EMBARGOS INFRINGENTES Nº 0011721-51.2010.4.03.9999/SP
VOTO CONDUTOR
A sentença de fls. 81/86 revela que foi julgado improcedente o pedido de concessão do benefício de Amparo Social, previsto no art. 20, §3º, da Lei n. 8.742/93. Interposto o recurso de apelação pela parte autora, foi proferida decisão com fundamento no art. 557 do CPC, tendo-lhe sido negado seguimento. Na sequência, manejado recurso de agravo pelo Ministério Público Federal, foi prolatado acórdão pela 7ª turma deste Tribunal, que, por maioria, deu provimento ao aludido recurso, para julgar procedente o pedido, tendo os integrantes da Turma Julgadora se posicionado da seguinte forma:
Pelo voto vencedor de fls. 139/145, foi provido o recurso de agravo interposto pelo Ministério Público Federal, sob o fundamento de que restou "...provada nos autos a premente necessidade de recebimento do benefício assistencial perseguido, considerando que a autora, atualmente com 14 (quatorze) anos de idade (vide fl. 11), é portadora do vírus da imunodeficiência humana (HIV) desde o nascimento e faz tratamento com coquetel, além de sofrer frequentemente de dores de cabeça, vômito e mal estar (fls. 55/57)..", bem como se enquadrar na condição de hipossuficiente econômico, dada a exclusão, no cálculo da renda mensal per capita, da aposentadoria recebida por sua avó, estando preenchidos, assim, os requisitos necessários à concessão do benefício assistencial.
Já pelo voto vencido de fls. 134/137, foi negado provimento ao agravo legal interposto pelo Órgão Ministerial, com manutenção da r. decisão fundada no art. 557 do CPC, que negou seguimento à apelação da parte autora, de modo a preservar a sentença que julgou improcedente o pedido, sob o argumento de que "... não restou assim demonstrado que se trata de pessoa pobre, na acepção jurídica da palavra, que não tem meios de prover a sua própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família...".
Na sessão do dia 13.11.2014, a i. Relatora Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, em seu brilhante voto (fls. 201/211), houve por bem rejeitar a matéria preliminar arguida em contrarrazões e, quanto ao mérito, dar provimento aos embargos infringentes, para o fim de fazer prevalecer o voto vencido, da lavra da Desembargadora Federal Eva Regina, por entender que a renda auferida pela autora e sua família "...supera, no mínimo, ½ (meio) salário mínimo per capita, alcançando-se, mais precisamente, 0,6 (seis décimos) de salário mínimo de média...", além do que, "...sem ignorar a conclusão a que chegou o laudo pericial produzido, reportando incapacidade total à época de criança, com 17 (dezessete) anos completos hoje não se descarta a possibilidade da requerente, caso esteja assintomática, encontrar meios próprios de manutenção, não sendo mais a moléstia que lhe acompanha impeditivo absoluto a que adentre no mercado de trabalho...". Em síntese, conclui pelo não enquadramento da autora como hipossuficiente econômica, de modo a não ensejar a concessão do benefício assistencial.
Adiro ao entendimento da i. Relatora quanto à rejeição da matéria preliminar suscitada em contrarrazões, todavia, no tocante ao mérito, ouso divergir da solução adotada.
Penso que deve prevalecer o voto vencedor.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência, constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, o laudo médico de fls. 55/57, realizado em 17.03.2008, atestou que a autora, que tem atualmente 18 anos, é portadora de vírus HIV (AIDS), em tratamento contínuo com coquetel, apresentando incapacidade total e permanente para o labor, inclusive para as atividades da vida diária.
Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que se incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, é de se reconhecer a deficiência da autora, tendo em vista que possui impedimentos de longo prazo de natureza física. Notadamente, tal condição obstruirá sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, haja vista o notório preconceito que sofrem as pessoas acometidas de tal mal.
Há que se reconhecer, portanto, que a parte autora fará jus ao benefício assistencial, caso preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão que recebeu a seguinte ementa:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de "inconstitucionalização". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 18.08.2007 (fl. 42/43) constatou que o núcleo familiar da autora é formado por ela e por sua avó, Adenide Peixoto. A casa em que residem é de alvenaria, composta de 02 cômodos, sendo uma cozinha, um quarto, um banheiro, provida de água encanada e esgoto, energia elétrica e asfalto. A renda familiar constitui-se apenas da aposentadoria percebida pela avó, no montante de R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais) e da pensão alimentícia paga pelo pai no valor de R 80,00 (oitenta reais).
Importante salientar que a avó da autora possui idade avançada (72 anos de idade), tendo sido acometida de câncer de mama (fls. 114/116).
Destarte, em que pese a renda mensal per capita superar o limite de ¼ do salário mínimo, a situação fática ora examinada permite concluir pela absoluta insuficiência de recursos, tendo em vista a gravidade da doença de que é portadora a autora, que exige cuidados médicos contínuos e onerosos.
Portanto, resta comprovado que a autora é portadora de deficiência e que não possui meios para prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família, fazendo jus a concessão do benefício assistencial.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar arguida em contrarrazões e, no mérito, nego provimento aos embargos infringentes interpostos pelo INSS, para que prevaleça o voto vencedor.
É como voto.
SERGIO NASCIMENTO
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, por maioria, negar provimento aos embargos infringentes interpostos pelo INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Relator para o acórdão
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RELATÓRIO
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). Embargos infringentes (fls. 152/161) tirados de julgado assim resumido (fls. 146/148):
Requer, o INSS, a prevalência do voto proferido pela Desembargadora Federal Eva Regina (Relatora do recurso de apelação no âmbito da Turma), "pois consoante o preceituado nos autos, o grupo familiar da autora é formado por ela e a sua avó, que aufere aposentadoria por invalidez de um salário mínimo acrescido de R$ 80,00 (oitenta reais), por onde não se aplica o artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, visto que o benefício não é de caráter assistencial, outra, não há menção quanto a despesas pendentes nem ausência de satisfação das necessidades básicas, não restando demonstrado nos autos se tratar de pessoa pobre, na acepção jurídica da palavra, que não tem meios de prover a sua própria manutenção, nem tê-la provida por sua família, vez que o imóvel foi cedido por sua irmã; nesse sentido, a renda per capta familiar é superior a ¼ do salário mínimo, portanto, superior ao estabelecido no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93".
Recurso respondido (fls. 166/176), com alegação de "inadmissibilidade dos embargos infringentes, sendo este recurso incabível e Tribunal incompetente para processar e julgar questões que ferem ordem Constitucional e Lei Federal", pugnando, de resto, "seja mantida a decisão de concessão do benefício previdenciário social em respeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa"; admitido (fl. 178) e redistribuído a minha relatoria (fl. 181, verso).
Manifestação do Ministério Público Federal pelo "desprovimento dos Embargos Infringentes" (fl. 183).
É o relatório.
Encaminhem-se os autos ao setor competente para retificação da autuação, na forma sugerida pela Procuradoria Regional da República à fl. 107, verso, corrigindo-se o nome da autora, ora embargada, "para Luana Stefany Peixoto de Souza (conforme certidão de nascimento de fls. 11) e não Luana Estefany Peixoto de Souza".
Após, à revisão.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
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VOTO
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). Do voto condutor do Desembargador Federal Fausto De Sanctis, extrai-se (fls. 141/144):
O pronunciamento minoritário, a seu turno, da lavra da Desembargadora Federal Eva Regina, veio consubstanciado nos seguintes termos (fl. 136):
A preliminar de inadmissibilidade do recurso comporta rejeição à vista da simples constatação da imprescindibilidade dos embargos infringentes para esgotamento da instância ordinária previamente ao acesso às Cortes Superiores (Súmulas 207/STJ e 281/STF), inexistindo, de resto, óbice algum ao seu conhecimento.
Quanto ao mérito propriamente dito, ainda que se tenha por superada a discussão envolvendo o estado de deficiência da requerente, à vista da conclusão posta na perícia médica a que submetida - "Pericianda, criança de 12 anos de idade com quadro de HIV em tratamento contínuo com coquetel, que a deixa debilitada. Incapacidade total e permanente. Incapaz para as atividades da vida diária" (fl. 56) -, encampada inclusive pela decisão proferida no primeiro grau e nem sequer objeto de questionamento pelo ora embargante - "Todos os requisitos são considerados provados, exceto o da limitação da renda familiar por pessoa em no máximo ¼ do salário mínimo" (fl. 158), no que concerne ao segundo requisito exigido para a hipótese a existência de meios de ter provida sua manutenção pela família impõe o reconhecimento da improcedência da pretensão formulada em nome de Luana Stefany Peixoto de Souza.
O benefício perseguido tem caráter assistencial, devendo ser prestado pelo Estado a quem dele necessitar, independentemente de contribuição.
Antes da Constituição da República de 1988, a proteção social era restrita àqueles que estiveram, em algum instante, vinculados ao sistema previdenciário, o qual tem caráter contributivo.
Com o advento da Carta Constitucional atual, expressamente restou autorizada, no artigo 203, inciso V, a implementação do amparo social às pessoas idosas ou com deficiência que comprovem não possuir condições econômicas e financeiras para prover sua manutenção nem de tê-la provida por algum membro de sua família.
Assim, o benefício assistencial hoje vigente destina-se a amparar os hipossuficientes, dispensando qualquer espécie de contribuição.
O aludido dispositivo constitucional condicionou o regramento desse benefício à elaboração de lei, dando ensejo à conclusão de se tratar de norma de eficácia limitada.
Após a publicação da Constituição de 1988, foi promulgada a Lei n° 8.213/91, que, em seu artigo 139, manteve a renda mensal vitalícia como benefício previdenciário, enquanto não regulado o artigo 203, inciso V, do Estatuto Supremo.
A fim de regulamentar a referida norma constitucional, surgiu, no ordenamento jurídico brasileiro, a Lei nº 8.742/93, que disciplinou os requisitos necessários à implementação do benefício em questão. O artigo 20, em sua redação original, estabelecia a idade mínima para aferição do benefício, em se tratando de pessoa idosa, e assentava, para os efeitos dessa lei, os conceitos de família, de pessoa portadora de deficiência e de miserabilidade, nos seguintes termos, in verbis:
A Lei n.º 9.720, de 30.11.98, alterou a redação do artigo 20 da Lei n.º 8.742/93, no que pertine à idade mínima para auferir o benefício, reduzindo-a para 67 (sessenta e sete) anos, a partir de 1º de janeiro de 1998.
Com o advento da Lei nº 10.741, de 01.10.2003 (Estatuto do Idoso), houve nova redução no requisito etário, para 65 (sessenta e cinco) anos, a partir de 1º de janeiro de 2004.
A Lei nº 12.435, de 06 de julho de 2011, por sua vez, alterou diversos dispositivos da Lei Orgânica da Assistência Social, passando a apresentar, o artigo 20 dessa lei, a seguinte redação:
Como se vê, no tocante à definição de família, privilegiou-se entendimento mais extensivo acerca do grupo familiar, desvinculando-se da classificação restrita do artigo 16 da Lei de Benefícios.
Quanto ao conceito de pessoa com deficiência, o legislador inspirou-se na definição contida no artigo 1º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Assinados em Nova York na data de 30 de março de 2007, foram aprovados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 09 de julho de 2008, e posteriormente promulgados pelo Presidente da República (Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009).
O critério objetivo para aferição da miserabilidade não foi alterado pela Lei nº 12.435/2011, restando mantida a exigência de que a renda familiar per capita deve ser inferior a ¼ do salário mínimo para efeito de concessão do benefício.
Acrescente-se que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI nº 1.232/DF, reconheceu a constitucionalidade desse parâmetro, previsto no artigo 20, §3º, da Lei n° 8.742/93.
É de se notar, contudo, que em observância ao princípio do livre convencimento motivado, a jurisprudência pátria tem entendido que a condição de miserabilidade pode ser aferida por outros meios de prova. Nesse sentido, o julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.112.557/MG:
Cabe ao magistrado avaliar, em cada caso concreto, as condições apresentadas pelo pleiteante, seja no que diz respeito à renda familiar, seja no tocante ao conjunto de pessoas que lhe dão suporte. Decerto que não só a existência de miserabilidade, mas também a ausência dessa situação pode ser aferida por meio da análise do conjunto probatório. Do contrário, teríamos decisões desarrazoadas, apartadas da realidade, distantes dos objetivos almejados pelo legislador.
Conectado a essa realidade dos Tribunais, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 18 de abril de 2013 - ocasião em que apreciados conjuntamente também a Reclamação 4.374/PE e o Recurso Extraordinário 580.963PR, ambos de relatoria do Ministro Gilmar Mendes -, ao concluir o julgamento do Recurso Extraordinário 567.985/MT, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, em que reconhecida a existência de repercussão geral da questão versada na hipótese, acabou por declarar a inconstitucionalidade por omissão parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes, revisitando a matéria nos termos seguintes, assim redigidos ementa e extrato de ata:
Mantido em vigor o comando previsto no § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 no que diz respeito ao critério lá estabelecido para verificação da condição ensejadora da concessão do benefício assistencial, e no pressuposto de que não é a previsão contida no dispositivo em tela que por si só padece de inconstitucionalidade, mas sim naquilo que não disciplinou, ao se fiar em critério objetivo e único a tanto, assentou, a Suprema Corte, a possibilidade, justamente a partir da incompletude da norma, de aplicação de outros parâmetros para aferição da miserabilidade, até que se tenha solução para a omissão legislativa quanto ao efetivo cumprimento do artigo 203, inciso V, da Constituição.
Cumpre destacar, nesse ínterim, a menção ao patamar de ½ (meio) salário mínimo como possível critério de aplicação prática, até que sobrevenha novo comando legislativo, e ante a constatação da insuficiência do parâmetro anterior, de ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Do voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes, extrai-se:
De todo modo, o Supremo não determinou a incidência taxativa deste ou daquele critério e sim, consoante se observa de excertos dos debates lá travados, chancelou, por ora, a atuação das instâncias ordinárias, que já aplicam nos julgamentos, remarque-se, a depender da particularidade em que se encontra cada situação trazida a exame, os parâmetros que reputam razoáveis à luz do caso concreto.
Confira-se, a propósito:
Oportuno salientar que, por meio do julgamento naquela mesma assentada do Recurso Extraordinário 580.963/PR, igualmente submetido à sistemática da repercussão geral, valendo-se de idêntica linha argumentativa o Pretório Excelso declarou a inconstitucionalidade por omissão parcial, sem pronúncia de nulidade, também do parágrafo único do artigo 34 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), in verbis:
Entendeu-se pela "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo".
Mais uma vez, considerou-se que a fixação de novos parâmetros compete ao legislador, que deve redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Concluiu-se que houve uma omissão legislativa, ao por de lado outras hipóteses possíveis, como o percebimento, por membro da família, de benefício diverso do assistencial ou o pedido feito por deficiente e não por idoso. Trata-se, nos dizeres do Relator, Ministro Gilmar Mendes, de "caso clássico de exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade".
Desse modo, sem propor a inconstitucionalidade com declaração de nulidade, procedimento que acabaria por impedir a exclusão da renda determinada no Estatuto do Idoso, agravando a situação daqueles que se amoldam aos critérios lá estabelecidos, cuidou a Suprema Corte de evidenciar, novamente citando o pronunciamento de Sua Excelência, "que a política pública deve ser revista e reajustada, de modo a melhor se adequar aos comandos Constitucionais. O legislador deve, ainda, tratar a matéria de forma sistemática".
Deliberou-se, de lege ferenda, colocá-los todos no mesmo patamar, ou seja, contemplando não apenas a exclusão, no cálculo da renda per capita, do benefício assistencial já concedido a idoso integrante do núcleo familiar, mas bem assim a percepção de valor mínimo a título de aposentadoria nessa mesma condição, além de abarcar inclusive a situação dos deficientes, sem prejuízo de que - e mais uma vez recorrendo ao voto do Senhor Relator - de lege lata "o juiz, no caso concreto, poderá fazer essa aferição, o que até é inevitável, diante do que já vem sendo decidido pela Corte em várias reclamações".
Conclusão: também neste ponto, estampou-se a necessidade de colmatação legislativa, liberando-se o julgador, contudo, parafraseando o voto proferido pelo Ministro Luiz Fux, para "durante esse período de vácuo legislativo, avaliar o que deve ser feito no caso concreto", referentemente à aplicação do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso fora da baliza estritamente legal, a partir de agora com a chancela da decisão colhida em sede de controle incidental da constitucionalidade do dispositivo em questão.
Evidente que a interpretação não pode se afastar do objetivo da norma, qual seja, a proteção do idoso e do deficiente. Não há sentido em se computar uma aposentadoria concedida no valor mínimo, como no caso dos autos, e excluir um benefício assistencial. Ambos se destinam à manutenção e à sobrevivência da pessoa idosa, sendo ilógico fazer qualquer distinção.
Se não é possível, por presunção legal, a família sobreviver com o valor de um salário mínimo proveniente de benefício assistencial, também não o será com o mesmo valor decorrente de benefício previdenciário. Não obstante a natureza diversa dos benefícios, o valor da renda mensal é idêntico: um salário mínimo.
A esse propósito de há muito já vinha decidindo concretamente o Supremo Tribunal Federal: "(...) Da análise do dispositivo legal acima transcrito e considerando-se o princípio da isonomia, tenho que não há razão plausível que justifique dispensar tratamento diferenciado para o caso de membro da família que percebe aposentadoria no valor mínimo, fazendo incluí-la no cômputo da renda familiar a que se refere o LOAS. (...) Desse modo, ainda que o benefício percebido pelo cônjuge da autora não se refira a um amparo assistencial, e sim a uma aposentadoria no valor mínimo, entendo que não deve integrar o cálculo da renda familiar, por aplicação analógica do art. 34, parágrafo único da Lei 10.741/03. Destarte, uma vez demonstrada a necessidade do benefício para a sobrevivência da requerente e cumprido o requisito etário, entendo que a autora faz jus ao benefício pleiteado (...). assim, frente ao caput do artigo 557 do CPC e ao §1º do art. 21 do RI/STF, nego seguimento ao recurso". (RE 480.265, rel. Ministro Carlos Brito, julgado em 24.02.2006, DJ de 16.03.2006).
No Superior Tribunal de Justiça, a 3ª Seção, em 10 de agosto de 2011, por unanimidade de votos, assim resolveu Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS (Petição nº 7.203-PE, relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura):
Na mesma linha do entendimento: EI na AC AC 98.03.020404-1, TRF 3- Terceira Seção, Des. Fed. Nelson Bernardes, j. 12.09.2007, DJ 11.10.2007; EI na AC 2006.03.99.025055-6, mesma Seção e Relatoria, j. 13.03.2008; AC 2002.03.99.018326-4, Relator Des. Fed. Anna Maria Pimentel, DJ 30.05.2007, pág. 670.
Com a questão agora fechada no âmbito do Supremo Tribunal Federal nos termos supra, concluídos os julgamentos dos recursos extraordinários sob o rito da repercussão geral, tem-se reconhecidas, até "que o Poder Legislativo redefina a política pública do benefício assistencial de prestação continuada", a viabilidade de aplicação de outro referencial não previsto no § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, para aferição da renda familiar per capita, bem como a possibilidade de interpretação analógica do teor do parágrafo único do artigo 34 da Lei nº 10.741/2003, a depender sempre das nuanças do caso concreto.
E exatamente esse o ponto a ser observado, no rumo da compreensão a que se chegou na Suprema Corte, evitando-se a análise da concessão do benefício assistencial somente no cálculo da renda per capita, admitindo-se outros elementos de prova e até mesmo a interpretação analógica do disposto no Estatuto do Idoso.
Também a meu juízo, o exame dos casos envolvendo a concessão do amparo assistencial, no geral, comporta a aplicação analógica, concluindo-se pela exclusão do benefício de valor mínimo, concedido a idoso, sem olhar a sua natureza, daí partindo-se para o caso concreto.
Vale dizer, singela a questão, a um exame inicial, se há somente o benefício de valor mínimo recebido por um integrante do núcleo familiar, para o cálculo da renda mensal, ele excluído, a condição de miserabilidade sobressairia.
Nada obstante, embora inicial, a análise não se esgota na premissa, devendo-se tomar em conta a situação particular, a hipótese concreta.
E, embora em outros feitos apresentados a julgamento, à luz das especificidades trazidas caso a caso, tenha entendido por desconsiderar a renda familiar decorrente de benefício previdenciário no valor de um salário-mínimo mensal auferido pelo esposo, justamente em obediência ao disposto no artigo 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 - de que é exemplo o recurso julgado pela 8ª Turma em 28 de maio próximo passado, nos autos da Apelação Cível nº 0016762-62.2011.4.03.9999/SP, de minha relatoria (Diário Eletrônico de 4.6.2012) -, in casu, contudo, de todo o apurado não se autoriza a aplicação analógica do dispositivo em questão.
Melhor dizendo, de todo o exposto não resta configurado quadro de miserabilidade a ensejar a concessão do benefício pleiteado.
O estudo social, produzido em 18.8.2007 (fls. 41/43), revela morar a autora com a avó, e "que esta reside em uma edícula cedida, de propriedade da irmã. A residência é de alvenaria, composta de 02 cômodos, sendo 1 (uma) cozinha, 1 quarto, 1 banheiro, provida de água encanada e esgoto, energia elétrica e asfalto. Contam com os seguintes móveis: (1) uma televisão, (1) um DVD, (1) uma geladeira, 1 (um) fogão, 1 (um) tanquinho, 01 (uma) linha telefônica. Segundo a requerente, a renda familiar constitui-se apenas da sua aposentadoria - R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais) mensais. Informou que a mãe da requerente faleceu em 22/12/2006, por complicações do vírus HIV, e que desde então a neta está sob os seus cuidados. Com relação à saúde da requerente, a Sra. Adenides informou-nos que a mesma adquiriu o vírus da Aids da mãe. Disse-nos que a neta tem gripes fortes e pneumonia e que às vezes tem que sair apressadamente de casa para o hospital. Informou-nos também, que o pai de Luana já havia constituído outra família quando a mãe de Luana faleceu, e que este reside na cidade de Arapongas. Refere que o pai da menina trabalha num açougue e paga R$ 80,00 (oitenta reais) de pensão alimentícia. Mensalmente a avó de Luana tem que telefonar para que o genro efetue o pagamento da pensão".
Apesar de invocada na petição inicial a existência de gastos com medicamentos relacionados a tratamentos de problemas de saúde da avó "como tireóide e coluna" (fl. 03), inexiste nos autos qualquer tipo de comprovação a esse respeito.
Da mesma forma, também não há prova alguma de que "como moram de favor às vezes tem de ajudar a parente em algumas despesas, tudo em troca de um lugar para morar" (fl. 03).
O que os documentos revelam, isto sim, é que a autora é assistida pelo Serviço de Assistência Especializada do Departamento Municipal de Saúde de Paraguaçu Paulista, via Sistema Único de Saúde - SUS, consoante se observa dos receituários de medicação utilizada para controle da carga viral (fls. 15/17); e que na própria ficha de encaminhamento à OAB para fins de análise de requerimento de benefício de prestação continuada em favor de Luana Stefany Peixoto de Souza, em 31.1.2007, a assistente social responsável pelo caso registrou que "devido à responsável já possuir um benefício e o seu problema de saúde (devido a condições físicas atuais) não estar caracterizada deficiência, achamos improvável ser concedido BPC" (fl. 18).
Outro dado - posterior à sentença e à interposição do recurso de apelação - informando "que a avó da autora descobriu ser portadora de CARCINOMA DUCTAL (câncer de mama), já passou por cirurgia e está em tratamento em quimioterápico, conforme laudo em anexo" (fls. 109/113, docs. às fls. 114/116), também não impressiona; a par dos exames encartados não indicarem mau prognóstico - "MARGENS CIRÚRGICAS LIVRES" (fl. 115) e "LINFONODOS (10) SEM EVIDÊNCIAS DE METÁSTASES" (fl. 116) -, novamente nenhum recibo de gastos com compra de medicamentos ou dispensa de soma expressiva em decorrência do aludido fato vieram aos autos, mesmo porque, tal como no caso da autora, franqueou-se à avó acesso a tratamento gratuito pelo SUS.
O que se tem, na verdade, é que a autora reside com a avó, em imóvel desonerado de custos, na parte de trás do terreno em que edificada a casa da irmã desta; além dos rendimentos decorrentes da aposentadoria usufruída por Adenides Peixoto (NB 0674868803), o pai lhe paga pensão alimentícia à base de R$ 80,00 (oitenta reais), quase ¼ (um quarto) do salário mínimo à época - R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais) -, a resultar, portanto, em remuneração que supera, no mínimo, ½ (meio) salário mínimo per capita, alcançando-se, mais precisamente, 0,6 (seis décimos de) salário mínimo de média; e ambas, apesar dos problemas de saúde que lhes acometem, valem-se dos serviços fornecidos pelo Estado universalmente.
Por fim, e sem ignorar a conclusão a que chegou o laudo pericial produzido, reportando incapacidade total à época de criança, com 17 (dezessete) anos completos hoje não se descarta a possibilidade de a requerente, caso esteja assintomática, encontrar meios próprios de manutenção, não sendo mais a moléstia que lhe acompanha impeditivo absoluto a que adentre no mercado de trabalho, eis que notório o avanço terapêutico contabilizado na medicina para o controle do estágio da patologia, resultando em vida com qualidade para os portadores do vírus HIV, além da redução do estigma e preconceitos associados à doença.
Ressalte-se que, à ocasião em que periciada, em 17.3.2008, a autora não se apresentava em estágio avançado da doença e não havia notícias de outros males oportunistas a acometendo relevantemente, tendo o experto do juízo relatado, ao contrário (fl. 56):
Nesse sentido, precedentes colhidos neste Tribunal e nas demais Cortes Regionais:
Tudo isso sopesado, convém não ignorar, por último, que o benefício assistencial não visa à complementação de renda. Destina-se àquelas pessoas que sejam, de fato, necessitadas, que vivam em condições indignas, em situação de notória miserabilidade.
E a conclusão do estudo social isso indica, que se trataria de complementação de renda (fl. 43):
Por se tratar de beneficiária da assistência judiciária gratuita, deixa-se de condenar a embargada ao pagamento da verba honorária e custas processuais.
Posto isso, rejeito a matéria preliminar argüida em contrarrazões e, quanto ao mérito, dou provimento aos embargos infringentes, para o fim de fazer prevalecer o voto vencido, da lavra da Desembargadora Federal Eva Regina.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
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