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PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. COISA JULGADA. EFEITOS POSITIVOS. AGRAVAMENTO DA ENFERMIDADE. APLICAÇÃO DO ART...

Data da publicação: 30/03/2021, 07:00:58

E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. COISA JULGADA. EFEITOS POSITIVOS. AGRAVAMENTO DA ENFERMIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 42, §2º, DA LEI N. 8.213/91. VALOR DO BENEFÍCIO. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I - O fenômeno da coisa julgada se caracteriza pela existência, entre duas causas, da tríplice identidade de partes, pedido e causa de pedir, sendo que uma das causas encontra-se definitivamente julgada, em face do esgotamento dos recursos possíveis. II – Na demanda paradigma (processo autuado sob n.º 0007696-79.2011.4.03.6112), ajuizada em 10.10.2011, o então autor postulou o restabelecimento do auxílio-doença cessado em julho de 2011 e sua conversão em aposentadoria por invalidez (pedido), com fundamento no fato de que se encontrava incapacitado para o trabalho (câncer na língua), tendo sido proferida sentença de improcedência, com trânsito em julgado em 15.10.2013. Por seu turno, na ação subjacente, datada de 08.03.2016, o então autor postulou a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, “devidas desde o requerimento administrativo do benefício”, com fundamento no fato de que se encontrava incapacitado para o trabalho (câncer na língua), tendo sido proferido acórdão que reconheceu seu direito, com trânsito em julgado em 24.10.2018. III – A despeito das ações não serem idênticas, tendo em vista o transcurso do tempo entre o trânsito em julgado da demanda paradigma (15.10.2013) e o ajuizamento da ação subjacente (08.03.2016), a caracterizar causa de pedir diversa em face da alteração da situação fática, é de se ressaltar a ocorrência dos efeitos positivos da coisa julgada, no sentido de que deve ser observado o já decidido em processo anterior, de modo que não cabe nova discussão acerca do alegado direito do ora réu ao benefício por incapacidade anteriormente à data do trânsito em julgado no primeiro feito (15.10.2013). Nesse passo, impõe-se a desconstituição do julgado, que reconheceu o direito do ora réu ao benefício por incapacidade com DIB em 22.07.2011. IV – No âmbito do iudicium rescisorium, é de se ponderar que os documentos médicos trazidos aos autos, produzidos após o trânsito em julgado do primeiro feito (12/2013) e anterior ao reingresso do ora réu ao sistema previdenciário (02/2016), não indicavam qualquer anomalia a demonstrar a recidiva do câncer de língua que o acometera em 2009, cabendo destacar a conclusão inserta no laudo, no sentido de que “...Não observamos áreas de realce anômalos após a injeção do meio de contraste iodado na região da cavidade oral inferior e também sinais de remanescente/recidiva tumoral no presente exame..”, não havendo que se falar em incapacidade para o labor. V - É certo que a biópsia da língua realizada em 15.02.2016, que detectou a recidiva da neoplasia, pode ter motivado a refiliação do ora réu ao sistema previdenciário, tendo em vista a coincidência de datas (fez pagamento em março de 2016 referente à competência de fevereiro de 2016), contudo não há como concluir pela existência de incapacidade para o labor no aludido momento. Aliás, mesmo após 01 (um) ano de seu reingresso ao RGPS, o quadro de saúde do ora réu ainda suscitava dúvidas quanto à sua capacidade para o labor, a ponto de o primeiro laudo pericial da ação subjacente, datado de 06.02.2017, concluir pela inexistência de incapacidade para o trabalho. Por seu turno, o segundo laudo pericial da ação subjacente, datado de 28.09.2017, foi categórico quanto à ausência de capacidade para o trabalho, a evidenciar que a evolução da doença havia se intensificado muito entre o primeiro e o segundo laudos. VI - Sopesando as provas constantes dos autos e considerando o disposto no art. 479 do CPC, a incapacidade total e permanente do ora réu somente restou comprovada a contar da elaboração do segundo laudo pericial, não havendo qualquer elemento que autorizasse o estabelecimento do início da referida incapacidade em momento anterior. VII – O que buscou o legislador, ao editar o §2º do art. 42 da Lei n. 8.213/91, foi evitar que o segurado, já acometido de doença que lhe causava incapacidade, se filiasse ao RGPS, ressalvando, contudo, o direito daquele que, embora padecesse de enfermidade anteriormente à filiação ao RGPS, viesse a ser tornar incapacitado para o labor posteriormente, em razão do agravamento dessa mesma enfermidade, caso dos autos. VIII - Caracterizada a hipótese de agravamento mais de um ano após a refiliação e não havendo controvérsia quanto à incapacidade total e permanente do ora réu, bem como em relação ao cumprimento da respectiva carência, é de se conceder o benefício de aposentadoria por invalidez, nos termos do art. 42, caput, da Lei n. 8.213/91. IX - O valor do benefício deve ser apurado nos termos do art. 44 da Lei n. 8.213/91. X - O termo inicial deve ser fixado na data do segundo laudo pericial (28.09.2017), dado que na data da citação (14.04.2016) o ora réu não se encontrava incapacitado para o labor. XI - O fato de o ora réu contar com o recolhimento de contribuições posteriormente ao termo inicial do benefício (de 10/2017 a 11/2017, no valor de um salário mínimo) não impede a implantação da benesse, pois muitas vezes, o segurado o faz tão somente para manter tal condição perante a Previdência Social (RESPs. 1786590/SP e 1788700/SP). XII - A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência, observando-se as teses firmadas pelo E. STF no julgamento do RE 870.947. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de poupança a partir de 30.06.2009, contados de 45 (quarenta e cinco) dias após a publicação do presente acórdão. Registre-se que o e. STF, em sessão realizada em 03.10.2019, rejeitou todos os embargos de declaração opostos contra a decisão acima reportada, bem como decidiu não modular seus efeitos, tendo se verificado o trânsito em julgado em 03.03.2020 XIII - Os honorários advocatícios devem ser fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), em obediência aos parâmetros estabelecidos no art. 85, §2º, do CPC. XIV – Ação rescisória cujo pedido se julga procedente. Ação subjacente cujo pedido se julga parcialmente procedente. (TRF 3ª Região, 3ª Seção, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 5022360-52.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 16/03/2021, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 22/03/2021)


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5022360-52.2019.4.03.0000

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

SUCEDIDO: JUCIMAR OSMUNDO DE SOUZA
REU: MARIA APARECIDA CARVALHO DE SOUZA

Advogado do(a) SUCEDIDO: REINALVO FRANCISCO DOS SANTOS - SP237726-N
Advogado do(a) REU: REINALVO FRANCISCO DOS SANTOS - SP237726-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 


AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5022360-52.2019.4.03.0000

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

REU: JUCIMAR OSMUNDO DE SOUZA

Advogado do(a) REU: REINALVO FRANCISCO DOS SANTOS - SP237726-N

R E L A T Ó R I O

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

Trata-se de ação rescisória, com aditamento ID 138225880, proposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face de JUCIMAR OSMUNDO DE SOUZA, sucedido por MARIA APARECIDA CARVALHO DE SOUZA, com fundamento no artigo 966, IV, V e VIII, do CPC/2015, objetivando rescindir acórdão proferido pela 8ª Turma deste e. Tribunal, a fim de que seja julgado improcedente o pleito formulado na ação subjacente para concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença. Requereu, ainda, a condenação do réu na devolução dos valores recebidos por força do cumprimento do julgado.

Aduziu que o julgado rescindendo ofendeu a coisa julgada, uma vez que no processo autuado sob n.º 0007696-79.2011.4.03.6112 foi julgado improcedente o pedido, por ausência de incapacidade laborativa, com ocorrência do trânsito em julgado anteriormente ao ajuizamento da demanda subjacente.

Sustentou, ainda, erro de fato decorrente da não observância da perda da qualidade de segurado, ocorrida após a cessação do auxílio-doença percebido até 21.07.2011.

Por fim, aduziu violação à literal disposição dos artigos 141 e 492 do CPC, pois, segundo alegado, teria sido fixada a data de início do benefício (22.07.2011) em desconformidade com o pedido, que se reportaria ao requerimento administrativo protocolado em 04.03.2013.

Consta decisão (ID 90285819) que reconheceu a observância do prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória e deferiu a tutela provisória de urgência para determinar a suspensão da execução, inclusive quanto ao pagamento da renda mensal do benefício.

O réu, previamente à citação, juntou procuração e declaração de hipossuficiência (ID 106246702) e o autor requereu a decretação da revelia (ID 109027065).

No despacho ID 116941553 foi determinada a citação do réu, considerando-se que a mera juntada de procuração, sem poder específico para receber citação, não implica, necessariamente, a caracterização do comparecimento espontâneo do réu; bem como, tendo em vista a juntada de procuração sem especificação de poderes para recebimento de citação e a inexistência de prática de atos de defesa.

Citado (ID 123495817), o réu não apresentou contestação.

No despacho ID 131993164, foi declarada a revelia, deixando-se de aplicar ao réu revel os efeitos do artigo 344 do CPC, bem como foram deferidos os benefícios da gratuidade de justiça.

O Ministério Público Federal, não vislumbrando interesse público que justificasse sua intervenção, manifestou-se pelo regular processamento do feito (ID 132290547).

Incluso o feito na pauta de julgamento da sessão de 23.07.2020, vieram aos autos notícia (ID 137418707) do falecimento do réu, tendo sido determinada (ID 137493800) sua retirada da pauta e a suspensão da tramitação para aditamento da inicial.

A autarquia requereu (ID 138225880) a alteração do polo passivo, a fim de constar a sucessora o falecido, sua viúva Maria Aparecida Carvalho de Souza.

Recebido o aditamento à inicial, foi determinado o levantamento do sobrestamento do feito e, “tendo em vista que o óbito do réu ocorreu após o ajuizamento da demanda, porém, anteriormente à diligência citatória por carta ID 123495817”, foi decretada a nulidade da citação, determinando-se a citação da sucessora (ID 138723687).

Em comparecimento espontâneo (ID 143001308), a sucessora pugnou pela improcedência da demanda.

Foram deferidos à ré os benefícios da gratuidade de justiça (ID 143191749).

O Ministério Público Federal reiterou (ID 143799968) seu parecer anterior.

É o relatório.

 


AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5022360-52.2019.4.03.0000

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

SUCEDIDO: JUCIMAR OSMUNDO DE SOUZA
REU: MARIA APARECIDA CARVALHO DE SOUZA

Advogado do(a) SUCEDIDO: REINALVO FRANCISCO DOS SANTOS - SP237726-N
Advogado do(a) REU: REINALVO FRANCISCO DOS SANTOS - SP237726-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O   V I S T A

 

 

        

O Senhor Desembargador Federal Sérgio Nascimento:

O INSS ajuizou a presente ação rescisória com fulcro no artigo 966, incisos IV, V e VIII, do Código de Processo Civil, visando a desconstituição de acórdão, com o fito de que fosse julgado improcedente o pleito formulado na ação subjacente para concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença.

         O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Delgado, em seu brilhante voto, houve por bem julgar procedente o pedido formulado na presente rescisória, por entender que, no âmbito do i

udicium rescindens

, verificou-se “..a ocorrência de coisa julgada material relativamente à inexistência de incapacidade laborativa anterior a 15.10.2013, quando transitado em julgado o provimento judicial proferido na demanda paradigma.”.

          Prossegue o i. Relator que em relação ao

iudicium rescisorium

, assinalando que “..desde a cessação do benefício (em 2011) o autor somente retomou contribuições ao RGPS no ano de 2016, quando há muito ocorrida a perda da qualidade de segurado, sendo que o início das contribuições (primeiro recolhimento em março/2016, relativo à competência fevereiro/2016) coincide, inclusive, com a data da biópsia de língua (em 15.02.2016), quando confirmada a recidiva..”. Conclui, assim, “...que o reingresso ao sistema se deu após o agravamento de moléstia, isto é, depois de instalada a incapacidade laborativa, situação impeditiva da concessão do benefício na forma do artigo 42, § 2º, da Lei n.º 8.213/91..”.

        De início, compartilho com o entendimento esposado pelo d. Relator quanto à ocorrência dos efeitos positivos da coisa julgada, que não impedem a esta Seção Julgadora a apreciação do mérito da causa, todavia vinculam o já decidido em processo anterior, de modo que não cabe nova discussão acerca do alegado direito do ora réu ao benefício por incapacidade anteriormente à data do trânsito em julgado no primeiro feito (15.10.2013).

        Por outro lado, no que concerne ao iudicium rescisorium, cumpre fazer algumas considerações, que passo a expor.

       Os documentos médicos trazidos aos autos (id. 90098437 – pág. 33/47), produzidos após o trânsito em julgado do primeiro feito (12/2013) e anterior ao reingresso do ora réu ao sistema previdenciário (02/2016), não indicavam qualquer anomalia a demonstrar a recidiva do câncer de língua que o acometera em 2009, cabendo destacar a conclusão inserta no laudo id. 90098437 – pág. 34, no sentido de que “...Não observamos áreas de realce anômalos após a injeção do meio de contraste iodado na região da cavidade oral inferior e também sinais de remanescente/recidiva tumoral no presente exame..”, não havendo que se falar em incapacidade para o labor.

      Por outro lado, é certo que a biópsia da língua realizada em 15.02.2016 (id. 90098440 – pág. 01), que detectou a recidiva da neoplasia, pode ter motivado a refiliação do ora réu ao sistema previdenciário, tendo em vista a coincidência de datas (fez pagamento em março de 2016 referente à competência de fevereiro de 2016), contudo não há como concluir pela existência incapacidade para o labor no aludido momento.

     Aliás, mesmo após 01 (um) ano de seu reingresso ao RGPS, o quadro de saúde do ora réu ainda suscitava dúvidas quanto à sua capacidade para o labor, a ponto de o primeiro laudo pericial da ação subjacente, datado de 06.02.2017 (id. 90098441 – pág. 01/06), concluir pela inexistência de incapacidade para o trabalho. Por seu turno, o segundo laudo pericial da ação subjacente, datado de 28.09.2017 (id. 90098441 – págs. 30/36), foi categórico quanto à ausência de capacidade para o trabalho, a evidenciar que a evolução da doença havia se intensificado muito entre o primeiro e o segundo laudos.

     Portanto, sopesando as provas constantes dos autos e considerando o disposto no art. 479 do CPC, penso que a incapacidade total e permanente do ora réu somente restou comprovada a contar da elaboração do segundo laudo pericial, não havendo qualquer elemento que autorizasse o estabelecimento do início da referida incapacidade em momento anterior.

    De outra parte, o que buscou o legislador, ao editar o §2º do art. 42 da Lei n. 8.213/91, foi evitar que o segurado, já acometido de doença que lhe causava incapacidade, se filiasse ao RGPS, ressalvando, contudo, o direito daquele que, embora padecesse de enfermidade anteriormente à  filiação ao RGPS, viesse a ser tornar incapacitado para o labor posteriormente, em razão do agravamento dessa mesma enfermidade, caso dos autos.

     Assim sendo, caracterizada a hipótese de agravamento mais de um ano após a refiliação e não havendo controvérsia quanto à incapacidade total e permanente do ora réu, bem como em relação ao cumprimento da respectiva carência, é de se conceder o benefício de aposentadoria por invalidez, nos termos do art. 42, caput, da Lei n. 8.213/91.

     O valor do benefício deve ser apurado nos termos do art. 44 da Lei n. 8.213/91.

     O termo inicial deve ser fixado na data do segundo laudo pericial (28.09.2017), dado que na data da citação (14.04.2016) o ora réu não se encontrava incapacitado para o labor.

    O fato de o ora réu contar com o recolhimento de contribuições posteriormente ao termo inicial do benefício (de 10/2017 a 11/2017, no valor de um salário mínimo) não impede a implantação da benesse, pois muitas vezes, o segurado o faz tão somente para manter tal condição perante a Previdência Social (RESPs. 1786590/SP e 1788700/SP).

    A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência, observando-se as teses firmadas pelo E. STF no julgamento do RE 870.947. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de poupança a partir de 30.06.2009, contados de 45 (quarenta e cinco) dias após a publicação do presente acórdão.

    Registre-se que o e. STF, em sessão realizada em 03.10.2019, rejeitou todos os embargos de declaração opostos contra a decisão acima reportada, bem como decidiu não modular seus efeitos, tendo se verificado o trânsito em julgado em 03.03.2020

   Os honorários advocatícios devem ser fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), em obediência aos parâmetros estabelecidos no art. 85, §2º, do CPC.

   Diante do exposto,

acompanho o i. Relator no

iudicium rescindens e

julgo procedente o pedido deduzido na presente ação rescisória

, para desconstituir o v. acórdão rescindendo, todavia, com a devida vênia,

divirjo no

iudicium rescisorium e julgo parcialmente procedente

o pedido formulado na ação subjacente

, para condenar o INSS a pagar à sucessora do ora réu, a Sra. Maria Aparecida Carvalho de Souza, o benefício de aposentadoria por invalidez, no valor a ser apurado segundo os termos do art. 44 da Lei n. 8.213/91, a partir da data do segundo laudo pericial (28.09.2017) até a data de seu óbito (15.12.2019). Verbas acessórias e honorários advocatícios na forma acima explicitada. Os valores recebidos por força de tutela antecipada concedida nos autos subjacentes deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.

        É como voto.

 

 

 

 


AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5022360-52.2019.4.03.0000

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

REU: JUCIMAR OSMUNDO DE SOUZA

Advogado do(a) REU: REINALVO FRANCISCO DOS SANTOS - SP237726-N

V O T O

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

O autor fundamenta a ação rescisória no artigo 966, IV, V e VIII, do CPC/2015, sob a alegação de (i) ofensa à coisa julgada, uma vez que no processo autuado sob n.º 0007696-79.2011.4.03.6112 foi julgado improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, por ausência de incapacidade laborativa, com ocorrência do trânsito em julgado anteriormente ao ajuizamento da demanda subjacente; (ii) erro de fato decorrente da não observância da perda da qualidade de segurado, ocorrida após a cessação do auxílio-doença percebido até 21.07.2011; e, (iii) violação à literal disposição dos artigos 141 e 492 do CPC, pois, segundo alegado, teria sido fixada a data de início do benefício (22.07.2011) em desconformidade com o pedido, que se reportaria ao requerimento administrativo protocolado em 04.03.2013.

Na demanda paradigma (processo autuado sob n.º 0007696-79.2011.4.03.6112), ajuizada em 10.10.2011, Jucimar Osmundo de Souza postulou (ID 90098444, p. 3-156) o restabelecimento do auxílio-doença cessado em julho de 2011 e sua conversão em aposentadoria por invalidez, alegando estar acometido de neoplasia maligna de língua.

Para comprovação da incapacidade laborativa, juntou:

1) atestados de acompanhamento ambulatorial, datados de 14.04.2011 18.08.2011, 15.09.2011 (p. 28-30);

2) atestado de preparo pré-operatório, datado de 24.09.2009 (p. 31);

3) exame histopatológico realizado em 11.09.2009 (p. 32).

Realizada perícia médica (ID p. 50-54), em 16.08.2012, o perito judicial informou que o autor é portador de neoplasia maligna de língua "não incapacitante no momento, operado de câncer de língua e radioterapia, atualmente em controle ambulatorial sem medicação".

O autor impugnou o laudo realizado por médico não especializado em oncologia (p. 69-77), tendo sido indeferido o pleito de realização de nova perícia (p. 78-79). Não houve interposição de recurso (p. 82).

Em 1ª Instância, o pleito foi julgado improcedente (ID p. 84-88):

[...] Acerca da incapacidade, o laudo de fls. 47/51 informa que o demandante "ERA PORTADOR DE CA DE LÍNGUA, FOI OPERADO E FEZ RADIOTERAPIA E ATUALMENTE ENCONTRA-SE HÍGIDO, NÃO INCAPACITADO PARA O TRABALHO" (grifos originais), conforme resposta conferida ao quesito 01 do INSS, fl. 50.

As demais respostas aos quesitos levam ao mesmo entendimento, registrando ausência de incapacidade atual para a atividade habitual do Autor.

E conforme resposta conferida ao quesito 12 do Juízo (fl. 49), houve incapacidade apenas no período de 18.09.2009 a 18.07.2011. O período coincide com a concessão do benefício auxílio-doença NB 537.611.683-9 na esfera administrativa, conforme consulta ao CNIS.

Diga-se, ainda, que a documentação médica apresentada quando do ajuizamento da presente demanda é contemporânea ao período de gozo da citada benesse previdenciária.

Instada acerca do trabalho técnico, a parte autora apresentou manifestação às fls. 69/73, impugnando as conclusões do perito judicial e requerendo a realização de nova perícia por especialista. O pedido de realização de nova perícia foi indeferido.

No mais, não prosperam as impugnações lançadas pelo demandante.

O laudo é claro ao indicar a existência da patologia câncer de língua, (em momento anterior e sem recidiva), e que, atualmente, não determina incapacidade laborativa.

Também cumpre esclarecer que a parte autora não apresentou provas concretas, capazes de desconstituir a conclusão imparcial que emana da prova pericial em juízo produzida. A perícia médica baseou-se em exames e laudos apresentados pela parte autora, de forma que a expert pôde analisar a evolução da doença, além de terem sido realizados, por ocasião da prova técnica, todos os exames necessários.

É de conhecimento comum que muitas pessoas sofrem de doenças das mais variadas espécies e que desafiam tais quadros mórbidos com os tratamentos indicados por seus médicos assistentes. Também é certo que tais patologias, dependendo da gravidade, podem levar à incapacidade laborativa mesmo durante o tratamento. Assim, ninguém mais adequado que o perito médico do juízo para avaliar a gravidade da doença, que neste caso foi constatada como não-incapacitante. [...]”

Sem interposição de recurso pelas partes, foi certificado o trânsito em julgado ocorrido em 15.10.2013 (p. 92).

Em 08.03.2016 (ID 90098437, p. 1-13), Jucimar Osmundo de Souza ajuizou a demanda subjacente (processo autuado sob n.º 1000444-22.2016.8.26.0627; 0017561-61.2018.4.03.9999 neste Tribunal), postulando a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, “devidas desde o requerimento administrativo do benefício”, alegando estar acometida de neoplasia maligna de língua. Aduziu ter percebido auxílio-doença administrativamente, o qual teria sido cessado indevidamente, não havendo que se falar em perda da qualidade de segurado que deixou de verter contribuição em razão de incapacidade laborativa.

Para comprovação da incapacidade laborativa, juntou:

1) comunicação de decisão administrativa de indeferimento do requerimento, formulado em 04.03.2013, do benefício de amparo assistencial ao deficiente (ID 90098437, p. 17);

2) comunicações de decisões administrativas relativas ao auxílio-doença cessado em 2011 (ID 90098437, p. 18-25);

3) atestado médico, datado de 03.03.2016, informando “paciente com recidiva de Ca de língua, após 7 anos do primeiro tratamento” (ID 90098437, p. 27);

4) exames realizados em 2009 (ID 90098437, p. 28-29, ID 90098438, p. 42, 44-45, ID 90098440, p. 7-29) e 2011 (ID 90098437, p. 48-49, ID 90098438, p. 17, 46);

5) exame anátomo-patológico realizados em 15.02.2016 (ID 90098437, p. 30, ID 90098440, p. 1);

6) tomografia de pescoço, laringe e faringe, datada de 22.07.2015, informando “o exame foi comparado com o anterior realizado em nossos serviços do dia 17/01/2014 onde não observamos alterações significativas” (ID 90098437, p. 33-34, ID 90098440, p. 2-3);

7) ultrassom de cadeias linfonodais, datado de 23.06.2015, informando “não evidenciamos linfonodomegalias de aspectos patológicos nos planos estudados” (ID 90098437, p. 35, ID 90098440, p. 4);

8) exames de órgãos diversos e não relacionados à moléstia discutida (ID 90098437, p. 31-32, 36-37, ID 90098438, p. 17-32, 47-50, ID 90098439, p. 1-3, 49-50, ID 90098440, p. 5-6);

9) tomografia de pescoço, datada de 22.01.2015, “sem alterações significativas” (ID 90098437, p. 38);

10) atestado de acompanhamento ambulatorial, datado de 28.04.2015, informando “paciente submetido a cirurgia e radioterapia em 2010 em acompanhamento desde então” (ID 90098438, p. 43)

11) atestado médico, datado de 28.04.2015, informando “submetido a cirurgia oncológica, encontra-se sintomático devido ao tratamento devendo ser afastado das atividades profissionais por tempo indeterminado” (ID 90098439, p. 44);

12) atestado médico, datado de 10.03.2016, informando “sem condições para trabalho por tempo indeterminado em programação de tratamento oncológico cirúrgico” (ID 90098439, p. 46);

13) ultrassom de órgãos estruturais superficiais, datado de 15.08.2014, indicando “linfonodos em números aumentados na cadeia jugulocarotídea à esquerda, predominantemente ao nível II, de dimensões normais” (ID 90098439, p. 48).

Realizada perícia por médico pediatra (ID 90098441, p. 1-6), em 06.02.2017, o perito judicial informou:

[...] atestados médicos afirmam que o autor apresenta recidiva de câncer de língua, realizou quimioterapia em 2016 e, atualmente, está em acompanhamento laboratorial [...] os sintomas iniciaram em 2009 e, após a primeira cirurgia (ressecção do câncer da língua) realizada em 2010, o autor foi submetido a radioterapia. Em 2016 ocorreu recidiva de lesão na língua sendo biopsiada e realizada quimioterapia. Atualmente, o requerente encontra-se em acompanhamento ambulatorial [...] A doença é temporária. [...] Em relatório médico, o Dr. Diogo Gonçalves Ribeiro, considerou a doença em estadio II – sem metástases e sem comprometimento nodular, realizou quimioterapia e, atualmente, está em acompanhamento ambulatorial. [...] Não foi constatada incapacidade laborativa no momento da realização da perícia”.

O autor impugnou o laudo realizado por médico não especializado em oncologia (ID 90098441, p. 1-15), juntando mais dois atestados médicos, datados de abril de 2017, informando que o autor está em acompanhamento ambulatorial “com sequelas pós terapêuticas em tratamento para reabilitação por tempo indeterminado” (p. 16) e “quimioterapia: 18/05/16 – início até 31/10/16” (p. 17).

Foi determinada a realização de nova perícia (ID 90098441, p. 18-19):

Fls. 213/217: Nada obstante o valoroso trabalho do médico do NGA, cujo laudo integrará o conjunto probatório até aqui produzido, é o caso de acolhimento da impugnação da parte requerente. Isto porque, realmente, a suposta patologia que acomete o requerente não pode ser diagnosticada por médico cuja especialidade é a pediatria conforme demonstrado no documento de fls. 213. [...]”

Realizada perícia por médico especializado em medicina do trabalho e medicina de tráfego (ID 90098441, p. 30-36), em 28.09.2017, o perito judicial limitou-se a responder os quesitos, sem maiores detalhes esclarecimentos ou justificativas, informando que o autor é portador de neoplasia maligna de língua desde 2009, apresentando incapacidade total e permanente, cuja data de início fixou em 17.11.2009.

Anexados ao laudo pericial, encontram-se exame anátomo-patológico datado de 20.04.2016 (p. 37), indicando a existência de “recidiva de carcinoma espinocelular da língua à direita” e atestado médico, emitido pelo Dr. Diogo Gonçalves Ribeiro em 20.09.2017 (p. 39), informando:

[...] com doença Neoplasia de língua CID 10: C02.9, Estadio clínico II, submetido a tratamento oncológico:

1. Glossectomia parcial direita com esvaziamento cervical direito no dia 17/11/2009;

2. Radioterapia 3D adjuvante no período de 18/01/2010 a 12/03/2010

3. Glossectomia parcial no dia 15/04/2017 devido a recidiva tumoral

4. Quimioterapia com cisplatina no período de 10/05/2016 a 31/10/2016

No momento encontra-se em seguimento ambulatorial com sequelas pós terapêuticas: xerestomia, dor em língua, disartria, disfagia leve, e parestesia de membro superior direito, devendo manter seguimento oncológico sem previsão de alta.”

O INSS impugnou o laudo realizado por médico não especializado em oncologia (ID 90098441, p. 49-50, 90098442, p. 1-12) e, sem apreciação do pleiteado, foi prolatada sentença na sequência, julgando procedente o pedido (90098442, p. 13-15), para conceder aposentadoria por invalidez desde a data da citação (em 14.04.2016 – ID 90098439, p.12).

Aduzindo inclusive cerceamento de defesa, a autarquia interpôs apelação (ID 90098442, p. 20-26).

Em 2º grau de jurisdição, foi negado provimento à apelação autárquica, dando-se provimento ao recurso adesivo da autora para concessão de auxílio-doença desde a cessação administrativa até a data de início da aposentadoria por invalidez, conforme acórdão unânime proferido pela 8ª Turma desta Corte (ID 90098443, p. 18-27), nos termos do voto da relatora Desembargadora Federal Tânia Marangoni, do qual destaco:

[...] O primeiro laudo afirma que o periciado é portador de câncer de língua, foi submetido a tratamento cirúrgico e radioterápico em 2010. Por conta de recidiva da lesão o requerente fez quimioterapia em 2016. Atualmente, encontra-se em acompanhamento ambulatorial. Conclui pela ausência de incapacidade laborativa no momento.

O segundo laudo atesta que o periciado é portador de neoplasia maligna da língua. Conclui pela existência de incapacidade total e permanente desde 17/11/2009.

Quanto ao laudo pericial, esclareça-se que cabe ao Magistrado, no uso do seu poder instrutório, deferir ou não, determinada prova, de acordo com a necessidade, para a formação do seu convencimento, nos termos do art. 130 do CPC.

Além do que, o perito que elaborou o segundo laudo foi claro ao afirmar que há incapacidade total e permanente para o labor.

Além disso, a jurisprudência tem admitido a nomeação de profissional médico não especializado, vez que a lei que regulamenta o exercício da medicina não estabelece qualquer restrição quanto ao diagnóstico de doenças e realização de perícias.

[...]

Ressalte-se que não há dúvida sobre a idoneidade do profissional indicado pelo Juízo a quo, apto a diagnosticar as enfermidades alegadas pelo autor, que atestou, após perícia médica, a incapacidade para o exercício de atividade laborativa, não havendo razão para a determinação de que seja realizada uma nova perícia.

No mais, o perito, na condição de auxiliar da Justiça, tem o dever de cumprir escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido. Exerce função de confiança do Juízo, sendo nomeado livremente para o exame, vistoria ou avaliação que dependam de conhecimento técnico do qual o Magistrado é desprovido.

Acrescente-se, ainda, que a Autarquia Federal não apresentou qualquer documento capaz de afastar a idoneidade ou a capacidade do profissional indicado para este mister.

Rejeito, portanto, as alegações, não havendo que se falar em cerceamento de defesa. [...]

Quanto à incapacidade, o segundo laudo pericial é claro ao descrever as patologias das quais a parte autora é portadora, concluindo pela incapacidade laborativa total e permanente.

[...]

Embora a Autarquia Federal alegue que a parte autora não está totalmente incapacitada para o trabalho, tendo em vista que permaneceu trabalhando após o surgimento da incapacidade, não se pode concluir deste modo, eis que o requerente não possui nenhuma outra fonte de renda para manter a sua sobrevivência, ficando assim compelido a laborar, ainda que não esteja em boas condições de saúde. [...]

Considerando, pois, que a parte autora manteve a qualidade de segurado até a data da propositura da ação e é portadora de doença que a incapacita de modo total e permanente para a atividade laborativa habitual, faz jus ao benefício de aposentadoria por invalidez.

O valor da renda mensal inicial da aposentadoria por invalidez, de acordo com o art. 44 da Lei nº 8.213/91, será correspondente a 100% do salário-de-benefício e, ainda, não poderá ter valor inferior a um salário mínimo.

Neste caso, o segundo perito atesta que o autor está incapacitado para o trabalho desde 17/11/2009, em razão de lesões sofridas após cirurgia, motivo pelo qual é possível conceder o benefício de auxílio-doença desde a cessação do benefício na via administrativa em 21/07/2011, já que o conjunto probatório revela a presença das enfermidades incapacitantes àquela época.

Esta E. Corte tem firmado entendimento no sentido de que o benefício é devido a partir do momento em que constatada a incapacidade para o trabalho. [...]

De outro lado, o termo final do benefício de auxílio-doença deve ser fixado em 13/04/2016, tendo em vista que a autor passou a ser beneficiário de aposentadoria por invalidez, a partir dessa data. [...]

Pelas razões expostas, nego provimento à apelação da Autarquia Federal e dou provimento ao recurso adesivo da parte autora, para conceder-lhe o benefício de auxílio-doença desde a cessação administrativa até a concessão da aposentadoria por invalidez.

Os benefícios são de auxílio-doença, com DIB em 22/07/2011 (data seguinte à cessação do benefício n.º 537.611.683-9) e DCB em 13/04/2016, e de aposentadoria por invalidez, com DIB em 14/04/2016 (data da citação), no valor a ser apurado nos termos do art. 44, da Lei 8.213/91. [...]" (grifo nosso)

Sem interposição de recurso pelas partes, foi certificado o trânsito em julgado ocorrido em 24.10.2018 (ID 90098443, p. 29).

Dada à prejudicialidade em relação às demais alegações, passo à análise da suposta ofensa à coisa julgada.

Na forma dos artigos 301, § 1º, do CPC/1973 e 337, § 1º, do CPC/2015, verifica-se coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.

Assim, para que se reconheça violação à coisa julgada hábil à rescisão do julgado no processo subjacente é necessária a existência de tríplice identidade, isto é, tanto aquele como o processo paradigma devem contar com os mesmos pedido, causa de pedir e partes. Confira-se:

"AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VIOLAÇÃO LITERAL DE DISPOSITIVO DE LEI. OFENSA À COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO. INTERPRETAÇÃO INCOMPATÍVEL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. INAPLICABILIDADE. SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO ANTES DA EDIÇÃO DA MP N. 2.180-35/2001. [...] 6. É cediço que a ofensa à coisa julgada pressupõe a tríplice identidade entre ações, ou seja, duas demandas envolvendo as mesmas partes, causa de pedir e pedidos. Nesse contexto, para se rescindir julgado com fundamento no art. 485, IV, do Código de Processo Civil, as ações devem apresentar a tríplice identidade, o que não ocorre na presente hipótese, notadamente por se tratar de ação direta de inconstitucionalidade. [...]" (STJ, 3ª Seção, AR 4457, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 28.05.2014)

"PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. ÍNDICE DE REAJUSTE. IRSM. ADVENTO DA LEI N° 8.880/94. OFENSA À COISA JULGADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. VIOLAÇÃO À LEI. CONSTATAÇÃO. RESCISÓRIA PROCEDENTE. IUDICIUM RESCISSORIUM. REAJUSTE. CRITÉRIO REVOGADO. IMPROCEDÊNCIA. 1 - Conforme dispõem os parágrafos 1º ao 3º do art. 301 do CPC, sempre que se reproduz ação anteriormente ajuizada, com tríplice identidade, ou seja, com as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, ocorre litispendência ou ofensa à coisa julgada, cabendo, para a configuração de um ou outro fenômeno, investigar o momento em que a ação se torna repetida. Hipótese não verificada no caso dos autos, quanto à questão debatida. [...]" (TRF3, 3ª Seção, AR 00211316520074030000, relator Desembargador Federal Nelson Bernardes, DJe 25.09.2013)

Em ambas as demandas Jucimar Osmundo de Souza postulou a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez desde a data da cessação, em 21.07.2011, do auxílio-doença concedido administrativamente, com fundamento na mesma moléstia incapacitante, qual seja, neoplasia maligna de língua.

A primeira demanda foi julgada improcedente por ausência de incapacidade laborativa.

Observa-se que, diagnosticado o câncer em 2009, o autor, no mesmo ano, foi submetido a tratamento cirúrgico e, no primeiro trimestre do ano de 2010, à radioterapia, sendo que na data da realização do exame pericial, em 2012, o autor não apresentava incapacidade laborativa, embora mantivesse acompanhamento ambulatorial da moléstia.

Após o trânsito em julgado da demanda paradigma (em 2013), o autor somente voltou a requerer administrativamente a concessão de auxílio-doença, em 27.04.2015 (31/610.303.606-6 – ID 90098445, p. 108), vindo a ajuizar a demanda subjacente em 08.03.2016.

Foram realizadas duas perícias, ambas por médicos não especializados em oncologia, sendo que na primeira (data de 06.02.2017), o perito judicial, em laudo bastando detalhado e calcado nos atestados e exames médicos apresentados, concluiu pela inexistência de incapacidade laborativa após a recidiva da doença; já na segunda (de 28.09.2017), sem qualquer explanação sobre as conclusões adotadas, entendeu o perito judicial pela existência de incapacidade laborativa total e permanente desde 17.11.2009.

Registra-se que todos os exames e atestados médicos demonstram que somente em 2016 houve recidiva, tendo sido realizados novos tratamentos em 2016, com quimioterapia, e em 2017, com cirurgia.

Registra-se que a segunda perícia foi realizada, exclusivamente, sob o fundamento de que o médico perito não era especialista em oncologia, contudo, e causando certa estranheza, o segundo perito nomeado também não era especializado em oncologia.

O julgado rescindendo adotou integralmente as conclusões do segundo médico perito, não tendo sido aventadas quaisquer considerações sobre a primeira perícia ou sobre a vasta documentação médica constante dos autos, concedendo-se o benefício desde a cessação administrativa ocorrida em 2011.

Como é cediço, a coisa julgada material é dotada de eficácia/autoridade, que a torna imutável e indiscutível (artigos 467 do CPC/1973 e 502 do CPC/2015), impedindo qualquer juízo de julgar novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide (artigos 471 do CPC/1973 e 505 do CPC/2015).

O instituto da coisa julgada material visa, não apenas impedir a propositura de ações idênticas (com mesmas partes, causa de pedir e pedido, a teor dos artigos 301, §§ 1° e 2°, do CPC/1973 e 337, §§ 1º e 2º, do CPC/2015), mas também, em atenção à garantia da segurança jurídica, impedir o ajuizamento de novas ações que, por meios oblíquos, objetivem infirmar o provimento jurisdicional obtido anteriormente. Por essa razão, a coisa julgada tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas (artigos 468 do CPC/1973 e 503 do CPC/2015), restando preclusas todas as alegações e defesas que a parte poderia ter levantado para o acolhimento ou rejeição do pedido (artigos 474 do CPC/1973 e 508 do CPC/2015).

Neste sentido, cito os seguintes precedentes:

PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. SÚMULA 284/STF. PRECLUSÃO PRO JUDICATO. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA. (...) 4. O art. 468 do Código de Processo Civil explicita que a sentença tem força de lei, ou seja, faz coisa julgada, nos limites da lide e das questões decididas, o que impede a propositura de ação idêntica, com as mesmas partes, causa de pedir e pedido. 5. Já o art. 474 do CPC dispõe sobre a impossibilidade de se rediscutir não apenas as questões que tenham sido explicitamente decididas no dispositivo, porquanto expressamente alegadas pelas partes, mas também aquelas que poderiam ser alegadas e não o foram. 6. Da interpretação desses dispositivos, extrai-se o óbice para a propositura de ação idêntica, rediscussão de pontos já decididos na sentença e alegação de fatos novos não aduzidos por desídia da parte. (...)” (STJ, 2ª Turma, REsp 861270, relator Ministro Castro Meira, DJ 16.10.2006)

PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. REPETIÇÃO DA AÇÃO. COISA JULGADA. (...) 5. Conforme cediço na doutrina: A preclusão veda a rediscussão da causa noutro processo idêntico - isto é, com identidade dos elementos de identificação das ações (sujeito, pedido e causa petendi) - ou noutra demanda onde se vise, por via oblíqua, a infirmar o resultado a que se chegou no processo anterior. É a denominada eficácia preclusiva da coisa julgada retratada pelo art. 474 do Código de Processo Civil e consubstanciada na máxima tantum judicatum quantum disputatum vel quantum disputari debebat. Em regra a preclusão é incondicionada: opera-se objetivamente, independente do resultado do processo. Assim é que a eventual discussão incompleta da causa não influi no grau de imutabilidade do julgado, tanto mais que o compromisso da coisa julgada é com a estabilidade social e não com a justiça da decisão ou sua compatibilidade com a realidade, porque esta não se modifica pela sentença. A realidade é a realidade. O juízo é de veracidade ou de verossimilhança, conforme a coincidência do que se repassou para o processo em confronto com a vida fenomênica (Luiz Fux, Curso de Direito Processual Civil, 3ª ed., p. 252). (...)” (STJ, 1ª Turma, REsp 915907, relator Ministro Luiz Fux, DJe 06.10.2009)

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL A TÍTULO DE SEGURO ACIDENTE DE TRABALHO - SAT. IMPETRAÇÃO PRÉVIA DE MANDADO DE SEGURANÇA. COISA JULGADA MATERIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 289, 469 E 535 DO CPC E 15 DA LEI 1.533/51 E DA SÚMULA 304 DO STF. INOCORRÊNCIA. 1. A coisa julgada material perfaz-se no writ quando o mérito referente à própria existência do direito (art. 16 da Lei 1.533/51) resta apreciado, por isso que a ação declaratória que repete a pretensão deduzida em mandado de segurança já transitado em julgado, nessa tese, deve ser extinta, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, V do CPC. 2. É que ‘em mandado de segurança, se a sentença denegatória apreciou o mérito da causa, há coisa julgada sobre a matéria, não podendo, no caso, a mesma questão ser reapreciada em ação de repetição de indébito’ (REsp. 308.800/RS, DJU 25.06.01). 3. Deveras, um dos meios de defesa da coisa julgada é a eficácia preclusiva prevista no art. 474, do CPC, de sorte que, ainda que outro o rótulo da ação, veda-se-lhe o prosseguimento ao pálio da coisa julgada, se ela visa infirmar o resultado a que se alcançou na ação anterior. 4. Consectariamente, por força desses princípios depreendidos das normas e da ratio essendi das mesmas é possível afirmar-se que há litispendência quando duas ou mais ações conduzem ao "mesmo resultado"; por isso: electa una via altera non datur. (...)” (STJ, 1ª Turma, REsp 842838, relator Ministro Luiz Fux, DJe 19.02.2009)

PROCESSUAL CIVIL. COISA JULGADA. CONFIGURAÇÃO. REPRODUÇÃO DE AÇÃO REVOCATÓRIA JÁ JULGADA. CAUSA DE PEDIR. FATOS NARRADOS. CONSEQUÊNCIA JURÍDICA. IDENTIDADE. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA. PRECEDENTES. 1. Segundo o sistema processual vigente, verifica-se a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada, já decidida por sentença, de que não caiba recurso (art. 301, §1º e §3º, in fine, do CPC). Um ação será idêntica à outra quanto tiver as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido (art. 301, §2º, do CPC). 2. A diversidade de fundamento legal invocado pelas partes ou a alteração na qualificação jurídica dos fatos narrados não são determinantes para afastar a identidade entre as ações. Tais fatores não integram a causa de pedir, nem vinculam o magistrado, por força dos princípios iura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus. Precedentes. 3. A nossa legislação processual adotou a teoria da substanciação, segundo a qual são os fatos narrados na petição inicial que delimitam a causa de pedir. 4. Concretamente, da leitura dos autos, extrai-se que, em ambas as ações, foi relatado o mesmo fato (...) Também constata-se que, em ambos os casos, buscou-se a mesma consequência jurídica: (...) Nesse contexto, era defeso à parte, que não obteve êxito na primeira demanda, renovar a pretensão, narrando os mesmos fatos e visando às mesmas consequências, apenas sob diferente qualificação jurídica (...). 5. ‘Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido’ (art. 474 do CPC). (...)” (STJ, 3ª Turma, REsp 1009057, relator Desembargador convocado Vasco Della Giustina, DJe 17.05.2010)

Afigura-se-me a ocorrência de coisa julgada material relativamente à inexistência de incapacidade laborativa anterior a 15.10.2013, quando transitado em julgado o provimento judicial proferido na demanda paradigma.

Assim, ao fixar a data de início do benefício em 2011, o julgado rescindendo ofendeu a função positiva da referida coisa julgada material.

Em

iudicium rescindens

, portanto, imperativa a procedência da presente rescisória em decorrência da ofensa à coisa julgada material formada no processo autuado sob n.º 0007696-79.2011.4.03.6112.

Dada a possibilidade, se atendidos os requisitos legais, da concessão do benefício posteriormente a 2013, passo à análise de mérito, em

iudicium rescisorium

.

A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.

Preconiza a Lei n.º 8.213/91 (LBPS), nos artigos 42 a 47, que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.

Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da

legis

).

Independe de carência a concessão dos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no artigo 151 da Lei n.º 8.213/91.

Cumpre salientar que a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o deferimento dos benefícios se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da moléstia.

Ademais, é necessário para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, nos termos do art. 15 da Lei, a saber:

Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;

II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;

III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;

IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;

V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;

VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.”

Em relação à incapacidade laborativa, reitera-se o quanto supramencionado, no sentido de que a farta documentação dos autos revela que, diagnosticada neoplasia maligna de língua em 2009, o autor, no mesmo ano, foi submetido a tratamento cirúrgico e, no primeiro trimestre do ano de 2010, à radioterapia.

O autor percebeu auxílio-doença previdenciária até julho de 2011, quando constada a cessação da situação de incapacidade laborativa.

Exame pericial realizado em 2012 corroborou a inexistência de incapacidade laborativa, embora mantivesse o autor acompanhamento ambulatorial da moléstia, resultando na formação de coisa julgada material relativa à improcedência do pleito para concessão do benefício previdenciário desde a cessação administrativa.

Após o trânsito em julgado da demanda paradigma (em 2013), o autor manteve acompanhamento ambulatorial realizando diversos exames, os quais, ao menos até o primeiro semestre de 2015, não apresentavam alterações significativas de seu estado de saúde, conforme se verificam nos atestados médicos da época, assim como, tomografias de pescoço, laringe e faringe, ultrassom de órgãos estruturais superficiais e ultrassom de cadeias linfonodais.

Registra-se constar atestado médico, datado de 28.04.2015, informando que, naquele momento, o autor se apresentava sintomático devido ao tratamento, sendo necessário o afastamento das atividades laborativas.

O autor requereu, em 27.04.2015, a concessão administrativa de auxílio-doença, o que restou indeferido.

No início de 2016, confirmou-se a recidiva, conforme atestados médicos da época e exame anátomo-patológico, tendo o autor ajuizado a demanda subjacente em 08.03.2016.

Entre maio e outubro de 2016 o autor foi submetido a tratamento quimioterápico e, em abril de 2017, foi realizada cirurgia, com glassectomia parcial, seguindo com acompanhamento oncológico desde então.

Foram realizadas duas perícias, ambas por médicos não especializados em oncologia, sendo que na primeira (data de 06.02.2017), o perito judicial, em laudo bastando detalhado e calcado nos atestados e exames médicos apresentados, concluiu pela inexistência de incapacidade laborativa após a recidiva da doença; já na segunda (de 28.09.2017), sem qualquer explanação sobre as conclusões adotadas, entendeu o perito judicial pela existência de incapacidade laborativa total e permanente desde 17.11.2009.

Ressalto que, da mesma forma que o juízo não está adstrito ao laudo pericial, ante o princípio do livre convencimento motivado e o disposto nos artigos 436 do CPC/1973 e 479 do CPC/2015, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto.

Outrossim, na avaliação do quadro de incapacidade de laborativa, além das conclusões médicas, é cabível a análise do contexto socioeconômico e do histórico laboral do segurado.

Nessa senda, cumpre transcrever o enunciado da Súmula 47, da TNU - Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais:

"Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão do de aposentadoria por invalidez".

Corroborado pela jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. REEXAME. PROVA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. 1. Segundo a jurisprudência deste Colegiado, é possível a verificação do contexto socioeconômico do segurado com a finalidade de concessão da aposentadoria por invalidez sem ofensa à norma do art. 42 da Lei de Benefícios. 2. A inversão do decidido pelas instâncias ordinária demanda o revolvimento do contexto fático dos autos e desafia a Súmula n. 7/STJ. Precedente da egrégia Terceira Seção. 3. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no Ag: 1270388 PR 2010/0010566-9, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 29/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2010)"

Pois bem, em que pese os resultados conflitantes dos exames periciais realizados no ano de 2017, a documentação médica nos autos é farta e suficiente para elucidar as questões controvertidas.

Em que pese o cuidado e detalhe na apreciação da documentação médica, afasto a conclusão de inexistência de incapacidade laborativa sustentada pelo primeiro médico perito.

Nascido em 15.11.1964, portanto já com mais de cinquenta anos, na data dos exames periciais realizados na demanda subjacente, o autor é portador de neoplasia maligna, com recidiva, já submetido a tratamentos radioterápicos, quimioterápicos e cirúrgicos, inclusive com glassectomia parcial.

O último relato oncológico, datado de setembro de 2017, informa que o autor apresenta sequelas pós terapêuticas: xerestomia, dor em língua, disartria, disfagia leve, e parestesia de membro superior direito.

A possibilidade de sua recolocação no mercado de trabalho não é factível, resultante de premissa fundada em máximas de experiência, subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (artigo 375 do CPC).

Não tenho dúvida, pois, quanto à situação de incapacidade laborativa, total e permanente, iniciada a partir da recidiva.

Quanto à data de início dessa incapacidade, tampouco há como aceitar a conclusão do segundo médico perito, que considero simplista, ao fixá-la em 2009. Ora, sem tecer qualquer forma de justificativa, o perito se limitou a fixar o início da incapacidade laborativa no momento em que diagnosticada a neoplasia maligna. Tal assertiva é díspar, não apenas quanto ao verificado em demanda judicial precedente transitada em julgado, mas, principalmente, da documentação médica que demonstra um hiato entre o encerramento do primeiro tratamento radioterápico (2010) e a recidiva (confirmada em 2016), no qual não se mostrou alterações significativas quanto ao estado de saúde do autor e, por consequência, de sua capacidade laborativa.

Segundo os documentos médicos a partir de abril de 2015 o autor começou a apresentar piora no seu quadro, tendo sido comprovada a recidiva no início de 2016, lapso temporal em que considero iniciada a atual situação de incapacidade laborativa, decorrente de agravamento da moléstia que o acometeu em 2009.

Resta, portanto, verificar se, à época do agravamento, o autor ainda contava com a qualidade de segurado.

Conforme constante de seu histórico laborativo (ID 90098445, p. 100-109), o autor manteve vínculos empregatícios esparsos, entre 1985 e 1988, 1998 e 1999, 2008 e 2009.

Findo o último vínculo empregatício, em 10.07.2009, o autor percebeu auxílio-doença entre 2009 e 2011 e somente voltou a contribuir para o RGPS a partir de fevereiro de 2016, na qualidade de contribuinte individual.

Tem-se, portanto, que desde a cessação do benefício (em 2011) o autor somente retomou contribuições ao RGPS no ano de 2016, quando há muito ocorrida a perda da qualidade de segurado, sendo que o início das contribuições (primeiro recolhimento em março/2016, relativo à competência fevereiro/2016) coincide, inclusive, com a data da biópsia de língua (em 15.02.2016), quando confirmada a recidiva.

Verifica-se, assim, que o reingresso ao sistema se deu após o agravamento de moléstia, isto é, depois de instalada a incapacidade laborativa, situação impeditiva da concessão do benefício na forma do artigo 42, § 2º, da Lei n.º 8.213/91.

Por fim, em que pese entendimento pessoal deste Relator, curvo-me à orientação firmada nesta 3ª Seção no sentido de que é indevida a devolução dos valores recebidos a maior pelo segurado em decorrência do cumprimento de provimento judicial transitado em julgado, ora rescindido, desde que não caracterizada má-fé:

"AÇÃO RESCISÓRIA. DESAPOSENTAÇÃO . JUSTIÇA GRATUITA REQUERIDA EM CONTESTAÇÃO DEFERIDA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. PEDIDO DE SOBRESTAMENTO. SÚMULA n. 343 DO E. STF. CARÊNCIA DA AÇÃO. NÃO ACOLHIDOS. RENÚNCIA DE APOSENTADORIA PARA OBTENÇÃO DE OUTRA MAIS BENÉFICA, COM O CÔMPUTO DAS CONTRIBUIÇÕES VERTIDAS APÓS O JUBILAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DE LEI. OCORRÊNCIA. RESTITUIÇÃO DE VALORES INDEVIDA. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. [...] Rejeitado o pleito de restituição dos valores pagos em decorrência do julgado rescindido, em virtude da natureza alimentar de que se revestem, do recebimento em boa-fé e também porque resguardados por decisão judicial com trânsito em julgado. Precedentes desta Corte. [...]" (TRF3, 3ª Seção, AR 00054253220134030000, relator Juiz Federal convocado Rodrigo Zacharias, votação unânime, DJe 10.03.2017)

Ante o exposto, em

iudicium rescindens

, com fundamento no artigo 966, IV, do CPC/2015,

julgo procedente a presente ação rescisória

para desconstituir o julgado na ação subjacente; e, em

iudicium rescisorium

, nos termos do artigo 487, I, do CPC/2015,

julgo improcedente o pedido formulado na ação subjacente

, sem condenação na devolução de valores recebidos por força do cumprimento do julgado ora rescindido.

Comunique-se o juízo da execução.

Custas na forma da lei.

Condeno a parte ré no pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento), devidamente atualizado e acrescido de juros de mora, conforme estabelecido do Manual de Cálculos e Procedimentos para as dívidas civis, até sua efetiva requisição (juros) e pagamento (correção), conforme prescrevem os §§ 2º, 4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC. A exigibilidade das verbas honorárias devidas ficará suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no artigo 98, § 3º, do CPC.

É como voto.


E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. COISA JULGADA. EFEITOS POSITIVOS. AGRAVAMENTO DA ENFERMIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 42, §2º, DA LEI N. 8.213/91. VALOR DO BENEFÍCIO. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

I - O fenômeno da coisa julgada se caracteriza pela existência, entre duas causas, da tríplice identidade de partes, pedido e causa de pedir, sendo que uma das causas encontra-se definitivamente julgada, em face do esgotamento dos recursos possíveis.

II – Na demanda paradigma (processo autuado sob n.º 0007696-79.2011.4.03.6112), ajuizada em 10.10.2011, o então autor postulou o restabelecimento do auxílio-doença cessado em julho de 2011 e sua conversão em aposentadoria por invalidez (pedido), com fundamento no fato de que se encontrava incapacitado para o trabalho (câncer na língua), tendo sido proferida sentença de improcedência, com trânsito em julgado em 15.10.2013. Por seu turno, na ação subjacente, datada de 08.03.2016, o então autor postulou a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, “devidas desde o requerimento administrativo do benefício”, com fundamento no fato de que se encontrava incapacitado para o trabalho (câncer na língua), tendo sido proferido acórdão que reconheceu seu direito, com trânsito em julgado em 24.10.2018.

III – A despeito das ações não serem idênticas, tendo em vista o transcurso do tempo entre o trânsito em julgado da demanda paradigma (15.10.2013) e o ajuizamento da ação subjacente (08.03.2016), a caracterizar causa de pedir diversa em face da alteração da situação fática, é de se ressaltar a ocorrência dos efeitos positivos da coisa julgada, no sentido de que deve ser observado o já decidido em processo anterior, de modo que não cabe nova discussão acerca do alegado direito do ora réu ao benefício por incapacidade anteriormente à data do trânsito em julgado no primeiro feito (15.10.2013). Nesse passo, impõe-se a desconstituição do julgado, que reconheceu o direito do ora réu ao benefício por incapacidade com DIB em 22.07.2011.

IV – No âmbito do iudicium rescisorium, é de se ponderar que os documentos médicos trazidos aos autos, produzidos após o trânsito em julgado do primeiro feito (12/2013) e anterior ao reingresso do ora réu ao sistema previdenciário (02/2016), não indicavam qualquer anomalia a demonstrar a recidiva do câncer de língua que o acometera em 2009, cabendo destacar a conclusão inserta no laudo, no sentido de que “...Não observamos áreas de realce anômalos após a injeção do meio de contraste iodado na região da cavidade oral inferior e também sinais de remanescente/recidiva tumoral no presente exame..”, não havendo que se falar em incapacidade para o labor.

V - É certo que a biópsia da língua realizada em 15.02.2016, que detectou a recidiva da neoplasia, pode ter motivado a refiliação do ora réu ao sistema previdenciário, tendo em vista a coincidência de datas (fez pagamento em março de 2016 referente à competência de fevereiro de 2016), contudo não há como concluir pela existência de incapacidade para o labor no aludido momento. Aliás, mesmo após 01 (um) ano de seu reingresso ao RGPS, o quadro de saúde do ora réu ainda suscitava dúvidas quanto à sua capacidade para o labor, a ponto de o primeiro laudo pericial da ação subjacente, datado de 06.02.2017, concluir pela inexistência de incapacidade para o trabalho. Por seu turno, o segundo laudo pericial da ação subjacente, datado de 28.09.2017, foi categórico quanto à ausência de capacidade para o trabalho, a evidenciar que a evolução da doença havia se intensificado muito entre o primeiro e o segundo laudos.

VI - Sopesando as provas constantes dos autos e considerando o disposto no art. 479 do CPC, a incapacidade total e permanente do ora réu somente restou comprovada a contar da elaboração do segundo laudo pericial, não havendo qualquer elemento que autorizasse o estabelecimento do início da referida incapacidade em momento anterior.

VII – O que buscou o legislador, ao editar o §2º do art. 42 da Lei n. 8.213/91, foi evitar que o segurado, já acometido de doença que lhe causava incapacidade, se filiasse ao RGPS, ressalvando, contudo, o direito daquele que, embora padecesse de enfermidade anteriormente à  filiação ao RGPS, viesse a ser tornar incapacitado para o labor posteriormente, em razão do agravamento dessa mesma enfermidade, caso dos autos.

VIII - Caracterizada a hipótese de agravamento mais de um ano após a refiliação e não havendo controvérsia quanto à incapacidade total e permanente do ora réu, bem como em relação ao cumprimento da respectiva carência, é de se conceder o benefício de aposentadoria por invalidez, nos termos do art. 42, caput, da Lei n. 8.213/91.

IX - O valor do benefício deve ser apurado nos termos do art. 44 da Lei n. 8.213/91.

X - O termo inicial deve ser fixado na data do segundo laudo pericial (28.09.2017), dado que na data da citação (14.04.2016) o ora réu não se encontrava incapacitado para o labor.

XI - O fato de o ora réu contar com o recolhimento de contribuições posteriormente ao termo inicial do benefício (de 10/2017 a 11/2017, no valor de um salário mínimo) não impede a implantação da benesse, pois muitas vezes, o segurado o faz tão somente para manter tal condição perante a Previdência Social (RESPs. 1786590/SP e 1788700/SP).

XII - A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência, observando-se as teses firmadas pelo E. STF no julgamento do RE 870.947. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de poupança a partir de 30.06.2009, contados de 45 (quarenta e cinco) dias após a publicação do presente acórdão. Registre-se que o e. STF, em sessão realizada em 03.10.2019, rejeitou todos os embargos de declaração opostos contra a decisão acima reportada, bem como decidiu não modular seus efeitos, tendo se verificado o trânsito em julgado em 03.03.2020

XIII - Os honorários advocatícios devem ser fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), em obediência aos parâmetros estabelecidos no art. 85, §2º, do CPC.

XIV – Ação rescisória cujo pedido se julga procedente. Ação subjacente cujo pedido se julga parcialmente procedente.


 

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Prosseguindo no julgamento, a Terceira Seção, por unanimidade, decidiu, em iudicium rescindens, com fundamento no art. 966, IV, do CPC/15, julgar procedente a ação rescisória para desconstituir o julgado na ação subjacente e, em iudicium rescisorium, por maioria, julgar parcialmente procedente o pedido formulado na ação subjacente, para condenar o INSS a pagar à sucessora do ora réu, a Sra. Maria Aparecida Carvalho de Souza, o benefício de aposentadoria por invalidez, no valor a ser apurado conforme art. 44 da Lei n. 8.213/91, a partir da data do segundo laudo pericial (28.09.2017) até a data de seu óbito (15.12.2019), devendo os valores recebidos por força de tutela antecipada concedida nos autos subjacentes ser compensados por ocasião da liquidação do julgado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

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