D.E. Publicado em 20/02/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, corrigir, de ofício, a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, não conhecer da remessa necessária, rejeitar a preliminar arguida pelo INSS e, no mérito dar parcial provimento à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0010793-05.2010.4.03.6183/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência ou incapacitada para o trabalho.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar o INSS ao pagamento do benefício assistencial desde a data da citação (25.10.2010 - fls. 91v) até a sua concessão administrativa (01.07.2013 - fls. 230). Os juros moratórios foram fixados à base de 1% ao mês, nos termos do art. 406 do CC e do art. 161, § 1º, do CTN, contados da citação. A correção monetária incide sobre as diferenças apuradas desde o momento em que se tornaram devidas, na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Honorários advocatícios arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos da Súmula 111 do STJ.
A sentença foi submetida ao reexame necessário.
Apela o INSS requerendo preliminarmente a nulidade da sentença, por falto do prévio requerimento administrativo que caracteriza a falta de interesse de agir. No mérito pugna pela reforma do julgado, alegando para tanto que a parte autora não logrou êxito em comprovar a existência de incapacidade laboral. Subsidiariamente, caso mantida a procedência do pedido, pede a redução dos honorários advocatícios e a aplicação da Lei 11.960/09 quanto aos juros e correção monetária.
Com a apresentação de contrarrazões os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da autarquia.
É o relatório.
VOTO
Considerando que a sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, passo ao exame da admissibilidade da remessa necessária prevista no seu artigo 475.
Embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, nota-se que a autarquia foi condenada ao pagamento das parcelas compreendidas entre a citação (25.10.2010 - fls. 91v) e a concessão do benefício na esfera administrativa (01.07.2013 - fls. 230), do que se depreende que o valor total da condenação não alcança a importância de 60 (sessenta) salários mínimos estabelecida no § 2º do art. 475 do CPC/73.
Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária.
Rejeito a preliminar arguida pelo INSS.
O art. 5º, XXXV, da Constituição, assegura o pleno acesso ao Poder Judiciário para a proteção dos cidadãos em caso de lesão ou ameaça a direito. Contudo, essa garantia fundamental não deixa de trazer em si a exigência da existência de uma lide, justificando a atuação do Poder Judiciário como forma democrática de composição de conflitos, o que também se revela como interesse de agir (necessidade e utilidade da intervenção judicial).
Existindo lide (provável ou concreta), é perfeitamente possível o acesso direto à via judicial, sem a necessidade de prévio requerimento na via administrativa.
Contudo, em casos nos quais a lide não está claramente caracterizada, vale dizer, em situações nas quais é potencialmente possível que o cidadão obtenha a satisfação de seu direito perante a própria Administração Pública, é imprescindível o requerimento na via administrativa, justamente para a demonstração da necessidade da intervenção judicial e, portanto, do interesse de agir que compõe as condições da ação. Imprescindível, assim, a existência do que a doutrina processual denomina de fato contrário, a caracterizar a resistência à pretensão do autor.
Deveras, de acordo com o entendimento jurisprudencial adotado por esta Corte Regional, tratando-se de ação de cunho previdenciário, ainda que não se possa condicionar a busca da prestação jurisdicional ao exaurimento da via administrativa, tem-se por razoável exigir que o autor tenha ao menos formulado um pleito administrativo - e recebido resposta negativa - de forma a demonstrar a necessidade de intervenção do Poder Judiciário ante a configuração de uma pretensão resistida.
Conclui-se, assim, pela aplicação aos segurados da exigência de prévia provocação da instância administrativa para obtenção do benefício e, somente diante de sua resistência, viabilizar a propositura de ação judicial.
Aliás, é nesse sentido a decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 631.240/MG, com repercussão geral reconhecida:
In casu, todavia, verifica-se que o feito encontra-se sentenciado com análise de mérito, tendo sido julgada procedente a pretensão da autora com a concessão do benefício pretendido. Desta forma, ainda que não tenha havido o requerimento administrativo prévio, que em um primeiro momento poderia se caracterizar como um impeditivo para o prosseguimento do feito, nesta fase processual não se mostra aceitável a sua exigência, posto que mais do que constituída a lide, já foi declarado o direito.
Passo ao exame do mérito.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Conforme cópia do documento de identidade de fls. 16, tendo a parte autora nascido em 01º de julho de 1948, contava com 61 anos de idade no momento do ajuizamento da ação, e dessa forma o pleito baseia-se em suposta deficiência ou incapacidade do postulante.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
A parte autora relata que é portadora de diversos problemas de saúde (clavícula fraturada, intoxicação química pulmonar e problemas auditivos e visuais), condição que a torna incapaz para o trabalho.
O laudo médico pericial elaborado em 28.05.2014 (fls. 178/183) indicou a inexistência de incapacidade para o trabalho.
Em que pese a declaração do médico perito, consta em seu laudo que de fato o requerente apresenta doença pulmonar obstrutiva crônica e hipertensão arterial há cinco anos. Os documentos médicos de fls. 38/52 e 96/103 indicam que desde o ano de 2005 o autor realiza acompanhamento médico, com relato de diversas enfermidades. Nota-se que o quadro clínico do autor foi se agravando no decorrer dos anos, inclusive com o surgimento de novas patologias.
Depreende-se do conjunto probatório que o requerente, com baixou grau de escolaridade, já com idade avançada, e estado de saúde debilitada pelos diversos males que o acometem, não tem condições de exercer atividade laborativa para seu sustento.
Assim, restando atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social elaborado em 08.12.2013 (fls. 148/159) revela que a parte autora reside sozinho, em casa própria, de alvenaria com apenas um cômodo, em precárias condições.
O autor possui renda mensal no valor aproximado de R$ 50,00, advinda do trabalho coletando material reciclável.
Relatou despesas com medicação (R$ 50,00), água (R$ 11,40) e gás (R$ 50,00). Os filhos ajudam com a alimentação.
O relatório social indica que o requerente vive em situação de hipossuficiência, passando muitas dificuldades, e que a sua renda familiar é insuficiente para lhe suprir as necessidades básicas.
Desta forma, considerando o conjunto probatório que se apresenta nos presentes autos, verifico estarem preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício.
Com relação aos honorários de advogado, estes devem ser fixados em 10% do valor da condenação, consoante entendimento desta Turma e artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, aplicável ao caso concreto eis que o recurso foi interposto na sua vigência, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, não se aplicando, também, as normas dos §§ 1º a 11º do artigo 85 do CPC/2015, inclusive no que pertine à sucumbência recursal, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Enunciado Administrativo nº 7/STJ).
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de correção de ofício, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
Assim, corrijo a sentença para fixar os critérios de correção monetária e juros de mora, estes a partir da citação, de acordo com o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Insta esclarecer que não desconhece este Relator o alcance e abrangência da decisão proferida nas ADIs nºs 4.357 e 4.425, nem tampouco a modulação dos seus efeitos pelo STF ou a repercussão geral reconhecida no RE 870.947 pelo E. Ministro Luiz Fux, no tocante à constitucionalidade da TR como fator de correção monetária do débito fazendário no período anterior à sua inscrição em precatório.
Contudo, a adoção dos índices estabelecidos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal para a elaboração da conta de liquidação é medida de rigor, porquanto suas diretrizes são estabelecidas pelo Conselho da Justiça Federal observando estritamente os ditames legais e a jurisprudência dominante, objetivando a unificação dos critérios de cálculo a serem adotados na fase de execução de todos os processos sob a sua jurisdição.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, não conheço da remessa necessária, rejeito a preliminar arguida pelo INSS e, no mérito dou parcial provimento à sua apelação, para reduzir a verba honorária.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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