exclusiva da vítima. Trata-se da adoção, pelo ordenamento jurídico brasileiro, da teoria do risco
administrativo.
5. Para fazer jus ao ressarcimento em juízo, cabe à vítima provar o nexo causal entre o fato
ofensivo, que, segundo a orientação citada, pode ser comissivo ou omissivo, e o dano, assim
como o seu montante. De outro lado, o poder público somente se desobrigará se provar a culpa
exclusiva do lesado.
6. In casu, indubitável a questão de que o apelado foi responsabilizado judicialmente em razão
de expedição errônea de número de CPF em duplicidade a uma homônima, inadimplente, de
sua cliente. Considerando, pois, que a União Federal é a detentora exclusiva de todos os dados
e tem a obrigação de prestar corretamente os serviços, não cumpriu seu dever, ensejando, por
conta de equívoco fartamente comprovado, prejuízo ao apelado.
7. O erro ocasionou dano moral ao apelado, como acertadamente concluiu o juízo a quo.
8. Destaque-se que, ao contrário do afirmado pela apelante, o dano foi sim causado pelo
equívoco da Receita Federal ao reunir dois contribuintes em um único número e não pelos
estabelecimentos comerciais, que exerceram regular direito em promover a inclusão de
inadimplente no cadastro restritivo. Assim, há evidente nexo causal entre a conduta estatal e o
evento danoso.
9. Quanto à prova, ressalta-se que o dano moral causado por indevida inclusão em cadastros
restritivos é considerado in re ipsa, pois decorre do próprio fato e dispensa qualquer prova de
prejuízo.
10. Assim, de rigor a responsabilização regressiva da apelante em ressarcir os prejuízos
suportados pelo apelado. Todavia, o valor que será objeto de ressarcimento deverá ser
demonstrado em fase de liquidação de sentença, já que o Autor não comprovou o pagamento
do total do valor reclamado.
11. No que tange ao dano moral, verifico que a indenização por danos morais no montante de
R$ 10.000,00 (dez mil reais) se mostra adequada, na medida em que atende aos princípios da
razoabilidade e proporcionalidade, não caracterizado excesso, no valor arbitrado pelo juízo a
quo.
12. Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial e ao recurso de apelação.”
(AC nº 0000328-64.2012.4.03.6118, Rel. Desemb. Fed. MARCELO MESQUITA SARAIVA,
DJF3 06/08/2020)
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação nos termos acima expostos.
É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Apelação interposta pela UNIÃOcontra sentença que, em sede de ação ordinária,extinguiu o
feito sem resolução de mérito relativamente à expedição de novo CPF, e no mais, julgou
parcialmente procedente o pedido para condenar a União Federal a pagar à autora a quantia de
R$20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais, corrigidos pelo Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução 134/2010 do
Conselho da Justiça Federal. Em consequência, estabeleceu a sucumbência recíproca.
A Desembargadora Federal relatora Marli Ferreiradecidiu dar parcial provimentoà apelação a
fim de reduzir o montante da indenização por danos morais fixados na sentença para R$
10.000,00 (dez mil reais). Divirjo, todavia.
Quanto ao valor da indenização, segundo doutrina e jurisprudência pátrias, tem duplo conteúdo,
de sanção e compensação. Certamente, as situações de insegurança relativa ao fato de outra
pessoa utilizar o mesmo número de CPF da autora, aliado aos fatos de não ter conseguido
obter na via administrativa benefício previdenciário, que é de natureza alimentar, em razão
dessa circunstância, e de não ter prontamente solucionado o problema pela Receita Federal,
que lhe impôs um calvário caracterizado pelasvárias tentativas de sua resolução sem
sucesso,certamente a expôs a situações humilhantes e revoltantes que devem ser
consideradas na fixação do montante da reparação. Além disso, deve-se considerar o longo
período em que o erro prosseguiu até ser solucionado - de 1998 a 2009. Diante desse quadro,
penso que o montante fixado na sentença em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) deve ser mantido,
como forma de atender minimamente aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e
cumprir os critérios mencionados.
Ante o exposto, voto para negarprovimento à apelação.
DES.FED.ANDRÉ NABARRETE
apcastro
E M E N T A
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. DANOS MORAIS. DUPLICIDADE DE CPF. HOMÔNIMOS.VALOR FIXADO A
TÍTULO DE DANOS MORAIS.
A Receita Federal, órgão federal a quem se atribui o procedimento de cadastrar as pessoas
físicas, tem o dever de fiscalizar os números a elas atribuídos, para o fim de evitar que sejam
deferidos em duplicidade.
No caso concreto, restou incontroverso nos autos que em razão do injustificável equívoco
cometido pela União, a autora se valeu de CPF também concedido à homônima entre 1998 e
2009, longo período no qual experimentou insegurança decorrente das incertezas sobre a
utilização do número de seu CPF pela desconhecida homônima, situação tal que ultrapassa os
meros dissabores e aborrecimentos a que estamos sujeitos no dia-a-dia, causando ofensa aos
atributos da personalidade.
É de se reconhecer a responsabilidade civil do Estado, pois os dados fornecidos pelos
homônimos poderiam ter sido verificados de forma a identificar corretamente e diferenciá-los,
evitando os constrangimentos advindos dessa duplicidade, uma vez que o número de CPF está
atrelado à diversas operações realizadas na sociedade.
O valor arbitrado deve guardar dupla função, a primeira de ressarcir a parte afetada dos danos
sofridos, e uma segunda, pedagógica, dirigida ao agente do ato lesivo, a fim de evitar que atos
semelhantes venham a ocorrer novamente. Indispensável, ainda, frise-se, definir a quantia de
tal forma que sua fixação não cause enriquecimento sem causa à parte lesada.
No caso concreto, o montante fixado na sentença a título de danos morais (R$ 20.000,00)
mostra-se exorbitante razão pela qual, levando-se em conta o princípio da razoabilidade, a
impossibilidade de serem fixados valores que ocasionem o enriquecimento indevido e os
parâmetros utilizados por este Tribunal para casos similares, reduz-se o quantum indenizatório
para R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Apelação parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, por
maioria, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto da Des. Fed. MARLI
FERREIRA (Relatora), com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE, o Des. Fed. SOUZA
RIBEIRO e o Des. Fed. NERY JÚNIOR. Vencido o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE, que
negava provimento à apelação.
Fará declaração de voto o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE.
Ausente, justificadamente, em razão de férias, o Des. Fed. MARCELO SARAIVA.
O Des. Fed. SOUZA RIBEIRO e o Des. Fed. NERY JÚNIOR votaram na forma dos arts. 53 e
260 do RITRF3, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA