D.E. Publicado em 02/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS para declarar a nulidade da sentença e julgar parcialmente procedente o pedido inicial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009902-20.2007.4.03.6108/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação revisional proposta pelo INSS em que se objetiva o reconhecimento da falsidade documental e a declaração da nulidade da sentença proferida no Proc. nº 541/95, com a suspensão definitiva do pagamento dos valores decorrentes da liquidação judicial aos sucessores da beneficiária da aposentadoria por invalidez (NB 124.743.187-5), falecida em 09/03/95.
Às fls. 140/143 foi proferida decisão, deferindo a tutela antecipada para fins de suspensão do pagamento dos valores até a prolação da sentença.
Réus citados por AR às fls. 154/160.
Inicialmente remetido à Vara de Direito da Comarca de São Manuel, foi reconhecida a incompetência absoluta e remetido os autos ao Juízo Federal da 3ª vara de Bauru.
A sentença julgou extinto o feito, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, V, do CPC, em respeito à coisa julgada e revogou a tutela antecipada. Sem condenação em custas e honorários advocatícios.
Apela o INSS, alegando a possibilidade do reconhecimento da nulidade absoluta da decisão proferida pela 1ª Vara da Comarca de São Manuel, em razão da comprovação de fraude na anotação de contrato de trabalho, apurada pela Polícia Federal de Bauru. Aduz que a anotação falsa na CTPS maculou a relação processual, contaminando a sentença, razão pela qual pode ser desconstituída a coisa julgada por meio da ação revisional. Por fim, pugna pela concessão da tutela antecipada para suspensão do pagamento do ofício precatório aos réus.
Sem contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Inicialmente aprecio a questão atinente ao cabimento da presente ação revisional com vistas à desconstituição da coisa julgada.
O instituto da coisa julgada é matéria de direito público e deve ser conhecida de ofício pelo magistrado, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, visando assegurar a imutabilidade das decisões judiciais, de modo a garantir segurança jurídica.
A relativização da coisa julgada, já admitida no ordenamento pátrio, somente pode ser levada a cabo em casos excepcionais, por meio da ação rescisória ou ação anulatória, nas hipóteses de ocorrência dos vícios que invalidam os atos jurídicos em geral (querela nullitatis).
Há, por outro lado, uma série de outros princípios e normas que devem ser levados em conta no caso presente.
Por exemplo, a determinação constitucional do art. 5º, LVI, no sentido de que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos"; o princípio da boa-fé processual; a necessidade de impedir que atos fraudulentos - não apenas errados, mas oriundos de falsificação, má-fé, dolo - possam vir a ter consequências jurídicas.
Nesse contexto, em casos excepcionais como o presente, tenho por cabível o ajuizamento de ação anulatória no intuito de fazer cessar os efeitos da sentença proferida sob fundamento supostamente insubsistente, vez que obtido mediante a prática de ato ilícito.
Isso é mais verdadeiro nas situações como a ora em exame, em que as apurações levadas a efeito em sede policial, a respeito de inúmeras fraudes, são mais aprofundadas e demoradas, sendo de dificílima realização dentro do prazo exíguo da ação rescisória. Tanto é assim que o art. 975 do CPC/2015 oferece remédios mais claros para situações como esta, estendendo o prazo para a ação rescisória, por exemplo nos casos em que houve fraude, simulação ou colusão entre as partes.
Portanto, inexistindo óbice ao reexame da ilicitude da prova, que embasou a sentença que determinou a concessão do benefício previdenciário e não havendo decorrido o prazo decadencial previsto para o pedido de revisão por parte do INSS (10 anos a contar da vigência da Lei nº 9.784/99), no presente caso, entendo, de forma excepcional, possível a desconstituição da coisa julgada, razão pela qual afasto a hipótese de extinção da ação, nos termos do art. 267, V, do CPC/73.
Considerando que a parte autora, devidamente citada na ação revisional, não ofereceu contestação e, consequentemente, não se interessou pela produção de provas, estando o processo em condições de imediato julgamento, aplico a regra do artigo 1.013, § 3º, I, do CPC/15 e passo ao exame do mérito.
Verifica-se dos autos que Maria Lopes de Souza, já falecida, propôs em 27/03/95 perante o Juízo de Direito da Comarca da São Manuel, ação ordinária intentando a concessão da aposentadoria por invalidez, a qual foi concedida mediante sentença transitada em julgado em 22/03/02, conforme se verifica dos expediente internos desta Corte ( AC nº 98.03.002552-0).
Analisando detidamente a sentença e o acórdão proferido em sede recursal, tem-se que, de fato, a qualidade de segurada da de cujus não foi objeto de apreciação, tendo em vista que, considerando a existência de vínculo empregatício anotado em CTPS, a defesa do INSS fixou-se na demonstração da capacidade laboral da autora.
Ocorre que, após a verificação da ocorrência de inúmeras fraudes na região o Grupo Especial de Trabalho - Bauru/SP, ação conjunta da AGU, MPF e Polícia Federal, procederam ao diligenciamento fiscal na cidade de São Manuel, constatando a existência de lançamentos falsos em diversas CTPS em nome do empregador rural Carlos Baracat (Fazenda São João Baracat), dentre elas, a CTPS da parte ré Maria Lopes de Souza no período de 05/08/81 a 31/10/94.
Inúmeras diligências foram perpetradas no intuito de confirmar o vínculo empregatício, as quais restaram frutíferas no sentido de apurar que as diversas assinaturas existentes como do Sr. José Lima, que assina o vínculo, na realidade eram falsas, vez que não eram compatíveis com a verdadeira.
Em depoimento, o Sr. José Lima noticiou o falecimento do Carlos Baracat em 2003 e informou não ter a segurada Maria Lopes de Souza trabalhado para Carlos Baracat, na Fazenda São João do Baracat no período anotado na inicial, mas tão somente o trabalho temporário no período de 05/08/91 a 31/10/91. Afirmou ainda, que houve adulteração nas datas constantes das anotações em CTPS, pois não reconhece como de seu próprio punho os números 08 e 04 constantes nas anotações dos anos de 1981 e 1994 (fl. 134/135).
Em razão do falecimento da segurada, seu filho mais velho, José Donizeto Ventura de Souza foi ouvido Pela Polícia Federal de Bauru, afirmando ter sido a mãe pessoa muito simples, analfabeta, bem como ter trabalhado curto período na fazenda Baracat e que sua aposentação foi pleiteada pela advogada Cristiane Karan, a qual após ser ouvida por aquele órgão foi formalmente indiciada como incursa no art. 171,§3º, do Código Penal, diante da adulteração da CTPS.
Assim, não resta dúvidas, quanto à inexistência do vínculo empregatício no período apontado na CTPS (05/08/81 a 31/10/94), o que contamina a comprovação da qualidade de segurada na ação antecedente de concessão da aposentadoria por invalidez.
Ademais, não se verifica qualquer mácula no procedimento de averiguação da falsidade documental, tendo havido a atuação conjunta de vários órgãos e, da mesma forma, citados, os réus sucessores da segurada não se interessaram em ofertar contestação, trazendo aos autos sua defesa.
Dessa forma, comprovada a fraude na concessão judicial do benefício, a sentença proferida no Proc. 541/95 (98.03.002552-0) deve ser anulada.
Por outro lado, não é viável a determinação de ressarcimento dos valores pagos indevidamente ao INSS. O caso concreto demonstra tratar-se a ré de pessoa analfabeta, muito simples, sem qualquer conhecimento jurídico, que procurou alguém para buscar sua aposentadoria e a ela entregou sua CTPS, sem ter sequer ciência de que não teria direito ao benefício, nem de que a fraude seria perpetrada, antes ou depois de sua ocorrência.
Da análise dos autos, constata-se que, embora comprovada a falsidade documental, as investigações não foram conclusivas sobre sua autoria, ainda que neste caso, como em tantos outros, a CTPS tenha permanecido considerável tempo tanto da advogada Cristiane Karan.
Saliente-se inclusive a instauração de inquérito policial contra a advogada Cristiane Karan (fls. 136/137).
Assim, entendo não ser possível a imputação participação dos réus na perpetração da falsidade documental, razão pela qual não podem ser responsabilizados pelo ressarcimento de valores.
Nesse passo, no que tange aos honorários de advogado, verifico que ambas as partes foram vencedoras e vencidas na causa em proporção semelhante.
Contudo, às sentenças prolatadas sob a égide do CPC/73 não se aplicam as normas previstas no artigo 85, §§ 1º a 11º do CPC/2015, inclusive no que pertine à sucumbência recursal, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Enunciado Administrativo nº 7/STJ). A razão desse entendimento é a de que tal condenação implicaria surpresa à parte que teve sua situação agravada em segundo grau, sem que houvesse previsão legal à época da interposição do recurso.
O mesmo entendimento é aplicável à vedação à compensação em caso de sucumbência recíproca, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do Novo CPC. Sua aplicação traria novo ônus a uma das partes ou mesmo a ambas, sem que houvesse previsão a respeito quando da interposição do recurso.
Assim, cada parte arcará com os honorários de seus respectivos patronos, nos termos do caput do artigo 21 do CPC/73.
Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS entendendo cabível a presente ação revisional e declaro nula a sentença e, de acordo com o seu artigo 1.013, § 3º, I, CPC/15 julgo parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para determinar a cessação definitiva dos efeitos da sentença proferida no Proc. 541/95, que tramitou perante a 1ª Vara de Direito da Comarca de São Manuel, bem como a suspensão definitiva do pagamento decorrente da liquidação judicial com o cancelamento do precatório, julgando improcedente o pedido de restituição dos valores já pagos.
É como voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 25/05/2017 18:45:34 |