D.E. Publicado em 21/06/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do voto da Relatora. A Desembargadora Federal Marisa Santos acompanhou a Relatora com ressalva de entendimento pessoal.
Desembargadora Federal Relatora
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0044585-69.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação da parte autora tirada de sentença que, em autos de concessão de aposentadoria por idade rural, julgou extinto o feito sem resolução do mérito, quanto ao pedido de reconhecimento do período de labor rural entre 1963 e 2014 e, consequente, concessão do benefício previdenciário, tendo em vista a ocorrência da coisa julgada (fls. 79/81).
Em seu recurso, pugna a autoria pela procedência do pedido formulado, afastando-se a coisa julgada, tendo em vista a apresentação de novas provas (fls. 85/93).
Com contrarrazões (fls. 96/96v), subiram os autos ao Tribunal.
VOTO
O fenômeno da coisa julgada, óbice à reprodução de ação anteriormente ajuizada (art. 337, VII, NCPC), impõe a extinção do processo sem o julgamento do mérito, nos termos do art. 485, inciso V e § 3º, do diploma legal supramencionado.
Compulsando os autos, verifica-se que a parte autora propôs outra ação previdenciária, anteriormente a presente (processo nº 07.00.00060-8), perante a 1ª Vara da Comarca Osvaldo Cruz/SP, em 30/05/2007, visando à concessão do benefício de aposentadoria por idade rural (fls. 23/24). Tal ação foi julgada procedente, concedendo à autora o beneplácito vindicado. A autarquia previdenciária, inconformada com o decisum prolatado, interpôs recurso de apelação perante esta e. Corte, ao qual foi dado provimento, sob o fundamento de inexistir prova material do labor campesino desempenhado pela autoria, julgando improcedente o pedido. Conforme consulta ao sistema informatizado deste Tribunal, verifica-se que a decisão transitou em julgado em 12/09/2013.
No caso da presente ação, proposta em 25/07/2014, a parte autora elaborou pedido idêntico, contudo carreou novas provas ao feito (fls. 02/20).
É certo que a apresentação de documentos novos, que legitimariam em tese o segurado à obtenção do benefício previdenciário, importa em uma causa de pedir diversa de ações anteriormente ajuizadas e julgadas em seu mérito com o mesmo pedido, de modo que não há que se falar em coisa julgada impeditiva do ajuizamento de novas ações judiciais.
A extinção do processo por repetição de demandas exige a chamada "tríplice identidade". E há coisa julgada quando se repete ação com decisão transitada em julgado, considerando-se idênticas as ações que possuem as mesmas partes, pedido e causa de pedir, conforme dicção dos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do artigo 337 do NCPC.
Agregue-se que, naquela senda, foi recusada a aposentadoria pretendida, por insuficiência probatória. Destarte, não restou, pura e simplesmente, afastado o desempenho do labor rural no reportado interstício.
Desse modo, arredado o óbice avivado e com fulcro no art. 1.013, § 3º, inciso I, NCPC, passo a analisar o pleito, que versa sobre a concessão de aposentadoria por idade rural.
A aposentadoria por idade de rurícola exige idade mínima de 60 anos (homem) e 55 anos (mulher), bem assim comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência da benesse, conforme tabela progressiva, de cunho transitório, inserta no art. 142 da Lei nº 8.213/91, a ser manejada conforme o ano de implementação do requisito etário, ficando afastada a obrigatoriedade de contribuições. Findo o período de vigência da norma de transição, imperioso aplicar-se a regra permanente estampada no art. 48 e parágrafos do mesmo diploma, na dicção da Lei nº 11.718/2008, fincada, nesse particular, a exigência de demonstração do exercício de labor rural por 180 meses (carência da aposentadoria por idade).
Muito se debateu a respeito da comprovação da atividade rural para efeito de concessão do aludido benefício e, atualmente, reconhece-se na jurisprudência elenco de posicionamentos assentados sobre o assunto, a nortear apreciação das espécies e a valoração dos respectivos conjuntos probatórios. Dentre esses entendimentos, podem-se destacar os seguintes:
(i) é suficiente à demonstração do labor rural início de prova material (v.g., documentos expedidos por órgãos públicos que contemplem a qualificação rurícola da parte autora, não sendo taxativo o rol de documentos previsto no art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborado por prova testemunhal coesa e harmônica, sendo inservível a tal finalidade prova exclusivamente testemunhal (Súmula STJ 149), inclusive para os chamados "boias-frias" (REsp nº 1.321.493/PR, apreciado na sistemática do art. 543-C do CPC);
(ii) são extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável, os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores (v.g., STJ, AGARESP 201402280175, Relatora Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJE 11/12/2014)
(iii) não se enquadra como princípio documental certidão recente da Justiça Eleitoral, preenchida de acordo com informações fornecidas pelo próprio postulante do jubilamento, assemelhando-se, portanto, à singela declaração unilateral de atividade profissional (e.g., TRF3, AC 00160584920114039999, Relator Juiz Convocado Valdeci dos Santos, Décima Turma, e-DJF3 01/07/2015; AC 00025385620104039999, AC 1482334, Relatora Desembargadora Federal Tania Marangoni, Oitava Turma, e-DJF3 16/04/2015).
(iv) o afastamento do ofício rural, após o preenchimento de todos os requisitos exigidos à aposentadoria, não interfere em sua concessão, sendo, contudo, inaplicável aos rurícolas o estatuído no art. 3º, da Lei nº 10.666/2003 (STJ, PET nº 7.476/PR, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 13/12/2010, Rel. p/ acórdão Min. Jorge Mussi; AgRg no REsp nº 1.253.184, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 06/09/2011; AgRg no REsp nº 1.242.720, 6ª Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. 02/02/2012; REsp nº 1.304.136, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamim, j. 21/02/2013, DJe 07/03/2013), sob pena, inclusive, de se atribuir aos trabalhadores rurais regime híbrido em que se mesclariam as vantagens típicas dos campesinos e outras inerentes exclusivamente aos obreiros urbanos;
(v) possível o reconhecimento de tempo de serviço rural antecedente ou ulterior ao princípio de prova documental apresentado, desde que ratificado por testemunhos idôneos (STJ, REsp nº 1.348.633/SP, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJE 05/12/2014).
A despeito de toda evolução exegética a respeito da matéria, certo é que alguns pontos permaneceram polêmicos por anos e apenas recentemente experimentaram pacificação. Talvez o maior deles diga respeito, justamente, à necessidade de demonstração da labuta rural no período imediatamente anterior ao requerimento da benesse.
Respeitáveis posições recusavam uma resposta apriorística do que viesse a se entender pela expressão período imediatamente anterior, sob o argumento de que a solução da controvérsia passa por acurado estudo de cada caso concreto, com destaque à cronologia laboral da parte autora, a fim de definir se verdadeiramente se está diante de pessoa que dedicou sua vida profissional às lides rurais.
Sem embargo, o dissenso acabou desfechado pelo c. STJ em sede de recurso representativo de controvérsia, in verbis:
No mesmo sentido:
Da análise dos entendimentos jurisprudenciais coletados, penso que a concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural há de se atrelar à comprovação do desempenho de labor rural quando da propositura da ação, da formulação do requerimento administrativo ou, ao menos, por ocasião do atingimento do requisito etário, como, de resto, textualmente deliberado por esta E.Corte em paradigma da Terceira Seção:
Outra temática remanesce polêmica à atualidade, mormente na seara desta egrégia Corte, e diz com a necessidade de contemporaneidade do início de prova material amealhado a, quando menos, uma fração do período exigido pela lei para a outorga do benefício.
Muito embora reconheça postura algo hesitante deste Tribunal - que, muita vez, vem relativizando o atendimento dessa exigência, principalmente naquelas espécies em que o histórico laborativo rural da parte impressiona, permitindo divisar que na maior parte de sua jornada trabalhista a parte dedicou-se veramente aos ofícios campestres - tenho por certo que o egrégio STJ vem consagrando a imprescindibilidade de concomitância temporal - ainda que ínfima - entre a data do documento indiciário do afazer rurícola e o interstício de atividade rural necessário à concessão da benesse.
Seguem arestos nesse diapasão:
Esposando o mesmo raciocínio, a Súmula 34 da TNU, verbis:
A propósito, tenho que a condicionante resulta, de certo modo, enaltecida em recurso repetitivo emanado do c. STJ. Vale constatar, num primeiro lanço, o seguinte aresto, exarado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973:
Da leitura da ementa retrotranscrita, ressai cristalino ser dispensável que o princípio de prova documental diga respeito a todo o período a comprovar-se: admite-se que aluda, apenas, à parcela deste. Equivale, pois, a afirmar-se que o princípio deve reportar-se ao menos a um quinhão do intervalo laborativo a ser comprovado. E, em ação de aposentadoria por idade rural, o que deve ser demonstrado é justamente o lapso dito de carência, vale dizer, a labuta campesina no período imediatamente anterior à vindicação do benefício, pois, sem isso, não há benesse a deferir-se.
Destarte, à luz dos julgados do c. STJ e da linha exegética acima, inclino-me pela simultaneidade, ainda quando diminuta, entre os documentos ofertados e o interregno laboral necessário à outorga do beneplácito.
De se acentuar, a esta parte, que doutrina e jurisprudência tradicionalmente caminhavam no sentido de que a inexistência de início de prova material, em feitos tendentes à outorga de aposentadoria por idade de trabalhador rural, conduzia, inexoravelmente, à improcedência da postulação deduzida.
Todavia, não se pode olvidar do advento de precedente oriundo do colendo Superior Tribunal de Justiça, tirado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, precisamente o REsp nº 1.352.721/SP, no âmbito do qual se deliberou que a falta de eficaz princípio de prova material do labor campesino traduz-se em ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, abrindo ensejo à extinção do processo sem resolução de mérito, verbis:
Muito embora ciente do posicionamento desta Turma Julgadora, do qual comungo, a caracterizar a improcedência do pedido em casos tais, reputo curial revisitar tal exegese, pela força incontrastável do leading case retrotranscrito, inclusive em homenagem à celeridade procedimental, tendo em conta a possibilidade de devolução de feitos pela egrégia Vice-Presidência para eventual exercício de juízo de retratação. Adite-se que a egrégia Terceira Seção desta Corte, incumbida do apaziguamento de posicionamentos jurisprudenciais na seara previdenciária, vem adotando o entendimento da Corte Superior, como dá conta o seguinte precedente:
Sob esse novo ângulo, passo a analisar o caso dos autos.
De pronto, verifica-se o cumprimento pela parte autora do requisito etário em 02/04/1996, incumbindo-lhe, pois, demonstrar atividade campestre por 90 meses.
A título de início de prova documental, a proponente colacionou certidão de nascimento de seu filho, lavrada em 15/04/1972, constando a qualificação do cônjuge como lavrador (fl. 25); declaração de Helio Mio no sentido de que a autora laborou como rurícola em sua propriedade entre os anos de 1981 a 2005, bem como documentos relacionados à propriedade rural e cadastro de contribuinte do referido empregador (fl. 26 e 28/34); fotos da autora trabalhando nas lides rurais (fls. 35/38), e declaração de Valter Antonio Nicolete atestando o labor rurícola da requerente em sua propriedade do ano de 2006 até junho de 2014, além de notas fiscais de produtor rural em nome do suposto empregador (fls. 39/45).
Nesse contexto, o pretenso direito ao benefício não se sustenta, à falta de princípio de prova documental do interregno de labor rural a ser comprovado, ou seja, o lapso de carência (10/1988 a 04/1996), uma vez a certidão de nascimento do filho, onde o esposo da autora é qualificado como lavrador é de período anterior ao lapso de carência, além do fato de o mesmo ter deixado as lides rurais em 1974, quando tornou-se servidor público (fl. 23).
Ainda, quanto às declarações apresentadas, em nome de supostos empregadores, documentos particulares coletados pela promovente, consistem em meras declarações que não equivalem sequer à prova oral, pois colhidas sem o crivo do contraditório.
Nessa esteira os seguintes julgados desta Corte:
Finalmente, consigne-se que os documentos de propriedade rural e notas fiscais de produtor em nome de terceiros não são aptos a comprovar a condição de rurícola da demandante.
Dessa forma, ausente eficaz vestígio de prova documental quanto ao labor campesino, despicienda a verificação da prova testemunhal, só por só insuficiente a amparar a concessão do benefício perseguido, conforme Súmula STJ nº 149.
Diante do exposto, nos termos dos artigos 485, IV, e 320, do NCPC, JULGO EXTINTO O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, restando prejudicada a apelação.
Condeno a parte autora em honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto no artigo 98, § 3º, do NCPC, que manteve a sistemática da Lei n. 1060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É como voto.
ANA PEZARINI
Desembargadora Federal Relatora
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Data e Hora: | 07/06/2018 15:00:11 |