Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5004513-76.2020.4.03.6119
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL INFORMAL.
CONJUNTO PROBATÓRIO ATENDIDO. ATIVIDADE ESPECIAL. COBRADOR DE ÔNIBUS.
RUÍDO. VIBRAÇÃO DE CORPO INTEIRO. ENQUADRAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. LAUDO.
REQUISITOS AO BENEFÍCIO PREENCHIDOS.
- A remessa oficial não deve ser conhecida, como quer o INSS, por ter sido proferida a sentença
na vigência do atual Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo
grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários
mínimos.
- Alegação descabida acerca da tutela jurídica antecipada. Convencido o julgador do direito da
parte, e presentes os requisitos do art. 497 do CPC, a tutela jurisdicional pode ser antecipada na
própria sentença.
- Descabimento da alegação de cerceamento de defesa; cabe à parte autora, nos termos do
artigo 373, I, do CPC, os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do direito
invocado, por meio de prova suficiente e segura.
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- É possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade.
- A jurisprudência admite a extensão da condição de lavrador para a filha e a esposa (mormente
nos casos do trabalho em regime de economia familiar, nos quais é imprescindível sua ajuda para
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
a produção e subsistência da família).
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar o labor rural independentemente do
recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º,
e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Na função de cobrador, a prova emprestada indica sujeição, habitual e permanente, a ruído
acima dos limites de tolerância, autorizando o enquadramento regulamentar.
- Eventual utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez
constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio de
PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte.
- Laudo pericial de terceiros atestou a presença de vibração de corpo inteiro (VCI) em veículo
similar ao conduzido pelo segurado; a nocividade desse agente somente é reconhecida aos
trabalhos em que são utilizados "perfuratrizes e marteletes pneumáticos", como os operadores de
britadeira, por exemplo, consoante indicam os códigos 1.1.5 do Decreto n. 53.831/1964, 1.1.4 do
Decreto n. 83.080/1979 e 2.0.2 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999,
contando-se como tempo normal. Precedente.
- Presente o pressuposto temporal, uma vez que a soma dos períodos reconhecidos aos lapsos
incontroversos, até a DER, confere à parte autora mais de 35anos de profissão, tempo suficiente
à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral.
- Com relação às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem
como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, tal isenção não exime a
Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte
autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação da parteautora desprovida.
- Apelação do INSS parcialmenteprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004513-76.2020.4.03.6119
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: CLEMENTE MARIA CORDEIRO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: OSMAR CONCEICAO DA CRUZ - SP127174-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CLEMENTE MARIA
CORDEIRO
Advogado do(a) APELADO: OSMAR CONCEICAO DA CRUZ - SP127174-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o
reconhecimento de atividade rural informal e o enquadramento de atividade especial,com vistas
à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença foi proferida nos seguintestermos:
"JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido a fim de CONDENAR a autarquia-ré a
averbação do período de 29.04.1995 a 05.03.1997 como tempo especial, e do período de
01.01.1982 a 31.12.1989 como tempo rural, para todos os fins, exceto carência (art. 55, § 2º,
LBPS), e a conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB
42/195.535.815-7), a contar da DER, aos 09.09.2019, e, ainda, a retificar os salários-de-
contribuição entre 03/2004 a 02/2006 com base na relação fornecida pela empregadora,
encartada no Id. 33124216, p. 38. ...".
Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual invoca, preliminarmente, a suspensão da
tutela deferida e o reexame necessário. Na questão de fundo, sustenta, em síntese, a
impossibilidade do enquadramento efetuado, à míngua de comprovação de exposição a
agentes agressivos. Na eventualidade, pugna por ajustes nos consectários e isenção das
custas. Prequestionou a matéria para efeitos recursais.
A parte autora também manifestou parcial irresignação com o decisum, suscitando,
inicialmente, cerceamento de defesa. No mérito, pugnou pela procedência dos lapsos
insalubres afastados.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Contudo, a remessa oficial não deve ser conhecida, como quer o INSS, por ter sido proferida a
sentença na vigência do atual Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a
exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior
a 1.000 (mil) salários mínimos.
No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática
prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça.
No mais, afasto a alegação de não cabimento da tutela jurídica antecipada. Convencido o
julgador do direito da parte, e presentes os requisitos do art. 497 do CPC, a tutela jurisdicional
pode ser antecipada na própria sentença.
Com efeito, não merece acolhida a pretensão do INSS de suspensão do cumprimento da
decisão por esta relatoria, uma vez que não configuradas as circunstâncias dispostas no art.
1.012 do CPC.
Por outro lado, não visualizo o alegado cerceamento de defesaa ponto de se anular a decisão
singular.
Efetivamente, cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do CPC, os ônus de comprovar
a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio de prova suficiente e segura.
Nesse passo, a fim de demonstrar a natureza especial do labor desenvolvido nos lapsos
vindicados, deve a parte suplicante carrear documentos aptos certificadores das condições
insalubres em que permaneceu exposta, com habitualidade e permanência, como formulários
padrão e laudos técnicos individualizados, cabendo ao magistrado, em caso de dúvida fundada,
o deferimento de prova pericial para confrontação do material reunido à exordial.
Com efeito, compete ao juiz a condução do processo, cabendo-lhe apreciar a questão de
acordo com o que está sendo debatido. Dessa forma, o juiz não está obrigado a decidir a lide
conforme pleiteado pelas partes, mas, sim, conforme seu livre convencimento, fundado em
fatos, provas, jurisprudência, aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao
caso.
Se não houver dúvida fundada sobre as condições em que o segurado desenvolveu suas
atividades laborativas, despicienda revela-se a produção de prova pericial para o julgamento da
causa e, por consequência, não estará configurado cerceamento de defesa ou violação de
ordem constitucional ou legal.
Passo à apreciação as questões trazidas a julgamento.
Do tempo de serviço rural
Segundo o artigo 55 e respectivos parágrafos da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de
segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de
segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava
filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante
o recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento,
observado o disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência
desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante
justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito
quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente
testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto
no Regulamento."
Também dispõe o artigo 106 da mesma Lei:
"Art. 106. Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir 16 de abril
de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do
art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a
16 de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente
através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia
familiar;
V - bloco de notas do produtor rural."
Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a
contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi
secundado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula n. 149.
Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser: "(...) prescindível que o início de
prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a
sua eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua
vinculação ao tempo de carência." (AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton
Carvalhido, in DJ 19/12/2002)
No julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima,
submetido ao rito do art. 543-C do CPC/73, o Superior Tribunal de Justiça, examinando a
matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material
juntada aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o
posterior à data do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
Ademais, consoante entendimento desta Nona Turma e do Colendo Superior Tribunal de
Justiça, é possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de
idade (STJ, AR n. 3.629, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJ 9/9/2008).
Destaque-se, ainda, que a jurisprudência admite a extensão da condição de lavrador para a
filha e a esposa (mormente nos casos do trabalho em regime de economia familiar, nos quais é
imprescindível sua ajuda para a produção e subsistência do núcleo).
A parte autora pretende demonstrar o trabalho rural informal prestado entre 1º/1/1977 e
1º/1/1990, havendo o juízo a quo declarado apenas o período de 1º/1/1982 a 31/12/1989.
No caso dos autos, há suporte probatório mínimo atrelado à parte autora com os afazeres
campesinos junto da família, como: (i) escritura de divisão amigável de propriedade rural
figurando o genitor do autor (1972); (ii) título eleitoral (1982); (iii) declaração de exercício de
atividade rural emitida pelo Juiz de Paz de Dom Viçoso/MG (2007).
Por sua vez, os testemunhos colhidos, sob o crivo do contraditório, corroboraram o mourejo
asseverado.
Nesse panorama, diante do conjunto probatório, entendo demonstrado o labor rural reconhecido
na decisão a quo, independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins de
carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n.
8.213/1991).
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ,
assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível
tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp
894.266/SP, Rel. Min.HERMAN BENJAMIN, 2T, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa
do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n.
664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso
concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar
completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na
hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do
EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao PPP, instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base
em laudo técnico elaborado pelo empregador,retrata as características do trabalho do segurado
e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de
trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
No tocante ao período reconhecido, de 29/4/1995 a 5/3/1997, o laudo técnico coligido como
prova emprestada se mostrou apto a comprovar exposição do obreiro a níveis de ruído acima
dos limites de tolerância para a época de prestação do serviço como "cobrador de ônibus", o
que lhe assegura o direito ao enquadramento nos itens 1.1.6 do Decreto n.53.831/1964 e 2.0.1
do Decreto n. 3.048/1999.
No mais, eventual utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período,
uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado
por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte (Ap – Apelação Cível -
2306086 0015578-27.2018.4.03.9999, Des. Fed. Inês Virgínia, 7T, e-DJF3 Judicial 1 Data:
7/12/2018; Ap – Apelação Cível - 3652270007103-66.2015.4.03.6126, Des. Fed. Baptista
Pereira, 10T, e-DJF3 Judicial 1 Data: 19/7/2017).
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas nos documentos certificadores
(PPP/laudo), conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a
nocividade dos agentes.
Quanto aos interregnos vindicados, de 6/3/1997 a 18/7/2003 e de 2/2/2004 a 16/5/2019, a parte
autora trouxe laudos paradigmas de terceiros asseverando a presença de vibração de corpo
inteiro (VCI) durante as funções como "cobrador de ônibus".
Com efeito, a nocividade desse agente somente é reconhecida aos trabalhos em que são
utilizados "perfuratrizes e marteletes pneumáticos", como os operadores de britadeira, por
exemplo, consoante indicam os códigos 1.1.5 do Decreto n. 53.831/1964, 1.1.4 do Decreto n.
83.080/1979 e 2.0.2 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999, de modo que
deve ser contado como tempo normal.
Nessa esteira, veja-se a orientação jurisprudencial firmada nesta Corte (g.n.):
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA TIDA POR
OCORRIDA. CONVERSÃO DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE
SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. NÃO IMPLEMENTAÇÃO DOS
REQUISITOS. RECONHECIMENTO DE LABOR EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS.
DE ÔNIBUS. VIBRAÇÃO DE CORPO INTEIRO (VCI). AGENTE NOCIVO CALOR.
COMPROVAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
1. Sentença declaratória. Impossibilidade de aferição do valor econômico. Inaplicável o §2º do
artigo 475 do CPC/73. Remessa necessária tida por ocorrida.
2. São requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com
os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições, ressaltando-se
que o tempo de serviço prestado anteriormente à Emenda Constitucional 20/98 equivale a
tempo de contribuição, a teor do seu art. 4º.
3. Deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho para o
reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e os meios de sua
demonstração.
4. A especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da
atividade profissional (até 28/04/9,5), por meio da confecção de informativos ou formulários (no
período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou perfil profissiográfico profissional (a partir
de 11/12/97).
5. A exposição à vibração de corpo inteiro (VCI), no desempenho da atividade de motorista de
ônibus, não enseja o reconhecimento do tempo especial por ausência de preceito legal
prevendo tal hipótese, sendo que aquela somente caracteriza a atividade especial quando
vinculada à realização de trabalhos "com perfuratrizes e marteletes pneumáticos", nos termos
do código 1.1.5 do Decreto n° 53.831/64, código 1.1.4 do Decreto n° 83.080/79, código 2.0.2 do
Decreto n° 2.172/97 e código 2.0.2 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
6. Condição especial de trabalho configurada. Exposição habitual e permanente à temperatura
ambiente acima de 28°C (agente nocivo calor - código 1.1.1 2 do Decreto nº 53.831/64 e item
1.1.1 do Decreto nº 83.080/79).
7. Sucumbência recíproca.
8. Apelação da parte autora e remessa necessária, tida por ocorrida, não providas”.
(TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2142297 - 0004104-
95.2015.4.03.6141, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em
08/04/2019, e-DJF3: 23/4/2019).
Ora! Oartigo 58, §4°, da Lei 8.213/91, preceitua que:"A empresa deverá elaborar e manter
atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e
fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento".
Assim, constitui dever legal do empregador elaborar e fornecer ao empregado PPP
regularmente preenchido que demonstre corretamente as condições de trabalho desenvolvidas,
cabendo à Justiça do Trabalho, à luz do artigo 114da CF/1988, dirimir eventual controvérsia,
não ao juízo previdenciário.
Nesse diapasão, à míngua de cumprimento dos ônus probatórios (art. 373 do CPC), eventual
determinação para produção de perícia indireta revelar-se-ia imprestável, de modo que deixo de
acolher o inconformismo recursal.
Não obstante, considerados todos os períodos de labor, a parte autora conta mais de 35 anos
de labor até a DER e, desse modo, faz jus à concessão do benefício de aposentadoria por
tempo de contribuição.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Com relação às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, tal isenção não exime a
Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à
parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à
legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar, nego provimento ao recurso do autor e dou
parcial provimento à apelação do INSS para, nos termos da fundamentação, discriminar a
questão das custas.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL INFORMAL.
CONJUNTO PROBATÓRIO ATENDIDO. ATIVIDADE ESPECIAL. COBRADOR DE ÔNIBUS.
RUÍDO. VIBRAÇÃO DE CORPO INTEIRO. ENQUADRAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. LAUDO.
REQUISITOS AO BENEFÍCIO PREENCHIDOS.
- A remessa oficial não deve ser conhecida, como quer o INSS, por ter sido proferida a
sentença na vigência do atual Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a
exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior
a 1.000 (mil) salários mínimos.
- Alegação descabida acerca da tutela jurídica antecipada. Convencido o julgador do direito da
parte, e presentes os requisitos do art. 497 do CPC, a tutela jurisdicional pode ser antecipada
na própria sentença.
- Descabimento da alegação de cerceamento de defesa; cabe à parte autora, nos termos do
artigo 373, I, do CPC, os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do direito
invocado, por meio de prova suficiente e segura.
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- É possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade.
- A jurisprudência admite a extensão da condição de lavrador para a filha e a esposa (mormente
nos casos do trabalho em regime de economia familiar, nos quais é imprescindível sua ajuda
para a produção e subsistência da família).
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar o labor rural independentemente do
recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, §
2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo
ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima
dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Na função de cobrador, a prova emprestada indica sujeição, habitual e permanente, a ruído
acima dos limites de tolerância, autorizando o enquadramento regulamentar.
- Eventual utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma
vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por
meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte.
- Laudo pericial de terceiros atestou a presença de vibração de corpo inteiro (VCI) em veículo
similar ao conduzido pelo segurado; a nocividade desse agente somente é reconhecida aos
trabalhos em que são utilizados "perfuratrizes e marteletes pneumáticos", como os operadores
de britadeira, por exemplo, consoante indicam os códigos 1.1.5 do Decreto n. 53.831/1964,
1.1.4 do Decreto n. 83.080/1979 e 2.0.2 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n.
3.048/1999, contando-se como tempo normal. Precedente.
- Presente o pressuposto temporal, uma vez que a soma dos períodos reconhecidos aos lapsos
incontroversos, até a DER, confere à parte autora mais de 35anos de profissão, tempo
suficiente à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral.
- Com relação às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, tal isenção não exime a
Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à
parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação da parteautora desprovida.
- Apelação do INSS parcialmenteprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar, negar provimento à apelação da parte autora
e dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA