
D.E. Publicado em 10/04/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e fixar, de ofício, os consectários legais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR:10077 |
Nº de Série do Certificado: | 066427B876468A04 |
Data e Hora: | 28/03/2017 18:33:29 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006039-93.2005.4.03.6183/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de mandado de segurança impetrado por Roberto Shiguemi Nakamura em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com pedido de restabelecimento de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Liminar indeferida às fls. 251/253.
Informações da autoridade coatora às fls. 264/270.
Sentença às fls. 276/278, pela denegação da segurança.
Apelação da parte autora às fls. 290/297, pelo integral acolhimento do pedido formulado na exordial.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento do recurso, para que seja restabelecido o benefício.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Pretende a parte autora, nascida em 18.05.1951, o restabelecimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 42/108.028.148-4, desde a indevida suspensão (01.09.2005).
Para elucidação da controvérsia, cumpre distinguir a aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, da aposentadoria por tempo de contribuição, prevista no art. 52 do mesmo diploma legal, pois a primeira pressupõe o exercício de atividade laboral considerada especial, pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, sendo que, cumprido esse requisito, o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da EC 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, nem submissão ao fator previdenciário, conforme art. 29, II, da Lei nº 8.213/91. Diferentemente, na aposentadoria por tempo de contribuição pode haver tanto o exercício de atividades especiais como o exercício de atividades comuns, sendo que os períodos de atividade especial sofrem conversão em atividade comum, aumentando assim o tempo de serviço do trabalhador, e, conforme a data em que o segurado preenche os requisitos, deverá se submeter às regras da EC 20/98.
Da atividade especial.
No que se refere à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de contribuição para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, como a seguir se verifica.
O art. 58 da Lei nº 8.213/91 dispunha, em sua redação original que "(...) A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica (...)". Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, tal dispositivo legal teve sua redação alterada, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, na forma que segue:
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação foi definida apenas com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV). Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal disposição somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual a apresentação de laudo técnico só pode ser exigida a partir dessa última data. Nesse sentido é o entendimento majoritário do E. STJ:
Assim, em tese, pode ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030 (exceto para o agente nocivo ruído, por depender de prova técnica).
Ressalto que os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
Saliento que não se encontra vedada a conversão de tempo especial em comum, exercida em período posterior a 28.05.1998, uma vez que ao ser editada a Lei nº 9.711/98, não foi mantida a redação do art. 28 da Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.05.98, que revogava expressamente o parágrafo 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, devendo, portanto, prevalecer este último dispositivo legal, nos termos do art. 62 da Constituição da República.
Quanto ao agente nocivo ruído, o Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o referido decreto, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 decibéis como agente nocivo à saúde. Com o advento do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto nº 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao C. Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso Especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do Código de Processo Civil (Recurso Especial Repetitivo), fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, na forma que segue:
Dessa forma, deve-se considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a nível de ruído superior a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, superior a 90 decibéis e, a partir de então, superior a 85 decibéis.
De outra parte, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei nº 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividades em condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
E não afasta a validade de suas conclusões o fato de ter sido o PPP ou laudo elaborado posteriormente à prestação do serviço, vez que tal requisito não está previsto em lei, mormente porque a responsabilidade por sua expedição é do empregador, não podendo o empregado arcar com o ônus de eventual desídia daquele e, ademais, a evolução tecnológica tende a propiciar condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas: i) tese 1 - regra geral: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial; e ii) tese 2 - agente nocivo ruído: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos.
NO CASO DOS AUTOS, o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição foi concedido à parte autora com DIB 20.12.1997, por possuir, à época, 36 (trinta e seis) anos, 07 (sete) meses e 16 (dezesseis) dias de tempo de contribuição (fl. 25 e 50), tendo sido reconhecido como de natureza especial o período de 12.02.1976 a 29.07.1996.
Entretanto, o benefício foi suspenso em 01.09.2005 em razão de indícios de irregularidade no tocante à conversão do período mencionado (fls. 22).
Com efeito, em auditoria realizada pela Divisão de Auditoria do INSS, foi constatado que "a decisão de que a conversão do período de 12/02/72 a 29/07/96 foi indevida, teve base na diligência efetuada no Banco do Estado de São Paulo - BANESPA, que concluiu que 'as atividades dos funcionários envolvidos com o serviço de informática do Banco do Estado de São Paulo - BANESPA, não eram executadas em condições de exposição a agentes nocivos para a saúde' e em declarações prestadas pelo Sr. Ubiratan Cantisani, Engº Mec. e Seg. do Trabalho" (fl. 170).
O médico perito da autarquia previdenciária, por sua vez, manifestou-se no sentido de que tecnicamente não foram encontrados indícios de irregularidade no laudo técnico, sendo necessário, entretanto, confirmar se a parte autora exerceu a atividade de forma habitual e permanente (fl. 176).
A parte autora apresentou defesa na via administrativa, sustentando que embora tenha trabalhado em setores diversos, o mesmo maquinário sempre permaneceu com a equipe (fls. 211/223).
Além disso, juntou declaração emitida pelo engenheiro de segurança do trabalho que elaborou o laudo técnico utilizado quando do requerimento do benefício, afirmando (fl. 224):
Foi determinada a suspensão do benefício (fl. 241 e 265/270), tendo sido interposto recurso administrativo pela parte autora (fls. 243/244).
A controvérsia diz respeito, portanto, à incidência do agente ruído em todo o período supramencionado, uma vez que o beneficiário laborou em diferentes setores da empresa.
Como explicitado acima, as condições ambientais e as formas de trabalho eram as mesmas nos diferentes setores em que a parte autora exerceu suas funções.
Ademais, como bem salientado pelo Ministério Público, "é de se considerar que a causa da insalubridade não decorre, na espécie, da localização da empresa neste ou naquele endereço, mas do tipo de trabalho nela desempenhado, em relação ao qual não houve alteração que justificasse a desconsideração de seu caráter especial. Independentemente de qual andar estivesse o setor de informática, não há indícios de que os equipamentos ou o trabalho realizado tivesse sofrido alguma alteração considerável" (fl. 315vº).
Verifico, assim, que não restou comprovada, pelo INSS, qualquer irregularidade na conversão do período de 12.02.1972 a 29.07.1996, no qual a parte autora esteve exposta a ruídos acima dos limites legalmente admitidos (fls. 35/39), conforme código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64 e código 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79.
Desse modo, o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 42/108.028.148-4 deve ser restabelecido desde a indevida suspensão (01.09.2005).
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
Caso a parte autora já esteja recebendo benefício previdenciário concedido administrativamente, deverá optar, à época da liquidação de sentença, pelo benefício que entenda ser mais vantajoso. Se a opção recair no benefício judicial, deverão ser compensadas as parcelas já recebidas em sede administrativa, face à vedação da cumulação de benefícios.
As verbas acessórias e as prestações em atraso também deverão ser calculadas na forma acima estabelecida, em fase de liquidação de sentença.
Diante do exposto, dou provimento à apelação, para, fixando, de oficio, os consectários legais, conceder a segurança e condenar o réu a restabelecer o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição à parte autora, a partir da indevida suspensão (01.09.2005), observada eventual prescrição quinquenal, tudo na forma acima explicitada.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos da parte autora ROBERTO SHIGUEMI NAKAMURA, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja restabelecido de imediato o benefício de APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, desde a indevida suspensão (01.09.2005), nos termos da presente decisão, tendo em vista os arts. 497 e seguintes do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15).
É como voto.
NELSON PORFIRIO
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR:10077 |
Nº de Série do Certificado: | 066427B876468A04 |
Data e Hora: | 28/03/2017 18:33:32 |