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PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. ARTIGO 1. 021 DO NOVO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA NÃO CONFIGURADA. SUBS...

Data da publicação: 15/07/2020, 13:36:39

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. ARTIGO 1.021 DO NOVO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA NÃO CONFIGURADA. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. RECURSO DESPROVIDO. - Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. - Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. - A Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº 8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações. - O perito refere que a autora, pessoa branca, nascida em 1990, é portadora do vírus HIV, mas se encontra em bom estado geral e sem sinais de infecções oportunistas. Ela referiu ao perito que sempre teve boa saúde, sem tabagismo ou etilismo. Estava em bom estado físico e de nutrição, com pensamento em forma, curso e conteúdo adequados (f. 91/94). - A autora já faz tratamento no SUS e recebe gratuitamente os remédios necessários ao combate à doença. É jovem e tem possibilidade de encontrar trabalho. Não se nega a segregação causada pelo fato de ser portadora do vírus HIV. Mas quem tem a saúde ainda em bom estado, sem complicações decorrentes da doença, não pode ser considerada deficiente. - Em casos de a pessoa ser portadora de SIDA (AIDS), ou seja, estar com complicações decorrentes da doença, aí passa a ter a possibilidade de receber assistência social, mas não no presente caso. - Não cumprimento do requisito subjetivo da deficiência. - Agravo interno conhecido e improvido. (TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2212278 - 0042375-11.2016.4.03.9999, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 02/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/10/2017 )


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/10/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0042375-11.2016.4.03.9999/SP
2016.03.99.042375-4/SP
RELATOR:Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias
AGRAVANTE:MARCIA DE PAULA ALVES
ADVOGADO:SP323846 LAIS DE ARRUDA FERRAZ
AGRAVADO:Decisão f. 145-149
INTERESSADO(A):Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
No. ORIG.:10046009620158260624 1 Vr TATUI/SP

EMENTA



PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. ARTIGO 1.021 DO NOVO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA NÃO CONFIGURADA. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. RECURSO DESPROVIDO.

- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- A Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº 8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
- O perito refere que a autora, pessoa branca, nascida em 1990, é portadora do vírus HIV, mas se encontra em bom estado geral e sem sinais de infecções oportunistas. Ela referiu ao perito que sempre teve boa saúde, sem tabagismo ou etilismo. Estava em bom estado físico e de nutrição, com pensamento em forma, curso e conteúdo adequados (f. 91/94).
- A autora já faz tratamento no SUS e recebe gratuitamente os remédios necessários ao combate à doença. É jovem e tem possibilidade de encontrar trabalho. Não se nega a segregação causada pelo fato de ser portadora do vírus HIV. Mas quem tem a saúde ainda em bom estado, sem complicações decorrentes da doença, não pode ser considerada deficiente.
- Em casos de a pessoa ser portadora de SIDA (AIDS), ou seja, estar com complicações decorrentes da doença, aí passa a ter a possibilidade de receber assistência social, mas não no presente caso.
- Não cumprimento do requisito subjetivo da deficiência.
- Agravo interno conhecido e improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer do agravo interno e lhe negar provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, sendo que o Desembargador Federal Gilberto Jordan acompanhou o relator pela conclusão.


São Paulo, 02 de outubro de 2017.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RODRIGO ZACHARIAS:10173
Nº de Série do Certificado: 11A21709124EAE41
Data e Hora: 03/10/2017 13:43:33



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0042375-11.2016.4.03.9999/SP
2016.03.99.042375-4/SP
RELATOR:Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias
AGRAVANTE:MARCIA DE PAULA ALVES
ADVOGADO:SP323846 LAIS DE ARRUDA FERRAZ
AGRAVADO:Decisão f. 145-149
INTERESSADO(A):Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
No. ORIG.:10046009620158260624 1 Vr TATUI/SP

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de agravo interno interposto pela autora em face da decisão monocrática que lhe negou provimento à apelação.

Requer a parte autora a reforma do julgado, de modo a ser a matéria reexaminada pela Turma, porquanto se subsume na condição de pessoa com deficiência e extremamente hipossuficiente.

Dada ciência ao INSS.

Contraminuta não apresentada.

O Ministério Público Federal nada requereu.

É o relatório.



VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço do recurso, porque presentes os requisitos de admissibilidade, nos termos do artigo 1.021 e §§ do Novo CPC.

Primeiramente, reitero que, tal qual o pretérito 557 do CPC de 1973, a regra do artigo 932, IV e V, do Novo CPC reveste-se de plena constitucionalidade, ressaltando-se que alegações de descabimento da decisão monocrática ou nulidade perdem o objeto com a mera submissão do agravo ao crivo da Turma (mutatis mutandis, vide STJ-Corte Especial, REsp 1.049.974, Min. Luiz Fux, j. 2.6.10, DJ 3.8910).

No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.

Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.


DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE


O critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.


Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova, conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).


O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).


A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.


Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.


A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).


Ressalte-se que o critério do meio salário mínimo foi estabelecido para outros benefícios diversos do amparo social. Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.


Vale dizer, não se pode tomar como "taxativo" o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS, mesmo porque toda regra jurídica deve pautar-se na realidade fática. Entendo pessoalmente que, em todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.


Sendo assim, pode-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de cada caso, como por exemplo:


a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;


b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis;


c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis;


d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da Constituição Federal) não são miseráveis.


Vamos adiante.


Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência, faz-se mister abordar o conceito de família.


O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).


A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.






IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA


Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).


No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n. 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.


Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos para a percepção do benefício.


Menciona-se também o conceito apresentado pela ONU, elaborado por meio da Resolução n.° XXX/3.447, que conforma a Declaração, em 09/12/1975, in verbis:"1. O termo 'pessoa deficiente' refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais".


Esse conceito dá maior ênfase à necessidade, inclusive da vida individual, ao passo que o conceito proposto por Luiz Alberto David Araujo prioriza a questão da integração social, como se verá.


Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos para sua definição: "desvio acentuado dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento físico, mental, sensorial ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento separada, combinada ou globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, n. XXXIV. São Paulo: Saraiva, 1999).


Luiz Alberto David Araujo, por sua vez, compilou muitos significados da palavra deficiente, extraídos dos dicionários de Língua Portuguesa. Observa ele que, geralmente, os dicionários trazem a idéia de que a pessoa deficiente sofre de falta, de carência ou de falha.


Esse autor critica essas noções porque a idéia de deficiência não se apresenta tão simples, à medida que as noções de falta, de carência ou de falha não abrangem todas as situações de deficiência, como, por exemplo, o caso dos superdotados, ou de um portador do vírus HIV que consiga levar a vida normal, sem manifestação da doença, ou ainda de um trabalhador intelectual que tenha um dedo amputado.


Por ser a noção de falta, carência ou falha insuficiente à caracterização da deficiência, Luiz Alberto David Araujo propõe um norte mais seguro para se identificar a pessoa protegida, cujo fator determinante do enquadramento, ou não, no conceito de pessoa portadora de deficiência, seja o meio social:


"O indivíduo portador de deficiência, quer por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a sua integração social é o que definirá quem é ou não portador de deficiência". (A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22).


E quanto mais complexo o meio social, maior rigor se exigirá da pessoa portadora de deficiência para sua adaptação social. De outra parte, na vida em comunidades mais simples, como nos meios agrícolas, a pessoa portadora de deficiência poderá integrar-se com mais facilidade.


Desse modo, o conceito de Luiz Alberto David Araujo é adequado e de acordo com a norma constitucional, motivo pelo qual é possível seu acolhimento para a caracterização desse grupo de pessoas protegidas nas várias situações reguladas na Constituição Federal, nos arts. 7o, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, V e 208, III.


Mas é preciso delimitar a proteção constitucional apenas àquelas pessoas que realmente dela necessitam, porquanto existem graus de deficiência que apresentam menores dificuldades de adaptação à pessoa. E tal verificação somente poderá ser feita diante de um caso concreto.


Luiz Alberto David Araujo salienta que os casos-limite podem, desde logo, ser excluídos, como o exemplo do bibliotecário que perde um dedo ou do operário que perde um artelho; em ambos os casos, ambos continuam integrados socialmente. Ou ainda pequenas manifestações de retardo mental (deficiência mental leve) podem passar despercebidas em comunidades simples, pois tal pessoa poderá "não encontrar problemas de adaptação a sua realidade social (escola, trabalho, família)", de maneira que não se pode afirmar que tal pessoa deverá receber proteção, "tal como aquele que sofre restrições sérias em seu meio social" (obra citada, páginas 42/43).


"A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema de adaptação no meio social. Dentro de uma comunidade de doentes, isolados por qualquer motivo, a pessoa portadora de deficiência não encontra qualquer outro problema de integração, pois todos têm o mesmo tipo de dificuldade" (obra citada, p. 43).


Enfim, a constatação da existência de graus de deficiência é de fundamental importância para identificar aqueles que receberão a proteção social prevista no art. 203, V, da Constituição Federal.


Feitas essas considerações, torna-se possível inferir que não será qualquer pessoa portadora de deficiência que se subsumirá no molde jurídico protetor da Assistência Social.


Noutro passo, o conceito de pessoa portadora de deficiência, para fins do benefício de amparo social, foi tipificado no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, que em sua redação original assim dispunha:


"§ 2º - Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho."


Como se vê, pressupunha-se que o deficiente era aquele que: a) tinha necessidade de trabalhar, mas não podia, por conta da deficiência; b) estava também incapacitado para a vida independente. Ou seja, o benefício era devido a quem deveria trabalhar, mas não poderia e, além disso, não tinha capacidade para uma vida independente sem a ajuda de terceiros.


Lícito é concluir que, tais quais os benefícios previdenciários, o benefício de amparo social, enquanto em vigor a redação original do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, era substitutivo do salário. Isto é, era reservado aos que tinham a possibilidade jurídica de trabalhar, mas não tinham a possibilidade física ou mental para tanto.


Mas a redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS foi alterada pelo Congresso Nacional, exatamente porque sua dicção gerava um sem número de controvérsias interpretativas na jurisprudência.


A Lei n º 12.435/2011 deu nova redação ao § 2º do artigo 20 da LOAS, que esculpe o perfil da pessoa com deficiência para fins assistenciais, da seguinte forma:


"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;

II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."


Com a novel legislação, o benefício continuou sendo destinado àqueles deficientes que: a) tinha necessidade de trabalhar, mas não podia, por conta de limitações físicas ou mentais; b) estava também incapacitado para a vida independente.


Todavia, o legislador, não satisfeito, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, e o conceito de pessoa com deficiência foi uma vez mais alterado, pela Lei nº 12.470/2011, passando a ter a seguinte dicção:


"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."


Nota-se que, com o advento desta novel lei, dispensou-se a menção à incapacidade para o trabalho ou à incapacidade para a vida independente, como requisito à concessão do benefício assistencial.


Destarte, tal circunstância (a entrada em vigor de nova lei) deve ser levada em conta neste julgamento, ex vi o artigo 462 do CPC/73 e 493 do NCPC.


Finalmente, a Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência", com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da LOAS, in verbis:


"§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."


Reafirma-se, assim, que o foco, doravante, para fins de identificação da pessoa com deficiência, passa a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente, tornando-se despicienda a referência à necessidade de trabalho.





SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL


Resta consignar que a Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº 8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.


O benefício do artigo 203, V, da CF/88 deve ser concedido quando o sustento não puder ser provido pela família do interessado.


Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido "Estado de bem-estar social", forjado no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, lícito é inferir que só deve ser prestada em casos de real necessidade, dentro das estritas regras do direito material, sob pena de comprometer a mesma proteção social não apenas das futuras gerações, mas também da atual.


De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um) salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários anos.


De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de propiciar igualdade, isonomia de condições a todos.


Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial geraria não apenas injustiça aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou mesmo não se filiem ou não contribuam, o que constitui situação anômala e gravíssima do ponto de vista atuarial.


No mais, não deve o Estado substituir a sociedade em situações onde esta consegue, ela própria, mediante esforço, resolver suas pendências, sob pena de se construir uma sociedade de freeloaders, cada vez mais dependente das prestações do Estado e incapaz de construir um futuro social e economicamente viável para si própria.


Nesse diapasão, a proteção social baseada na solidariedade legal não tem como finalidade cobrir contingências encontradas somente na letra da lei (dever-ser) e não no mundo dos fatos (ser). Cabe, em casos que tais, à sociedade (solidariedade social) prestar na medida do possível assistência aos próximos.


Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545).


Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto para, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.


Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está, em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in verbis: "A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social, frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o de assistência médica" (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).





CASO CONCRETO


A despeito da insurgência recursal da parte autora, ela não pode ser considerado pessoa com deficiência para os fins assistenciais, a despeito das conclusões da perícia no sentido da incapacidade para o trabalho.


O perito refere que a autora, pessoa branca, nascida em 1990, é portadora do vírus HIV, mas se encontra em bom estado geral e sem sinais de infecções oportunistas. Ela referiu ao perito que sempre teve boa saúde, sem tabagismo ou etilismo. Estava em bom estado físico e de nutrição, com pensamento em forma, curso e conteúdo adequados (f. 91/94).


Assim, assiste razão ao MMº Juízo a quo, de modo que o benefício é indevido.


A autora já faz tratamento no SUS e recebe gratuitamente os remédios necessários ao combate à doença. É jovem e tem possibilidade de encontrar trabalho.


Não se nega a segregação causada pelo fato de ser portadora do vírus HIV. Mas quem tem a saúde ainda em bom estado, sem complicações decorrentes da doença, não pode ser considerada deficiente.


Entendo que mais que isso o Estado não pode fazer. Em casos de a pessoa ser portadora de SIDA (AIDS), ou seja, está com complicações decorrentes da doença, aí passa a ter a possibilidade de receber assistência social, mas não no presente caso.


Aliás, concessão indiscriminada de benefícios assistências constitui situação desoladora, sinceramente. Sobretudo porque são OS POBRES quem pagam por esses benefícios concedidos com base nas lamúrias e sentimentalismos.


São tantos os pobres que "dão duro" e trabalham nas adversidades. E são estes, exatamente estes, que pagam seus impostos em proporção muito maior que os ricos, e abastecem os cofres da seguridade social (artigo 195 da CF).


De todo modo, as dificuldades, no caso, encontram-se no campo exclusivo do trabalho e não são "barreiras"; são limitações sociais, que não bastam para transformar em uma pessoa deficiente à luz da legislação.


A sociedade está mais consciente da situação dos portadores de HIV, havendo mais consciência de que o contágio se dá apenas em determinadas situações não excludentes da realização de atividades laborativas.


A situação fática prevista neste processo não permite a incidência da regra do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93 (vide tópico IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, supra).


Conquanto manifestada estado de pobreza à vista do estudo social acostado aos autos, o benefício não pode ser concedido diante da não satisfação do requisito da deficiência.


Aliás, dado o caráter subsidiário da assistência social, caberia à autora comprovar o porquê de não receber assistência material do pai da filha, situação que perde o objeto de interesse à lide porque não satisfeito o requisito subjetivo exigido.

Diante do exposto, conheço do agravo interno e lhe nego provimento.

É o voto.


Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 03/10/2017 13:43:30



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