APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000923-64.2015.4.03.6116/SP
DECLARAÇÃO DE VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra a r. sentença que rejeitou os embargos à execução, reconhecendo o direito do embargado à percepção das parcelas em atraso decorrentes da concessão judicial da aposentadoria por tempo de serviço no período que antecede a data de implantação do benefício mais vantajoso, implantado administrativamente, qual seja, entre 06/07/2001 e 12/08/2003, determinando o prosseguimento da execução no valor de R$ 56.197,56. Condenou a autarquia em honorários advocaticios fixados em R$ 1.000,00.
A apelante sustenta em razões recursais que a opção pelo benefício posteriormente concedido na esfera administrativa, mais vantajoso, caracteriza a renúncia ao crédito decorrente do benefício concedido judicialmente, inexistindo, portanto, diferenças a serem executadas.
Levado a julgamento em 26.03.2018, o E. Relator, o Desembargador Federal Toru Yamamoto, negou provimento ao recurso do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, mantendo a sentença de primeiro grau.
Na sequência, pedi vênia ao Relator para divergir do entendimento por si esposado, pelas razões a seguir expostas:
As premissas do raciocínio pela possibilidade de recebimento do novo benefício e, concomitantemente, pelo recebimento dos atrasados do benefício judicial, são:
1 - A ausência de voluntariedade na continuidade do trabalho. Como o benefício fora negado administrativamente, o segurado precisou continuar trabalhando para sua sobrevivência. Por isso, não se pode falar em "desaposentação indireta", já que a desaposentação pressupõe a aposentadoria e a continuação voluntária do aposentado no mercado de trabalho.
2 - A aposentadoria é direito patrimonial disponível, razão pela qual nada obsta que o segurado renuncie ao benefício obtido judicialmente a partir da data em que, no curso da ação, obteve benefício mais vantajoso pela via administrativa. Com isso, executa as prestações em atraso do benefício "judicial" e depois passa a receber o valor mensal - maior - do benefício "administrativo".
Entendo que, a partir do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Repercussão Geral no RE nº 661.256, em 26/10/2016, essas premissas não são mais válidas.
Quanto à primeira premissa: é certo que não se pode presumir que todo aquele que se aposenta pretende continuar a trabalhar. O mais correto, em termos de raciocínio jurídico, é assumir que aquele que pede aposentadoria pretende parar de trabalhar e se tornar somente beneficiário do INSS. Assim, se após a propositura da ação, o segurado continuou trabalhando, parece adequado afirmar que isso ocorreu porque ele foi levado a isso pela negativa do INSS em conceder o benefício de aposentadoria.
Porém, a evolução natural da situação da ação previdenciária é a de que o segurado, trabalhando ou não, aguarda a decisão judicial, passa a receber o benefício calculado para a época da propositura da ação, e recebe os atrasados correspondentes aos meses decorridos entre o requerimento administrativo ou a citação, e a implantação do benefício.
A diferença no caso presente é uma atitude do segurado, essa sim, voluntária: a formulação de um novo pedido administrativo de benefício.
Se, no curso da ação, o segurado implementa idade ou outro requisito exigido em lei para obter benefício mais vantajoso , nada impede que ele o requeira administrativamente.
Mas, não há dúvidas de que o segurado que assim o faz promove uma alteração na situação de fato, e na sua relação jurídica com o INSS.
Altera a situação de fato, ao utilizar períodos trabalhados após a propositura da ação como base de cálculo para um novo benefício.
E altera a relação jurídica, pois inova no curso do processo, formulando administrativamente um pedido diferente do pedido anterior sub judice. Havia um pedido de benefício, com determinadas condições, e agora há um novo pedido, baseado em novas circunstâncias.
E aí está o ponto fulcral da questão: o segurado não teve apenas prejuízos por permanecer trabalhando após a propositura da ação. Teve também vantagens. Afinal, a partir desse trabalho, conseguiu somar mais tempo de contribuição e mais idade, e obter um benefício maior.
É certo que não se pode impor um prejuízo à parte pela demora no processo. Por isso, são pagas verbas em atraso, com incidência de correção monetária e juros de mora. Essa é a função dos juros de mora: indenizar o devedor pelo decurso do tempo.
Assim é que não se pode punir a parte, dela retirando o direito aos atrasados do benefício judicial. Mas não é isso que ora se faz, ao contrário: o voto do relator, corretamente, dá a ela o direito de permanecer com o benefício judicial, com todos os atrasados e consectários legais. E ainda, reconhece o direito de a parte optar por receber o benefício administrativo obtido após o início da ação judicial - naturalmente, a partir da data a que fez jus a esse benefício, e que por óbvio não gera atrasados. Trata-se de simples opção .
O raciocínio supra desenvolvido depende, naturalmente, da análise da segunda premissa mencionada mais acima: a da disponibilidade do direito à aposentadoria, e da possibilidade de renúncia ao benefício existente para obtenção de outro mais vantajoso no futuro.
O Superior Tribunal de Justiça, como se sabe, aceitava a tese da desaposentação, baseado no conceito da disponibilidade do direito à aposentadoria. Por isso, seria ela renunciável e, após a soma de novos períodos contributivos e eventual diminuição do fator previdenciário, poderia o cidadão requerer nova aposentadoria, com maior valor.
Essa possibilidade foi rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal, ao impedir a desaposentação. No julgamento do RE 661.256, em 27.10.2016, a Corte fixou tese nos seguintes termos: "No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à 'desaposentação', sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91".
A vedação à desaposentação reconhece a constitucionalidade do § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91: "O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado".
O que esse parágrafo diz, em suma, é que a aposentadoria é ato jurídico perfeito. Somam-se os tempos de contribuição, calcula-se o valor da aposentadoria, e o segurado passa a ser beneficiário, não mais podendo se utilizar dos tempos de contribuição para qualquer outra finalidade. O exercício posterior de trabalho remunerado sujeitá-lo-á ao pagamento de contribuições para o sistema previdenciário, mas essa é outra questão.
Pois bem. O Superior Tribunal de Justiça de fato fixou a tese da possibilidade de, em casos como o presente, o segurado optar pelo benefício mais vantajoso , podendo executar os valores em atraso:
Nota-se, todavia, que todo o raciocínio está embasado nas premissas constantes dos itens 2 e 3 da ementa, que novamente transcrevo: "2. O direito previdenciário é direito patrimonial disponível. 3. O segurado pode renunciar ao benefício previdenciário, para obter um mais vantajoso ."
O STJ fundamenta o acórdão exclusivamente nessas premissas. Expressamente, aceita a ideia de que se trata de uma desaposentação indireta, ou seja: o autor da ação permanece com os atrasados do benefício judicial até a data de início do benefício administrativo; em seguida, a ele renuncia, e passa a receber o benefício administrativo, mais vantajoso.
Ora, essa premissa, a mesma que levara o Superior Tribunal de Justiça a acatar, anteriormente, a tese da desaposentação, não mais subsiste. De acordo com o decidido pelo STF, a aposentadoria é irrenunciável. Portanto, também a premissa que levou à tese que é adotada pelo STJ no REsp 1.397.815 não mais se sustenta.
Em suma, mesmo que, na origem, o autor da ação tenha se visto na contingência de permanecer trabalhando, ainda que não o desejasse, fato é que ele, ao continuar contribuindo, pôde conseguir, por ato voluntário seu, benefício mais vantajoso tempos depois, pela via administrativa. Agora, não sofrerá prejuízo: poderá optar por permanecer com o novo benefício, em valor maior; ou por receber o benefício reconhecido judicialmente, em valor menor, mas com DIB muito anterior e com direito aos atrasados.
Obter as duas coisas, com parte do benefício antigo, e parte do novo, não é possível. Aceitá-lo significaria admitir que o tempo em que correu a ação contaria ao mesmo tempo como tempo de contribuição e como tempo de recebimento de benefício, o que é considerado como desaposentação e foi vedado pelo Supremo Tribunal Federal.
Inexistindo, portanto, créditos a serem pagos, declaro a inexigibilidade do título executivo judicial e julgo extinta a execução com fulcro no inciso IV do artigo 924 do Código de Processo Civil/2015.
Por fim, no que tange aos honorários de advogado, entendo que a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita não isenta a parte do pagamento das verbas de sucumbência; cuida-se de hipótese de suspensão da obrigação, que deverá ser cumprida caso cesse a condição de miserabilidade do beneficiário, nos termos do artigo 12 da Lei nº 1.060/50. Precedente do STJ. (RE-AgR 514451,Min. Relator Eros Grau)
Assim, inverto o ônus da sucumbência e condeno o autor ao pagamento de honorários de advogados, fixados em 10% do valor da atribuído à causa nos embargos, cuja exigibilidade fica condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Ante o exposto, com a devida vênia do E. Relator, dou provimento à apelação do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS , nos termos da fundamentação.
É como VOTO.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | PAULO SERGIO DOMINGUES:10078 |
Nº de Série do Certificado: | 112317020459EA07 |
Data e Hora: | 29/05/2018 17:28:52 |
D.E. Publicado em 10/07/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Relator para Acórdão
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | PAULO SERGIO DOMINGUES:10078 |
Nº de Série do Certificado: | 112317020459EA07 |
Data e Hora: | 29/06/2018 17:50:36 |