Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0004946-59.2015.4.03.6114
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
17/11/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/11/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. RESSARCIMENTO
AO ERÁRIO. MANUTENÇÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. UTILIZAÇÃO DE LAUDOS PERICIAIS
ADULTERADOS. BOA-FÉ DO RÉU. NÃO CONFIGURADA. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O
DANO AO ERÁRIO E O ATO ILÍCITO PRATICADO. NECESSIDADE DE REPARAÇÃO.
INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 927 DO CÓDIGO CIVIL. PREJUDICIAL REJEITADA. APELAÇÃO
DO RÉU DESPROVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA RETIFICADOS DE
OFÍCIO.
1 - É certo que o Colendo Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado em sede de
repercussão geral (RE nº 669.069/MG - Tema nº 666), assentou entendimento no sentido de
serem prescritíveis as ações de reparação de danos à Fazenda Pública, decorrentes de ilícito
civil. Todavia, há que ser observado o prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto nº
20.910/32, diploma legal que, malgrado contemple regramento direcionado às demandas
ajuizadas em face da Fazenda Pública, comporta aplicação, também, nos feitos em que a mesma
figure como autora, a contento do princípio da isonomia.
2 - In casu, o INSS tomou ciência da irregularidade na manutenção do benefício por ocasião da
constatação do desaparecimento dos antecedentes médicos periciais do demandante que
justificavam o pagamento do benefício. Apesar de o procedimento administrativo para a apuração
da irregularidade ter sido instaurado em 03/08/2012, o crédito só foi realmente constituído em
26/11/2012, com o seu valor atualizado até então em R$ 33.308,08 (trinta e três mil, trezentos e
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
oito reais e oito centavos).
3 - Quanto a este ponto, é relevante destacar que o prazo prescricional, apesar de ter se iniciado
com a ciência da lesão ao erário decorrente da prática de ato ilícito, em 03/08/2012, ficou
suspenso durante a tramitação do procedimento administrativo, em respeito ao disposto no artigo
4º do Decreto 20.910/32
4 - Assim, considerando as datas da constituição do débito (26/11/2012) e da propositura desta
demanda (12/08/2015), verifica-se que não foi extrapolado o prazo de cinco anos previsto no
artigo 1º do Decreto 20.910/32.
5 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito
de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo
juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao
anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico
disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim
de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
6 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
7 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
8 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
9 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro
e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e
em risco à continuidade dessa rede de proteção.
10 - O réu usufruía do benefício previdenciário de auxílio-doença desde 01/03/2007 (NB
570.418.067-8). Todavia, em auditoria interna verificou-se que a manutenção da prestação
previdenciária por incapacidade entre 05/05/2009 e 31/10/2012 se baseou em laudos médicos
periciais adulterados.
11 - Quanto a essa questão, verifica-se que o demandado agendou inicialmente a reavaliação
médica para 15 de junho de 2019, em posto do INSS localizado em Guarulhos, apesar de residir
em São Bernardo do Campo. Todavia, inexplicavelmente, o exame foi antecipado para 10 de
junho de 2009. O mesmo ocorreu com a revisão posterior que, conquanto tivesse sido agendada
para 13 de maio de 2010, foi antecipada, sem qualquer justificativa, para 10 de março de 2010.
12 - No mais, constatou-se o extravio do procedimento administrativo que ensejou a concessão
do benefício, junto com todas as evidências materiais da incapacidade do réu, razão pela qual
determinou-se a reconstituição dos autos em 22 de junho de 2010.
13 - Diante dos indícios de irregularidades, os peritos que realizaram as referidas reavaliações
médicas, os doutores Massafumi Yamaguchi e Carlos Henrique Lamaita Rabello, foram
notificados para prestar esclarecimentos. No entanto, ambos afirmaram que jamais tinham
examinado o réu e que o conteúdo dos laudos periciais, além de lacônicos, destoavam daqueles
por eles produzidos anteriormente.
14 - Longe de se tratar de mero erro ocasional, a concessão ou a prorrogação de benefícios
previdenciários por incapacidade, mediante a adulteração ou a não realização de perícias
médicas, tornou-se prática ilícita corriqueira no Posto do INSS de Guarulhos e foi apurada no bojo
da Operação "Evidências" da Polícia Federal (Processo n. 00037857220104036119).
15 - Segundo a narrativa desenvolvida na petição inicial e não impugnada pela parte adversa, na
referida operação, constatou-se "a atuação direta de servidor administrativo que por meio do uso
indevido de senhas de peritos-médicos, obtidas por software instalado nos terminais de uso,
acessava o sistema SABI "concedendo" benefícios de auxílio-doença aos "segurados", sem o
correspondente comparecimento em perícia médica".
16 - No bojo do procedimento administrativo reconstituído, restaram infrutíferas todas as
tentativas de notificação do réu, para comparecimento à perícia médica, a fim de averiguar a
persistência do quadro incapacitante, ou mesmo de fornecer evidências materiais da existência
de incapacidade por ocasião da realização dos supostos laudos médicos - em 10/03/2010 e em
10/06/2009 (ID 107304496 - p. 34-35). Mesmo após a instauração do procedimento administrativo
para apurar a manutenção irregular do benefício, não se conseguiu notificar o réu para que
apresentasse defesa. Neste sentido, foram realizadas tentativas por carta com aviso de
recebimento (ID 107304496 - p.45) e por edital (ID 107304496 - p. 47 e 49).
17 - O endereço do réu informado pela Autarquia neste processo foi idêntico àquele utilizado nas
correspondências enviadas ao segurado na seara administrativa. Realmente, o Oficial de Justiça
só logrou êxito em efetuar a citação pois, ao se dirigir à Rua Anita Garibaldi, 284 - Montanhão -
São Bernardo do Campo, diligentemente averiguou junto aos moradores da localidade e
descobriu que o demandado era reconhecido publicamente como "Tião" e havia se mudado para
a Passagem dos Cafezais, n. 251 (ID 107304496 - p. 65).
18 - A forma pessoal de comunicação, que se mostrou mais eficaz para atingir a finalidade
almejada, não está prevista no rol de possibilidades de notificação do administrado da existência
de um processo contra ele. No mais, as tentativas de localização do segurado adotadas pelo
INSS respeitaram rigorosamente o disposto nos artigos 26, §§3º e 4º, da Lei do processo
administrativo (Lei n. 9.784/99) e 179, §§2º e 3º, do Decreto 3.048/99, com a redação dada pelo
então vigente Decreto 4.720/2003.
19 - Ademais, o fato de a validade do ato administrativo de cobrança poder ser questionada nesta
via judicial, assegura que o réu não será privado de seus bens sem o devido processo legal, não
cabendo na hipótese, portanto, qualquer alegação de nulidade do processo administrativo por
violação às garantias do contraditório e da ampla defesa.
20 - Nem mesmo em sede de contestação, a ré questiona a ocorrência de fraude na manutenção
de seu benefício, apenas imputa a responsabilidade pelo ilícito ao ex-funcionário do INSS. Ainda
foi realizada audiência de instrução em 01/06/2016, na qual foi colhido o depoimento pessoal do
réu.
21 - Ainda que se possa admitir que um segurado se desloque do bairro do Montanhão, em São
Bernardo do Campo, para o Posto do INSS em Guarulhos (cerca de 40 km de distância, de
acordo com o site GoogleMaps), apenas com a finalidade de acelerar o trâmite processual da
revisão, se afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que
ordinariamente acontece no dia a dia (art. 335 do CPC/1973, reproduzido no art. 375 do
CPC/2015), que um segurado que usufruiu de benefício por incapacidade por cinco anos
ininterruptos, de 2007 a 2012, não tenha qualquer evidência material de seu problema de saúde,
tampouco que se consulte com algum médico.
22 - Na verdade, a ausência absoluta de vestígios materiais da incapacidade laboral demonstra
que a manutenção do pagamento do benefício só foi possível em razão da adulteração indevida
dos laudos médicos realizados na seara administrativa. Sem qualquer substrato material, sequer
seria viável a realização da revisão administrativa a contento.
23 - Todavia, ainda persiste a celeuma relativa à responsabilização civil do réu pelo ato ilícito
praticado perante o INSS e que resultou em inegável prejuízo aos cofres públicos.
24 - Ora, ainda que tenha restado comprovado na seara administrativa que o servidor teve
participação na manutenção irregular do benefício, quem usufruiu da vantagem decorrente do ato
ilícito foi o réu, razão pela qual não há como dissociar o desfalque ao erário público do
recebimento de benefício por incapacidade indevido por mais de três anos.
25 - Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato
ilícito praticado, a restituição dos valores recebidos pelo réu indevidamente, a título de auxílio-
doença, no período de 05/05/2009 a 31/10/2012, é medida que se impõe, nos termos do artigo
927 do Código Civil. Precedentes.
26 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
27 - Juros de mora fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
28 - Prejudicial de mérito rejeitada. Apelação do réu desprovida. Correção monetária e juros de
mora retificados de ofício.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0004946-59.2015.4.03.6114
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: SEBASTIAO AIRES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: MARACY DE PAULA MOREIRA - SP159135
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0004946-59.2015.4.03.6114
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: SEBASTIAO AIRES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: MARACY DE PAULA MOREIRA - SP159135
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por SEBASTIÃO AIRES DA SILVA, em ação ajuizada pelo
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando o ressarcimento ao erário de
valores recebidos indevidamente por aquele a título de benefício previdenciário.
A r. sentença, prolatada em 17/06/2016, julgou procedente o pedido deduzido na inicial e
condenou o réu a restituir os valores por ele recebidos indevidamente, a título de auxílio-doença,
no período de 05/05/2009 a 31/10/2012, acrescidos de correção monetária e de juros de mora.
Honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa,
condicionando, contudo, a exigibilidade desta verba à perda dos benefícios da gratuidade
judiciária.
Em suas razões recursais, o autor alega, preliminarmente, a prescrição da pretensão
condenatória. No mérito, pugna pela reforma do r. decisum, pois não há evidência de que tenha
concorrido para a manutenção fraudulenta do benefício. No mais, afirma que a boa-fé objetiva e o
caráter alimentar dos benefícios previdenciários tornariam inexigível o débito administrativo.
Devidamente processado o recurso, sem contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal
Regional Federal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0004946-59.2015.4.03.6114
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: SEBASTIAO AIRES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: MARACY DE PAULA MOREIRA - SP159135
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Inicialmente, não merece prosperar a alegação de prescrição suscitada pelo réu.
É certo que o Colendo Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado em sede de
repercussão geral (RE nº 669.069/MG - Tema nº 666), assentou entendimento no sentido de
serem prescritíveis as ações de reparação de danos à Fazenda Pública, decorrentes de ilícito
civil.
A ementa fora assim sintetizada:
"CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE.
SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de
reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 2. Recurso extraordinário a que
se nega provimento."
(STF, RE nº 669.069/MG, Relator Ministro Teori Zavascki, publicado em 28.04.2016).
Todavia, há que ser observado o prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto nº
20.910/32, diploma legal que, malgrado contemple regramento direcionado às demandas
ajuizadas em face da Fazenda Pública, comporta aplicação, também, nos feitos em que a mesma
figure como autora, a contento do princípio da isonomia.
O Decreto em questão assim dispõe:
"Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer
direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza,
prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem."
In casu, o INSS tomou ciência da irregularidade na manutenção do benefício por ocasião da
constatação do desaparecimento dos antecedentes médicos periciais do demandante que
justificavam o deferimento do benefício.
Apesar de o procedimento administrativo para a apuração da irregularidade ter sido instaurado
em 03/08/2012, o crédito só foi realmente constituído em 26/11/2012, com o seu valor atualizado
até então em R$ 33.308,08 (trinta e três mil, trezentos e oito reais e oito centavos).
Quanto a este ponto, é relevante destacar que o prazo prescricional, apesar de ter se iniciado
com a ciência da lesão ao erário decorrente da prática de ato ilícito, em 03/08/2012, ficou
suspenso durante a tramitação do procedimento administrativo, em respeito ao disposto no artigo
4º do Decreto 20.910/32, in verbis:
"Art. 4ºNão corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no
pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados
de estudar e apurá-la.
Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do
requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas,
com designação do dia, mês e ano." (g. n.)
Assim, considerando as datas da constituição do débito (26/11/2012) e da propositura desta
demanda (12/08/2015), verifica-se que não foi extrapolado o prazo de cinco anos previsto no
artigo 1º do Decreto 20.910/32.
Supera a questão prejudicial, avanço ao mérito.
Discute-se a exigibilidade dos valores pagos indevidamente à parte autora, a título de benefício
assistencial, na seara administrativa.
O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do
sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir
o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."
Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete
necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob
pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em
caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte
lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o
respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99, in verbis:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou
além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão
judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871,
de 2019)"
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro
e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e
em risco à continuidade dessa rede de proteção.
Do caso concreto.
Compulsando os autos, observa-se que o réu usufruía do benefício previdenciário de auxílio-
doença desde 01/03/2007 (NB 570.418.067-8). Todavia, em auditoria interna verificou-se que a
manutenção da prestação previdenciária por incapacidade, entre 05/05/2009 e 31/10/2012, se
baseou em laudos médico-periciais adulterados.
Quanto a essa questão, verifica-se que o demandado agendou inicialmente a reavaliação médica
para 15 de junho de 2019, em posto do INSS localizado em Guarulhos, apesar de residir em São
Bernardo do Campo. Todavia, inexplicavelmente, o exame foi antecipado para 10 de junho de
2009. O mesmo ocorreu com a revisão posterior que, conquanto tivesse sido agendada para 13
de maio de 2010, foi antecipada, sem qualquer justificativa, para 10 de março de 2010.
No mais, constatou-se o extravio do procedimento administrativo que ensejou a concessão do
benefício, junto com todas as evidências materiais da incapacidade do réu, razão pela qual
determinou-se a reconstituição dos autos em 22 de junho de 2010.
Diante dos indícios de irregularidades, os peritos que realizaram as referidas reavaliações
médicas, os doutores Massafumi Yamaguchi e Carlos Henrique Lamaita Rabello, foram
notificados para prestar esclarecimentos. No entanto, ambos afirmaram que jamais tinham
examinado o réu e que o conteúdo dos laudos periciais, além de lacônicos, destoavam daqueles
por eles produzidos anteriormente.
Eis suas considerações acerca das perícias médicas por eles subscritas e realizadas em
10/06/2009 e em 10/03/2010:
"Declaro que a mesma não foi realizada por mim.
1- História: não há anotação de quem emitiu o laudo médico e sem descrição do quadro, que não
é minha característica. O padrão de descrição não corresponde ao meu. Além de repetir a
"exame física" nas "considerações".
2- Exame físico e considerações não correspondem ao meu modo de escrever, além de muitos
erros de gramática que sempre corrijo.
3- Não faz considerações, repete o que seria "exame físico".
4- Não uso ferramentas "colar"" (declaração do Dr. Massafumi Yamaguchi prestada em
16/05/2011).
"Declaro que a mesma não foi realizada por mim.
1- O padrão de descrição não corresponde ao meu. Costumo descrever a profissão do segurado,
há quanto tempo está em benefício, identifico quem emitiu o laudo médico, identifico se realizou
exames complementares, onde e quando foram realizados. Não costumo escrever com letras
maiúsculas.
2 - "Exame físico" também não corresponde ao meu padrão de realizar perícias. Costumo
descrever a minha inspeção, e anoto sinais positivos e negativos referentes à queixa principal do
periciando. Neste "exame físico" a queixa e o diagnóstico são de coluna e o exame físico é de
psiquiatria;
3- Não faz considerações, repete o que seria o "exame físico". Nas minhas considerações
realmente justifico o indeferimento, ou o deferimento e o prazo concedido.
4- O prazo concedido, longo, não condiz com a minha rotina." (declaração do Dr. Carlos Henrique
Lamaita Rabello prestada em 20/07/2011).
Longe de se tratar de mero erro ocasional, a concessão ou a prorrogação de benefícios
previdenciários por incapacidade, mediante a adulteração ou a não realização de perícias
médicas, tornou-se prática ilícita corriqueira no Posto do INSS de Guarulhos e foi apurada no bojo
da Operação "Evidências" da Polícia Federal (Processo n. 00037857220104036119).
Segundo a narrativa desenvolvida na petição inicial e não impugnada pela parte adversa, na
referida operação, constatou-se "a atuação direta de servidor administrativo que por meio do uso
indevido de senhas de peritos-médicos, obtidas por software instalado nos terminais de uso,
acessava o sistema SABI "concedendo" benefícios de auxílio-doença aos "segurados", sem o
correspondente comparecimento em perícia médica".
No bojo do procedimento administrativo reconstituído, restaram infrutíferas todas as tentativas de
notificação do réu, para comparecimento à perícia médica, a fim de averiguar a persistência do
quadro incapacitante, ou mesmo para fornecer evidências materiais da existência de
incapacidade por ocasião da realização dos supostos laudos médicos - em 10/03/2010 e em
10/06/2009 (ID 107304496 - p. 34-35). Mesmo após a instauração do procedimento administrativo
para apurar a manutenção irregular do benefício, não se conseguiu notificar o réu para que
apresentasse defesa. Neste sentido, foram realizadas tentativas por carta com aviso de
recebimento (ID 107304496 - p.45) e por edital (ID 107304496 - p. 47 e 49).
O endereço do réu informado pela Autarquia neste processo foi idêntico àquele utilizado nas
correspondências enviadas ao segurado na seara administrativa. Realmente, o Oficial de Justiça
só logrou êxito em efetuar a citação pois, ao se dirigir à Rua Anita Garibaldi, 284 - Montanhão -
São Bernardo do Campo, diligentemente averiguou junto aos moradores da localidade e
descobriu que o demandado era reconhecido publicamente como "Tião" e havia se mudado para
a Passagem dos Cafezais, n. 251 (ID 107304496 - p. 65).
É importante assinalar que a forma pessoal de comunicação, que se mostrou mais eficaz para
atingir a finalidade almejada, não está prevista no rol de possibilidades de notificação do
administrado da existência de um processo contra ele. No mais, as tentativas de localização do
segurado adotadas pelo INSS respeitaram rigorosamente o disposto nos artigos 26, §§3º e 4º, da
Lei do processo administrativo (Lei n. 9.784/99) e 179, §§2º e 3º, do Decreto 3.048/99, com a
redação dada pelo então vigente Decreto 4.720/2003.
Ademais, o fato de a validade do ato administrativo de cobrança poder ser questionada nesta via
judicial, assegura que o réu não será privado de seus bens sem o devido processo legal, não
cabendo na hipótese, portanto, qualquer alegação de nulidade do processo administrativo por
violação às garantias do contraditório e da ampla defesa.
Nem mesmo em sede de contestação, a ré questiona a ocorrência de fraude na manutenção de
seu benefício, apenas imputa a responsabilidade pelo ilícito ao ex-funcionário do INSS, conforme
se extrai do seguinte trecho de sua peça de defesa (ID 107304497 - p. 1):
"(...)o réu em momento algum participou de qualquer fraude havida no INSS, sendo também
vítima da eventual existência da fraude alegada pelo autor. Tanto isso é verdade que nos
presentes autos, o autor acosta documentos que não contem a assinatura do réu em nenhum
momento e apenas junta indícios/suspeitas de fraude da qual o réu não participou. Frise-se que
nenhum documento administrativo, a que somente o autor possui acesso, foi juntado aos autos
em nome do réu. Certo é que o réu, sempre que foi solicitado para comparecimento às perícias
médicas agendadas, o mesmo compareceu e simples telas de computador acostadas aos autos
não podem ser objeto de prova contra si, vez que não possuem a sua assinatura e ainda, tendo
em vista que o próprio autor diz ter sido vítima de fraude em seus sistemas de computador".
A fim de elucidar a controvérsia, foi realizada audiência de instrução em 01/06/2016, na qual foi
colhido o depoimento pessoal do réu. Eis o seu teor:
"Aduz ser domiciliado no município de São Bernardo do Campo, contudo, realizou o
agendamento e a realização de perícia na cidade de Guarulhos, sob alegação de que o
agendamento para perícias no local se fazia mais célere do que na unidade de SBC. Realizou o
agendamento via telefone. Alega ter passado por quatro perícias na unidade de Guarulhos e ter
sido periciado por diferentes médicos, porém, se lembra das feições apenas do perito da primeira
perícia, e não se recorda de nenhuma das características dos demais peritos. (...) declara possuir
"desvio na coluna lombar" e isto lhe acarreta fortes crises de dor. No período em que ingressou
com o pedido de auxílio doença, encontrava-se acometido por essas "crises". (...) não efetuou
tratamento médico contínuo, relata ter passado apenas em consultas médicas esporádicas no
posto de saúde próximo a sua residência e não possui exames para a comprovação da
incapacidade laboral".
Ainda que se possa admitir que um segurado se desloque do bairro do Montanhão, em São
Bernardo do Campo, para o Posto do INSS em Guarulhos (cerca de 40 km de distância, de
acordo com o site GoogleMaps), apenas com a finalidade de acelerar o trâmite processual da
revisão, se afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que
ordinariamente acontece no dia a dia (art. 335 do CPC/1973, reproduzido no art. 375 do
CPC/2015), que um segurado que usufruiu de benefício por incapacidade por cinco anos
ininterruptos, de 2007 a 2012, não tenha qualquer evidência material de seu problema de saúde,
tampouco que se consulte com algum médico.
Na verdade, a ausência absoluta de vestígios materiais da incapacidade laboral demonstra que a
manutenção do pagamento do benefício só foi possível em razão da adulteração indevida dos
laudos médicos realizados na seara administrativa. Sem qualquer substrato material, sequer seria
viável a realização da revisão administrativa a contento.
Todavia, ainda persiste a celeuma relativa à responsabilização civil do réu pelo ato ilícito
praticado perante o INSS e que resultou em inegável prejuízo aos cofres públicos.
Ora, ainda que tenha restado comprovado na seara administrativa que o servidor teve
participação na manutenção irregular do benefício, quem usufruiu da vantagem decorrente do ato
ilícito foi o réu, razão pela qual não há como dissociar o desfalque ao erário público do
recebimento de benefício por incapacidade indevido por mais de três anos.
Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato ilícito
praticado, a restituição dos valores recebidos pelo réu indevidamente, a título de auxílio-doença,
no período de 05/05/2009 a 31/10/2012, é medida que se impõe, nos termos do artigo 927 do
Código Civil.
Neste sentido, reporto-me aos seguintes precedentes desta Corte Regional:
"PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-
DOENÇA. PAGAMENTO INDEVIDO. PREVISÃO DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL LIMITADA ÀS AÇÕES PARA APURAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE. PRAZO
PRESCRICIONAL DO DECRETO Nº 20.910/32. INOCORRÊNCIA. AFASTADA A BOA-FÉ.
DANO AO ERÁRIO. RESSARCIMENTO DEVIDO.
- Inaplicável, in casu, a aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em
vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.
- Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de cinco
anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua de
previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo ser
aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação. Ajuizada a ação em
23.11.2015 e findo o processo administrativo em 2011, não há que se falar em prescrição.
- Consta dos autos do processo administrativo que, em auditoria, o Instituto Nacional do Seguro
Social-INSS identificou indício de irregularidade na concessão e manutenção do benefício de
auxílio-doença que consistiu na inserção de vínculo falso no CNIS que possibilitou o
reconhecimento da qualidade de segurado para a concessão indevida.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- Oportunizada administrativamente a demonstração dos vínculos excedentes, quedou-se a
requerida inerte.
- O Relatório Conclusivo Individual contido no processo administrativo de cobrança é claro ao
apontar que a concessão do benefício somente foi possível considerando-se os vínculos de
trabalho inexistentes, que foram irregularmente inseridos no sistema somente para concessão do
benefício.
- Conquanto a boa-fé se presuma, esta presunção é juris tantum e, por meio do cotejo das provas
coligidas aos autos, restou amplamente comprovada a má-fé do requerido.
- Presentes os pressupostos à condenação da requerida ao ressarcimento do dano advindo do
recebimento indevido de benefício em razão de fraude, porquanto comprovados o dano e o nexo
causal, a conduta ilícita e dolosa e elidida a presunção juris tantum de boa-fé.
- Honorários advocatícios majorados ante a sucumbência recursal, observando-se o limite legal,
nos termos do §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015, observada a gratuidade da justiça.
- Apelação da ré desprovida.”
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5009330-02.2018.4.03.6105, Rel.
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 05/09/2019, e - DJF3
Judicial 1 DATA: 09/09/2019)
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RENDA MENSAL VITALÍCIA.
PAGAMENTO INDEVIDO. DECLARAÇÃO FALSA. REVISÃO ADMINISTRATIVA.
NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO. ARTIGOS 884 DO CÓDIGO CIVIL E 115, II, DA LBPS.
CONTROLE ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DESCONTO DE 30% POSSÍVEL.
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ALTERAÇÃO DO PEDIDO EM SEDE RECURSAL.
INVIABILIDADE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
- No caso, a parte autora percebeu renda mensal vitalícia indevidamente, desde 08/6/1995 (carta
de concessão à f. 26). Isso porque já recebia pensão por morte desde 05/8/1982 (NB
21/070.260.812-2) e declarou ao INSS não possuir qualquer renda. Ela declarou que "não possuo
bens, não recebo pensão e nenhum tipo de aposentadoria" (f. 40). Trata-se de declaração
ideologicamente falsa, que gerou efeitos jurídicos assaz relevantes.
- Em revisão administrativa, o INSS considerou ilegal a percepção do benefício assistencial por
ultrapassar, muito, a renda familiar per capita prevista no § 3º, do artigo 20 da LOAS. Assim, o
INSS passou a efetuar a cobrança de R$ 113.324,18 (f. 41), a título de pagamento indevido,
passando a efetuar descontos de 30% na renda mensal ad pensão por morte.
- A Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, pois goza de
prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus próprios
órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja
conveniência e oportunidade não mais subsista.
- Quando patenteado o pagamento a maior de benefício, o direito de a Administração obter a
devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do
disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91. Trata-se de norma cogente, que obriga o
administrador a agir, sob pena de responsabilidade.
- O presente caso constitui hipótese de enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou
locupletamento). O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento
indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".
- O princípio da moralidade administrativa, conformado no artigo 37, caput, da Constituição da
República, obriga a autarquia previdenciária a efetuar a cobrança dos valores indevidamente
pagos, na forma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
- A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 1.401.560/MT,
submetido à sistemática dos recursos repetitivos, pacificou o entendimento de que é possível a
restituição de valores percebidos a título de benefício previdenciário, em virtude de decisão
judicial precária posteriormente revogada, independentemente da natureza alimentar da verba e
da boa-fé do segurado.
- No caso, a devolução é imperativa porquanto se apurou a ausência de boa-fé objetiva (artigo
422 do Código Civil).
- Por fim, não há possibilidade de reconhecimento da prescrição no presente caso. Conquanto
matéria de ordem pública, não há pedido nesse sentido, o seu reconhecimento implicando
violação da regra do artigo 264, § único, do CPC/73. Inviável, assim, a alteração do pedido
(limitado à redução dos descontos de 30% para 5%) em sede recursal.
- Quanto à regra do artigo 46, § 1º, da Lei nº 8112/91, não se pode aplicá-la nas relações
previdenciárias do Regime Geral, por ausência de lacunas, haja vista trazer a Lei nº 8.213/91
regra própria em seu artigo 115 e §§.
- Agravo legal desprovido."
(TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2142041 - 0007899-
57.2014.4.03.6105, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 07/03/2018, e-
DJF3 Judicial 1 DATA:21/03/2018 )
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos
para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência
dominante.
Ante o exposto, rejeito a prejudicial de prescrição da pretensão condenatória, nego provimento à
apelação do réu e, de ofício, esclareço que a correção monetária deverá ser calculada de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a
promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do
IPCA-E, e os juros de mora apurados de acordo com o mesmo Manual.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. RESSARCIMENTO
AO ERÁRIO. MANUTENÇÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. UTILIZAÇÃO DE LAUDOS PERICIAIS
ADULTERADOS. BOA-FÉ DO RÉU. NÃO CONFIGURADA. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O
DANO AO ERÁRIO E O ATO ILÍCITO PRATICADO. NECESSIDADE DE REPARAÇÃO.
INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 927 DO CÓDIGO CIVIL. PREJUDICIAL REJEITADA. APELAÇÃO
DO RÉU DESPROVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA RETIFICADOS DE
OFÍCIO.
1 - É certo que o Colendo Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado em sede de
repercussão geral (RE nº 669.069/MG - Tema nº 666), assentou entendimento no sentido de
serem prescritíveis as ações de reparação de danos à Fazenda Pública, decorrentes de ilícito
civil. Todavia, há que ser observado o prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto nº
20.910/32, diploma legal que, malgrado contemple regramento direcionado às demandas
ajuizadas em face da Fazenda Pública, comporta aplicação, também, nos feitos em que a mesma
figure como autora, a contento do princípio da isonomia.
2 - In casu, o INSS tomou ciência da irregularidade na manutenção do benefício por ocasião da
constatação do desaparecimento dos antecedentes médicos periciais do demandante que
justificavam o pagamento do benefício. Apesar de o procedimento administrativo para a apuração
da irregularidade ter sido instaurado em 03/08/2012, o crédito só foi realmente constituído em
26/11/2012, com o seu valor atualizado até então em R$ 33.308,08 (trinta e três mil, trezentos e
oito reais e oito centavos).
3 - Quanto a este ponto, é relevante destacar que o prazo prescricional, apesar de ter se iniciado
com a ciência da lesão ao erário decorrente da prática de ato ilícito, em 03/08/2012, ficou
suspenso durante a tramitação do procedimento administrativo, em respeito ao disposto no artigo
4º do Decreto 20.910/32
4 - Assim, considerando as datas da constituição do débito (26/11/2012) e da propositura desta
demanda (12/08/2015), verifica-se que não foi extrapolado o prazo de cinco anos previsto no
artigo 1º do Decreto 20.910/32.
5 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito
de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo
juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao
anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico
disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim
de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
6 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
7 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
8 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
9 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro
e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e
em risco à continuidade dessa rede de proteção.
10 - O réu usufruía do benefício previdenciário de auxílio-doença desde 01/03/2007 (NB
570.418.067-8). Todavia, em auditoria interna verificou-se que a manutenção da prestação
previdenciária por incapacidade entre 05/05/2009 e 31/10/2012 se baseou em laudos médicos
periciais adulterados.
11 - Quanto a essa questão, verifica-se que o demandado agendou inicialmente a reavaliação
médica para 15 de junho de 2019, em posto do INSS localizado em Guarulhos, apesar de residir
em São Bernardo do Campo. Todavia, inexplicavelmente, o exame foi antecipado para 10 de
junho de 2009. O mesmo ocorreu com a revisão posterior que, conquanto tivesse sido agendada
para 13 de maio de 2010, foi antecipada, sem qualquer justificativa, para 10 de março de 2010.
12 - No mais, constatou-se o extravio do procedimento administrativo que ensejou a concessão
do benefício, junto com todas as evidências materiais da incapacidade do réu, razão pela qual
determinou-se a reconstituição dos autos em 22 de junho de 2010.
13 - Diante dos indícios de irregularidades, os peritos que realizaram as referidas reavaliações
médicas, os doutores Massafumi Yamaguchi e Carlos Henrique Lamaita Rabello, foram
notificados para prestar esclarecimentos. No entanto, ambos afirmaram que jamais tinham
examinado o réu e que o conteúdo dos laudos periciais, além de lacônicos, destoavam daqueles
por eles produzidos anteriormente.
14 - Longe de se tratar de mero erro ocasional, a concessão ou a prorrogação de benefícios
previdenciários por incapacidade, mediante a adulteração ou a não realização de perícias
médicas, tornou-se prática ilícita corriqueira no Posto do INSS de Guarulhos e foi apurada no bojo
da Operação "Evidências" da Polícia Federal (Processo n. 00037857220104036119).
15 - Segundo a narrativa desenvolvida na petição inicial e não impugnada pela parte adversa, na
referida operação, constatou-se "a atuação direta de servidor administrativo que por meio do uso
indevido de senhas de peritos-médicos, obtidas por software instalado nos terminais de uso,
acessava o sistema SABI "concedendo" benefícios de auxílio-doença aos "segurados", sem o
correspondente comparecimento em perícia médica".
16 - No bojo do procedimento administrativo reconstituído, restaram infrutíferas todas as
tentativas de notificação do réu, para comparecimento à perícia médica, a fim de averiguar a
persistência do quadro incapacitante, ou mesmo de fornecer evidências materiais da existência
de incapacidade por ocasião da realização dos supostos laudos médicos - em 10/03/2010 e em
10/06/2009 (ID 107304496 - p. 34-35). Mesmo após a instauração do procedimento administrativo
para apurar a manutenção irregular do benefício, não se conseguiu notificar o réu para que
apresentasse defesa. Neste sentido, foram realizadas tentativas por carta com aviso de
recebimento (ID 107304496 - p.45) e por edital (ID 107304496 - p. 47 e 49).
17 - O endereço do réu informado pela Autarquia neste processo foi idêntico àquele utilizado nas
correspondências enviadas ao segurado na seara administrativa. Realmente, o Oficial de Justiça
só logrou êxito em efetuar a citação pois, ao se dirigir à Rua Anita Garibaldi, 284 - Montanhão -
São Bernardo do Campo, diligentemente averiguou junto aos moradores da localidade e
descobriu que o demandado era reconhecido publicamente como "Tião" e havia se mudado para
a Passagem dos Cafezais, n. 251 (ID 107304496 - p. 65).
18 - A forma pessoal de comunicação, que se mostrou mais eficaz para atingir a finalidade
almejada, não está prevista no rol de possibilidades de notificação do administrado da existência
de um processo contra ele. No mais, as tentativas de localização do segurado adotadas pelo
INSS respeitaram rigorosamente o disposto nos artigos 26, §§3º e 4º, da Lei do processo
administrativo (Lei n. 9.784/99) e 179, §§2º e 3º, do Decreto 3.048/99, com a redação dada pelo
então vigente Decreto 4.720/2003.
19 - Ademais, o fato de a validade do ato administrativo de cobrança poder ser questionada nesta
via judicial, assegura que o réu não será privado de seus bens sem o devido processo legal, não
cabendo na hipótese, portanto, qualquer alegação de nulidade do processo administrativo por
violação às garantias do contraditório e da ampla defesa.
20 - Nem mesmo em sede de contestação, a ré questiona a ocorrência de fraude na manutenção
de seu benefício, apenas imputa a responsabilidade pelo ilícito ao ex-funcionário do INSS. Ainda
foi realizada audiência de instrução em 01/06/2016, na qual foi colhido o depoimento pessoal do
réu.
21 - Ainda que se possa admitir que um segurado se desloque do bairro do Montanhão, em São
Bernardo do Campo, para o Posto do INSS em Guarulhos (cerca de 40 km de distância, de
acordo com o site GoogleMaps), apenas com a finalidade de acelerar o trâmite processual da
revisão, se afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que
ordinariamente acontece no dia a dia (art. 335 do CPC/1973, reproduzido no art. 375 do
CPC/2015), que um segurado que usufruiu de benefício por incapacidade por cinco anos
ininterruptos, de 2007 a 2012, não tenha qualquer evidência material de seu problema de saúde,
tampouco que se consulte com algum médico.
22 - Na verdade, a ausência absoluta de vestígios materiais da incapacidade laboral demonstra
que a manutenção do pagamento do benefício só foi possível em razão da adulteração indevida
dos laudos médicos realizados na seara administrativa. Sem qualquer substrato material, sequer
seria viável a realização da revisão administrativa a contento.
23 - Todavia, ainda persiste a celeuma relativa à responsabilização civil do réu pelo ato ilícito
praticado perante o INSS e que resultou em inegável prejuízo aos cofres públicos.
24 - Ora, ainda que tenha restado comprovado na seara administrativa que o servidor teve
participação na manutenção irregular do benefício, quem usufruiu da vantagem decorrente do ato
ilícito foi o réu, razão pela qual não há como dissociar o desfalque ao erário público do
recebimento de benefício por incapacidade indevido por mais de três anos.
25 - Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato
ilícito praticado, a restituição dos valores recebidos pelo réu indevidamente, a título de auxílio-
doença, no período de 05/05/2009 a 31/10/2012, é medida que se impõe, nos termos do artigo
927 do Código Civil. Precedentes.
26 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
27 - Juros de mora fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
28 - Prejudicial de mérito rejeitada. Apelação do réu desprovida. Correção monetária e juros de
mora retificados de ofício. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a prejudicial de prescrição da pretensão condenatória, negar
provimento à apelação do réu e, de ofício, esclarecer que a correção monetária deverá ser
calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça
Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de
variação do IPCA-E, e os juros de mora apurados de acordo com o mesmo Manual, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA