Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5008067-95.2019.4.03.6105
Relator(a)
Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
16/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 23/07/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE COMPLEMENTAÇÃO DO LAUDO PERICIAL REJEITADO.
AUXÍLIO-DOENÇA. ARTIGOS 59 E 62 DA LEI N.º 8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADO.
CARÊNCIA. INCAPACIDADE PARCIAL E TEMPORÁRIA. REQUISITOS PRESENTES.
BENEFÍCIO DEVIDO. TERMO INICIAL. CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO CONDICIONADA À
RECUPERAÇÃO DO SEGURADO. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA
MÉDICA ADMINISTRATIVA.
- A alegação de nulidade da sentença, ao argumento de que a perícia deve ser complementada,
com a resposta de quesitos suplementares, deve ser afastada, uma vez que o laudo pericial
juntado aos autos apresenta-se completo e suficiente para a constatação da capacidade
laborativa da parte autora, constituindo prova técnica e precisa.
- Comprovada a incapacidade parcial e temporária para o trabalho, bem como presentes os
demais requisitos previstos nos artigos 59 e 62 da Lei n.º 8.213/91, é devida a concessão do
benefício de auxílio-doença.
- O termo inicial do benefício deve ser fixado no dia imediatamente posterior à cessação indevida
do auxílio-doença anteriormente concedido à parte autora, uma vez que o conjunto probatório
existente nos autos revela que o mal de que ela é portadora não cessou desde então, não tendo
sido recuperada a capacidade laborativa, devendo ser descontados eventuais valores pagos
administrativamente.
- No tocante à fixação do período de pagamento, em que pese as recentes alterações legislativas
no art. 60, §§ 8º e 9º, da Lei nº 8.213/91, incluídas pela Lei nº 13.457, de 2017, que possibilitam
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
ao Poder Judiciário, sempre que possível, estabelecer o limite temporal para o gozo do benefício
de auxílio-doença, somente poderá ser cessado no momento em que for constatada a
recuperação do segurado, sendo imprescindível a realização de nova perícia administrativa
posteriormente à decisão, cabendo ao INSS notificar a parte autora para realizar a reavaliação
médica periódica.
- Verifica-se, portanto, que não merece reforma a r. sentença ao dispor que o auxílio-doença
deverá ser mantido até que o autor seja submetido a cirurgia corretiva para tratamento de
incontinência urinária, com consequente recuperação da capacidade laborativa a ser atestada
mediante realização de nova perícia médica administrativa.
- Matéria preliminar rejeitada. Apelação do INSS não provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5008067-95.2019.4.03.6105
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LAZARO JOSE PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: JOSE RENATO VASCONCELOS - SP103886-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5008067-95.2019.4.03.6105
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LAZARO JOSE PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: JOSE RENATO VASCONCELOS - SP103886-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de
conhecimento de natureza previdenciária, objetivando o restabelecimento de auxílio-doença,
sobreveio sentença de procedência do pedido, condenando-se a autarquia previdenciária a
restabelecer o auxílio-doença, desde a indevida cessação (06/08/2018), bem como ao
pagamento dos valores em atraso com correção monetária e juros de mora, além de despesas
processuais e honorários advocatícios, estes fixados nos percentuais mínimos previstos nos
incisos do § 3º do art. 85 do CPC, incidentes sobre o valor da condenação calculado até a data
da sentença. O auxílio-doença deverá ser mantido pelo prazo mínimo de seis meses a contar
da sentença ou até que o autor seja submetido a cirurgia corretiva para tratamento de
incontinência urinária, com consequente recuperação da capacidade laboral a ser demonstrada
por perícia médica administrativa.
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
A autarquia previdenciária interpôs recurso de apelação, sustentando, preliminarmente, a
nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, tendo em vista que não foram respondidos
os quesitos complementares. No mérito, pugna pela reforma da sentença, para que seja julgado
improcedente o pedido, sustentando o não cumprimento dos requisitos legais para a concessão
do auxílio-doença, considerando-se que não restou caracterizada incapacidade para a atividade
laborativa habitual do autor como empregado doméstico. Subsidiariamente, requer a fixação do
termo inicial do benefício na data do laudo pericial, bem como a determinação de data para
cessação do do auxílio-doença.
Com as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5008067-95.2019.4.03.6105
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LAZARO JOSE PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: JOSE RENATO VASCONCELOS - SP103886-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Recebo o recurso de
apelação, nos termos do artigo 1.010 do Código de Processo Civil, haja vista que tempestivo.
A alegação de nulidade da sentença, ao argumento de que a perícia deve ser complementada,
com a resposta de quesitos suplementares, deve ser afastada, uma vez que o laudo pericial
juntado aos autos apresenta-se completo e suficiente para a constatação da capacidade
laborativa da parte autora, constituindo prova técnica e precisa.
Com efeito, para a comprovação de eventual incapacidade para o exercício de atividade que
garanta a subsistência é necessária a produção de prova pericial, a qual deve ser elaborada de
forma a propiciar às partes e ao Juiz o real conhecimento do objeto da perícia, descrevendo de
forma clara e inteligível as suas conclusões, bem como as razões em que se fundamenta, e, por
fim, responder os quesitos apresentados pelas partes e, eventualmente, pelo Juiz.
No presente caso, o laudo pericial, produzido por profissional de confiança do Juízo e
equidistante dos interesses em confronto, fornece elementos suficientes para a formação da
convicção do magistrado a respeito da questão.
Superada tal questão, passa-se ao exame e julgamento do mérito da demanda.
Os requisitos para a concessão do benefício de auxílio-doença, de acordo com o artigo 59 e 62
da Lei n.º 8.213/91 são os que se seguem: 1) qualidade de segurado; 2) cumprimento da
carência, quando for o caso; 3) incapacidade temporária para o exercício das atividades
profissionais habituais, bem como incapacidade que, embora permanente, não seja total, isto é,
haja a possibilidade de reabilitação para outra atividade que garanta o seu sustento e 4) não
serem a doença ou a lesão existentes antes da filiação à Previdência Social, salvo se a
incapacidade sobrevier por motivo de agravamento daquelas.
A qualidade de segurada da parte autora e o cumprimento da carência prevista no inciso I do
artigo 25 da Lei nº 8.213/91 restaram comprovadas, uma vez que ela esteve em gozo de
auxílio-doença, benefício este que lhe foi concedido e cessado administrativamente em
06/08/2018, conforme se verifica do extrato CNIS (Id 155824724 - Pág. 1). Dessa forma, estes
requisitos foram reconhecidos pela autarquia por ocasião da concessão do benefício de auxílio-
doença. Proposta a ação em 02/07/2019, não há falar em perda da qualidade de segurado, uma
vez que da data da cessação do auxílio-doença até a data da propositura da presente demanda
não se ultrapassou o período de graça previsto no artigo 15, inciso II, da Lei n.º 8.213/91.
Por outro lado, para a solução da lide, ainda, é de substancial importância a prova técnica
produzida. Neste passo, a incapacidade para o exercício de trabalho que garanta a subsistência
foi atestada pelo laudo pericial realizado (Id 155824720). De acordo com a perícia, o autor,
portador de incontinência urinária total, como sequela de prostatectomia radical, apresenta
incapacidade laborativa parcial e temporária. Não há que se falar em reabilitação, uma vez que
o demandante aguarda a correção do problema com implante de esfincter artificial urinário no
serviço de urologia do HU da Unicamp.
Diversamente do que afirma a autarquia em seu recurso, antes de receber benefício
previdenciário, o demandante exercia a atividade habitual de vigilante/porteiro, havendo
recolhimento como empregado doméstico tão-somente no mês de dezembro/2018.
Assim, preenchidos os requisitos legais, é devida a concessão do benefício de auxílio-doença à
parte autora, nos termos da r. sentença.
O termo inicial do benefício deve ser fixado no dia imediatamente posterior à cessação indevida
do auxílio-doença anteriormente concedido à parte autora (06/08/2018 - Id 155824724 - Pág. 1),
uma vez que o conjunto probatório existente nos autos revela que o mal de que ela é portadora
não cessou desde então, não tendo sido recuperada a capacidade laborativa, devendo ser
descontados eventuais valores pagos administrativamente.
Nos termos dos artigos 101 da Lei n. 8.213/1991 e 71 da Lei 8.212/91, o benefício de auxílio-
doença tem caráter temporário, de modo que a autarquia previdenciária não está impedida de
reavaliar em exame médico as condições laborais do segurado.
No tocante à fixação do período de pagamento, em que pese as recentes alterações legislativas
no art. 60, §§ 8º e 9º, da Lei nº 8.213/91, incluídas pela Lei nº 13.457, de 2017, que possibilitam
ao Poder Judiciário, sempre que possível, estabelecer o limite temporal para o gozo do
benefício de auxílio-doença, somente poderá ser cessado no momento em que for constatada a
recuperação do segurado, sendo imprescindível a realização de nova perícia administrativa
posteriormente à decisão, cabendo ao INSS notificar a parte autora para realizar a reavaliação
médica periódica.
Outrossim, entendo que a "alta programada", inserida pela Lei 13.457/17, conflita com o
disposto no artigo 62 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.457/17, que dispõe:
"Art. 62. O segurado em gozo de auxílio -doença, insusceptível de recuperação para sua
atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício
de outra atividade.
Parágrafo único. O benefício a que se refere o caput deste artigo será mantido até que o
segurado seja considerado reabilitado para o desempenho de atividade que lhe garanta a
subsistência ou, quando considerado não recuperável, seja aposentado por invalidez."
O dispositivo legal supramencionado determina que o benefício somente poderá ser cessado no
momento em que for constatada a recuperação do segurado, mediante a realização de perícia
médica que ateste sua capacidade laborativa.
Nesse sentido jurisprudência do E. STJ:
"PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. ALTERAÇÃO DO REGULAMENTO DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL PELO DECRETO 5.844/2006. CRIAÇÃO DA DENOMINADA "ALTA
PROGRAMADA". ILEGALIDADE. CONTRARIEDADE AO ART. 62 DA LEI 8.213/1991. 1. O
acórdão recorrido está no mesmo sentido da compreensão do STJ de que a inserção da
chamada "alta programada" para auxílio-doença concedido pelo INSS pelo art. 78, §§ 1º a 3º,
do Decreto 3.048/1999 (mediante modificação operada pelo Decreto 5.844/2006) é ilegal, pois
contraria o art. 62 da Lei 8.213/1991. A propósito: REsp 1.717.405/PB, Rel. Ministro Francisco
Falcão, Segunda Turma, DJe 17.12.2018; AgInt no AREsp 968.191/MG, Rel. Ministro Mauro
Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20.10.2017; AgInt no REsp 1.546.769/MT, Rel.
Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 3.10.2017; AgInt no AREsp 1.049.440/MT, Rel.
Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30.6.2017. 2. Recurso Especial não provido"
(RESP - 1597725. Relator Ministro HERMAN BENJAMIN. J. 25/06/2019. DJE
DATA:01/07/2019.)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. CESSAÇÃO DO
PAGAMENTO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE PERÍCIA MÉDICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A
jurisprudência do STJ tem-se firmado no sentido de que é incompatível com a lei previdenciária
a adoção, em casos desse jaez, do procedimento da "alta programada", uma vez que fere o
direito subjetivo do segurado de ver sua capacidade laborativa aferida através do meio idôneo a
tal fim, que é a perícia médica. 2. De fato, revela-se incabível que o Instituto preveja, por mero
prognóstico, em que data o segurado está apto para retornar ao trabalho, sem avaliar
efetivamente o estado de saúde em que se encontra, tendo em vista que tal prognóstico pode
não corresponder à evolução da doença, o que não é difícil de acontecer em casos mais
complexos, como é o versado nos autos. Precedentes: REsp 1.291.075/CE, Relatora Ministra
Regina Helena Costa, DJe 18/2/2014; REsp 1.544.417/MT, Relator Ministro Mauro Campbell
Marques, DJe 19/8/2015; REsp 1.563.601-MG, Relator Ministro Humberto Martins, DJe
30/6/2016. 3. Recurso Especial não provido (RESP - 1737688. Relator Ministro HERMAN
BENJAMIN. J. 23/11/2018. DJE DATA:23/11/2018.)
Verifica-se, portanto, que não merece reforma a r. sentença ao dispor que o auxílio-doença
deverá ser mantido até que o autor seja submetido a cirurgia corretiva para tratamento de
incontinência urinária, com consequente recuperação da capacidade laborativa a ser atestada
mediante realização de nova perícia médica administrativa.
Diante do exposto, REJEITO A MATÉRIA PRELIMINAR E NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO
DO INSS, na forma da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE COMPLEMENTAÇÃO DO LAUDO PERICIAL REJEITADO.
AUXÍLIO-DOENÇA. ARTIGOS 59 E 62 DA LEI N.º 8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADO.
CARÊNCIA. INCAPACIDADE PARCIAL E TEMPORÁRIA. REQUISITOS PRESENTES.
BENEFÍCIO DEVIDO. TERMO INICIAL. CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO CONDICIONADA À
RECUPERAÇÃO DO SEGURADO. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA
MÉDICA ADMINISTRATIVA.
- A alegação de nulidade da sentença, ao argumento de que a perícia deve ser complementada,
com a resposta de quesitos suplementares, deve ser afastada, uma vez que o laudo pericial
juntado aos autos apresenta-se completo e suficiente para a constatação da capacidade
laborativa da parte autora, constituindo prova técnica e precisa.
- Comprovada a incapacidade parcial e temporária para o trabalho, bem como presentes os
demais requisitos previstos nos artigos 59 e 62 da Lei n.º 8.213/91, é devida a concessão do
benefício de auxílio-doença.
- O termo inicial do benefício deve ser fixado no dia imediatamente posterior à cessação
indevida do auxílio-doença anteriormente concedido à parte autora, uma vez que o conjunto
probatório existente nos autos revela que o mal de que ela é portadora não cessou desde
então, não tendo sido recuperada a capacidade laborativa, devendo ser descontados eventuais
valores pagos administrativamente.
- No tocante à fixação do período de pagamento, em que pese as recentes alterações
legislativas no art. 60, §§ 8º e 9º, da Lei nº 8.213/91, incluídas pela Lei nº 13.457, de 2017, que
possibilitam ao Poder Judiciário, sempre que possível, estabelecer o limite temporal para o gozo
do benefício de auxílio-doença, somente poderá ser cessado no momento em que for
constatada a recuperação do segurado, sendo imprescindível a realização de nova perícia
administrativa posteriormente à decisão, cabendo ao INSS notificar a parte autora para realizar
a reavaliação médica periódica.
- Verifica-se, portanto, que não merece reforma a r. sentença ao dispor que o auxílio-doença
deverá ser mantido até que o autor seja submetido a cirurgia corretiva para tratamento de
incontinência urinária, com consequente recuperação da capacidade laborativa a ser atestada
mediante realização de nova perícia médica administrativa.
- Matéria preliminar rejeitada. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidiu REJEITAR A MATÉRIA PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO À
APELAÇÃO DO INSS, na forma da fundamentação., nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA