Processo
ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / SP
5004629-89.2017.4.03.6183
Relator(a) para Acórdão
Desembargador Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
08/08/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 13/08/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. EXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E
CERTO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AUXÍLIO-DOENÇA. AERONAUTA (COMISSÁRIA DE
BORDO) EM ESTADO DE GRAVIDEZ. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO COMPROVADA.
IMPOSSIBILIDADE DE REALOCAÇÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO.
SENTENÇA MANTIDA.
É da essência do mandado de segurança a existência do direito líquido e certo, na forma do art.
5º, LXIX, da CF. Trata-se de direito líquido e certo de concepção eminentemente processual.
Possível o uso do mandado de segurança em matéria previdenciária, desde que limitado a
questões unicamente de direito ou que demandem a produção de prova documental.
Via eleita adequada para discutir o direito pretendido, uma vez que envolve questão de direito que
não exige ampla instrução probatória sendo suficiente, no caso, a documentação juntada aos
autos.
O Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC nº 67), no item 67.76, versa sobre os requisitos
ginecológicos e obstétricos para o afastamento temporário da atividade: “(d) A gravidez, durante o
seu curso, é motivo de incapacidade para exercício da atividade aérea, ficando automaticamente
cancelada a validade do CCF. Depois do término da gravidez, a inspecionada só poderá retornar
às suas atividades normais após submeter-se à perícia médica específica.”
Referida norma oriunda de agência reguladora deve ser observada pela autarquia previdenciária
não obstante tratar como incapacidade hipótese não abarcada pelos dispositivos da Lei n.
8.213/91, que versa sobre o benefício de auxílio-doença.
Comprovado o estado de gravidez, não se exige produção de perícia médica diante das
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
peculiaridades que caracterizam o afastamento das aeronautas de suas atividades habituais.
Não se perquire a possibilidade de a impetrada ter condições, ou não, de ser (re)alocada em
outra atividade no âmbito da companhia aérea da qual é empregada. A uma, porque tal análise,
em tese, ultrapassaria a via estreita do writ; a duas, porque as normas que regem as relações de
trabalho sinalizam para a impossibilidade legal da impetrante, comissária de bordo, ser obrigada a
exercer atividade laborativa dentro da companhia aérea da qual é empregada diversa daquela
indicada no momento de sua contratação.
Situação de incapacidade temporária para o exercício da atividade laborativa comprovada.
Apelação do INSS improvida.
Acórdao
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5004629-89.2017.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NATHANE BIAZZOLA CHELONI
Advogado do(a) APELADO: RAPHAEL BARROS ANDRADE LIMA - SP306529-A
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5004629-89.2017.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NATHANE BIAZZOLA CHELONI
Advogado do(a) APELADO: RAPHAEL BARROS ANDRADE LIMA - SP306529-A
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Cuida-se de recurso de apelação
interposto pelo impetrado em face da sentença que denegou a ordem pleiteada, em mandado de
segurança que a conceder o benefício auxílio-doença à parte impetrante no interstício de
18.06.2017 a 05.02.2018, submetida ao duplo grau de jurisdição.
O INSS pugna pela reforma do julgado, alegando que a autora não se encontrava incapacitada
para exercer atividades outras diversas da de aeronauta, podendo ser reaproveitada na empresa.
Requer seja julgado indevido o benefício no período de 29.07.2017 a 15.01.2018, data anterior à
concessão de salário-maternidade.
Sem contrarrazões, subiu o feito a esta Corte.
Manifestou-se a Procuradoria Regional da República pelo não provimento do apelo e parcial
provimento do reexame necessário, a fim de que seja fixado o termo final do auxílio-doença em
15/01/2018.
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS: Cuida-se de declarar o voto proferido no
julgamento da apelação interposta pelo INSS, em mandado de segurança, no qual foi concedida
a segurança, em ação que se pleiteia a concessão do benefício de auxílio-doença à aeronauta.
O senhor Relator deu provimento à apelação do INSS para denegar a ordem pleiteada.
Passo a declarar o voto divergente.
É da essência do mandado de segurança a existência do direito líquido e certo, na forma do art.
5º, LXIX, da CF.
Trata-se de direito líquido e certo de concepção eminentemente processual. Como ensina Celso
Agrícola Barbi:
O conceito de direito líquido e certo é tipicamente processual, pois atende ao modo de ser de um
direito subjetivo no processo: a circunstância de um determinado direito subjetivo realmente
existir não lhe dá a caracterização de liquidez e certeza; esta só lhe é atribuída se os fatos em
que se fundar puderem ser provados de forma incontestável, certa, no processo. E isto
normalmente só se dá quando a prova for documental, pois esta é adequada a uma
demonstração imediata e segura dos fatos ("Do mandado de segurança". Ed. Forense, 1987, p.
87).
Assim, possível o uso do mandado de segurança em matéria previdenciária, desde que limitado a
questões unicamente de direito ou que demandem a produção de prova documental.
No caso, discute-se a presença, ou não, dos requisitos autorizadores para a concessão do
benefício de auxílio-doença a aeronauta em estado de gravidez.
De pronto, vislumbro que a via eleita pela impetrante é adequada para discutir o direito
pretendido, uma vez que envolve questão de direito que não exige ampla instrução probatória
sendo suficiente, no caso, a documentação juntada aos autos.
Cumpre consignar que a lide debatida nos autos apresenta situação peculiar envolvendo
aeronauta (comissária de bordo) que, a partir da constatação da gravidez, fica impossibilitada de
exercer suas atividades habituais.
De fato, o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC nº 67), no item 67.76, versa sobre os
requisitos ginecológicos e obstétricos para o afastamento temporário da atividade:
“(d) A gravidez, durante o seu curso, é motivo de incapacidade para exercício da atividade aérea,
ficando automaticamente cancelada a validade do CCF. Depois do término da gravidez, a
inspecionada só poderá retornar às suas atividades normais após submeter-se à perícia médica
específica.”
A referida norma oriunda de agência reguladora deve ser observada pela autarquia previdenciária
não obstante tratar como incapacidade hipótese não abarcada pelos dispositivos da Lei n.
8.213/91, que versa sobre o benefício de auxílio-doença.
Compulsando os autos, verifica-se a comprovação do estado de gravidez da impetrada, não se
exigindo, no caso, produção de perícia médica diante das peculiaridades que caracterizam o
afastamento das aeronautas de suas atividades habituais. Por outro turno, não se perquire da
possibilidade de a impetrada ter condições, ou não, de ser (re)alocada em outra atividade no
âmbito da companhia aérea da qual é empregada. A uma, porque tal análise, em tese,
ultrapassaria a via estreita do writ; a duas, porque as normas que regem as relações de trabalho
sinalizam para a impossibilidade legal da impetrante, comissária de bordo, ser obrigada a exercer
atividade laborativa dentro da companhia aérea da qual é empregada diversa daquela indicada no
momento de sua contratação.
Como bem ressaltado pelo Parquet Federal em 1º grau, o caso em tela é uma hipótese especial
de incapacidade, devendo ser feita uma análise axiológica de sua particularidade. Opinou, ao
final, pela concessão da segurança. Em 2º grau, o MPF entendeu que merece prosperar o pedido
da impetrante, ora apelada, para que lhe seja concedido o benefício de auxílio-doença desde a
data de seu requerimento administrativo até o nascimento de seu concepto, tendo em vista o
cumprimento dos requisitos peculiares para a concessão do referido benefício no caso de
aeronauta gestante, sendo que a mera constatação da gravidez já causa incapacidade laborativa
nesta hipótese.
Por fim, ressalte-se a existência neste Tribunal de decisões exaradas em processos nos quais se
discute a mesma situação aqui retratada. A título de ilustração, trago à baila recente julgado da 9ª
Turma deste Tribunal nos autos da Apelação Cível n. 5001164-49.2017.4.03.6126, da relatoria do
Des. Fed. Gilberto Jordan, proferido na sessão de 18/07/2018, da qual se colhe a seguinte
passagem:
“Conquanto a simples constatação de gravidez não implique existência de incapacidade laboral
por doença profissional ou acidente, na hipótese está-se diante de uma situação especial e
temporária, que, embora sem expressa previsão legal, permite-se interpretação analógica em
virtude do disposto no art. 26, II, da Lei 8213/91. Confira-se:
‘ Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
I - omissis
II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou
causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-
se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada
pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo
com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira
especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado;’
Dada a incapacidade para o exercício da atividade laborativa habitual, tendo em vista a proibição
da aeronauta gestante em voar, com risco de aborto, dada sua sujeição habitual das à
pressurização da cabine, de acordo com a Convenção Coletiva de Trabalho, o caso da impetrante
subsume-se ao disposto na parte final do inciso II do art. 26 da Lei nº 8.231/91."
Com essas considerações, pedindo vênia ao senhor Relator, nego provimento à apelação.
É o voto.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5004629-89.2017.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NATHANE BIAZZOLA CHELONI
Advogado do(a) APELADO: RAPHAEL BARROS ANDRADE LIMA - SP306529-A
V O T O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço da apelação porque presentes
os requisitos de admissibilidade.
O mandado de segurança é remédio constitucional (art. 5º, LXIX, CF/88) destinado à proteção de
direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo praticado por autoridade pública.
No mandado de segurança deve o impetrante demonstrar direito líquido e certo. Ensina Hely
Lopes Meirelles (Mandado de Segurança: ação popular, ação civil pública, mandado de injunção,
“habeas data” – 13. ed. Atual. Pela Constituição de 1988 – São Paulo : Editora Revista dos
Tribunais, 1989) que “Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência,
delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras
palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso
em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se
sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício
depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora
possa ser defendido por outros meios judiciais” (pp. 13/14).
Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido liminar, em que a impetrante visa a obter
provimento judicial que determine ao impetrado a concessão de benefício previdenciário de
auxílio-doença.
Alega, em síntese, que requereu o benefício em 18/06/17, NB 31/618.868.357-6, sendo o mesmo
deferido, até 28/07/17. Sustenta, porém, que faz jus ao benefício até que complete a 36ª semana
de gestação. Esclarece que é aeronauta, estando, como tal, submetida a regramento específico
estabelecido pela Convenção Coletiva de Trabalho e Regulamento da Aviação Civil, expedida
pela ANAC, que por sua vez estabelece que a aeronauta gestante está proibida de exercer a
atividade profissional, fazendo jus ao benefício de auxílio-doença desde o 16º dia de afastamento
até o início da licença maternidade, que ocorre com aproximadamente 36 semanas, norma essa
não observada pela autarquia-ré.
O auxílio-doença é devido a quem ficar temporariamente incapacitado, à luz do disposto no artigo
59 da mesma lei, mas a incapacidade se refere "não para quaisquer atividades laborativas, mas
para aquela exercida pelo segurado (sua atividade habitual)" (Direito da Seguridade Social,
Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005,
pág. 128).
Assim, o evento determinante para a concessão desse benefício é a incapacidade para o
trabalho.
São exigidos à concessão dos benefícios por incapacidade: a qualidade de segurado, a carência
de doze contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma
permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a
subsistência (aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-doença), bem
como a demonstração de que o segurado não era portador da alegada enfermidade ao filiar-se ao
Regime Geral da Previdência Social.
Trata-se de benefício a ser mantido rebus sic stantibus, ou seja, enquanto perdurar a
incapacidade. À luz do artigo 101 da Lei nº 8.213/91, deverá ser cassado após constatação da
recuperação da capacidade de trabalho, em perícia médica. O referido artigo determina que o
segurado em gozo de auxílio-doença está obrigado a submeter-se a exame médico a cargo da
Previdência Social e a processo de reabilitação profissional por ela prescrito, até completar 60
anos (§ 1º), sob pena de suspensão do benefício.
Certo é que, a impetração do writ tem embasamento em regulamentação específica da profissão
de aeronauta, como também em convenção coletiva de trabalho.
O item 67.73 do Regulamento Brasileiro de Aviação Civil, expedido pela ANAV – Agência
Nacional de Aviação Civil, estabelece:
“(...) 67.73 – Requisitos ginecológicos e obstétricos
(d) A gravidez, durante seu curso, é motivo de incapacidade para exercício da atividade aérea,
ficando automaticamente cancelada a validade do CCF. Depois do término da gravidez, a
inspecionanda só poderá retornar às suas atividades normais após submeter- se à perícia médica
específica numa JES.(...)”.
Já, na Convenção Coletiva de Trabalho da categoria consta o seguinte:
(...) 3.3.2. Afastamento da escala de aeronautas grávidas
As empresas se comprometem a dispensar de voo as aeronautas grávidas e, também,
imediatamente, encaminhá-las à Junta Mista da Aeronáutica, para o fim de se habilitarem aos
benefícios da Previdência Social, respondendo a empregadora, quando necessário, pela
locomoção da aeronauta, pelo respectivo transporte e hospedagem.(...)
Todavia tal regulamentação não se sobrepõe à Lei Previdenciária, e, por consequência, não
vincula a atuação da autoridade.
Com efeito, via de regra, a simples constatação de gravidez não implica existência de
incapacidade laborativa, sendo certo que a legislação trabalhista, visando justamente à proteção
da empregada gestante em situações análogas determina a transferência de função e
afastamento de atividades insalubres junto ao próprio empregador:
“Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias,
sem prejuízo do emprego e do salário:
(...)
§ 4° É garantido à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais
direitos:(Redação dada pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)
I - transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem, assegurada a retomada da
função anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho; (Incluído pela Lei nº 9.799, de
26.5.1999)
(...)
Art. 394-A. A empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a
lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas
atividades em local salubre. (Incluído pela Lei nº 13.287, de 2016) – destaques nossos.
Outrossim, há ponderações no sentido de que, em caso de deferimento do auxílio-doença o
benefício seria limitado ao teto da Previdência Social (já que esse benefício não possui
regramento diferenciado relacionado à manutenção de remuneração, tal como ocorre com o
salário-maternidade). Logo, para as gestantes aeronautas que recebem valor superior ao teto, a
concessão do auxílio-doença na situação em análise, a pretexto de proteção, implicaria, na
verdade, justamente o oposto.
Causa espécie, outrossim, a interpretação dada pela impetrante ao item 67.73, D, do
Regulamento Brasileiro de Aviação, de considerar uma gestante, só por só, incapaz para o
trabalho, conclusão que, do ponto de vista socioeconômico, poderá inclusive prejudicar as
mulheres de tal mercado de trabalho, na obtenção de empregos.
Tal fator deve ser levado em conta, à luz do novo regramento inserto no artigo 20, caput e §
único, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, pela Lei nº 13.655/2018, in verbis:
“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores
jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou
da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das
possíveis alternativas.”
Por um lado, convém esclarecer que a Convenção Coletiva de Trabalho e o Regulamento da
Aviação não constituem propriamente “valores abstratos”. Todavia não se pode olvidar que, na
hierarquia das normas, possuem status inferior à legislação stricto sensu.
Consequentemente, a regulação da questão por Convenção Coletiva ou Regulamento, posto
possam ostentar efeitos gerais, não se sobrepõe à legislação previdenciária, sob pena de ofensa
ao princípio da legalidade (artigo 5º, II e 37, caput, da Constituição Federal).
Ao que consta do referido regulamento, a incapacidade é para a “atividade aérea” somente, o que
não impede a realocação temporária das atividades salubres a serem exercidas pela gestante,
em terra, em outros mecanismos empresariais vinculados ao objeto social.
Ou seja, a “alternativa” constitui medida mais adequada, do ponto de vista jurídico e
socioeconômico.
A propósito, no período controvertido, a questão trabalhista vinha regulamentada no artigo 394-A,
com a seguinte redação dada pela Medida Provisória nº 808, de 2017, que teve vigência
encerrada em 23/04/2018:
“Art. 394-A.A empregada gestante será afastada, enquanto durar a gestação, de quaisquer
atividades, operações ou locais insalubres e exercerá suas atividades em local salubre, excluído,
nesse caso, o pagamento de adicional de insalubridade.
§ 1o (VETADO) (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 2º O exercício de atividades e operações insalubres em grau médio ou mínimo, pela gestante,
somente será permitido quando ela, voluntariamente, apresentar atestado de saúde, emitido por
médico de sua confiança, do sistema privado ou público de saúde, que autorize a sua
permanência no exercício de suas atividades.
§ 3º A empregada lactante será afastada de atividades e operações consideradas insalubres em
qualquer grau quando apresentar atestado de saúde emitido por médico de sua confiança, do
sistema privado ou público de saúde, que recomende o afastamento durante a lactação.”
Dessarte, não há base legal para a concessão de auxílio-doença a partir do mero momento da
constatação da gravidez, nem do ponto de vista trabalhista, nem do previdenciário.
Pelo exposto, dou provimento à apelação, para denegar a segurança, observado o disposto no
artigo 302, I, do NCPC e no Resp 1.401.560/MT, submetido à sistemática de recurso repetitivo.
Honorários de advogado indevidos, a teor do artigo 25 da Lei nº 12.016/2009.
Custas ex lege.
É como voto.
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. EXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E
CERTO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AUXÍLIO-DOENÇA. AERONAUTA (COMISSÁRIA DE
BORDO) EM ESTADO DE GRAVIDEZ. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO COMPROVADA.
IMPOSSIBILIDADE DE REALOCAÇÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO.
SENTENÇA MANTIDA.
É da essência do mandado de segurança a existência do direito líquido e certo, na forma do art.
5º, LXIX, da CF. Trata-se de direito líquido e certo de concepção eminentemente processual.
Possível o uso do mandado de segurança em matéria previdenciária, desde que limitado a
questões unicamente de direito ou que demandem a produção de prova documental.
Via eleita adequada para discutir o direito pretendido, uma vez que envolve questão de direito que
não exige ampla instrução probatória sendo suficiente, no caso, a documentação juntada aos
autos.
O Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC nº 67), no item 67.76, versa sobre os requisitos
ginecológicos e obstétricos para o afastamento temporário da atividade: “(d) A gravidez, durante o
seu curso, é motivo de incapacidade para exercício da atividade aérea, ficando automaticamente
cancelada a validade do CCF. Depois do término da gravidez, a inspecionada só poderá retornar
às suas atividades normais após submeter-se à perícia médica específica.”
Referida norma oriunda de agência reguladora deve ser observada pela autarquia previdenciária
não obstante tratar como incapacidade hipótese não abarcada pelos dispositivos da Lei n.
8.213/91, que versa sobre o benefício de auxílio-doença.
Comprovado o estado de gravidez, não se exige produção de perícia médica diante das
peculiaridades que caracterizam o afastamento das aeronautas de suas atividades habituais.
Não se perquire a possibilidade de a impetrada ter condições, ou não, de ser (re)alocada em
outra atividade no âmbito da companhia aérea da qual é empregada. A uma, porque tal análise,
em tese, ultrapassaria a via estreita do writ; a duas, porque as normas que regem as relações de
trabalho sinalizam para a impossibilidade legal da impetrante, comissária de bordo, ser obrigada a
exercer atividade laborativa dentro da companhia aérea da qual é empregada diversa daquela
indicada no momento de sua contratação.
Situação de incapacidade temporária para o exercício da atividade laborativa comprovada.
Apelação do INSS improvida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria
decidiu negar provimento à apelação, nos termos do voto da Desembargadora Federal Marisa
Santos, que foi acompanhada pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan e pela Juíza Federal
Convocada Vanessa Mello (que votou nos termos do art. 942 caput e §1º do CPC). Vencido o
Relator que lhe dava provimento. Julgamento nos termos do disposto no artigo 942 caput e § 1º
do CPC. Lavrará acórdão a Desembargadora Federal Marisa Santos
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA