D.E. Publicado em 04/03/2015 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da autora e dar parcialmente provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010575-64.2008.4.03.6112/SP
VOTO
Senhores Desembargadores, cuida-se de duplo apelo interpostos pelas partes, contra sentença de procedência proferida no bojo da ação ordinária ajuizada com vistas à reparação por danos morais ocasionados em virtude de o INSS tê-la cadastrado em seu banco de dados, de forma indevida, na condição de aposentada por invalidez, o que lhe trouxe dificuldades para o recebimento do seguro-desemprego.
Ab initio, afasta-se a preliminar de ilegitimidade passiva.
Pelo que se depreende da análise dos autos, o bloqueio do seguro-desemprego da autora decorreu da constatação pelo Ministério do Trabalho e Emprego de registro de benefício previdenciário de aposentadoria vinculado ao seu nome e número do PIS (fls. 30 e 41).
O bloqueio realizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego decorreu do cadastramento indevido da autora como segurada aposentada realizado pelo INSS, em seu banco de dados, quando, na verdade, esta era, apenas, beneficiária de pensão alimentícia.
Pois bem.
A filha da mesma era beneficiária de pensão alimentícia decorrente de decisão judicial oriunda da Segunda Vara Judicial da Comarca de Paraguaçu Paulista (fls. 25/26).
O INSS, ao proceder à implantação do desconto correlato no benefício de aposentadoria por invalidez do genitor da infante, cadastrou a autora, representando a menor, como beneficiária da pensão alimentícia. Contudo, lançou neste cadastro o mesmo código do benefício de aposentadoria por invalidez, fato este que não foi negado pela autarquia previdenciária, conforme se pode verificar da contestação e das razões de apelação.
Com esta conduta do INSS, o Ministério do Trabalho e Emprego foi induzido em erro e acabou por bloquear o seguro-desemprego devido à autora.
De fato, segundo o teor do disposto no art. 3º, inciso III, da Lei nº 7.998/1990, a percepção deste benefício é fato impeditivo ao recebimento daquele seguro.
Ocorre que, no caso, a conduta indicada como lesiva não consiste no bloqueio do seguro-desemprego por parte do Ministério do Trabalho e Emprego, mas no cadastramento indevido efetivado pelo INSS quando da implantação da pensão alimentícia em nome da autora sob o código da aposentadoria por invalidez, fato este determinante para aquele bloqueio.
A alegação do INSS no sentido de que tal verba está corretamente identificada no sistema como pensão alimentícia e, não, como aposentadoria, através da inscrição "RECEBE PA", não tem o condão de excluir sua responsabilidade, pois tal anotação não é do conhecimento de terceiros, estranhos aos quadros do instituto, os quais não possuem a obrigação de ter conhecimento da miríade das siglas adotadas pela autarquia previdenciária em seu âmbito.
Assim, considerando que a causação do dano se deu por conduta comissiva do INSS, verifico que o ente previdenciário é parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda.
Passo à análise da prejudicial de mérito atinente à prescrição.
Aduz o INSS que após a vigência do Código Civil de 2002, a teor do artigo 206, §3º, inciso V, a prescrição para a reparação civil passou a ser de três anos, posto que este prazo é mais benéfico para a Fazenda Pública do que aquele estabelecido pelo Decreto nº 20.910/1932, bem como porque o artigo 10 do referido Decreto estabelece que se outras leis prescreverem prazos prescricionais menores devem ser aplicadas para favorecer a Fazenda Pública.
Embora os entendimentos sobre o tema fossem antagônicos nas searas doutrinária e jurisprudencial, a matéria foi pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no sentido de aplicação às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública do prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/1932, em detrimento do prazo trienal contido no Código Civil de 2002, sob o fundamento da especificidade do Decreto nº 20.910/1932.
Nesse sentido:
(REsp 1.251.993/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 19/12/2012).
Nesse contexto, considerando que a suspensão do pagamento do seguro-desemprego, na primeira ocorrência, se deu em junho de 2005 e o ajuizamento da ação data de 05.08.2008, inviável o reconhecimento da prescrição, posto que, nos termos da norma aplicável ao caso - Decreto nº 20.910/32 -, não fluiu o lapso de cinco anos.
Ingressando na análise do mérito, a r. sentença merece ser reformada em parte, no tocante ao quantum indenizatório e à incidência da Lei nº 11.960/2009.
O INSS, em suas razões de apelação, sustentou que nenhum dos pressupostos caracterizadores da obrigação de indenizar foi demonstrado, assim como os danos morais suportados pela autora.
Não é o que se verifica da prova carreada ao bojo dos autos.
O tratamento a ser dispensado à hipótese do presente feito é o da responsabilidade objetiva do Estado, que está consagrado no art. 37, §6º, da Constituição Federal, cujo reconhecimento requer, apenas, a comprovação do nexo causal entre a conduta lesiva imputável a um agente público no exercício de suas funções e o dano indenizável, sem perquirição quanto a eventual culpa.
Nesse contexto, para o reconhecimento do pleito indenizatório formulado pela autora, basta a comprovação de que da conduta do INSS - implantação da pensão alimentícia em nome da autora sob o código da aposentadoria por invalidez - decorreram danos morais indenizáveis.
O dano moral é aquele que afeta os direitos da personalidade e, de alguma forma, viola a moral e a dignidade da pessoa humana, sendo, pois, insuscetível de avaliação pecuniária.
Para a sua caracterização e incidência do dever de indenizar, não se mostra necessária a efetiva comprovação de prejuízo ocasionado à parte, mas que do fato danoso decorra angústia, humilhação, desonra ou sofrimento que exceda ao mero aborrecimento, inconveniente ou dissabor, sentimentos que sejam aptos a ocasionar prejuízos à integridade mental do indivíduo.
É o que acontece na hipótese dos autos.
O bloqueio e consequente suspensão do pagamento das parcelas do seguro-desemprego, verba de natureza alimentar e necessária à subsistência temporária do trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, é acontecimento apto a gerar perturbações psicológicas no indivíduo que extrapolem ao mero aborrecimento, dissabor ou inconveniente, caracterizando-se, de fato, como dano moral indenizável.
Não há dúvidas de que o bloqueio do seguro-desemprego da autora interferiu sobremaneira em seu comportamento psicológico, causando-lhe aflições, angústias e sofrimentos, pois estando desempregada e percebendo uma pensão alimentícia no valor aproximado de R$ 180,00 (fls. 93), não tinha como prover o seu sustento e o da filha menor (fls. 29), o que, por certo, influiu de maneira desfavorável sobre sua saúde mental, principalmente se for considerado que na primeira vez que o bloqueio ocorreu foram necessários seis meses para que conseguisse voltar a receber o benefício que lhe era devido (fls. 31).
Não bastassem todos estes sofrimentos e dissabores ocasionados no ano de 2005, o INSS quedou-se inerte em corrigir o cadastro da autora e, no ano de 2008, ao ser dispensada sem justa causa de outro emprego, os mesmos sofrimentos e aflições se repetiram na vida da mesma, pois, novamente, as parcelas do seguro-desemprego a que fazia jus foram bloqueadas pelo mesmo motivo, conforme se depreende dos documentos acostados às fls. 43/44.
Nesse diapasão, entendo caracterizados todos os pressupostos necessários à caracterização da obrigação de indenizar, assim como os danos morais suportados pela autora.
Passo à análise do pleito voltado ao reconhecimento do dano moral fundamentado na perda de oportunidades de emprego formal em razão de seu cadastramento indevido no INSS como beneficiária de aposentadoria por invalidez.
Em suas razões de apelação, a autora assevera que seu depoimento e a oitiva das testemunhas comprovam que o indevido cadastro no INSS na condição de beneficiária de aposentadoria por invalidez, motivando a perda de oportunidades de emprego formal e que, pelo fato de não ter conseguido emprego com registro na CTPS, não consegue se aposentar.
Acertada a decisão do juízo a quo que não reconheceu o dano moral alegado.
A autora foi cadastrada no banco de dados do INSS, na condição de aposentada por invalidez, em novembro de 2004 (fls. 38), situação esta que perdurou até 10.06.2010, quando a pensão alimentícia erroneamente cadastrada pelo INSS como aposentadoria por invalidez foi transformada em pensão por morte (fls. 205).
Conforme demonstra o CNIS acostado às fls. 204, no período compreendido entre novembro de 2004 a 10.06.2010, a autora conseguiu formalizar vínculo empregatício, o que comprova que seu indevido cadastro como aposentada não constituiu um óbice à obtenção de emprego formal.
Configurados os prejuízos morais decorrentes do cadastramento indevido da autora, conduta esta imputável ao INSS, resta proceder à análise do quantum indenizatório.
Tratando-se de dano moral, em que os critérios norteadores não foram previstos expressamente pelo legislador, a única forma de se fixar a indenização é através do arbitramento pelo magistrado.
Assim, mostra-se imprescindível a utilização de critérios de adequação, razoabilidade e proporcionalidade na busca pela fixação do quantum indenizatório.
O valor da indenização deve ser suficiente para desencorajar a reiteração de condutas ilícitas lesivas por parte do réu e, ao mesmo tempo, amenizar, na medida do possível, o sofrimento carreado à parte lesada. Além disso, não pode se mostrar excessivo diante da ofensa para que não seja fonte de enriquecimento ilícito.
O juízo a quo, com fundamento na gravidade do dano, no tempo em que a autora demorou para receber integralmente o seguro-desemprego, na falta de correção do cadastro pelo INSS, na reincidência da ocorrência e na situação financeira da mesma, condenou a autarquia previdenciária a pagar o montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais).
Contudo, levando em consideração as peculiaridades do caso, notadamente que, embora a destempo, todas as parcelas do seguro-desemprego foram pagas, o período que se viu privada do recebimento de ditas parcelas, que, na primeira ocorrência, foi de seis meses e, na segunda, de apenas dois meses, a reincidência da ocorrência, bem como a condição econômica da autora e a situação deficitária do réu, a importância de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) parece mais adequada e razoável para fazer face a dissuadir práticas semelhantes e, ao mesmo tempo amenizar o sofrimento dela, sem, contudo, promover o seu enriquecimento ilícito.
Passo a analisar o pleito do INSS para aplicação da Lei nº 11.960/2009 com relação aos juros de mora.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça possuem entendimento alinhado no sentido de que a norma relativa aos juros de mora tem caráter processual, devendo, assim, incidir de imediato aos processos em andamento.
Assim, a Lei nº 11.960/2009 deve incidir desde a data de sua vigência, que se deu com a publicação em 30.06.2009.
Sobre o respectivo valor deve incidir correção monetária desde a data da sentença (Súmula 362/STJ: A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento), atualizados nos moldes da Resolução nº 267/2013 do Conselho da Justiça Federal, que aprovou o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, já considerados os ajustamentos decorrentes do quanto decidido nas ADI's 4357 e 4425, item 5 das ementas publicadas em 26.09.2014 e 19.12.2013, respectivamente, em especial a inconstitucionalidade por arrastamento da Lei nº 9.494/97 retornando ao panorama anteacto, qual seja, a correção monetária estabelecida na Lei nº 10.192, de 14.02.2001, na MP n. 1973-67, de 26.10.2000, convertida na Lei n. 10.522, de 19.07.2002, que determina a aplicação do IPCA-E/IBGE.
No tocante aos juros de mora, abordados no item 6 das ementas das ADI's acima referidas e incidentes a partir da data do evento danoso (Súmula 54/STJ), cabe registrar que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sede de representativo da controvérsia, Recurso Especial Repetitivo 1.270.439/PR, alinhado ao acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4.357/DF, que declarou a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 5º da Lei 11.960/2009, assentou entendimento de que a inconstitucionalidade se refere apenas aos critérios de correção monetária ali estabelecidos, permanecendo esta eficaz em relação aos juros de mora, exceto para as dívidas de natureza tributária. Assim, no caso, tratando-se de danos morais, os juros de mora a serem aplicados serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica aplicáveis à caderneta de poupança.
Nesta esteira, a correção monetária e os juros fluirão, respectivamente, a partir da data do arbitramento e do evento danoso, mas, no caso, incidindo a Lei nº 11.960/2009, desde a data de sua vigência, com os ajustes determinados na referida ADI 4357.
Passo à análise do pleito da autora para majoração dos honorários advocatícios fixados.
Os honorários advocatícios devem ser mantidos no patamar de 10% sobre o valor da condenação, critério este que atende aos ditames instituídos nos §§3º e 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil.
ANTE O EXPOSTO, nego provimento ao apelo da autora e dou parcial provimento ao apelo da União, para reformar a r. sentença, nos termos supracitados.
É o voto.
ROBERTO JEUKEN
Juiz Federal Convocado
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Data e Hora: | 26/02/2015 17:27:29 |