D.E. Publicado em 24/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, e à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | CARLOS EDUARDO DELGADO:10083 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217031744F093 |
Data e Hora: | 14/08/2018 19:50:48 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0007050-48.2011.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSS em ação ajuizada por JAIR NANINI DOS SANTOS, objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de labor rural.
A r. sentença de fls. 223/228 julgou procedente o pedido inicial, para reconhecer o período de 1966 até 1998, como laborado nas lides rurais e conceder a aposentadoria por tempo de serviço, acrescida de correção monetária e juros de mora incidentes sobre as parcelas vencidas. Houve condenação do INSS ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, observada a Súmula nº 111 do STJ. Não houve condenação em custas. Não houve submissão à remessa necessária.
Em razões recursais de fls. 235/249, o INSS requer a reforma da r. sentença, ao fundamento de que não restou comprovado o exercício do labor rural no período pleiteado na inicial, de modo que não faz jus o autor à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição. Subsidiariamente, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da citação, a redução do valor dos honorários advocatícios e a fixação dos juros de mora em 0,5% (meio por cento) ao mês.
Devidamente processado o recurso, com as contrarrazões da parte autora, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 10/09/2010, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
De acordo com o artigo 475, § 2º do CPC/73:
No caso, o INSS foi condenado a reconhecer o labor rural no período de 1966 a 1998 e a conceder aposentadoria por tempo de contribuição.
Assim, não havendo como se apurar o valor da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
Verifico que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de Benefícios.
Cumpre ressaltar que o art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça:
No entanto, não há necessidade de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se pretende reconhecer. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:
Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
Impende registrar que é pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91, como se pode observar nos seguintes precedentes:
A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, registro ser histórica a vedação do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar apenas os menores de 12 anos, em nítida evolução histórica quando em cotejo com as Constituições anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade incontestável, o desempenho da atividade desses infantes na faina campesina, via de regra ao lado dos genitores. Corroborando esse entendimento, e em alteração ao que até então vinha adotando, se encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67, época em que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950 e 55% na década de 1960).
Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável supor que pudesse exercer plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma atividade tão desgastante.
A propósito, referido entendimento sempre fora assentado pelo C. Supremo Tribunal Federal, tanto na vigência da Constituição Federal de 1967, como na atual Carta de 1988. Confira-se:
Não é outro o entendimento desta Egrégia Turma, conforme julgados que portam as seguintes ementas:
Do caso concreto.
Primeiramente, considerando que o autor é nascido em 15/10/1954 (fl. 07), não é possível o reconhecimento do labor rural antes de 15/10/1966, ocasião em que o demandante completou 12 anos de idade, pelas razões anteriormente expostas.
Por sua vez, ressalte-se que o reconhecimento do labor rural somente é possível até 23/07/1991 (data anterior à vigência da Lei nº 8.213/91), considerando que há dispensabilidade de recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da referida Lei.
Assim, considerando que a r. sentença reconheceu o labor rural no período de 1966 a 1998 e que não houve recurso da parte autora, passo a analisar in casu o período rural de 15/10/1966 a 23/07/1991, para efeito de reconhecimento de tempo de serviço rural em regime de economia familiar.
Para comprovar o suposto labor rural, foram apresentados os seguintes documentos:
a) Certificado de dispensa de incorporação do autor (fl. 09), datado de 10.05.1973, em que consta sua qualificação como "lavrador";
b) Certidão de casamento (fl. 10), ocorrido em 02.10.1976, na qual consta a qualificação do demandante como "oleiro";
c) Ficha de inscrição do autor (fl. 12) perante a 215a Zona Eleitoral de Angatuba - SP, de 25/07/1973, em que está qualificado como "lavrador";
d) Certidão de registro de imóvel (fl. 13), de 24.10.1966, na qual os genitores do autor, estão qualificados como vendedores e "lavradores" de imóvel rural de 3 alqueires e uma quarta;
e) Declarações cadastral - produtor (fls. 67/68), referente ao ano de 1986, em que consta o demandante como proprietário de imóvel rural de 7,2 hectares;
f) Pedidos de talonário de produtor (fls. 72/73) em nome do autor, datados, respectivamente, de 1986 e 1990;
g) Ficha de inscrição do autor no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Angatuba (fl. 74), com início de atividade em 21/01/1983, em que consta sua atividade como "trabalhador rural em regime de economia familiar";
h) Certidão pública de venda e compra (fls. 80/85), datada de 24.09.1992, na qual o autor está qualificado como comprador e lavrador de imóvel rural de cerca de 5,08 hectares;
i) Certidão pública de venda e compra (fls. 87/89), datada de 29.12.1993, na qual o autor está qualificado como comprador e lavrador de imóvel rural de 12,13 hectares;
j) Notas fiscais de produtor rural (fls. 170/191) em nome do demandante, referente à comercialização de gêneros agrícolas (feijão e milho), bem como novilhos e leite, no período de 1992 a 2010.
Ressalte-se que os documentos juntados aos autos pelo autor de fls. 104/168 não podem ser considerados para efeito de comprovação de atividade rural, uma vez que posteriores a 23/07/1991, conforme razões expostas anteriormente.
Além dos documentos trazidos como início de prova material, foram ouvidas três testemunhas, em 18.08.2010, Benedito Luiz dos Santos (fl. 218), Antônio Luiz Rodrigues (fl. 219) e Elton Marciliano dos Santos (fl. 220).
Benedito afirmou que "conheço o autor há uns trinta e cinco anos. Ele toda a vida trabalhou, ele trabalhou já na olaria, mas sempre trabalhando e plantando. Não tenho ideia quanto tempo ele trabalhou na olaria. Ele parou com a olaria e continuou na lavoura. Faz tempo que ele parou com a olaria, acho que quase uns dez anos, mais ou menos. Na lavoura ele trabalha para ele mesmo, ele planta. Ele tem terra, a propriedade eu não sei dizer o tamanho. Ele não tem empregado. Ele planta milho, feijão. Ele planta para o consumo dele, ele chega a vender alguma coisa porque ele tem que viver da lavoura. (...) A Olaria era do pai dele e ficava na propriedade dele."
Antônio relatou que conhece "o autor desde que eu nasci, desde que ele nasceu eu já conheci ele. Somos vizinhos. Ele trabalha, tira leite, planta lavoura. Ele trabalha para ele mesmo. Ele começou a trabalhar como pai na Olaria, ele era criança, depois a olaria ficou para ele que começou a tirar leite e plantar lavoura e está até hoje. A propriedade dele dá uns cinco alqueires. Ele parou com a Olaria, ele só tira leite e planta lavoura, já faz tempo que ele parou com a Olaria, deve fazer uns dez anos ou mais. Ele planta para o gasto o que sobra vende. Não tem funcionários é só ele (...) antes da olaria eu acho que ele plantava lavoura junto com o pai."
Elton afirmou que "conheço o autor há mais de trinta e seis anos. Ele trabalha, hoje trabalha na lavoura, no sítio. Ele trabalha para ele mesmo. Ele tem propriedade faz uns quinze anos mais ou menos. Ele comprou a propriedade. Fica no bairro da Boa Vista. Ele mexe com leite com gadinho dele lá e planta lavoura também. A propriedade que ele mora tem cinco alqueires. Ele tem mais uma chácara lá perto. Ele não tem empregados, trabalho só ele e a mulher. Eles produzem para consumo e para vender também. Bem quando eu conheci ele, ele mexia com olaria. Faz tempo que ele parou com a olaria. Acho que faz mais de trinta anos já que ele parou e mexe só com a lavoura."
Conforme se depreende, a prova oral reforça o labor no campo e amplia a eficácia probatória dos documentos carreados aos autos, tornando possível o reconhecimento do labor rural no período de 15/10/1966 a 23/07/1991, exceto para fins de carência.
A aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se atualmente prevista no art. 201, §7º, I, da Constituição Federal, o qual dispõe:
Quanto à aposentadoria proporcional, seus requisitos etário e contributivo estão estabelecidos na EC nº 20/98, em seu art. 9º:
Dessa forma, com o advento da emenda constitucional em questão, extinguiu-se a aposentadoria proporcional para os segurados que se filiaram ao RGPS a partir de então (16 de dezembro de 1998), assegurada, no entanto, essa modalidade de benefício para aqueles já ingressos no sistema, desde que preencham o tempo de contribuição, idade mínima e tempo adicional nela previstos.
Oportuno registrar que o atendimento às denominadas "regras de transição" deve se dar de forma cumulativa e a qualquer tempo, bastando ao segurado, para tanto, ser filiado ao sistema por ocasião da alteração legislativa em comento.
A esse respeito, confira-se o escólio de Alexandre de Moraes, em sua festejada obra "Direito Constitucional", Ed. Atlas, 31ª ed., pg. 865/866:
A EC nº 20/98 permitiu, ainda, que o segurado possa aposentar-se com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:
Outro não é o entendimento da mais abalizada doutrina sobre o assunto:
Sacramentando a tese de que as exigências contempladas nas regras de transição podem ser cumpridas pelo segurado em momento posterior à edição da EC nº 20/98, destaco excerto, a contrario sensu, contido no voto proferido por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 837.731/SP, in verbis
Vale lembrar que a intenção do legislador fora a de preservar tanto o direito adquirido dos segurados que tivessem condições para a jubilação, como a expectativa de direito daqueles já participantes do sistema. É o que revela a "Exposição de Motivos" que integrou a proposta enviada ao Congresso Nacional, da Emenda Constitucional nº 20/98, cujo trecho destaco:
Conforme planilha e CNIS em anexo, após reconhecer o tempo de serviço rural nesta decisão (15/10/1966 a 23/07/1991) e somando-se aos períodos constantes do CNIS (fl. 205), constata-se que o autor, na data da publicação da EC 20/98 (16/12/1998), alcançou 29 anos, 8 meses e 25 dias, de modo que não fazia jus ao benefício da aposentadoria.
Contabilizando o período de tempo posterior à EC 20/98, na data do ajuizamento da ação (29/01/2010 - fl. 02), o autor havia cumprido o período adicional previsto na regra de transição (art. 9º da EC nº 20/98), pois contava com 31 anos, 9 meses e 11 dias de tempo total de atividade, hipótese em que deveria perfazer 30 anos, 1 mês e 8 dias. Ademais, o autor, Jair Nanini dos Santos, com 55 anos de idade, também havia cumprido o requisito etário; fazendo, portanto e em tese, jus à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição.
No entanto, verifico que não foi cumprido o requisito relativo à carência. Rememore-se que o labor rural desempenhado sem registro em CTPS, e ora reconhecido por esta decisão, não pode ser computado para efeito de carência, na exata compreensão do disposto no art. 55, §2º, da Lei nº 8.213/91.
E, se assim o é, tendo o demandante satisfeito o tempo de contribuição no ano de 2008, a carência equivalente é da ordem de 162 (cento e sessenta e duas) contribuições, ou seja, treze anos e meio.
No entanto, desconsiderado o período ficto de atividade rural, possui o autor, tão somente, 84 (oitenta e quatro) meses de recolhimentos, insuficientes à carência exigida em lei.
Assegurado, portanto, o reconhecimento do labor rural, impõe-se, no tocante à concessão da aposentadoria, o insucesso da demanda, sendo oportuno consignar que, de acordo com o CNIS anexo, o autor se encontra em gozo de aposentadoria por idade desde 16 de outubro de 2014.
Ressalte-se que sagrou vitoriosa a parte autora ao ver reconhecido parte do período rural vindicado. Por outro lado, não faz jus à aposentadoria pleiteada, restando vencedora nesse ponto a autarquia. Desta feita, dou os honorários advocatícios por compensados entre as partes, ante a sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73), e deixo de condenar qualquer delas no reembolso das custas e despesas processuais, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS delas isento.
Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, e à apelação do INSS, para limitar o reconhecimento da atividade rural ao período de 15/10/1966 a 23/07/1991 e julgar improcedente o pedido de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | CARLOS EDUARDO DELGADO:10083 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217031744F093 |
Data e Hora: | 14/08/2018 19:50:45 |